Escultura & Texto

Figura 01: São Baltazar, vista frontal


Figura 02: Pormenor da fisionomia de São Baltazar, vista frontal


Fotos: Fernando Cordeiro Barbosa Gonçalves – 19/05/2021

São Baltazar na Venerável Confraria de N. S. da Lampadosa, RJ


Escultura: São Baltazar

Autoria/atribuição: Não Identificada

Técnica: Escultura em madeira policromada

Dimensão aproximada: 75,5 x 51 x 20 cm (A x L x P)

Origem: Não Identificada

Procedência: Venerável Confraria de N. S. da Lampadosa, RJ

Época: Séculos XVIII/XIX


A imagem de São Baltazar1 encontra-se custodiada na Igreja de N. S. da Lampadosa, pertencente à confraria homônima, situada na Avenida Passos, nº 13, no centro da cidade do Rio de Janeiro. A escultura localiza-se no nártex, sobre um móvel cofre, no lado direito em relação à porta de entrada do templo. A imagem de vulto está associada às festas e procissões realizadas pelos confrades em honra ao rei negro, durante os séculos XVIII e XIX.

São Baltazar traja indumentária régia, à moda europeia, solene e adequada para homenagear o Menino-Deus. É adornado por uma coroa de filigrana, alusiva à posição que ocupa como monarca. Pende do pescoço uma cruz peitoral, semelhante à de modelo trevolado, cuja terminação em três pontas faz referência à Santíssima Trindade. Tal ornamento é uma forma de evidenciar a Epifania do Senhor – manifestação de Cristo como Redentor e Salvador da humanidade. A escultura apresenta os ombros cobertos por gola de faixa larga, que arremata longo manto que se estende até a altura da base. Traja meia túnica, de mangas compridas, apanhada na cintura por um cíngulo2 atado em um nó frontal, guarnecido por uma borla3 . O elemento, além de função estética, expressa também caracteres de ordens funcional e religiosa, visto que pode ser tanto utilizado para pendurar algo durante uma viagem quanto para evidenciar autodomínio em face das paixões terrenas. No braço esquerdo, ao olhar do observador, possivelmente carregava seu principal atributo: a mirra – prenúncio da Paixão e Morte de Cristo. Dentro do costume judaico, era amplamente empregada em cerimônias religiosas e fúnebres. A imagem é representada calçando botas de cano alto, característica de um típico missionário e peregrino da fé que partiu do país de suas origens rumo ao inaudito encontro com o Divino Infante. Figuras 01 e 02)

A singularidade da imagem apresentada é a sua fisionomia: o artífice manteve o estereótipo do homem negro do continente africano, cabendo a São Baltazar a representação dessa parte do globo. São do arquétipo da escultura: a carnação negra nas regiões da face, pescoço, mãos e pernas; rosto ovalado, com bochechas e queixo sobressalentes; olhos (de vidro) com íris na cor castanho escuro, com contorno fortemente demarcado; nariz alongado, ponta arredondada e asa da base alargada; lábios grossos, entreabertos, com dentição aparente. Complementando a exposição, fato expressivo deve ser evidenciado: a imagem em questão representa uma figura masculina, com concentrações pontuais de cabeleira entalhada nas laterais, atestando possíveis sinais de meia idade. A respeito da faixa etária, os três reis foram relacionados às três idades da vida humana: a juventude, a fase adulta e a velhice. Significado de grande relevância, pois demonstra que em todas as etapas da existência é possível estabelecer a comunhão com Deus. Considerado o “rei do meio”, a maturidade associada à iconografia de Baltazar nos adverte a presumir que o verdadeiro sentido que a humanidade deve seguir é o que conduz ao Salvador.

A imagem de São Baltazar, com as marcas da passagem do tempo, e na tentativa de dissimular possíveis avarias, apresenta espessa capa de repintura; perda do seu principal atributo (a ânfora com mirra); sujidades e ausência dos dedos mínimo da mão esquerda e indicador da mão direita, ao olhar do observador. Referidas ações podem ser classificadas como danos patológicos, dificultando, portanto, a real leitura da obra.

Assim como a narrativa bíblica imputa à figura dos reis uma sabedoria religiosa e filosófica que os impulsiona a caminho de Cristo, assim buscamos, igualmente, encorajar o público que desconhece essa belíssima imagem a visitá-la, diante da qual, além de um espírito devoto, poderá deter-se, de igual maneira, ao admirável trabalho em arte escultórica produzido pelos grandes mestres do passado.

Fernando Cordeiro Barbosa Gonçalves

Marcos Vinicius Vieira Coutinho

Rio de Janeiro, 11 de julho de 2021.



Notas:


1 Embora não figurem oficialmente na lista de santos canonizados pela Igreja Católica por serem personagens bíblicos veterotestamentários, os três reis do Oriente – Gaspar, Belchior e Baltazar –, são, sim, por ela considerados dignos de tal preito. Assim sendo, suas relíquias podem e devem ser postas para veneração em um ambiente sagrado, como já se encontram na Catedral de Colônia, na Alemanha, desde o século XIII. Cf. DENZINGER, Heinrich. Compêndio dos símbolos, definições e declarações de fé e moral. São Paulo:

Editora Paulinas/Edições Loyola, 2006, nº 1822, p. 459.

2 Cinto para arramar a indumentária junto à cintura, em forma de fita larga, com decoração nas terminações – borlas. Significa, o cíngulo, a virtude da continência e da castidade. Cf. RÖWER, Basílio. Dicionário Litúrgico. Petrópolis:

Editora Vozes, 1947, p. 66.

3 Obra de passamanaria, formada por um suporte, do qual pendem inúmeros fios. Cf. FERREIRA, Aurélio Buarque de Holanda. O minidicionário da língua portuguesa. 4ª ed. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 2002, p. 106.


Referências Recomendadas:


FREEMAN, Margaret. The story of the Three Kings: Melchior, Balthasar, and Jaspar. New York: Metropolitan Museum of Art, 1978.

METZGER, Bruce M. New Testament Studies (Philological, Versional, and Patristic). Leiden: Brill, 1980.

QUINTÃO, Antonia Aparecida. Lá vem o meu parente: as irmandades de pretos e pardos no Rio de Janeiro e em Pernambuco (século XVIII). São Paulo: Annablume/FAPESP, 2002.

RATZINGER, Joseph (Bento XVI). A Infância de Jesus.

São Paulo: Planeta, 2012.

Data de recebimento: 30/05/2021

Data de aprovação: 09/07/2021