Escultura & Texto


Figura 01: Lavatório da Capela de Santo Antônio de Pompéu, em Sabará.


Figura 02: Detalhe da carranca e inscrição em latim.


Fotos: Hebert Gerson Soares Júnior, 2021.


LAVATÓRIOS DE MADEIRA:

UM EXEMPLAR DA CAPELA DE SANTO ANTÔNIO DE POMPÉU, SABARÁ, MG

Escultura: Lavatório

Autoria: desconhecido

Técnica: Madeira entalhada, policromada e dourada

Dimensão aproximada: 0,83m x 1,32m x 0,43m

Procedência: Capela de Santo Antônio de Pompéu,

Sabará/MG – Brasil.

Época: 2º quartel do século XVIII


A execução de lavatórios nas igrejas setecentistas mineiras é verificada desde o início do século. Inicialmente executados em madeira e depois em pedra, eles são normalmente colocados nas sacristias e possuem ornamentação variada, desde simples elementos geométricos a ricas composições ornamentais, por vezes com trabalhos de policromia e douramento. Quanto à terminologia, em consulta aos dicionários compostos no século XVIII pelo Pe. D. Raphael Bluteau, foram encontrados os termos “lavatório” e “chafaris”, que remetem a este tipo de elementos. A expressão “lavabo” foi localizada em dicionário da língua portuguesa do século XIX, e seu uso ocorre dessa época até os nossos dias.

No caso da Capela de Santo Antônio de Pompéu, em Sabará, edificada nos primeiros anos do século XVIII, o lavatório se destaca pela sua singularidade e elegância. Executado em madeira entalhada, policromada e dourada, a peça apresenta quadro com pilastras apoiadas e finalizadas em mísulas estriadas, e decoração com chambranle em arrecada1, sobre fundo vermelho. Ao centro, a policromia revela arranjos florais ladeando a pia e a carranca, e acima inscrição em latim, “Unda manus vestras, etiam lavat unda Pilati, Ne sit Pilati vestra cavete, Patres” (A água lava vossas mãos como também as de Pilatos. Cuidai, Padres, que vossas mãos não sejam como as de Pilatos2), envolvida por dois pássaros dourados, que seguram os mencionados arranjos pelo bico. O remate acontece em cimalha dourada, em arco abatido, encimado por frontão interrompido, com palmetas, e elemento fitomorfo ao centro, sob o qual se assenta pássaro montado por um menino. A cuba em formato de concha nervurada é terminada em volutas, e a carranca dourada, com plumagem à cabeça, possui orifício na boca para encaixe da torneira. (Figura 01)

Enquanto a policromia se ocupa do quadro central, em tons predominantes de vermelho e preto, o douramento aparece fartamente, nos elementos entalhados, como o remate e a carranca. A frase em latim, em caráter de advertência aos padres, é representação incomum para este tipo de objeto. A carranca, apesar de ser um elemento comumente utilizado nos lavatórios das igrejas e chafarizes públicos, aqui se apresenta completamente dourada, de traços mais afinados, distanciando-se dos grotescos barrocos utilizados no retábulo-mor da mesma capela. A plumagem de grandes dimensões confere elegância e verticalidade ao elemento, e se aproxima dos adereços indígenas. Sobre os demais elementos ornamentais da composição, a cuba se assemelha às pias de água benta produzidas em todo o século XVIII; as pilastras molduradas e a cimalha em arco abatido tem referências na arquitetura, tal como o frontão interrompido, amplamente utilizado nas igrejas edificadas a partir do terceiro quartel dos setecentos. O pássaro, possivelmente uma fênix, e o menino também são elementos recorrentes na talha do período. (Figura 02)

Pelas características formais e estilísticas do lavatório é possível inferir que sua execução tenha ocorrido ainda durante a fase de ornamentação da capela, sendo contemporânea à talha de gosto nacional português, ainda que incorporando elementos típicos do joanino. Os inventários elaborados pelo Iphan e Arquidiocese de Belo Horizonte destacam a semelhança da talha do lavatório com a do altar-mor, arco-cruzeiro e retábulo da capela do Santíssimo Sacramento, atribuindo autoria a Manuel de Mattos.

Da parte hidráulica, não há vestígios de orifícios para abastecimento ou mesmo de algum possível encanamento. Deste último, acredita-se que não existiu, sendo o fornecimento de água para o lavatório realizado de modo manual, para um reservatório possivelmente localizado na parte posterior da composição e ligado à bica. Além disso, a ausência de vestígios do sistema hidráulico pode guardar relação com a atual localização da peça, na parede que separa a capela-mor da sacristia. Por questões práticas (abastecimento e escoamento), todos os demais lavatórios observados no interior das igrejas mineiras são posicionados nas paredes do fundo ou das laterais externas. Em função disso, é possível que a peça tenha sido reposicionada no interior da capela em alguma intervenção.

O lavatório da sacristia, deste modo, é testemunho histórico de relevância para o estudo da história da arte e da arquitetura mineira, destacando-se por sua singularidade em meio aos demais lavatórios setecentistas. O caráter excepcional da obra, a coloca no rol das faturas mais apuradas da arte de gosto nacional português ainda existente nas Minas Gerais.

Hebert Gerson Soares Júnior

Belo Horizonte, 10 de dezembro de 2021.


Notas:


1 O Glossário de Arquitetura e Ornamentação (p. 135 e 164) emprega o termo chambranle, derivado do francês, para descrever o ornamento fitomorfo pendente que aparece em geral associado a ombreiras dos vãos,

tal como existente na decoração das

pilastras que delimitam lateralmente a peça em análise.

2 Tradução gentilmente realizada por Mariano Pereira Lopes,

a quem registro os agradecimentos.


Referências Recomendadas:


ÁVILA, Affonso; GONTIJO, João Marcos Machado; MACHADO, Reinaldo Guedes. Barroco Mineiro. Glossário de Arquitetura e Ornamentação. Belo Horizonte: Fundação João Pinheiro. Centro de Estudos Históricos e Culturais, 1996.

BLUTEAU, Raphael. Diccionario da Lingua Portugueza. Lisboa: Officina de Simão Thaddeo Ferreira, 1789.

BLUTEAU, Raphael. Vocabulario Portuguez, e Latino. Lisboa: Officina de Pascoal da Sylva, 1716.

INVENTÁRIO do Patrimônio Cultural da Arquidiocese de

Belo Horizon te: Capela de Santo Antônio, Pompéu – Sabará (MG) / Coordenação: Mônica Eustáquio Fonseca. Belo Horizonte: Memorial da Arquidiocese de Belo Horizonte, 2015.

SERVIÇO DO PATRIMÔNIO HISTÓRICO E ARTÍSTICO NACIONAL. Inventário nacional de bens móveis e integrados: Capela Santo Antônio - Pompéu. Brasília: Ministério da Cultura, 1987.

SILVA, Antônio de Morais. Diccionario da Lingua Portugueza. Lisboa: Impressão Régia, 1831.

Autor(a):

Hebert Gerson Soares Júnior

hebert.arquitetura@gmail.com

https://orcid.org/0000-0002-5368-3517

http://lattes.cnpq.br/2454544073877561

Data de recebimento: 10/12/2021

Data de aprovação: 11/12/2021