Figura 01: Menino Jesus bendizente com buquê
Foto: Maria Regina Emery Quites - 2011
MENINO JESUS BENDIZENTE COM BUQUÊ:
VARIAÇÕES ICONOGRÁFICAS COM COMPLEMENTOS EM TEXTIL, LEIRIA, PORTUGAL
Escultura: Menino Jesus
Autoria: desconhecido
Técnica: madeira policromada, talha inteira,
com complementação de vestes em tecido
Dimensão aproximada: 35x14x12cm
Procedência: Leiria, Portugal
Época: Século XIX
A imagem do menino Jesus deslocada de todo o seu contexto simbólico, aparece na Itália já no século XIV e, em Flandres, no século seguinte. Segundo Schenone (1998), diferentes formas de representação do Menino Deus Infante foram produzidas ao longo do tempo. Sendo esta uma imagem familiar representada de pé, sentada, reclinada ou dormindo, e vestida de diferentes maneiras.
Será no interior das Ordens Religiosas que a devoção ao Menino Jesus se desenvolverá com maior força, sobretudo nos conventos femininos, onde as primeiras imagens isoladas terão grande profusão durante o século XIV. Mas é a partir dos séculos XV e XVI, que se sobressaem as figuras do menino despido, carregando a nudez que surge como marca da sua humanidade. A variedade iconográfica que essas imagens assumiram nos conventos pode ser relacionada à afirmativa de Schenone (1998) que as coloca como imagens feitas para receberem vestes em tecido, e com cabeça e cabelos em formato adequado para serem coroados.
Ana Alcoforado, no Catálogo “O menino dos Meninos", do Museu Machado de Castro, aponta que era característico o hábito, que se difundiu a partir dos conventos de freiras, de costurar vestes preciosas e fazer joias, assim como objetos de mobiliário para esculturas com representação do Menino Jesus. De acordo com a autora, esta tradição surge no final do século XIX e se propaga até o século XX. Sendo um costume baseado no desejo de manter uma relação de proximidade com o “Salvador”, como acontecia com o kinderwiegen, um “jogo” medieval, que consistia no ato de embalar figuras de Menino no berço, objetivando centrar os pensamentos na sua imagem.
A designação “Menino Jesus” remete à vida de Cristo na sua infância1 e, mais especificamente, aos seus doze primeiros anos de vida, sobre os quais pouco ou nada se sabe, dado que no Novo Testamento, reconhecido pela tradição teológica, não se tem muita referência dos primeiros anos da vida de Jesus, ao contrário dos evangelhos apócrifos. Sendo que a estes textos juntaram-se, ao longo dos tempos, outras lendas que complementam os relatos dos evangelhos, e que foram reunidos em obras como a Legenda Dourada, escrita por Jacobus de Varagine no século XIII.
No que se refere às representações de Jesus Infante, sabemos que há uma grande variedade no programa iconográfico de tal imaginária, conforme descrito no livro “The child Christ in devotional images in Italy during the XIV Centuy”. Entre tais variações listamos: Menino Jesus com os atributos da paixão, Menino Jesus dormindo sobre a cruz, Menino Jesus Bom Pastor, Menino Jesus Crucificado, Menino Jesus de Praga e, a mais recorrente delas, o Menino Deus bendizente (RÉAU, 1957), em que o infante é representado de pé, com mão direita em posição de bênção e com a metade do corpo coberta por um manto ou pano que cai, deixando o torso desnudo. Lembrando que este pode ou não carregar o globo em sua mão esquerda (CUNHA, 1993), sendo esta última variante conhecida como Menino Jesus Salvador do Mundo (SILVA, 2018).
Na verdade, tais representações assumiram particularidades e especificidades, sobretudo se considerarmos a tradição desenvolvida desde o século XIX, propagando-se até o século XX, de se confeccionar vestes para as imagens do Menino Jesus tanto nos conventos femininos, quanto fora deles, sendo levada, inclusive, ao ambiente doméstico (SILVA, 2018). O que nos mostra o quanto a devoção popular propiciará o surgimento de diferentes iconografias de Jesus na sua infância, as quais, nas palavras de Silva (2018), “unem elementos sagrados, de fontes teológicas, com outros de caráter profano, propiciando uma dinâmica que expressa, acima de tudo, a materialização do sagrado”.
O Menino Jesus de Leiria, Portugal, é um exemplo disso. (Figura. 01) E nesse sentido, podemos caracterizá-lo apenas como Menino Jesus Bendizente, uma vez que não há elementos iconográficos para classificá-lo nas representações citadas anteriormente. Podemos justificar tal afirmativa considerando o fato dessa imagem não apresentar atributos que são comuns às representações mais recorrentes de Jesus Infante.
A escultura do Menino Jesus em questão, apresenta-se coroada e com o corpo nu parcialmente coberto por um pano de pureza feito em têxtil. Possui a mão direita em atitude de bendizer, enquanto sustenta com a mão esquerda um ramo de flores e está de pé sobre uma almofada de tecido que, por sua vez, se apoia em uma base. Claramente, essa escultura possui dentre seus atributos, um elemento que não é comum no programa iconográfico das imagens mais representativas do Menino Jesus: o ramo de flores. Este mesmo elemento, curiosamente, também é encontrado nas representações do Menino Jesus do Monte, recorrentes na Bahia (SILVA, 2018).
No nosso caso, a presença das flores como atributo pode ser justificada pela possibilidade dessa imagem ter recebido um molho retirado de uma coroa ou buquê de noiva, feito com flores e folhas de laranjeira artificiais. Segundo a tradição na França, era costume anexar um pequeno ramo de flores de laranjeira, retirados de acessórios utilizados no matrimônio, a uma imagem do menino Jesus e colocá-lo em uma redoma2.
Amanda Cordeiro
Belo Horizonte, 24 de novembro de 2021.
Notas:
1 De acordo com Alcoforado, no Catálogo “O menino dos Meninos”,
o período que remete à infância de Jesus tem início com o seu nascimento, no ciclo do Natal, e encerra com o Menino Jesus entre os Doutores.
2 Informações concedidas por Dominique Poulot, professor da Universidade Paris I – Pantheon Sorbone e especialista em Estudos sobre Noção de Patrimônio e
Museus, em visita ao Centro de Conservação e
Restauração de Bens Culturais Móveis (Cecor) em Novembro de 2011.
Referências Recomendadas:
ALCOFORADO, Ana. O Menino dos Meninos. Catálogo Museu Nacional de Machado de Castro. Disponível em <http://mnmachadodecastro.imc-ip.pt/Data/Documents/cat%C3%A1logo%C2%AEO%20Menino.pdf> Acesso em 27/11/2021.
CORDEIRO, Amanda Cristina Alves; COPPOLA, Soraya Aparecida Álvares; QUITES, Maria Regina Emery. Conservação-restauração dos complementos em têxteis de uma imagem do menino Jesus.
Trabalho de Conclusão de Curso Conservação e
Restauração de Bens Culturais Móveis.
Universidade Federal de Minas Gerais, 2011.
CUNHA, Maria José Assunção da. Iconografia Cristã:
Caderno de Pesquisa. Ouro Preto: UFOP/IAC, 1993.
REAU, Louis. Iconographie de l'art chretien.
Paris: Presses Universitaires de France,
1956-57. V.2.
SCHENONE, Hector. Iconografía del Arte Colonial: Jesus Cristo. Buenos Aires: Fundación Tarea, 1998.
SCHORR, Dorothy C. The Christ Child in Devotional
Images in Italy During the XIV Century.
Nova Iorque: George Wittenborn, 1954.
SILVA, Edjane Cristina Rodrigues da. Menino Jesus Do Monte: Um Estudo Iconográfico. Imagem Brasileira -
Vol 1. n. 09 (2018), Belo Horizonte:
Centro de Estudos da Imaginária Brasileira, 2018.
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Autor(a):
Amanda Cristina Alves Cordeiro
amanda.alves.cordeiro@gmail.com
Data de recebimento: 24/11/2021
Data de aprovação: 27/11/2021