REFUNDAR O BRASIL 

REFUNDAR O BRASIL-- UMA UTOPIA?

Pe Nelito Dornelas

 

A palavra Utopia é usada para designar uma sociedade ideal, embora de existência impossível, ou uma ideia generosa, porém, impraticável, mas pode também expressar uma quimera ou fantasia. No original grego significa lugar nenhum ou o não lugar.

Quem popularizou o termo utopia foi o pensador e estadista inglês São Thomas Morus (1478-1535), em sua obra com este nome, imaginando uma sociedade perfeita, um paraíso, inspirada, justamente, nas primeiras notícias que lhes chegaram sobre um novo país que estava entrando para o concerto das nações, com o nome original de Brasil.

Nestes tempos sombrios, recomendo aos brasileiros e brasileiras à leitura fascinante desta obra, ainda mais que se trata de um santo canonizado pela Igreja Católica. Analisando bem o significado etimológico utilizado pelo autor, descobrimos o modo irônico com que o pensador batizou essa sociedade perfeita, pois "u" é um advérbio de negação e "tópos" significa lugar, portanto, "não lugar" ou lugar inexistente, que se estabelece no horizonte e no interior de quem se dispõe a buscar a utopia.

A Utopia de Thomas Morus está dividida em dois livros: o primeiro, de caráter negativo faz a crítica ao imperialismo da Inglaterra, que se impunha ao domínio do mundo e, o segundo, apresenta uma sociedade alternativa que destrói as bases do império. O autor criou um personagem, seu alter-ego, denominado Rafael Hitlodeu, que vai narrando, de forma encantadora e vibrante, sua viagem à Utopia e descrevendo, de forma minuciosa, o funcionamento dessa sociedade que viu.

Rafael narra no primeiro livro a forma como o império inglês vai se impondo sobre os camponeses, armando os proprietários das terras, promovendo guerra aos camponeses, expulsando-os do campo para as periferias urbanas, através de bandos de ladrões, agindo de forma organizada e protegidos por uma justiça cega, cruel, defensora da realeza, sempre ávida de riquezas e sempre pronta para a guerra e promovendo perseguições religiosas e divisão interna nas religiões. No segundo livro todas estas regras são invertidas na República da Utopia, o Brasil, inspirado na obra de Platão (427-347 a.C) A República, suscitando no leitor a possibilidade de uma sociedade imaginária.

A Utopia de Thomas Morus inspirou o italiano Tommaso Canpanella (1568-1639), a escrever A Cidade do Sol, em 1602, ao psicólogo Skinner (1904-1990), fundador do behaviorismo, a escrever Walden 2, em 1948, bem como a Pierre Proudhom (1809-1865), Charles Fourier (1772-1837), Robert Owen (1771-1858) e Saint-Simon (1760-1825).

A atualidade da Utopia é, justamente, o restaurar o limiar da Esperança, parafraseando São João Paulo II, considerando que a esperança é um bem escasso hoje no mundo inteiro e, especialmente, no Brasil, quando estamos assistindo ao seu assassinato contínuo, por meio de medidas tomadas que penalizam, principalmente, as grandes maiorias que veem as conquistas sociais históricas sendo literalmente desmontadas.

Aqui nos socorre o filósofo alemão Ernst Bloch que introduziu o “princípio esperança”, assumido mais que uma virtude entre outras, mas como um motor que temos dentro de nós que alimenta todas as demais virtudes e que nos lança para frente, suscitando novos sonhos de uma sociedade melhor.

É o princípio esperança, bem alimentado que fornece as energias para a população prejudicada para poder resistir, sair às ruas, protestar e exigir mudanças que façam bem ao país, a começar pelos que mais precisam.

Socorrem-nos as sábias palavras de Riobaldo, de Guimarães Rosa: Com Deus existindo, tudo dá esperança, o mundo se resolve. Tendo Deus é menos grave se descuidar um pouquinho, pois no fim, dá certo. Mas se não tem Deus, então, a gente não tem licença para coisa nenhuma.

Ter fé é ter saudades de Deus. Ter esperança é saber que Deus está ao nosso lado, e dentro de nós ainda que invisível, fazendo-nos esperar contra toda a esperança.

Esta é a lição permanente de toda Utopia!