Escultura & Texto

Figura 01: Imaculada Tupãsy, vista frontal


Figura 02: Vista posterior


Figura 03: Detalhe da lateral direita da base

Fotos: Doris Couto - 14/04/2021

A IMACULADA TUPANSY, MUSEU JÚLIO DE CASTILHOS, PORTO ALEGRE, RS


Escultura: Imaculada Tupansy

Autoria/atribuição: Não identificada.

Técnica: Escultura em madeira policromada

Dimensão aproximada:1,32m altura

Origem: RS

Procedência: Museu Júlio de Castilhos/ RS

Época: Século XVII


A singularidade da Imaculada Tupãsy (Mãe de Deus em Guarani) é justamente seu estado de conservação, pois esta escultura, datada do século XVII1, chegou aos dias atuais com poucas perdas em sua talha, além de apresentar estofamento e carnação (Figura 1). A partir da Guerra Guaranítica (1753-1756), os templos dos Sete Povos das Missões entraram num processo de decadência que culminou em abandono e destruição. As imagens que restaram sofreram trânsitos e descuidos, por isso muitas desses remanescentes encontram-se hoje em situação de ruína ou semiarruinados. Há casos de perda de policromia, de elementos faciais, braços e atributos. Particularidades que dificultam a identificação de suas invocações.

Este exemplar jesuítico-guarani, que está abrigado no Museu Julio de Castilhos (Porto Alegre, RS), apresenta uma fatura mista evidenciando a mão indígena em sua talha. A peça não obedece aos cânones de proporção anatômica e seu panejamento é simplificado com os drapeados em cascata e em “V”. Seus traços fisionômicos sugerem uma mulher nativa da região missioneira com maçãs do rosto salientes, lábio superior largo e grosso. Seus cabelos caem pelo ombro em grandes mechas em movimento contido. Esta Nossa Senhora da Conceição mede 1,32m de altura e foi criada para compor um retábulo, função evidenciada por privilegiar sua frontalidade e apresentar escavação em suas costas (Figura 2).

A imagem da Virgem é representada com túnica branca com estampa e manto azul. Suas mãos estão postas, gesto presente em uma de suas iconografias mais recorrentes e, a seus pés, encontram-se três querubins. Nas laterais da base há encaixes que suportavam um atributo recorrente em Imaculadas: a meia lua (Figura 3).

Trata-se de uma representação mais depurada desta invocação mariana. Cristina Oswald avalia que esta tipologia iconográfica da Imaculada Conceição foi uma construção que seguiu orientações formuladas após o Concílio de Trento. Essa redução iconográfica surgiu através do tratado Arte de la Pintura (1649), escrito pelo pintor sevilhano Francisco Pacheco (1564-1644). Ele definiu um modelo para orientar as criações referentes à Imaculada que foi amplamente seguido pelos artistas não só dos domínios da Espanha2. Pacheco faz uma síntese das diversas tradições apresentando emendas e correções teologicamente justificadas e inspiradas em modelos antigos e autorizados.

Para o tratadista, a Virgem seria representada aos doze ou treze anos de idade e vestida com uma túnica branca e manto azul, usando uma coroa na cabeça, halo com doze estrelas. Também apresenta longos cabelos lisos ou que caem em madeixas até à cintura, esvoaçantes ou presos, e cobertos pelo manto, podendo ainda ser coroada3.

A grande recorrência de imagens da Imaculada Conceição na América colonial deveu-se ao incentivo desta devoção por parte de algumas ordens como os franciscanos e os jesuítas com grande apoio das monarquias portuguesa e espanhola4.

As representações marianas foram constantes nas pregações dos jesuítas, coincidindo com o espírito pós-tridentino que recomendava o culto à Mãe de Jesus em resposta às críticas dos protestantes. As imagens da Virgem eram expostas nos camarins de igrejas e capelas, cantos reverenciavam suas glórias, eventos de poesia exaltavam suas virtudes e textos piedosos recomendavam recorrer a mediação como dispensadora de todas as graças5. Os jesuítas manifestaram fervorosamente o mistério de Imaculada Conceição e nunca perderam a oportunidade de proclamá-la em sermões, em representações visuais e produção textual.


Flávio Cardoso Gil

Porto Alegre, 02 de maio de 2021.


Referências Recomendadas:


1SUSTERCIC, Bozidar D.

Imágenes guaraní-jesuíticas.

Asunción: Centro de Artes Visuales/ Museo Del Barro, 2010.


2OSWALD, Cristina A Iconografia da Imaculada Conceição na pintura e na escultura. In: https://www.researchgate.net/publication/307512841 Acesso em 15 de abril de 2021.


3PACHECO, Francisco.

Arte de la pintura: su antigüedad y grandeza. Madri:

Sem Editora, 1866. t.I

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4ESCOBAR CORREA, Juan Gonzalo. Ave Maria, Gratia Plena: Iconología e iconografía de la Inmaculada Concepción. Dissertação de Mestrado. Facultad de Ciencias Humanas y Económicas. Universidad Nacional de Colombia. Medelin: 2012.


5ALCALÁ, Luisa Elena.Fundaciones jesuíticas en Iberoamérica. Madrid: El Viso, 2002.

Data de recebimento: 02/04/2021

Data de aprovação: 05/04/2021