Escultura & Texto

Figura 01: Senhor dos Passos, Conjunto escultórico dos Passos da Paixão, Igreja do Carmo de Ouro Preto, MG


Figura 02: Ecce Homo, Detalhe em perfil(esq.)


Figura 03: Cristo Flagelado, Detalhe


Fonte: Autora, 2013

AS MASCARILLAS DO CONJUNTO ESCULTÓRICO DOS PASSOS DA PAIXÃO, IGREJA DO CARMO,

OURO PRETO, MG

Esculturas: Passos da Paixão de Cristo

Autoria/atribuição: Não identificada

Técnica: Escultura em madeira e metal policromados,

imagem de vestir (Talha inteira)

Dimensão aproximada: Variam entre 1,20 á 1,80 cm de altura

Origem: Não identificada

Procedência: Igreja do Carmo de Ouro Preto, MG

Época: Século XVIII


O conjunto escultórico dos Passos da Paixão está localizado nos retábulos da nave e do consistório da Igreja da Ordem Terceira do Carmo de Ouro Preto (MG) e corresponde às seguintes etapas da vida de Jesus Cristo durante a sua Paixão: Horto; Prisão; Flagelado; Coroado de Espinhos; Ecce Homo; com a Cruz às Costas e o Crucificado. No primeiro Livro de Inventário das Alfaias (1754) e no Estatuto (1755) da ordem já constam tais invocações. No século XVIII, durante as festividades da Semana Santa, essas esculturas eram retiradas de seus retábulos para serem levadas em andor pelas vias públicas no cortejo do Triunfo. Assim, se caracterizam por serem retabulares e processionais, são imagens de vulto de tamanho natural, com cabeleira, olhos de vidro e dentro da categoria da classificação da imaginária, elas variam entre talha inteira e vestir.

Esse acervo possui como singularidade a técnica construtiva da face em metal e policromia. Tal técnica consiste na colocação de uma máscara feita em metal fundido, a partir de um mesmo molde, encaixada ao crânio de madeira, cuja função era definir a fisionomia da imagem e fixar os olhos de vidro. Tal artifício foi frequente na imaginária espanhola, especialmente a Andaluza, durante os séculos XVII e XVIII. Essa tecnologia construtiva difundiu-se nas colônias por meio do intercâmbio de obras e mestres escultores, o que tornou a Escola Quitenha de Imaginária no Equador um importante polo produtor e exportador na América hispânica de imagens sacras “inteiras” ou “por peças” com máscaras em metal.

A técnica é citada como mascarillas em referências latino-americanas. Existem duas vertentes que analisam de maneira dialógica o uso das máscaras metálicas na América espanhola. A primeira defende que a colocação das máscaras foi um “atalho”, um meio mais curto e rápido de abastecimento da demanda local e de exportação por objetos devocionais. As peças eram confeccionadas em série, o que Kennedy-Troya (1998) denominou de uma “industrialização” dos processos produtivos, por meio da manufatura de obras a partir de um modelo e em grande quantidade. A segunda vertente acredita que a sua utilização está vinculada à necessidade de um acabamento refinado e brilhante da policromia, especialmente para os rostos das Virgens, alcançado com a pintura sobre o metal. Segundo Morález (2006), as mascarillas levavam o fiel ao êxtase perante a dramaticidade das imagens religiosas. (Figura 01)

No Brasil, a mascarilla é rara, até o presente momento foi somente encontrada nas esculturas dos Passos da Paixão do Carmo de Ouro Preto. No ano de 2014 realizamos a análise científica de tais imagens no Laboratório de Ciência da Conservação (LACICOR) do Centro de Conservação e Restauração de Bens Culturais (CECOR) da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG). Através das amostras recolhidas da máscara foi possível verificar a liga metálica de chumbo e zinco. Além disso, comprovamos o uso de Caolim, Carbonato de Cálcio, Sulfato de Cálcio hidratado, como cargas para a base de preparação e no caso dos pigmentos foram identificados o branco de chumbo como camada original e o branco de zinco na repintura. Esses materiais condizem com os mesmos empregados na imaginária devocional de madeira do século XVIII. Somado a isso, as Radiografias X permitiram a visualização da delimitação entre a madeira e o metal, os cravos em metal usados para encaixe, as cavidades oculares grandes, cujos olhos de vidro necessitam de massa para modelar as pálpebras, e alguns aspectos da talha.

Provavelmente as máscaras metálicas foram importadas, porém, não do Equador, mas sim, dos reinos ultramarinos, pois não havia circuitos comerciais entre aquelas regiões da colônia. Aliás, foi constatado durante a pesquisa in situ realizada no ano de 2017 em Quito, que a representação do rosto de Jesus, tanto em seus traços formais quanto os materiais empregados, como as cabeleiras, é mais semelhante aos das esculturas ibéricas. Desse modo, o uso de uma técnica em série nos Cristos do Carmo de Ouro Preto foi para representar um único personagem, Jesus Cristo, em diferentes momentos da sua Paixão. Contudo, o acabamento brilhante da policromia sobre o metal das máscaras não pode ser observado em virtude da deterioração da policromia.(Figuras 02 e 03)

Portanto, o estudo da escultura em madeira policromada é amplo e interdisciplinar, esse tipo de investigação ajuda na compreensão das singularidades e preservação do patrimônio brasileiro. A presente pesquisa é resultado de uma investigação de mais de sete anos realizada a partir de uma metodologia de investigação teórico-prática e in loco. O estudo a respeito da máscara de chumbo policromada é ainda recente no nosso país, cremos que essas informações são subsídios para pesquisas posteriores entre o Brasil e sua relação com o restante da América Latina e península Ibérica ao longo dos séculos XVIII e XIX.

Lia Sipaúba P. Brusadin

Ouro Preto, 05 de maio, 2021


Referências Recomendadas:


BRUSADIN, Lia Sipaúba Proença, QUITES, Maria Regina Emery, SOUZA, Luiz Antônio Cruz, LEÃO, Alexandre. O Chumbo na Arte Escultórica: a análises científicas das máscaras metálicas dos Cristos da Paixão do Carmo de Ouro Preto (MG). Patrimonium, Belo Horizonte, vol. 1, n. 2, Dezembro de 2015.

BRUSADIN, Lia Sipaúba Proença, QUITES, Maria Regina Emery. A Técnica da Escultura em Madeira com Máscara de Chumbo Policromadas: a contingência dos Cristos da Paixão da Ordem Terceira do Carmo de Ouro Preto (MG). Visualidades, Goiânia, v. 14, n. 1, Janeiro-Junho de 2016.

BRUSADIN, Lia Sipaúba Proença. Usos e Funções da Mascarilla na Escultura Policromada Devocional Ibero-Americana: paralelo entre Brasil e Equador. Imagem Brasileira, Belo Horizonte, no 10, 2020.

KENNEDY-TROYA, Alexandra. Circuitos Artisticos Interregionales de Quito a Chile. Siglos XVIII y XIX. Historia, vol. 31, 1998.

MORÁLES, Julio César Vásconez. Técnica y Materiales Empleados en la Policromía de la Escultura Colonial Quiteña y su Aplicación con Miras a la Restauración.2006. Tesis Previa a la Obtención del Título de Licenciado en Restauración y Museología – Facultad de Arquitectura, Artes y Diseño, Escuela de Restauración y Museología Universidad Tecnológica Equinoccial (UTE) Quito, Ecuador, 2006.

Data de recebimento: 05/05/2021

Data de aprovação: 08/06/2021