Figura 01: São José Escultor;
Escultura em madeira (cedro e jacarandá);
58x51x33cm
Foto: Maria Regina Emery Quites
Figura 02:São José Escultor, Detalhe 1
Foto: Alessandra Rosado
Figura 03: São José Escultor, Detalhe 2
Foto: Alessandra Rosado
SÃO JOSÉ ESCULTOR: REFLEXÕES ICONOGRÁFICAS ENTRE O SANTEIRO E O ARTISTA MESTRE EXPEDITO RIBEIRO, PORTO FIRME, MG
Escultura: São José escultor
Autoria/atribuição: Expedito Ribeiro
Técnica: Escultura policromática em madeira (cedro e jacarandá)
Dimensão aproximada: 58cm x 51cm x 33cm
Origem: Porto Firme, MG
Época: Século XXI
Expedito Sobreira Ribeiro, escultor mineiro da cidade de Porto Firme, produz majoritariamente figuras devocionais em madeira há mais de quarenta anos, e, dentre as imagens mais tradicionais como as dos franciscanos Francisco e Antônio, a do mártir Sebastião, do próprio Jesus crucificado e de algumas invocações Marianas, o artista também se deixa levar pela criatividade quando esculpe figuras como a de “São José Escultor” (Figura 01), que será brevemente analisada no presente texto.
A escultura é policromática, ou seja, feita com dois tipos diferentes de madeira (cedro e jacarandá caviúna), o que confere colorações distintas entre a representação das ferramentas de madeira escura e os demais elementos que compõem a peça, apresenta uma cena de oficina de trabalho, na qual o homem adulto, São José (Figura 02), ensina ao jovem Jesus (Figura 03) o ofício de esculpir. Ambas as figuras são representadas em pé, vestindo túnicas que os cobrem do pescoço aos pés, que possuem mangas alongadas, porém não tão largas. Diferente da figura juvenil, o adulto tem a cintura cingida por uma espécie de tala ou cinta, presa ou amarrada ao lado esquerdo, donde pendem duas extremidades. Ambos estão a esculpir na madeira duas cabeças humanas, fixas uma em cada um dos dois tornos, e a manusear ferramentas de entalhe, formões/goivas e macetes. É importante evidenciar o movimento existente no ato representado, o menino olha para as mãos do adulto e repete os mesmos gestos ao segurar a ferramenta de corte com a mão esquerda e o macete com a direita, e, por sua vez, no adulto verifica-se que a instrução está sendo bem executada pelo aprendiz.
Além das figuras já citadas, compõem também a cena ao centro, um “tronco” encimado pela representação do Divino Espírito Santo (pomba e resplendor) no qual São José pendura seu manto, antes de começar o trabalho. No canto inferior esquerdo, um machado cravado num cepo ou toco de madeira.
Numa perspectiva iconográfica, São José geralmente é representado nas imagens devocionais tendo como referência episódios de sua vida citados em alguns trechos dos evangelhos como, nas representações da Natividade, presente nos presépios (Mateus 2:1; Lucas 2:4), na fuga para o Egito com o próprio São José de Botas, que representa a figura do viajante (Mateus 2:13-23) e na de José, o carpinteiro. A propósito, há uma citação bem direta à profissão do santo no versículo 55, do capítulo 13 do evangelho de Mateus: “Esse homem não é o filho do carpinteiro? Sua mãe não se chama Maria, e seus irmãos não são Tiago, José, Simão e Judas?”, passagem que apresenta o comentário de alguns personagens presentes na Sinagoga ao se referirem a Jesus, já adulto, que na ocasião ensinava naquele espaço, no dia de sábado (dia sagrado para o judeu). Sobre essa mesma passagem, o versículo 3 do 6º capítulo do evangelista Marcos refere-se ao próprio Jesus como trabalhador: “Esse homem não é o carpinteiro, filho de Maria, irmão de Tiago, de Joset, de Judas e de Simão? E suas irmãs não moram aqui conosco? E ficaram escandalizados por causa de Jesus”.
Tais citações direcionam para a conclusão de que José de fato trabalhava como carpinteiro e que introduziu o filho ainda jovem no ofício. No entanto, não há nenhum registro de que José tenha, em algum momento de sua vida, trabalhado como escultor. Evidentemente que, a similaridade entre as ferramentas utilizadas em ambos os ofícios (carpintaria e escultura), bem como a utilização da mesma matéria prima (madeira) confere às duas profissões mais pontos de proximidade do que divergentes.
Assim, vale destacar que a relação de metalinguagem, estabelecida por Mestre Ribeiro, em sua representação de “São José Escultor”, revela mais sobre o artista em questão do que a própria iconografia do Santo trabalhador. O artista se apropria de tais aspectos quando transfere para a cena esculpida a representação dos objetos da sua própria realidade como escultor: o torno, as ferramentas de corte, o modo de posicionar-se fisicamente diante do trabalho, as dimensões dos objetos e suas respectivas proporções (torno próximo a altura da cintura). Quando observada de frente percorre-se com os olhos a composição triangular que se inicia no menino, juntamente com seus apetrechos de trabalho, em seguida o olhar se encaminha na direção à José, passa pelo tronco com o manto, pelo Divino, no topo da obra, e se encerra no pedaço de madeira, golpeado pelo machado no chão da oficina.
Este último detalhe se faz relevante quando se tem conhecimento do processo criativo do escultor em estudo e se estabelece mais uma relação entre produção e obra. Mestre Ribeiro planta a árvore que irá fornecer a matéria prima para o seu trabalho futuro, e, portanto, a beneficia: corta, lavra, desdobra e, por fim, esculpe. A figura do cepo com machado, representado na imagem, faz uma alusão clara a esse movimento cíclico de trabalho que está por vir, da matéria que se transformará em objeto, de continuação do processo criativo.
Adriano de Souza Bueno
Paraná, 22 de agosto de 2021.
Referências Recomendadas:
PANOFSKY, Erwin. Iconografia e Iconologia: Uma introdução ao Estudo da Arte da Renascença. In: Significado nas artes visuais. São Paulo: Perspectiva, 1976. p.47-87.
PORTUGUÊS. Evangelho. Edição Pastoral. São Paulo: Sociedade Bíblica Católica Internacional e Paulus, 2001.
MENEZES, Noeli. Artista Mineiro abre Centro Cultural. Jornal Folha de São Paulo, 14 de janeiro de 2000.
Disponível em: <https://www1.folha.uol.com.br/fsp/ilustrad/fq1401200033.htm>. Acesso em: 07 de agosto de 2021.
Data de recebimento: 21/08/2021
Data de aprovação: 22/08/2021