Escultura & Texto

Figura 01: Imagem de Santo Alexandre com relicário, datada do século XVIII.

Fonte: MARTINS, 2009, p.414


Figura 02: Parede onde estaria a Capela do transepto, lado da Epístola.

Fonte: MARTINS, 2009, p.352


Figura 03: Iconografia de Santo Alexandre.

Fonte: GIORGI, 2002, p.23


SANTO ALEXANDRE,

UMA ESCULTURA INCOMUM EM BELÉM, PA


Escultura: Santo Alexandre

Autoria/atribuição: Oficina Jesuítica

Técnica: Escultura em madeira policromada

Dimensão aproximada: 1,72m(alt.) x 0,82m(larg.) x 0,52m(prof.)

Origem: Belém, Acervo do MAS - PA/05.0001-0053,

Coleção da Arquidiocese

Procedência: Museu de Arte Sacra do Pará

Época: Século XVIII


Atualmente a imagem (Figura 01) está localizada no transepto esquerdo da então Igreja de São Francisco Xavier, hoje Museu de Arte Sacra do Pará, sobre uma base de madeira cravada à parede deixada sem revestimento, com o intuito de expor os vestígios de antigas estruturas e servir de pano de fundo para a exposição das imagens do próprio Santo Alexandre, São Bartolomeu, São Miguel e de um Santo Jesuíta (PARÁ, 2005, p.214) (Figura 02).

A devoção a Santo Alexandre e São Bonifácio tem uma história em comum: se iniciou quando o papa Urbano VIII (jesuíta) doou relíquias dos respectivos santos a duas Igrejas localizadas na Amazônia Portuguesa para serem oragos de seus colégios. Essa doação foi um gesto de apoio às missões da Companhia de Jesus no Norte Brasileiro, mesmo que essas relíquias só tivessem chegado ao seu destino oito anos após a morte do Papa, ou seja, em 1652. As relíquias de São Bonifácio foram destinadas ao colégio da Igreja de Nossa Senhora da Luz (cidade de São Luís) e as de Santo Alexandre ao colégio da Igreja de São Francisco Xavier (cidade de Belém) (BOGÉA, BRITO e RIBEIRO, 2009).

Sobre a manufatura da imagem há, no inventário do Museu de Arte Sacra do Pará, a indicação que provém de oficina jesuítica. Na Crônica da Missão da Companhia de Jesus do Estado do Maranhão, de João Felipe Bettendorf consta uma citação que diz que o Padre Bento de Oliveira “mandou fazer pelo entalhador Manuel João” duas imagens que expuseram pela primeira vez no altar (1696) da igreja primitiva e essas duas imagens provavelmente seriam de São Bonifácio e Santo Alexandre (BETTENDORF, 2010, p.724). A respeito do entalhe feito por João Manuel, na publicação Artes e Ofícios dos Jesuítas no Brasil, essas imagens foram talhadas em terras brasileiras (LEITE,1953, p.54).

Há outra versão sobre a origem da escultura: uma “rica imagem de Santo Alexandre, que o governador e capitão general Alexandre Sousa Freire mandara vir de Lisboa, e se benzera a 27 de fevereiro de 1730. Guardaram-se, num sarcófago as relíquias do citado santo” (CARINHAS,1929, p.614).

Acerca de sua iconografia, Réau cita Santo Alexandre I, o Papa, que é festejado no dia 3 de maio. Quinto papa, martirizado em Roma em 120, juntamente com Santo Evêncio e Santo Teódulo (RÉAU, 2000, p.55). Está representado com tiara e sustenta uma palma de martírio. Juan Roig (1950, p.35) confirma essa iconografia e acrescenta que os atributos mais comuns são o báculo pastoral em cruz de triplo travessão, próprio dos papas, palma de mártir e livro. Seu atributo pessoal é um ou mais cravos no peito, na frente ou em várias partes do corpo (ROIG,1950, p.35).

Réau apresenta mais quatro santos de nome Alexandre, o de Bergamo com festa em 26 de agosto, o de Brescia (que é cópia do de Bérgamo) o de Nevski, festejado em 24 de novembro e o de Sauli de Gênova, festejado em 23 ou 24 de abril.

Santo Alexandre de Bérgamo foi porta estandarte da “Legião Tebana”1 e após derrubar e pisotear os ídolos foi decapitado em Bérgamo, por ordem do imperador Maximiniano, em 296. Sua cabeça cortada foi envolvida em uma toalha pela “matrona Grata”2 . As gotas de sangue que caíram na terra se transformaram em um canteiro de flores. A cidade de Bréscia tentou se apropriar desse mártir, forjando o Santo Alexandre de Bréscia que é idêntico ao de Bergamo. Ele é representado como um guerreiro com lança e uma espada, e as vezes com uma palma de martírio. Veste-se como um soldado Romano mostrando um lírio branco, símbolo da Legião Tebana (Figura 03). Em razão de ter sido decapitado numa praça onde se erguia uma antiga coluna, Alexandre é frequentemente descrito como um legionário que coloca seu pé sobre uma coluna (GIORGI, 2002, p. 23).

Santo Alexandre de Nevski foi um grande príncipe de Novogárdia (Rússia), no século XII. Conseguiu uma vitória contra os suecos em 1240 perto da futura capital de Pedro, o Grande. Quando fundou São Petersburgo, Pedro, o Grande o converteu em um santo nacional e dinástico da Rússia.

Finalmente Santo Alexandre Sauli de Gênova, nascido em Milão em 1534, procedia de uma família patrícia de Gênova. Se converteu em um superior geral dos Barnabitas, bisbo de Aleria, em Córsega e de Pavía, onde morreu em 1593.

A imagem apresenta bom estado de conservação, com policromia e douramento, no entanto, não possui os atributos das mãos, mas, pelo fragmento da mão direita, podemos inferir que seja o cabo de uma espada. Certamente essa imagem é de Santo Alexandre de Bérgamo, se considerarmos seu vestuário de soldado. Descarto a possibilidade de Santo Alexandre I e Santo Alexandre Sauli pois não existe nenhuma referência iconográfica a Papa ou a Bispo.

As singularidades dessa imagem são a dedicação incomum a este santo e uma dúvida persistente: qual seria a relação de Santo Alexandre com a Companhia de Jesus? Uma hipótese a ser averiguada estaria implicada à vocação dos jesuítas se autodenominarem soldados de Cristo e desse modo, a necessidade de perpetuar essa imagem aos devotos através da luta pela fé.

Isis de Melo Molinari Antunes

Belém do Pará, 29 de julho de 2021.

Notas:

1 Composta por seis mil seiscentos e sessenta e seis soldados, todos da cidade de Tebas e cristãos já batizados. Estes homens foram martirizados por ordem de Maximiano ao se recusarem a jurar contra os cristãos e a oferecer sacrifícios aos deuses pagãos. DUARTE, Stela Beatriz; LUZ, Guilherme Amaral.

A representação do martírio no" teatro jesuítico da missão”: exemplificação das virtudes na busca pela extinção dos vícios. Horizonte Científico, 2009.

2 Rainha da Germânia, nobre matrona e governadora da república de Bergamo.


Referências Recomendadas:

BETTENDORFF, João Filipe. Crônica da missão dos padres da Companhia de Jesus no estado do Maranhão / João Filipe Bettendorff. - 1a ed. – Brasília: Senado Federal, Conselho Editorial, 2010.

BOGÉA, Kátia; BRITO, Stella; RIBEIRO, Emanuela. A imagem-relicário de São Bonifácio a pedra fundamental da missão da Companhia de Jesus no Grão-Pará e Maranhão. Revista Imagem Brasileira. CEIB, Belo Horizonte, nº05, 2009.

CARINHAS, Teófilo (Org.). Álbum da colônia portuguesa no Brasil. Rio de Janeiro/Lisboa: Carinhas & Cia Ltda, 1929.

GIORGI, R., Santi, I dizionari dell’arte, Mondadori Electa;

Illustrated edición Milano 2002.

LEITE, Serafim. Artes e Ofícios no Brasil (1549-1760).

Lisboa. Edição Brotéria, 1953.

MARTINS, Renata Maria de Almeida. Tintas da Terra, Tintas do Reino: arquitetura e arte nas missões jesuíticas do Grão-Pará (1653-1759). Tese. FAU-USP, 2009.

PARÁ Secretaria Executiva de Cultura do Estado. Feliz Luzitânia/Museu de Arte Sacra – Belém. SECULT, 2005.

RÉAU. Louis. Iconografía del Arte Cristiano: iconografia de los santos A-F. Tomo 2/Vol.3 Barcelona, Ediciones del Serbal, 2000.

ROIG, Juan Ferrando, PBRO. Iconografia de los santos. Barcelona. Ediciones Omega. S.A, 1950.

Data de recebimento: 28/07/2021

Data de aprovação: 30/07/2021