JUVENTUDE SEM FUTURO

JUVENTUDE SEM FUTURO

Juventude sem futuro e sem passado: as falsas promessas da meritocracia

José Antonio Llosa, membro da equipe de pesquisa do Workforall, na Universidade de Oviedo, artigo publicado por Ctxt, 12-06-2019. A tradução é do Cepat.

14 Junho 2019

“Após o dinamismo da flexibilidade trabalhista como indício de vida moderna, a realidade determina que os jovens entre os 16 e os 29 anos, na Espanha, sejam a faixa etária com maior índice de pobreza e exclusão social”, escreve José Antonio Llosa. 

Eis o artigo.

O objetivo de qualquer investigação se resume à análise dos paradoxos, e a juventude atual navega em uma situação paradoxal dolorosa. A imagem da juventude pós-moderna aventureira, flexível, aberta à mudança, dinâmica e criativa desenha uma fachada que esconde as aspirações de estabilidade e crescimento que homens e mulheres jovens continuam manifestando hoje, igual como faziam antes.

Em nossas análises, detectamos que os jovens com maior nível de escolaridade são aqueles que vivem seu presente e futuro com maior angústia e dor. Aqui reside o paradoxo, uma vez que a lógica meritocrática neoliberal exige a maior formação possível, com o consequente desenvolvimento de competências, como receita ideal para um futuro promissor.

O contraste com a realidade mostra que, ao penetrar na história dos novos empreendedores, rapidamente se detecta que a obtenção do sucesso está mais relacionada ao código postal do que ao currículo. Ao pensar a precariedade trabalhista, a partir da perspectiva da qualidade de vida, descobrimos que um ingrediente básico tem a ver com expectativas e promessas que são quebradas, não apenas aspectos monetários ou de contratação.

Por isso, a juventude melhor formada sofre um golpe maior ao descobrir que a promessa de futuro promissor é, em muitos casos, uma miragem. O discurso da empregabilidade, aquele de "quem quer, pode", se quebra, impactando diretamente na linha d'água daquele pacto meritocrático. A juventude mais empregável, a mais promissora, é também a mais desesperançada ao descobrir que as promessas sobre o seu futuro já são uma coisa do passado.

O professor Josep María Blanch define esse paradoxo com eloquência: "Os jovens millennials continuam a pensar como fordistas". A infinita diversidade de modelos familiares que podem ser construídos atualmente tem pouco a ver com o modelo tradicional, mas em comum mantêm com os fordistas a necessidade de alguma estabilidade para que possam ser realizados.

Quando nos deparamos com a metáfora deste professor, vimos surgir uma explicação simples para uma situação complexa. Algumas pessoas afirmam que a juventude atual se encontra em um processo de transição entre um modelo de sociedade estável e um líquido. Mentira. Temos de banir o termo de transição de qualquer processo social que tenha ocorrido na última década.

A transição, como uma ideia, pressupõe uma certa harmonia, progressividade e consenso, e o salto entre modelos estáveis e flexíveis de vida tem um caráter imposto, antinatural e em certo modo cínico. Imposto porque a Crise - com letra maiúscula - tem sido uma ferramenta motriz para direcionar e legitimar um cenário permanente de instabilidade, volatilidade e desigualdade.

Cínico, porque o discurso da liberdade econômica desregulada assume o mercado de trabalho com um falso tom meritocrático, mais relacionado a questões de classe do que um hipotético talento. Antinatural em dois termos, já que as pessoas tendem à estabilidade, e a mudança, quando é racional, se caracteriza por seu caráter progressivo.

Para compreender as consequências pessoais desta situação, devemos assumir a necessidade de estabilidade como uma qualidade essencial das pessoas. Entendendo que a estabilidade, como necessidade de ancoragens sociais, se coloca como o único modo de encontrar um lugar na sociedade, qualquer outro modo de vida resulta vazio.

Esteban Agulló dedicou grande parte de sua pesquisa ao que chama de trajetórias de vida. As trajetórias vitais se tornam planos de vida para serem normalizados social e culturalmente. Quando faltam âncoras e é materialmente impossível para a pessoa estabelecer marcos realistas em seu futuro, nós diríamos que as trajetórias vitais se tornam erráticas. Anômalas.

Com toda a sorte de disfunções psicossociais que isso supõe e que a comunidade científica tem verificado repetidamente, o mercado de trabalho flexível - sinônimo de precário - fez dessa anomalia generalização. Embora os recruiters de pessoal perguntem a seus candidatos onde se imaginam em dez anos, nenhum deles oferece uma projeção de trabalho para uma década nas vagas oferecidas. Entre outras coisas, porque essas empresas também podem não existir após esse período de tempo.

Normalizar esta situação perturba vidas e sociedades em um cisma que vai do emocional ao demográfico, repercutindo nos padrões de consumo, acesso à moradia e saúde em um sentido integral. A trajetória também tem caráter finalista, já que precisa se dirigir a algum lugar. Uma noção de progresso necessariamente ancorada em um marco de segurança que permita uma vida de desenvolvimento racional e digno.

No entanto, a ilusão é absoluta em nosso tempo, uma vez que o mercado flexível gera trajetórias circulares: os trabalhadores que mudam de posto, longe de enfrentar "novos desafios", somente realizam novas tentativas.

Sob esta lógica, é fácil encontrar jovens altamente qualificados navegando entre empregos, em todo o planeta, com perfis de Instagram excepcionais e vidas completamente desenraizadas. Primeiro com o desejo de voltar para casa, e logo sem lembrar qual é a sua casa.

Após o dinamismo da flexibilidade trabalhista como indício de vida moderna, a realidade determina que os jovens entre os 16 e os 29 anos, na Espanha, sejam a faixa etária com maior índice de pobreza e exclusão social. Uma faixa etária que é deliberadamente e sistematicamente desatendida pelas políticas públicas, diante da promessa – mais uma - de que passar pela miséria da precariedade, durante a década dos 20 e os 30, constituiu a única via para acessar o sonho fordista da estabilidade. Uma cenoura para, enquanto isso, legitimar um clima de desigualdade competitiva que nos deixa acabados.