O PECADO E A MORTE DE DAVI

O PECADO E A MORTE DE DAVI

(Do ex-site do Pe. Fernando Cardoso)

27 de janeiro de 2012 (1ª leitura da sexta-feira da 3ª semana comum: 2ª Samuel 11,1-17 e 12,1-25)

Hoje, a Bíblia nos apresenta uma página turva, fosca, da história de Davi.

Os telespectadores já estão percebendo que eu, normalmente, faço comentários à primeira leitura porque, normalmente, o Antigo Testamento é menos conhecido do que o Novo, mas é também Palavra de Deus que serva para nossa reflexão e alimento espiritual.


O texto nos fala de dois pecados gravíssimos cometidos por Davi: em primeiro lugar um adultério, assumindo como mulher própria, e tendo relacionamento sexual com a esposa legítima de um soldado seu hitita chamado Urias; o segundo pecado, pior ainda, mais grave, foi o homicídio de Urias para que a gravidez e o filho de Bersabéia ficasse escondido e não viesse à tona o adultério perpetrado por Davi. Naquela época não havia exames de DNA.


Dois pecados gravíssimos. E aqui Davi, lamentavelmente, manchou de maneira forte a sua existência. Davi, nesses dois pecados graves, é o retrato de muitos de nós que, embora armados de reta intenção, de castos desejos, de quando em quando resvalamos. E neste caso aqui não se tratou de pecados corriqueiros, os mais graves que se podem cometer: primeiro uma infidelidade conjugal, um adultério; em segundo lugar, e pior, um assassinato.


Infelizmente esta página vem manchar a biografia de Davi. E assim acontece também com as nossas biografias. Se não tomamos cuidado, se não vigiamos de acordo com o mandamento de Jesus, se não rezamos diariamente, se não nos examinamos, se não vivemos alerta, estas coisas acontecem conosco também. Quantos adultérios e quantos assassinatos não são perpetrados diariamente em todas as nossas cidades? Sim, estes dois pecados de Davi são pecados que se cometem diariamente, através dos quais Deus, na Sua santidade, é ofendido.


Bem, talvez um ou outro diga: “não cometi nenhum desses dois até o dia de hoje. Nunca adulterei e nunca assassinei quem quer que fosse”. Por graça de Deus. Mas é possível que outros pecados graves tenham manchado a nossa veste batismal que recebemos branca no batismo, e prometemos conduzi-la branca ao tribunal de Deus. Se isto aconteceu, não apenas imitamos Davi no seu pecado, mas nos tornamos indignos do reino de Deus.

O pecado é sempre uma desordem grave na vida, ofende a Deus, e traz conseqüências funestas para nossa vida (o padre Fernando acrescenta, no dia 28, que um dos castigos de Davi foi a morte do filho que Betsabéia concebeu nesse pecado de Davi.) 

30 de janeiro de 2012)

No segundo Livro de Samuel, são narradas tragédias e turbulências pelas quais passou a casa real de Davi. Foi Davi um pecador penitente que aceitou as consequências do mal praticado. Absalão, um de seus filhos, assassinou o irmão Amnon por ter violentado a irmã Tamar. Por sua vez, Absalão foi também assassinado por Joab, general de Davi. Adonias, outro filho de Davi, seria mais tarde assassinado por ordem de Salomão. E assim, a espada que Davi desembainhou em sua casa, matando o marido de Betsabéia – Urias, o hitita - não mais o abandonou. O resto da história de Davi é uma sucessão de lutas sangrentas entre os irmãos, a ver com quem ficaria o reino após a morte do pai.


Diante desse texto, não podemos deixar de trazer à lembrança tantas famílias desarticuladas, desunidas, onde algumas vezes impera ódio mortal entre irmãos ou parentes. Desunião familiar é verdadeira chaga, que pode começar entre marido e mulher, mas depois se propaga entre irmãos. Que tragédia, quando percebemos em família que irmãos não se falam, evitam-se, ofendem-se e nunca mais entrarão em acordo.


Rezemos pelas famílias que se encontram nessa situação. Além da oração, que é fundamental, ajuda vinda de fora, serviço habilidoso e tempo são capazes de curar feridas que, de outra maneira, apenas aumentariam.

Em primeiro lugar, se alguém possui ódio no coração, reconcilie-se primeiro com o irmão a quem ofendeu ou com quem está ofendido, porque sua relação com Deus pode estar dessa forma comprometida.


Nem sempre as coisas se passam de maneira tranquila. Há casos em que pessoas ofendidas não desejam conceder o perdão; nem tudo depende apenas de nós. Em situações como essas, faz-se o que se pode e se entrega a Deus a situação que não pôde ser amigavelmente resolvida.


Ao lado de grandes perdões, existem também perdões menores e quase diários, que devemos conceder ou pedir. Caso emblemático é o perdão entre marido e esposa. Se não se perdoam recíproca e frequentemente, um muro de separação se vai levantando entre ambos, a ponto de a convivência, mais tarde, tornar-se impossível. É possível, a esse propósito, perdoar o cônjuge infiel? Eis uma questão que não pode ser aqui resolvida. Trata-se de algo muitíssimo delicado, mas conheço pessoas que,    na oração, encontraram força para perdoar a parte infiel. Naturalmente não se trata aqui de perdoar “setenta vezes sete”. Não esqueçamos que perdoar significa também saber pedir perdão. Não somos apenas credores de perdão; somos também devedores.


A MORTE DE DAVI E A NOSSA

02 de fevereiro de 2012

O texto do primeiro livro dos Reis narra o fim de Davi e sua morte: “Eu me vou pelo caminho de todo ser humano”, diz o velho Davi, que havia vivido intensamente sua vida: ainda criança, fora escolhido como o ungido de Deus, realizara proezas durante sua juventude, tinha conseguido impor-se sobre algumas tribos; tinha-se tornado o primeiro monarca de Judá, ou Reino do Sul, transformando Jerusalém na capital de seu reino unido. Havia conduzido a Arca da Aliança para Jerusalém, fazendo da cidade um centro religioso para as tribos de Israel. Havia guerreado contra os inimigos ao redor - filisteus, amonitas - mas agora se encontrava no final da existência. Davi aceitou, como qualquer ser humano, sua sorte e, quando chegou a hora de deixar este mundo, foi-se em paz.


O texto que hoje lemos mostra-nos o exemplo de Davi. Após uma vida carregada de realizações, de boas obras, de amor a Deus e serviço aos outros, podemos emigrar definitivamente deste mundo, pois não temos aqui morada permanente.


É triste ver pessoas que se apegam à vida nos últimos momentos, até quando esta, impiedosamente, se esvai. Se conseguíssemos depositar nossa existência nas mãos de Deus, concluiríamos a vida sem sobressaltos e temores. O cristão, com efeito, não se entrega ao cemitério, mas coloca sua vida nas mãos de Deus.


Davi não tinha essa fé que possuímos; falava em ir para o caminho de qualquer homem, que são a morte e a sepultura. Façamos um ato de aceitação de nossa própria morte; dela ignoramos o tempo e as circunstâncias. No entanto, aceitemos a morte em remissão de nossos pecados, assemelhando-nos a Cristo e contribuindo, também, para a redenção da humanidade.


A propósito da morte, podemos fazer diversas observações, abordando apenas os aspectos religiosos. A morte é um problema apenas para os seres humanos. Animais também morrem, mas como a ignoram, não a problematizam. O orador clássico latino, Cícero, dizia a seu respeito que, de forma alguma, deve ela incomodar-nos, pois, enquanto vivemos, ela não existe para nós e, quando morrermos, já seremos nós que não existiremos. O raciocínio de Cícero é sutil, embora não seja argumento a ser levado a sério. Não podemos ignorar que a morte nos acompanha qual sombra, desde o início de nossa vida. 


Ao sermos concebidos, tomamos o trem da morte que, infalivelmente, faz nossa viagem terminar num cemitério. Aquele que não tem fé considera-a como mergulho no nada. Sejamos honestos: é desafiador crer que alguém esteja verdadeiramente vivo, quando se contempla um corpo inerte dentro de um caixão. Efetivamente, quando celebramos exéquias ou missas em sufrágio de alguém, contemplamos muita gente cética quando mencionamos a ressurreição. A fé é dom intransmissível; é Deus quem, com ela, ilumina nossos corações. Podemos saborear-lhe a beleza, mas não temos a capacidade de iluminar ninguém.


Rezemos por todos aqueles que sofrem terrivelmente por considerar a morte como perda definitiva e não passagem pascal para Deus. Lembremo-nos também que o dom recebido transforma-se em tarefa e que devemos conservar essa luz em meio a todas as contradições da existência.

 Padre Fernando Cardoso