De Onde Vêm as Palavras (Notas do Livro)

Adoração: do latim adorationis, genitivo de adoratio, ato de adorar, adoração. A formação desta palavra remonta ao latim oris, boca, e à preposição ad, junto, em direção a. O gesto significa, pois, levar algo à boca. Em seus primórdios, o ato de adoração consistia em levar a mão à boca e, com o braço estendido, jogar um beijo à divindade. Além deste gesto, havia ainda a prosternação e a genuflexão, mas os cristãos cultivaram mais este último. 

Alcorão. Do árabe al-qur'an, a leitura, isto é, a melhor leitura que se pode fazer. Segundo os muçulmanos, o Alcorão, cuja variante é Corão, foi ditado pelo anjo Gabriel ao profeta Maomé, entre os anos de 612 a 632, em Meca e em Medina. À semelhança da Bíblia, é dividido em capítulos, chamados suratas, e versículos. 

Alcova. Do espanhol alcoba, radicado no árabe al-qúbba, cúpula. No espanhol, como no português, passou a designar pequeno quarto de dormir, junto a uma sala ou a outro quarto maior.  

Anta: do árabe lamta, pelo espanhol ante, designação do mamífero da América do Sul que pode atingir até dois metros de comprimento e um metro de altura. Antigamente era sinônimo de pessoa sagaz, esperta, mas a gíria consolidou o vocábulo como sinônimo de tolo. 

Apostila: do latim post illa, cuja expressão completa no latim escolástico é post illa verba auctoris, significando 'depois daquelas palavras do autor'. As apostilas são, hoje, uma das dez pragas do sistema escolar ao lado das cópias em xerox de capítulos de livros. Em vez de ler as bibliografias pertinentes, os alunos são levados a ler apenas resumos, esquemas, sinopses, não raro com erros graves, até mesmo de transcrição. Inverteu-se, pois, a função primordial da apostila. De anotações feitas depois das aulas, passou a substituir as próprias palavras do professor, sendo distribuídas no começo dos cursos, antes ainda da primeira aula.

Arrepender. Do latim repoenitere, sofrer por erros cometidos. Verbo muito presente nos textos bíblicos que pregam o arrependimento dos pecados. Dificilmente é conjugado no intransitivo. A personagem-símbolo do arrependimento é santa Maria Madalena, habitada por sete demônios, uma verdadeira corporação. Pecadora contumaz, foi reabilitada com a seguinte justificativa evangélica: "Muito lhe foi perdoado porque muito amou". Morreu em Éfeso, onde era vizinha de Nossa Senhora e de São João.

Artigo: do latim articulu, originariamente objeto de negócio, item. Depois passou a designar partes constitutivas de um contrato comercial. Daí veio a integrar os grandes contratos sociais que são as constituições com seus artigos e parágrafos. 

Aula: do grego aulé, palácio, corte, e do latim aula, corte, sala de palácio. Passou a designar o ato de ensinar porque as primeiras escolas funcionavam em prédios anexos aos palácios e residências oficiais de autoridades civis ou religiosas. O termo áulio tem a mesma origem. 

Babaca: redução de babaquara, do tupi mbaebé, nada, e cuaá, saber, e ara, sufixo que indica ajuste, significando aquele que não sabe nada, o bobo. Por preconceito urbano contra gente do interior, passou a sinônimo de caipira, tido por tolo.

Besta. Do latim tardio besta, vindo do latim culto bestia, ambos designando animal quadrúpede capaz de transportar cargas que os ombros humanos não podiam ou não queriam carregar. Logo passou a ser usado em sentido conotativo para ofender os ignaros, à semelhança de um de seus sinônimos, burro. É também marca de um dos carros utilitários mais vendidos no Brasil, mas neste caso sua etimologia é outra, tendo derivado de best, o superlativo de gut, bom, em alemão.

Besteira. De besta, do latim tardio besta, e o sufixo eira, que ao ser agrupado faz com que seja excluído o "a". No latim culto é bestia. A palavra está em nossa língua desde o século XIII com o significado de ato ou expressão própria a animais irracionais e por isso inadmissível no homem. Os políticos lideram a produção de besteiras no Brasil, talvez porque o que muitos deles dizem e escrevem repercuta na vida dos cidadãos, ao passo que a besteira de bares e ruas é em geral inofensiva. E quanto menor o município, parece maior a besteira. O jornalista Sérgio Porto, conhecido como Stanislaw Ponte Preta, organizou uma série de livros intitulados Febeapá (Festival de Besteiras que Assola o País), em que registrou algumas das maiores bobagens nacionais, várias delas muito divertidas. Ex.: Em Recife (PE) houve tempo em que o toque de buzina nas zonas de silêncio resultava em multas de duzentos reais, cobrada pelo próprio guarda que flagrava o infrator. Mas houve inédito acerto de cobrança de uma delas. Como só tivesse uma nota de mil cruzeiros e o guarda não tivesse troco, o infrator foi autorizado a dar mais quatro buzinadas.

Bookmaker. Indica banqueiro ou casa de apostas.

Brioche: do francês brioche, bolo de massa fermentada, com manteiga e ovos. Durante a Revolução Francesa, a rainha Maria Antonieta, muito impopular por ser inimiga de reformas econômicas, políticas e sociais indispensáveis, aconselhou o povo, que se queixava da falta de pão, a comer brioches, um alimento mais refinado. Pagou caro a ironia, pois foi executada depois que os queixosos, não conseguindo as reformas pretendidas, fizeram uma revolução que mudou a França e o mundo. 

Busílis: tudo indica que este vocábulo tenha vindo de um engano cometido por um estudante de latim, que ao traduzir a frase latina in diebus illis (naqueles dias), teria separado o vocábulo diebus em die e bus, depois não teria conseguido explicar o resto que lhe seguia, illis. Como traduzira in die como índias (indiae), encontrou grande dificuldade em prosseguir, empacando no bus illis. Outros creditam o mesmo erro a um clérigo que, lendo o breviário, encontrou ao final da última linha de uma página in die e no começo da seguinte a constituçãobus illis. Busílis virou então em português, sinônimo de grande dificuldade. "Aí é que está o busílis da questão" tornou-se frase frequente entre nós. 

Cacoete: do grego kakoethes, doença, mau hábito, pelo latim cacoethe. Designa tique que se manifesta pela contração involuntária e repetida de músculos do corpo. Em sentido figurado, indica mania, sestro, palavra, frase ou expressão embutidos com frequência na conversação. Ajeitar o colarinho amiúde, sacudir a cabeça e piscar desordenadamente os olhos são formas de cacoetes, também denominados tiques. O cacoete pode ser sintoma de psicastenia, palavra de origem grega significando fraqueza mental. 

Ceita: de Ceuta, cidade da África. Quando da famosa batalha que resultou em sua tomada, em 1415, o rei português Dom João I mandou cunhar moeda comemorativa. A cidade fora antigamente denominada Ceita. Um ceita valia dez réis e era este o tributo pago para quem nao quisesse servir na África. Posteriormente o vocábulo evoluiu para ceitil. 

Clone: do grego klón, broto. Designa membro de uma espécie originado de outro por multiplicação em que foram dispensados o pai e a mãe, como aconteceu com Dolly, a ovelha criada pelo embriologista britânico Ian Wilmut. O que o escritor inglês Aldous Huxley previu em seu romance Admirável Mundo Novo começa a acontecer. Entre 2001 e 2002 fez muito sucesso pela TV Globo a novela O Clone, de autoria de Gloria Perez, que deu especial destaque nas tramas aos experimentos que visam clonar um ser humano. 

Conceito: do latim conceptus, conteúdo, o que está contido, está dentro, como o feto no ventre de quem concebeu, o fruto na árvore, o sentimento no coração ou o juízo na cabeça. Conceito é palavra muito utilizada nas ciências humanas para designar definições ou categorias, provavelmente aproveitando significado vigente na linguagem coloquial por meio de expressões como "fulano tem bom conceito", valendo dizer que é tomado como boa pessoa por todos ou pela maioria, vez que como definiu Nelson Rodrigues: "Toda unanimidade é burra". 

Conflito. Do latim conflictu, conflito, choque, luta, bater uma coisa em outra. Sua formação alude também ao particípio conflectum, do verbo conflere, chorar junto. Conflitos por demarcação de terras começam e terminam com choros em coro, divididos como as terras, entre as partes em luta. Quando não demarcações legais, vence o mais forte e os desfechos costumam ser trágicos. 

Craque: do inglês crack, vocábulo utilizado originalmente no turfe para designar o melhor cavalo, crack-horse, que migrou para o futebol e tem servido para indicar aqueles jogadores, em geral goleadores, que se distinguem por seu desempenho, sempre acima da média.

Crase: do grego krâsis, mistura, temperamento. Pode referir a constituição do caráter de uma pessoa ou ainda o equilíbrio de certos líquidos orgânicos. Porém o vocábulo é mais conhecido para designar a fusão habitual de duas vogais, como no título de um célebre romance do escritor francês, de ascendência judaica, Marcel Proust À Sombra das Raparigas em Flor, ou em frases mais prosaicas como "Vamos à cidade". Nos dois casos foi posta a crase para que a vogal não fosse repetida. A crase é um dos mais temidos terrores de quem tem dúvidas de gramática. 

Crise: do grego krisis, pelo latim crisis, formas originais que levaram ao português crise. O Dicionário Etimológico de Antenor Nascentes dá também os significados de momento decisivo separação e julgamento. Há consenso entre diversos outros pesquisadores de que a crise leva à ruptura com o estado anterior. O novo rumo tomado pode ser de melhora ou piora, tanto em medicina com em sociologia, onde o vocábulo é muito usado. A julgar por novos cientistas sociais e economistas, o Brasil está em crise desde o descobrimento.

Dantesco: nomes de grandes escritores costumam ser utilizados como adjetivos. Um quadro dantesco alude a Dante Alighieri, um dos maiores poetas de todos os tempos, autor de A Divina Comédia, em que foram descritos e narrados, com muita força dramática, os horrores do inferno, num dos cantos do poema. Dante nasceu em Florença, em 1265, e morreu em Ravena, aos 56 anos, uma idade avançada para a época, e logo virou adjetivo.

Debate: do inglês debate, debate, discussão. No debate são alegadas razões a favor e contra determinado tema. Mas antes de ser prática parlamentar e acadêmica, designou poema dialogado, de tom satírico e alegório, muito em voga na Idade Média. O folclore parlamentar brasileiro registra curioso debate entre dois deputados. Ao ouvir de um colega que ele estaria sendo um verdadeiro purgante, o outro replicou: "E Vossa Excelência é o efeito". 

Demônio: do latim daemoniu, tendo vindo do grego daimónion, ente sobrenatural, tido por gênio do bem ou do mal, mas que depois se fixou apenas no segundo sentido. Apesar de o demônio ser masculino, há uma exceção, a demônia Lilith, a primeira esposa de Adão. Depois de dar-lhe muitos filhos, Lilith, talvez por falta de opção - havia um único homem na face da terra - juntou-se ao demônio Samael. Esta tradição judaica é comentada no famoso livro de Giovanni Papini, O Diabo: "Os antigos hebreus, talvez na esperança de fazer perdoar mais facilmente a Eva o seu pecado, contaram que antes dela Adão tivera uma outra esposa, Lilith". O demônio costuma estar em muitos lugares, mas às vezes resolve morar numa pessoa. É quando precisa ser exorcizado, pois é muito mandão e leva seus hospedeiros a praticar todo tipo de safadezas. O poder de expulsar demônios é muito valorizado. Se os congressistas o tivessem, poderiam dispensar as CPIs, já que o dom da expulsão estende-se ao da identificação, do contrário o exorcismo seria impossível.  

Deputado: do latim deputatu, enviado a alguma missão. Em latim deputare significou inicialmente podar, separar e, por fim, o sentido que hoje tem, de indivíduo que trata de interesses de outros. 

Diálogo: do grego diálogos, que os romanos adaptaram para o latim dialogu. Aplica-se a várias situações: numa conversa, com o fim de buscar-se o entendimento; nos romances, filmes e peças de teatro, indicando as falas dos personagens. É também muito utilizado em política internacional. A palavra polida deve ser a única arma do diálogo, mas de vez em quando algumas pessoas usam outros reforços, como gritos, gestos abruptos, socos, pontapés, empurrões e, quando tudo falha, facada e tiros. 

Diploma: do grego diploma, documento oficial expedido em duplicata. No latim conservou a mesma forma, daí vindo para o português. Originalmente era uma peça de bronze, formando um díptico, segundo ensinava Antenor Nascentes. Atualmente são documentos que comprovam a obtenção de um título. É neste sentido que recebem diplomas tanto os formandos de um curso superior como os eleitos para cargos políticos. 

Divulgar: do latim divulgare, fazer com que também os vulgos fiquem sabendo o que já sabe a gente fina e culta. Com o tempo, o verbo tornou-se sinônimo de difundir, proclamar, anunciar, perdendo a antiga conotação, vez que a galáxia Gutenberg democratizou a informação.

Docente: do latim docente, docente, aquele que ensina. Seu significado primitivo é ensinar a aprender, o que parece uma tautologia. Os primeiros docentes atuaram em adestramento militar, preparando os soldados para a guerra. Depois é que o vocábulo migou para a sala de aula, antes, porém, passando por outras significações de domínio conexo, de onde vieram palavras como dócil e docilidade, designando quem aprende com facilidade e dando-lhe a respectiva qualidade.

Escândalo: do grego skándalon, pedra que faz tropeçar. Passou ao latim como scandalu e conservou o mesmo significado na versão latina da Bíblia, tal como aparece no livro do profeta Isaías 8,14. Os grandes escândalos de nosso tempo privilegiam a política e a sexualidade, sendo tanto maiores quanto maior  é a fama dos envolvidos. A Inglaterra produz tais escândalos com frequência, às vezes na própria casa real, outras vezes entre os súditos, como ocorreu com os atores Hugh Grant e sua namorada Elizabeth Hurley, cujo amor ele trocou por alguns momentos com uma prostituta chamada Divine Brown. Enquanto ele cuidava em desvencilhar-se das acusações da polícia de Los Angeles, que o flagrara, as duas faziam sessões de fotos para revistas especializadas, ganhando milhares de dólares. Foi um escândalo que deu lucro para todos os envolvidos.

Escandaloso: latim scandalosus, derivado de scandalu, radicado no grego skándalos. No português, escândalo alterou o significado que tinha nas duas línguas, em que designa pedra que faz tropeçar, tomando o significado de ação vergonhosa, reprovável. E escandaloso adquiriu o sentido de comportamento imoral, indecoroso, aplicando-se a gestos, falas e comportamentos que indicam mau exemplo ainda que haja controvérsias, como ocorreu com os escândalos de Ana Jacinta de São José, mais conhecida como dona Beja. Órfã de mãe aos 12 anos, foi criada por parentes na localidade onde hoje fica Araxá, em Minas Gerais. Adolescente de grande beleza e inteligência atraiu a atenção de muitos homens que iam à região em busca de ouro e diamantes. Mas a joia mais rara era Beja, que aos 15 anos conheceu num baile o ouvidor, então cargo de grande importância na administração pública brasileira, Joaquim Inácio Vieira da Mota. Maior autoridade no local, mandou raptá-la para viver com ele. Beja acumulou grande riqueza. Entre suas economias, passou a contar com 10 litros de ouro em pó, 41 barras de ouro, uma sacola de joias e uma jarra repleta de diamantes. Quando o marido deixou Paracatu do Príncipe, indo para a Corte, Beja não o acompanhou e preferiu volta a viver em Araxá. A elite local, que a considerava escandalosa, recebeu farta munição para falar mal de Beja quando ela foi levada a julgamento, no dia 4 de dezembro de 1837, acusada de ter encomendado a morte do ex-amante. Absolvida, Beja conheceu nas comemorações da absolvição o garimpeiro Guimarães Bastos. Já com 37 anos, casou-se com ele, tendo vivido juntos por 25 anos. Quando ele faleceu, em 1875, Beja vendeu o garimpo e recolheu-se à casa da filha Joana, tendo falecido cinco anos depois, aos 80 anos. A atriz Maitê Proença fez o papel da protagonista numa telenovela de muito sucesso, Dona Beja: a Dama de Araxá, exibido pela TV Manchete em 1986. 

Escol. Redução de escolha, por sua vez formada a partir de escolher, do latim excolligere, joeirar, dar preferência, escolher.  Designa elite, grupo ou estamento de destacada posição social, cultural ou profissional. 

Escorchante: do espanhol escorchar, tirar a pele ou o couro, formou-se escorchar, de que se formou escorchante. Tem sido utilizado para qualificar as taxas de juros vigentes hoje no Brasil. Numa economia que estabilizou a moeda, os consumidores estão pagando juros mensais 100 por cento superiores às taxas anuais do sistema financeiro internacional. Antes, os que tomavam empréstimos bancários eram apenas tosquiados, mas agora são submetidos à ação descrita pelo vocábulo em origem espanhola. 

Fraternidade: do latim fraternitate, declinação de fraternitas, fraternidade. No dia primeiro de janeiro comemoramos o Dia da Fraternidade Universal e o Dia Mundial da Paz. As duas celebrações pressupõem que, sendo todos irmãos, os homens deveriam viver em paz uns com os outros. E a Revolução Francesa fez da fraternidade um de seus três lemas. Os outros dois são liberdade e igualdade.

Gângster: do inglês, gangster, membro de uma gang, bando que pensa e age de forma cooperativa, visando fins criminosos. Costumam disfarçar muito bem os crimes que praticam, mas às vezes são apanhados pelo Imposto de Renda, tal como aconteceu a um dos mais célebres, Al Capone. No Brasil, ao que tudo indica, a forma evoluiu para o soft gangster - aquele que, na maciota, extorque dinheiro de empresários, sem usar arma branca ou arma de fogo, apenas a lábia, com o fim de liberar favores governamentais cujos resultados pecuniários serão infinitamente maiores do que as propinas solicitadas. 

Genro: do latim generu, marido da filha em relação aos pais dela. Sua etimologia latina remete a gens, genis, indicando que um novo homem veio fazer parte da família, não por nascimento, mas por arrebatar o coração da moça. Ao declarar suas intenções, entretanto, o futuro genro pede a mão apenas e não a moça inteira, de acordo com a expressão consagrada ao longo dos séculos, que leva o namorado a pedir ao futuro sogro a mão de sua filha, um dos passos do noivado rumo ao casamento. 

Guerra. Do antigo alemão werra, discórdia, peleja. A independência dos Estados Unidos foi obtida em célebre guerra travada pelas 13 colônias contra o Reino Unido, que culminou com a Declaração de Independência, proclamada em 4 de julho de 1776. 

Hegemonia: do grego hegemonía, originalmente domínio de uma cidade ou de um povo sobre outro. Passou a significar outros tipos de domínio, constituindo-se em termo clássico para análise das sociedades modernas, marcadas por hegemonias nos mais diversos campos, principalmente econômicos, políticos e ideológicos. Mas a ideia de domínio evoluiu para vocábulos de significação mais amena, como liderança e responsabilidade, sendo, pois a hegemonia, não apenas imposta, mas consentida, como está acontecendo hoje no mundo com a supremacia dos Estados Unidos. 

Heresia: do grego hairesis, escolha pessoal, divergente da doutrina oficial. No século IV, um padre de Alexandria chamado Ário, cristão convicto, passou a negar a divindade daquele menino nascido em Belém. O imperador Constantino convocou um concílio em sua própria residência, em Niceia, e exigiu um acordo na definição da fé cristã, pois as heresias ameaçavam a coesão do Império, por ele reunificado. Ário foi banido, mas sua seita prosperou e o próprio imperador, às vésperas da morte, pediu para ser batizado por um bispo ariano. 

Hífen: do grego hyphen, em um só corpo. O vocábulo veio para a nossa língua designando o sinal diacrítico utilizado em palavras compostas, em formas verbais que unem pronomes átonos e na separação de sílabas nos finais das linhas. Neste último caso, com o avanço da informática, a escrita passou a ser feita nos computadores, que podem diagramar um texto inteiro sem separar nenhuma sílaba por hífen. Mas o hífen entrou na ordem do dia quando passou a ser um dos pomos da discórdia ortográfica nascida do novo acordo que está sendo negociado entre países lusófonos. Alguns países querem aboli-lo, enquanto outros preferem mantê-lo. 

Hóstia: do latim hostia, vítima. Eram vítimas preferidas, nos sacrifícios antigos, pequenos animais como ovelhas, bodes e porcos, ao lado de aves como pombos e gatos. A hóstia utilizada até hoje nas missas, feita de pão de ázimo, recebeu este nome devido à teologia católica, que considerava Jesus Cristo uma vítima levada ao sacrifício.  

Hostilidade: do latim hostilitate. De acordo com a etimologia, vem de hostis, inimigo, mas também estrangeiro, forasteiro, aquele que deveria ser combatido, perseguido e, quase sempre, também morto. A raiz está presente na palavra hóstia, que deriva de hostia, vítima, animais ou homens, nem sempre inimigos, oferecidos em sacrifício aos deuses. "O escritor que não provoca hostilidade, está morto." (V. S. Naipaul)

Humildade: do latim humilitate, declinação de humilitas, humildade, baixeza. A etimologia indica que a humildade é coisa apegada ao humus, chão. A doutrina cristã tornou virtude o que era considerado pejorativo. Por isso, Jesus adverte nos Evangelhos que "Quem se humilha, será exaltado, e quem se exalta, será humilhado".

Intolerância: do latim intolerantia, intolerância, natureza ou qualidade do que é insuportável, insolência. A humanidade praticou muitas intolerâncias ao longo da história, notadamente étnicas, religiosas, filosóficas, sexuais. O mais paradoxal é que muitas das vítimas das diversas intolerâncias pagaram muitas vezes com a própria vida os preconceitos que as vitimaram, como ocorreu ao matemático inglês Alan Mathison Turing. Homossexual assumido, é considerado um dos pais dos modernos computadores e integrou a equipe que decifrou a sofisticada rede de códigos utilizada pelos nazistas na Segunda Guerra Mundial. Em 1952, foi condenado a tomar injeções para diminuir a libido. Sentindo-se ofendido e humilhado, suicidou-se comendo uma fruta que embebera com cianeto. Escolheu uma maçã que, tal como a do paraíso, trouxe-lhe a morte, só que mais violenta e mais rápida. 

Inveja: do latim invidia, vontade de não ver, despeito, inveja. Era também o nome de uma deusa do mal, filha da Noite. Era representada com a cabeça cheia de serpentes, olhos vesgos, soturnos e ameaçadores, a testa lívida, tendo víboras nas mãos, uma delas roendo-lhe o seio. Parece que os antigos faziam imagem muito apropriada deste sentimento nocivo que tantos prejuízos deu à humanidade, no varejo e no atacado, de que é exemplo o motivo do primeiro crime bíblico, quando Caim mata seu irmão Abel. Nas narrativas do primeiro milênio, é frequente a presença de Eva lavando as roupas ensanguentadas do filho assassinado. 

Invejoso: do latim invidiosus, que tem inveja. A inveja é um dos sete pecados capitais. Os outros seis são a avareza, a gula, a ira, a luxúria, o orgulho e a preguiça. A relação foi elaborada na Idade Média e pegou de tal forma que ainda hoje é brandida contra os pecadores. O jornalista Zuenir Ventura achou que dentre os sete, o pior era o da inveja. E escreveu o livroInveja, o Mal Secreto. É difícil defender-se da inveja. O invejoso não deseja nada de bom para si mesmo. Deseja apenas que você seja derrotado, caia em desgraças, se dê mal, enfim, porque é incapaz de admirar quem quer seja. 

Ironia: do grego euróneia, pelo latim ironia, ironia, modo de expressar o contrário do que se pensa ou sente. É figura de linguagem de uso recorrente em quase todos os grandes escritores. O filósofo Sócrates, grande professor da humanidade, que hoje não lecionar em universidade nenhuma por falta de titulação e ausência de publicações, já que não deixou livro algum, utilizava a ironia como recurso pedagógico, levando o aluno a reconhecer a própria ignorância, coisa que está difícil de ser obtida hoje em dia por qualquer mestre. Já o escritor espanhol Jorge Semprún faz com que um personagem assim se dirija a um oponente: "Companheiro, permita-me que lhe faça sua autocrítica!".

Jacobino: do latim jacobus, pelo francês jacobin. Quando irrompeu a Revolução Francesa, um grupo de deputados, nacionalistas exaltados, instalou-se no convento dos monges jacobinos, situado à rua Saint-Jacques. Desde aquela época, jacobino se transformou em adjetivo para qualificar revolucionários extremistas. 

Judas: do antropônimo famoso de um dos apóstolos. Falso, traidor. Interpretações modernas porém, documentais ou literárias e artísticas, resgatam outra imagem para o caixa da campanha de Jesus. Nessas versões, Judas não traiu, mas foi traído, como é o caso do romance O Evangelho Segundo Judas, do escritor brasileiro contemporâneo Sílvio Fiorani: Beijar é ato de amor, mas também de servidão, domínio, posse, conforme o caso. Descontado os anônimos, muitas figuras famosas foram traídas ou enganadas por beijos no decorrer da História, apesar de o exemplo mais clássico ser justamente o Beijo dado por Judas em Jesus, no Jardim das Oliveiras sobre o qual há tantas discordâncias. 

Karaokê: do japonês karaokê, espaço vazio. Designa casa noturna onde qualquer cliente pode cantar acompanhado de músicos da casa ou de trilha sonara que não foi feita para aquela situação. O espaço vazio, no caso, é preenchido pelo canto dos improvisados cantores. 

Lei: do latim lege, declinação de lex, lei. Somos um país com muitas leis, divididas entre as quais pegam e as que não pegam. Há uma lei que é chamada Lei Áurea porque foi assinada pela princesa Isabel, a Redentora, com sua caneta de ouro, no dia 13 de maio de 1888, depois de aprovada no Senado, com apenas um voto contra. Na Câmara, no dia anterior, passava com 9 votos contrários. É a lei mais concisa que Brasil já teve: "Art. 1.º: É declarada extinta a escravidão no Brasil; art. 2.º: Revogam-se as disposições em contrário". 

Luxo: do latim luxu, luxo, excesso. Passou a designar modo de vida por excessivo consumo de supérfluos, satisfação exagerada dos prazeres e gosto por ostentação. Na antiga Roma, Faustitas era deusa da fecundidade dos rebanhos. E faustulus era o nome do pastor que acolheu Rômulo e Remo, os fundadores da cidade. Na etimologia latina faustus, fausto, sinônimo de luxo, diz respeito à prosperidade, mais que aos gastos excessivos. 

Luz: do latim luce, declinação de lux, luz. A luz é sempre usada em boas metáforas, incluindo as religiosas. Deus e os santos aparecem em meio a luzes brilhantes. Nem falta uma espécie de chapéu de luz em imagens de muitos deles. Textos judaicos e cristãos aludem com frequência à figura de Deus como cheia de luz, incapaz de ser suportada por olhos humanos. 

Marajá. Do sânscrito maha-rajá, com "erre" forte, grande rei. No Brasil, passou a indicar aqueles funcionários públicos, que através de trambiques e contorcionismos legais, mas ilegítimos, passaram a aumentar seus próprios salários e ganhos indiretos em quantias escandalosas. 

Medo. Do latim metu, medo, causador de cuidados, vocábulo que está na raiz de palavras aparentemente dissociadas, como médico, remédio, remediar, irremediável. Nada parece infundir mais medo do que o terrorismo. Para combater desafetos, os terroristas já não alvejam diretamente os seus inimigos ou inimigos de quem lhes financia as ações. Ao contrário, estão empenhados ema atacar inocentes com o fim de prejudicar terceiros. 

Mídia: do latim media, plural de medium, meio. Passou a designar o conjunto dos meios de comunicação social, como o jornal, a revista, o rádio, o cinema e a televisão. Para chegar à língua portuguesa, entretanto, fez escala no inglês, cristalizando-se a deformação da pronúncia na escrita. Nossos gramáticos aceitaram a submissão ao erro prosódico, registrando-o tal como era pronunciado nos Estados Unidos. E assim passamos a pronunciar e a escrever arrevesadamente um vocábulo que em sua origem latina estava mais próximo de nossa língua. 

Ministro. Do latim ministru, criado, servo. Aquele que executa ordens recebidas. Depois, melhorando de sentido, a palavra passou a designar os altos funcionários do Estado, membros do Poder Judiciário etc. Indica também o encarregado de alguma função religiosa. Os ministros da República não têm estabilidade, e são demissíveis ad nuttum, isto é, sem nenhuma explicação, apenas pela vontade de uma das partes: aquele que os nomeou. 

Oráculo. Do latim oraculu, resposta que os antigos deuses davam àqueles que os consultavam. Tais respostas eram, porém, fornecidas por meio de curiosos sinais. Se ao deixar o templo encontram um ancião, um menino ou uma linda jovem, o fiel dava à visão um significado divino, diretamente ligado à consulta que acabara de fazer. Hoje, oráculo é metáfora de político muito consultado por seus colegas. Neste caso, os sacrificados costumam ser o eleitor, o contribuinte e outras figuras que habitam o cidadão brasileiro.

Orador. Do latim oratore, declinação de orator, que fala, isto é, usa a oris, genitivo de os, boca. O latim baseou-se no sânscrito or, boca. Este foi o étimo original de palavras como oral, orador, oração, ósculo, oráculo, oratório, adorar e outros. Com instituições políticas já consolidadas para que impérios e Estados soberanos pudessem se relacionar, foi criada a figura do orator na antiga Roma para designar aquele cuja ferramenta de trabalho é a palavra falada. O orador latino tanto podia ser o parlamentar, como o embaixador, o tribuno, o cônsul, o general ou o próprio imperador, isto é, a função era exercida no Legislativo, no Judiciário e no Executivo.

Orar. Do latim medieval orale, de viva voz, verbal, baseado em oris, genitivo de os, boca. Os romanos tinham uma expressão sofisticada, hoje erudita, para designar quem caia na boca do povo: esse in ore omnium, estar na boca de todos. Quando as escolas eram melhores, o exame oral era o terror dos alunos. Criaram-se lendas em volta da prática, como a que foi atribuída ao célebre humorista barão de Itararé. Em prova oral do curso de medicina, o professor pergunta: “Quantos rins nós temos?” “Quatro”, o barão. “Quatro”, debocha o mestre ranzinza. E, para tripudiar sobre o aluno, pede ao monitor: “Traga um feixe de capim”. “E para mim um cafezinho”, diz o examinador. O aluno é expulso da sala. Ao sair, tem ainda a suprema audácia de corrigir o mestre: “O senhor perguntou quantos rins ‘nós’ temos. Nós temos quatro: dois meus e dois seus. Posso não saber medicina, mas sei português. O senhor trate de fazer perguntas corretas”.

Oratória. Do latim oratoria, submetendo-se ars oratoria, arte oratória. Orare em latim tem o significado de falar. Com o advento do cristianismo, ganhou também o sentido de rezar. Tanto que no português entra primeiro o oratório, ainda no século XIV, designando o compartimento da casa reservado às orações ou um simples nicho, em forma de capelinha portátil onde é entronizado o santo de devoção do proprietário e da vizinhança. No século XV, surge oratória para designar a habilidade de dizer bem as coisas, a eloquência, a retórica. Eram ainda tempos de um saber enciclopédico em que se destacavam as sete artes liberais, divididas em dois blocos, chamados quadrivium e trivium. O quadrívio era constituído pela música, a aritmética, a geometria e astronomia. E o trívio pela gramatica, a retórica e a dialética. Naqueles tempos, falar e escrever bem eram ofícios que demandavam cuidados de botânica e de jardinagem das palavras, pois acreditava-se que beleza e verdade andassem de mãos dadas. Assim um bom juízo sobre determinado tema somente era bem aceito quando proferido com os ornamentos expressados pelas normas da oratória e da retórica.

Orçamento: do italiano orzare, o vocábulo teve origens na linguagem marítima. Orçar era procurar o vento favorável, vindo daí o seu sentido de estimativa, do cálculo aproximado.  

Orgulho: do frâncico urguli, excelência, pelo catalão orgull e daí ao espanhol orgullo, orgulho, altivez, brio. Na tradição portuguesa a vaidade de ser nobre estava em não trabalhar, especialmente não cultivar a terra. Com o advento da modernidade, o trabalho passou a ser orgulho de todos, nobres e plebeus. O dia do trabalho, comemorado a primeiro de maio, é exemplo do orgulho que têm os que exercem algum ofício. Ainda que haja diferenças entre orgulho e vaidade, Sacha Guitry escreveu em Até Nova Ordem que "a vaidade é o orgulho dos outros".

Ostracismo. Do grego ostrakismos, pelo latim ostracismu, ostracismo, desterro. Na Grécia antiga, principalmente em Atenas, era imposto, em plebiscito, exílio temporário a alguns cidadãos. A exclusão era simbolizada pela distribuição de conchas de ostras aos banidos. 

Palestra: do grego palaístra, lugar onde eram realizados os exercícios físicos, as lutas corporais, as instruções verbais para as lutas e os embates de ideias. Por isso, o vocábulo manteve o sentido guerreiro que preside uma palestra, onde ideias podem lutar, vencer e ser vencidas. 

Patropi: palavra formada a partir das primeiras sílabas da expressão "país tropical", designando o Brasil. Os dicionários ainda não a registraram por defasados. Passou a ser escrita em 1970, como se pode comprovar com textos da imprensa do período.  

Pechincha. De origem desconhecida. Provavelmente teria vindo de uma variação da pronúncia de 'pequena', que nos Açores soa como pitchencha. Tanto em Portugal como no Brasil tem sido palavra indispensável nas negociações da economia popular, pois foi sempre o recurso mais usado pelo freguês para conseguir um preço melhor em suas compras. 

Plugar: do inglês to plug, ligar. É mais uma das contribuições da informática para a língua portuguesa. Plugados a redes mundiais, os leitores podem ter acesso a informações disponíveis em mais de duas mil bibliotecas. Também aqui houve inversão no tráfego. Em vez de o leitor ir a uma biblioteca de sua cidade, pode trazer milhares de bibliotecas de todo o mundo para dentro de sua casa com um simples toque no teclado de seu computador. 

Presídio: da latim praesidiu, praça militar, fortificação. Passou a designar as prisões depois que alguns condenados perigosos foram enviados para esses lugares. Hoje é mais comumente entendido como sinônimo de cadeia. Quando muito fortificado, acrescente-se a expressão "de segurança máxima".

Proferir: do latim proferre, proferir, isto é, levar para fora da boca, já que o latim ferre tem o significado de levar, designando assim o ato de falar, ainda que seu uso seja mais adquirido em situações de certa cerimônia.

Professor: do latim professore, professor, que professa. Seu sentido primitivo em designar aquele que fazia declarações públicas, especialmente religiosas. Passou depois a sinônimo de mestre. Houve mistura de significados porque os primeiros professores da era cristã exerceram o seu ofício na sacristia ou em dependências eclesiásticas. Antigamente os professores deviam ser castos. O teólogo e filósofo francês Pierre Abélard, dito Abelardo, transgrediu tal norma, namorando e casando-se com uma aluna Heloísa, 21 anos mais jovem do que ele. Irritado, o tio da moça, alta autoridade eclesiástica, mandou castrá-lo. Por fim, os dois se separaram e abraçaram a vida religiosa, cada qual num convento. Dia 15 de outubro é celebrado o Dia do Professor. O país que mais respeita a figura do professor é o Japão. Lá o imperador, que não se inclina diante de ninguém, inclina-se diante de professores e professoras. 

Prontuário. Do latim promptuarium, lugar onde estão as coisas prontas, que podem ser encontradas a qualquer momento, prontamente. Deriva de promptu, pronto, disponível. Passou a designar registros de arquivos à disposição para consultas imediatas. Nas Delegacias de Polícia, é mais conhecido por capivara. 

Pseudônimo: do grego pseudonymos, nome falso. Por norma, o nome verdadeiro do autor é aquele que aparece na capa do livro de sua autoria. Mas alguns escritores utilizam pseudônimos para ocultar suas verdadeiras identidades. Um dos escritores mais lidos do Brasil, Marcos Rey, que teve vários de seus livros transpostos para o cinema e a televisão, chama-se Edmundo Nonato. Também o jornalista Sérgio Porto tornou-se célebre sob o pseudônimo de Stanislaw Ponte Preta, publicando os seus famosos FEBEAPÁS, Festivais de Besteiras que Assolam o País. O livro Alice no País das Maravilhas, clássico da literatura infantil, foi escrito pelo professor e matemático inglês Charles Lutwidge Dodgson, sob o pseudônimo de Lewis Carroll.    

Reparar: do latim reparare, consertar, arrumar. Em latim parare tinha também o significado de igualar. Como nos trabalhos de conserto era fundamental a boa observação, reparar ganhou no português o sentido de olhar com muita atenção, fixando a vista. Mas reparar tem também o significado de indenizar e é verbo muito frequente em tempos de após-guerra, quando se trata de exigir compensações pelos danos havidos, invariavelmente definidas pelos vencedores. Por isso, o general gaulês Breno pós a própria espada num dos lados da balança, quando exigia ouro dos romanos, e diante das reclamações latinas berrou: "Vae victis! (Ai dos vencidos!)".

Suicídio. Do francês suicide, por analogia com homicídio, do latim homicidium, pela formação sui e cidium, de caedere, matar a si mesmo. São muitos os apressados deste mundo que, inconformados com a demora do fim, buscam abreviá-lo, nem sempre com sucesso. Às vezes, é a cultura que sugere o suicídio como gesto que põe fim a problemas para os quais a solução é a morte, como foi o caso da Antiga Roma, repleta de suicidas, e o Japão, que ainda cultiva o suicídio como ultimo gesto de dignidade possível frente a dificuldades tidas como resolvidas apenas com a morte auto-imposta. Países que reprovam o suicídio, entretanto, abrigam suicidas em grande número, como é o caso da Suíça e da Hungria. A depressão costuma ser componente decisivo dos suicidas, mas há alguns casos célebres em que estiveram em jogo outras questões, como foi o caso do duplo suicídio de Adolfo Hitler e Eva Braun, em 30 de abril de 1945. O corpo do famigerado foi queimado para não ser localizado pelas forças soviéticas que tinham tomado Berlim. Alguns suicidas são falsos, como se descobre depois. Em 1975, a morte do jornalista Vladimir Herzog num dos muitos porões da ditadura, em São Paulo, foi dada como suicídio, mas a verdade prevaleceu, ficando provado que ele morreu sob tortura.

Tiradentes: do verbo tirar, de tira, vocábulo de origem obscura, mas provavelmente da raiz iraniana, tir, agudo, penetrante, presente na designação da flecha dos arqueiro partos, tradicionais inimigos dos romanos. Ao entrar no corpo, a flecha subtrai algo, a começar pela pele e pedaços de carne. E do latim dente, declinação de dens, dente. Nos primórdios, dentista era o que tirava dente, aquele que aliviava a dor de dente. Joaquim José da Silva Xavier (1746-1792), era assim chamado por exercer o ofício de dentista. Além disso, era oficial, com o posto de alferes — do árabe al fares, cavaleiro — de um regimento militar encarregado de combater assassinos e bandidos. Integrou o movimento político que, inspirado na independência dos EUA, queria proclamar a nossa. Em 1789 estava no Rio de Janeiro quando o coronel Joaquim Silvério dos Reis delatou todo o grupo em troca de perdão de impostos, a derrama, que serviria de estopim para o movimento. Tiradentes escondeu-se numa casa da Rua dos Latroeiros, hoje Gonçalves Dias, onde foi preso. O processo durou três anos e culminou com sua execução na forca, no Largo de Lampadosa, no Rio  

Transe. Derivado de transir, do latim transire, ir além de, trespassar, quase morrer. Semelhante ao êxtase, o transe consiste numa espécie de viagem da alma para além do corpo. O transe mediúnico é acolhido no espiritismo como diálogo entre os espíritos encarnados, que ainda estão nos corpos que habitam, e os desencarnados, que vagam pelo espaço sideral depois da morte dos corpos que habitavam. 

Transparente. Do latim trans, através, e parere, aparecer, isto é, que deixa aparecer algo através do que o oculta em parte. É o caso de um vestido transparente e da proclamada transparência da administração pública, presente sempre nos discursos políticos. 

Trapaça. De trapa, do latim trappa, armadilha, acrescido do sufixo "aça", indicador de aumentativo. 

Zorra: do espanhol zorra, raposa. No português passou a denominar carro muito baixo, de quatro rodas, para transportar cargas pesadas. Como sinônimo de bagunça, é provável que tenha se originado no espalhafato que fazem aves reclusas quando a raposa entra no galinheiro. Em nossa língua, sinônimo de confusão. 

 



SILVA, Deonísio da. De Onde Vêm as Palavras. São Paulo: A Girafa, 2004. (Coleção o mundo são palavras)