Escultura & Texto

Figura 1: Retábulo do Senhor do Descendimento. Matriz de Santo Antônio, Tiradentes, MG

Foto: Olinto Rodrigues

Figura 2: São Joaquim (antes da restauração) Matriz de Santo Antônio, Tiradentes, MG

Foto: Cristiano Felipe Ribeiro

Figura 3: São Joaquim (após a restauração) Matriz de Santo Antônio, Tiradentes, MG

Foto: Cristiano Felipe Ribeiro



SÃO JOAQUIM,

O ESPOSO DE SANT´ANA


Escultura: São Joaquim

Autoria: Rodrigo Francisco Vieira

Técnica: tela encolada, madeira, cera, policromia e rendas

Dimensão aproximada: 86,5 x 32,5 x 29 cm

Origem: Minas Gerais

Procedência: Matriz de Santo Antônio de Tiradentes-MG

Época: Século XVIII (1753)1


Na nave da Matriz de Santo Antônio de Tiradentes se localiza um retábulo de talha dourada, do lado do evangelho, mandado construir pela Irmandade do Bom Jesus do Descendimento da Cruz em 1734, executado pelo entalhador bracarense Pedro Monteiro de Souza (1696 - ?)2. O retábulo abrigava, originalmente, as imagens de Jesus Cristo Crucificado, Nossa Senhora do Pé da Cruz e São João Evangelista, formando o conjunto do Calvário. Neste altar também funcionou, entre 1740 e 1790, a Irmandade de São João Evangelista, composta por homens pardos, que depois construiu sua própria Capela. (Figura 1)

Na década de 1750, a Irmandade do Bom Jesus do Descendimento recebeu a doação de uma bela imagem de Sant’Ana Mestra, de excelente escultura e rica policromia estofada a ouro, possivelmente proveniente das oficinas de Lisboa.

Para acomodar a doação feita pelo padre Antônio Veloso do Carmo, foi necessário criar um nicho lateral, suprimindo uma coluna da área mediana do retábulo. Mesmo assim, a imagem ficou um tanto grande para a profundidade do nicho, ficando parte da base para fora.

Para fazer correspondência, a irmandade abriu um outro nicho semelhante do outro lado do retábulo (à esquerda) e nele fez colocar a imagem do marido de Sant’Ana, São Joaquim, segundo a tradição, avós de Jesus. Como não havia imagem deste santo na igreja, a irmandade teve que mandar fazer uma. Ainda em 26 de junho de 1753, consta em um acórdão que “convieram a todos que se fizesse uma imagem do Snr° São Joaquim pa. se pôr no altar de sua parte e Sant’Ana de outra...” 3

No mesmo ano fiscal de 1753, consta que a irmandade pagou “a Rodrigo Franc° de feitio da Imagem do Snr° São Joaquim. 22 ½” 4.

Por esses documentos, ficamos sabendo que a irmandade contratou a execução da imagem de São Joaquim ao santeiro Rodrigo Francisco Vieira pelo pequeno preço de vinte e duas oitavas e meia de ouro.

Certamente, não tendo grandes cabedais, a irmandade encomendou a esse artesão uma imagem de valor menor e executada em tecido ou tela grossa, enrijecida com cola e cera, sendo apenas a peanha, as mãos e o cajado em madeira.

Outras imagens desta técnica em tela encolada encontram-se na igreja Matriz e em outras igrejas de Tiradentes. Na Matriz vamos encontrar os dois crucifixos dos nichos das sacristias; o busto de São João Evangelista de Roca, localizado no mesmo altar; e a imagem de São Sebastião, que fica no nicho do altar-mor. Na igreja de Nossa Senhora das Mercês temos uma imagem de Nossa Senhora do Parto e na Igreja de São João Evangelista uma imagem de São Francisco de Assis, ambas hoje no Museu da Liturgia da Paróquia de Tiradentes. Ao que parece, esse conjunto de imagens de tela encolada pode ser atribuído a esse Rodrigo Francisco, do qual nada se sabe.

Ainda em fins do século XVIII, o entalhador Salvador de Oliveira foi contratado pela Irmandade do Descendimento para fazer uns “plintos” ou peanhas para as imagens de Sant’Ana e São Joaquim, agora com decoração de gosto rococó em cacheados dourados sobre fundo branco, que sobreviveram até a atualidade.

Sabemos, por tradição oral, que, nos anos 1950 ou 1960, a imagem teria sido levada para o Rio de Janeiro por Manoel Morais Batista Neto, tiradentino que lá morava, para ser restaurada por estar em péssimo estado de conservação. Não se sabe ao certo, mas acho que o trabalho foi feito pela famosa “Casa Sucena”, a grande fornecedora de artigos religiosos para todo o Brasil por mais de 150 anos. O que se viu não foi uma restauração e sim uma repintura total nas cores verde, marrom, vermelho e rosa com detalhes dourados. A antiga renda dourada foi substituída por uma renda larga de algodão enrijecida.(Figura 2)

A imagem é estruturada sobre uma peanha de madeira com moldura côncava marmorizada, o corpo todo feito em tela encolada, tem dentro um apoio de madeira. A cabeça em tela encolada com carnação rosada, apresenta longa barba e cabelos curtos com pequena calvície que identifica o santo, tudo feito com uma fibra natural do tipo bromélia que cresce nas árvores da região. As mãos foram esculpidas em madeira delicadamente, sendo que a direita segura um cajado em T e a esquerda segura o manto.

É preciso que se diga que a técnica usada por esse artista é rara no Brasil e, em Minas Gerais, só encontramos algumas peças em Tiradentes, São João del Rei e Prados. Esse santeiro trabalhou em outros materiais, pois a ele pode ser atribuída a imagem do São José do nicho do Chafariz de Tiradentes (1749), em terracota, e as figuras do presépio de Maria José Veloso (Sá Cota Veloso), também em terracota e hoje no acervo do Museu de Arte Sacra de São Paulo. Além disso, podem ser atribuídas a ele também as imagens de São José e Santo Antônio da capela de Nossa Senhora da Penha de França do Bichinho, esculpidas em madeira.

No ano de 2021, a imagem foi restaurada por Cristiano Felipe Ribeiro da empresa Ânima, com recursos da paróquia. Após prospecção, constatamos a existência de pintura subjacente e decidimos, com o restaurador, remover a repintura que muito descaracterizava a imagem.

Além da remoção da pintura, foi feita a reestruturação da peça com aplicação de cola. Foi bastante gratificante encontrar um tom ocre, rosado e dourado, tanto no manto quanto na túnica, com belos acantos do tipo arabescos em ouro e prata e uma carnação de melhor qualidade no rosto e nas mãos. Na peanha foi encontrado outro marmorizado em tons bege e preto. (Figura 3)

Concluindo a restauração, foi retirada a renda de algodão e aplicada uma nova renda dourada, mais estreita, de origem portuguesa.

É notável a grande valorização da imagem após a remoção da repintura e a perfeita integração ao nicho no altar em tons semelhantes à imagem e a sua correspondente, Sant’Ana.

Olinto Rodrigues dos Santos Filho

Tiradentes, 13 de março de 2022.


Notas:

1 Inventário Nacional de bens móveis e integrados, 13ª SR/IPHAN-MG. Ficha da imagem de São Joaquim (Escritório Técnico de Tiradentes).

2 SANTOS FILHO, Olinto Rodrigues. A Matriz de Santo Antônio em Tiradentes. Brasília: Iphan, 2010.

3 Livro de Receita e Despesa da Irmandade do Bom Jesus do Descendimento 1736-1770, folha 45. Arquivo Paroquial de Tiradentes.

4 Livro de Receita e Despesa da Irmandade do Bom Jesus do Descendimento 1736-1770, folha 47. Arquivo Paroquial de Tiradentes.


Referências Recomendadas:


MEDEIROS, Gilca Flores de; MONTE, Eliane. Obras em tela encolada em Minas Gerais: Estudo e Catalogação. Revista Imagem Brasileira. n. 2, jan. 2003. pp. 169-174. Disponível em: https://www.eba.ufmg.br/revistaceib/index.php/imagembrasileira/article/view/52. Acesso em: 14 de março de 2022.

MEDEIROS, Gilca Flores de. Rodrigo Francisco Vieira e as imagens em tecido: uma técnica inusitada, um autor reconhecido. Revista Imagem Brasileira. n. 5, jan. 2009. pp. 147-153. Disponível em: https://www.eba.ufmg.br/revistaceib/index.php/imagembrasileira/article/view/125. Acesso em: 14 de março de 2022.

SANTOS FILHO, Olinto Rodrigues. A Matriz de Santo Antônio em Tiradentes. Brasília: Iphan, 2010.

Autor(a):

Olinto Rodrigues dos Santos Filho

olintorsantos@hotmail.com

https://orcid.org/0000-0002-3243-2305

Data de recebimento: 13/03/2022

Data de aprovação: 14/03/2022