Artigo 144.º – Prazo e âmbito territorial do dever de abandono e da interdição de entrada e de permanência

1 — Ao cidadão estrangeiro sujeito a decisão de afastamento é vedada a entrada em território nacional por período até cinco anos, podendo tal período ser superior quando se verifique existir ameaça grave para a ordem pública, a segurança pública ou a segurança nacional.

2 — A medida de recusa de entrada e de permanência é graduada a partir da mera permanência ilegal e pode ser agravada atento o período da estada não autorizada, quando, com a permanência ilegal se afira:

a) A violação dolosa das normas aplicáveis em matéria de entrada e permanência; ou

b) A prática de ilícitos criminais ou a violação grave dos deveres inerentes às medidas de coação enumeradas no artigo 142.º; ou

c) Que o cidadão estrangeiro tenha sido sujeito a mais do que uma decisão de retorno ou tenha entrado em violação de indicação de recusa de entrada e permanência; ou

d) A existência da ameaça referida no número anterior.

3 — Quando o cidadão estrangeiro não esteja habilitado, por qualquer forma, a permanecer no território dos Estados membros da União Europeia e no dos Estados onde vigore a Convenção de Aplicação, o dever de abandono, o afastamento ou a expulsão e a indicação de recusa de entrada e de permanência abrangem também o território daqueles Estados, devendo a especificação do âmbito territorial da medida de interdição constar expressamente das notificações legalmente previstas para o respetivo procedimento.


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Comentários


1 — O prazo de interdição de entrada no país é de cinco anos, nos termos do artigo em exame. Prazo que baixa, porém, para três, quando o afastamento do estrangeiro deriva do regresso voluntário (arts. 138.º e 139.º, n.º 3). Nota SEF: A redação original da Lei n.º 23/2007 ditava, quanto ao prazo de interdição de entrada em razão do afastamento: "Ao cidadão estrangeiro expulso é vedada a entrada em território nacional por período não inferior a cinco anos.". A redacção em vigor foi introduzida pela Lei n.º 29/2012, de 29 de agosto.


2 — A proibição de reentrada no país não é a única consequência que se segue à expulsão. Com efeito, a expulsão faz cancelar as autorizações de residência que o expulsando anteriormente detinha (cfr. art. 85.º).

A talho de foice, convém ter presente que há ainda outras situações em que o cidadão estrangeiro pode ver cancelada a respectiva autorização de residência.

É o que, por exemplo, acontece com:

— A autorização de residência para estudo, intercâmbio de estudantes, estágio profissional e voluntariado - que pode ser cancelada em face de certos pressupostos (art. 95.º);

— A autorização de residência emitida ao abrigo do direito ao reagrupamento familiar também - que pode ser cancelada quando o casamento, a união de facto ou a adopção tiverem por fim único permitir à pessoa interessada entrar e residir no país (art. 108.º);

— A autorização de residência a vítimas de crimes - que pode ser cancelada a todo o tempo, em certos casos (art. 115.º);

— A autorização de residência a nacional de Estado terceiro que também tenha adquirido o estatuto de residente de longa duração noutro Estado membro - que pode ser cancelada por razões de ordem pública ou de segurança pública ou quando deixarem de estar preenchidas certas condições (arts. 116.º, 118º e 120.º);

— A perda do estatuto de residente de longa duração - que implica o cancelamento da autorização de residência e apreensão do título de residência (art. 131.º, n.º 7).

Ora, em todos os casos de cancelamento de autorização de residência, essa decisão deve ser notificada ao interessado e comunicada ao ACIDI, IP e ao Conselho Consultivo com indicação dos respectivos fundamentos. Por outro lado, o cancelamento implica a apreensão do respectivo título (cfr. art. 85.º, n.º 5).


3 — Esta conjugação de decisões, pela sua necessária cronologia, isto é, porque diferentemente colocadas no tempo, apresenta efeitos consideráveis.

Em 1.º lugar, no caso de expulsão (é disso que aqui tratamos agora), o cancelamento da autorização de residência é indiscutivelmente posterior àquela decisão. Só depois da decisão de expulsão, haverá decisão de cancelamento da autorização de residência (art. 85.º, n.º 1, al. a)).

Em 2.º lugar, se houver sido interposta impugnação judicial, no caso de decisão administrativa (arts. 140.º e 150.º), como ela não tem efeito suspensivo (art. 150.º), nada parece obstar à consequente decisão de cancelamento da autorização de residência. Neste caso, porém, a própria decisão de cancelamento da autorização poderá ser "judicialmente impugnada" perante os tribunais administrativos (art. 85.º, n.º 7). Mas, porque também o seu efeito é devolutivo (n.º 7 citado), igualmente nenhum obstáculo parece haver à imediata execução, quer do cancelamento, quer da expulsão, a não ser, claro, que se requeira uma providência cautelar conservatória visando suspender a eficácia do acto.

Se a decisão de expulsão for judicial, o efeito do recurso jurisdicional a interpor para o Tribunal da Relação (art. 158.º, n.º 1 e 427.º do CPP) será devolutivo no caso da expulsão como medida autónoma (art. 158.º, n.º 2) e, excepcionalmente, suspensivo, sempre que em causa estiver um estrangeiro residente de longa duração em Portugal (art. 136.º, n.º 3). Da decisão tomada "acessoriamente", caberá recurso nos termos gerais do CPP. Porque a decisão final é condenatória, o recurso apresenta-se com efeito suspensivo (art. 408.º, n.º 1, al. a), do CPP). Pois, sendo assim, nestes casos em que o recurso tem aqui efeito suspensivo, não deverá a entidade competente para cancelar a autorização de residência (originariamente, o Ministro da Administração Interna; derivadamente, o director-geral do SEF, com competência por aquele delegada: art. 85.º, n.º 6) proceder de imediato à decisão de cancelamento, devendo esperar até que transite judicialmente a decisão da impugnação ou do recurso jurisdicional. Só, então, o poderá fazer, no caso de o recurso ter sido julgado improcedente.


4 — Convém, por fim, lembrar que a decisão de expulsão aplicada administrativamente (arts. 140.º e 150.º) pode, para além da impugnação contenciosa em sede de acção administrativa especial impugnatória (arts. 64.º, n.º 2, als. a) e b), 50.º e 51.º e segs. do CPTA), ser submetida a providência cautelar de suspensão de eficácia (art. 112.º, n.º 2, al. a), do CPTA), que é um processo urgente (art. 113.º, n.º 2, do CPTA), e cujo objectivo é, precisamente, evitar que o acto expulsório produza desde logo os seus efeitos com a imediata expulsão do cidadão.


5 — As medidas de interdição de entrada que não tenham sido decretadas judicialmente e que estejam sujeitas aos prazos definidos nos termos da presente lei podem ser reapreciadas a todo o tempo, por iniciativa do director-geral do Serviço de Estrangeiros e Fronteiras e atendendo a razões humanitárias ou de interesse nacional, tendo em vista a sua eliminação (art. 33.º, n.º 5).

 

Jurisprudência


ESTRANGEIRO - AFASTAMENTO COERCIVO - INTERDIÇÃO DE ENTRADA

I – Do art. 144º, da Lei 23/2007, de 4/7, na redacção da Lei 29/2012, de 9/8, decorre que a decisão de afastamento coercivo de território nacional implica, necessariamente, uma interdição de entrada em território nacional (por período até cinco anos, podendo tal período ser superior quando se verifique existir ameaça grave para a ordem pública, a segurança pública ou a segurança nacional), mas tal previsão não é incompatível com a anulação do acto administrativo apenas no segmento em que determinou a interdição de entrada, por falta de fundamentação do concreto prazo de interdição aplicado.

II – Tal anulação não impede que o réu renove a decisão interdição de entrada em território nacional - pois a mesma assenta em vício de forma (falta de fundamentação) -, isto é, o réu não está impedido de praticar novo acto em que vede ao autor a entrada em território nacional por um determinado período, desde que fundamente o concreto prazo de interdição aplicado, sob pena de, não o fazendo, tal acto ser nulo, por ofensa de caso julgado (cfr. art. 161º n.º 2, al. i) do CPA de 2015).

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul de 10-05-2018, no Processo 166/14.2 BEALM



«Reenvio prejudicial – Nacional de país terceiro em situação irregular no território de um Estado‑Membro – Ameaça para a ordem pública e a segurança nacional – Diretiva 2008/115/CE – Artigo 6.°, n.° 2 – Decisão de regresso – Proibição de entrada no território dos Estados‑Membros – Indicação para efeitos de não admissão no espaço Schengen – Nacional titular de um título de residência válido emitido por outro Estado‑Membro – Convenção de Aplicação do Acordo de Schengen – Artigo 25.°, n.° 2 – Procedimento de consulta entre o Estado‑Membro autor da indicação e o Estado‑Membro emissor do título de residência – Prazo – Não tomada de posição pelo Estado contratante consultado – Consequências para a execução das decisões de regresso e de proibição de entrada»

…o Tribunal de Justiça (Quinta Secção) declara:

1. O artigo 25.°, n.° 2, da Convenção de Aplicação do Acordo de Schengen ... deve ser interpretado no sentido de que, embora o Estado contratante que tenciona adotar uma decisão de regresso acompanhada de uma proibição de entrada e de permanência no espaço Schengen contra um nacional de país terceiro titular de um título de residência válido emitido por outro Estado contratante possa iniciar o procedimento de consulta previsto nesta disposição antes da adoção da referida decisão, esse procedimento deve, em todo o caso, ser iniciado logo que essa decisão seja adotada.

2. O artigo 25.°, n.° 2, da Convenção de Aplicação do Acordo de Schengen deve ser interpretado no sentido de que não obsta a que a decisão de regresso acompanhada de uma proibição de entrada adotada por um Estado contratante contra um nacional de país terceiro titular de um título de residência válido emitido por outro Estado contratante seja executada mesmo que o procedimento de consulta previsto nessa disposição esteja em curso, desde que o Estado contratante que procedeu à indicação considere que o referido nacional representa uma ameaça para a ordem pública ou para a segurança nacional, sem prejuízo da faculdade de este invocar os direitos que esse título de residência lhe confere, deslocando‑se posteriormente para o território do segundo Estado contratante. No entanto, no termo de um prazo razoável após o início do procedimento de consulta e na falta de resposta do Estado contratante consultado, cabe ao Estado contratante que procedeu à indicação retirar a indicação para efeitos de não admissão e, se for caso disso, inscrever o nacional do país terceiro na sua lista nacional de pessoas indicadas.

3. O artigo 25.°, n.° 2, da Convenção de Aplicação do Acordo de Schengen deve ser interpretado no sentido de que o nacional de país terceiro, titular de um título de residência válido emitido por um Estado contratante, e contra o qual foi adotada, noutro Estado contratante, uma decisão de regresso acompanhada de uma proibição de entrada, pode invocar perante o juiz nacional os efeitos jurídicos resultantes do procedimento de consulta que incumbe ao Estado contratante que procedeu à indicação, bem como as exigências daí decorrentes.

Acórdão do Tribunal de Justiça de 16 de janeiro de 2018 — Processo C‑240/17



O artigo 11.º, n.º 2, da Diretiva 2008/115/CE do Parlamento Europeu e do Conselho, de 16 de dezembro de 2008, relativa a normas e procedimentos comuns nos Estados Membros para o regresso de nacionais de países terceiros em situação irregular, deve ser interpretado no sentido de que a duração da proibição de entrada prevista nesta disposição, que, em princípio, não excede cinco anos, deve ser calculada a partir da data em que o interessado abandonou efetivamente o território dos Estados Membros.

Acórdão do Tribunal de Justiça de 26 de julho de 2017, no Processo C‑225/16



1 - Quer antes das alterações ao Decreto-Lei n.º 244/98, de 8 de Agosto, decorrentes do Decreto-Lei n.º 4/2001, de 10 de Janeiro, relativas à expulsão de estrangeiros, quer depois destas, e sem ressalva para residentes ou não residentes - recorrente encontrava-se em situação irregular - ao estrangeiro expulso é vedada a entrada em território nacional por período não inferior a cinco anos (artigo 106º).

2 - Pelos factos praticados e pela irregularidade da situação justifica-se a determinação de expulsão, que nem sequer vem impugnada, fixando-se, porém, o período da mesma em 8 anos - cfr. alínea c) do n.º 1, do artigo 116º do citado Decreto-Lei n.º 244/98 -, regime que se considera mais favorável ao recorrente do que o da não fixação de qualquer prazo.

Acórdão do STJ de 23-10-2002 - Processo n.º 02P1890



1.ª – Entre as formas de cooperação judiciária internacional em matéria penal, prevê-se a execução de sentenças penais e, especificamente, a transferência de pessoas condenadas, regulada pela Convenção Relativa à Transferência de Pessoas Condenadas, de 21 de Março de 1983, e pela Lei n.º 144/99, de 31 de Agosto;

2.ª – No caso de transferência para o estrangeiro de pessoa condenada em Portugal (Estado da condenação), a execução da condenação rege-se pela lei do Estado para onde a pessoa condenada é transferida (Estado da execução) (artigo 9.º, n.º 3, da Convenção Relativa à Transferência de Pessoas Condenadas);

3.ª – No caso de aplicação cumulativa de pena de prisão e de pena de expulsão do território nacional, a contagem do período de interdição de entrada no território nacional inicia-se no dia em que o condenado – mediante a concessão de liberdade definitiva ou condicional (ou instituto equivalente) – se encontrar livre na sua pessoa, por se considerar ter terminado o efectivo cumprimento da pena privativa de liberdade;

4.ª – Compete ao Estado da execução fornecer a informação sobre a data referida na parte final da conclusão anterior ou os elementos indispensáveis à sua determinação [artigos 15.º, alínea a), da Convenção Relativa à Transferência de Pessoas Condenadas e 124.º, n.º 1, da Lei n.º 144/99, de 31 de Agosto.

Parecer da PGR n.º P00001791, de 27-03-2003.


Origem do texto


Direito nacional

A norma reproduz, na íntegra, o texto do artigo 106.º do Decreto-Lei 244/98, de 8 de Agosto. Na última redacção deste diploma a matéria era regulada no artigo 105.º

A interdição de entrada como corolário de uma decisão de expulsão tem origem no Decreto-Lei 264-B/81, de 3 de Setembro, à luz do disposto na alínea a) do seu artigo 4.º e na alínea c) do n.º 1 do seu artigo 48.º, vedando a entrada no país ao cidadão expulso por um prazo não inferior a um ano. O Decreto-Lei 59/93, de 3 de Março, previa como prazo de interdição de entrada um período não inferior a três anos, no seu artigo 73.º


Procedimento legislativo   


Proposta de Lei 93/X do Governo (2006)         

Artigo 144.º - Prazo de interdição de entrada

Ao cidadão estrangeiro expulso é vedada a entrada em território nacional por período não inferior a cinco anos.

Discussão e votação indiciária: artigo 144.º da proposta de lei n.º 93/X — aprovado, com votos a favor do PS, PSD e CDS-PP e votos contra do PCP e BE.




Proposta de Lei 50/XII do Governo (Lei n.º 29/2012)

Artigo 144.º – Prazo de interdição de entrada

Ao cidadão estrangeiro sujeito a afastamento é vedada a entrada em território nacional por período não inferior a cinco anos.

Discussão e votação na especialidade: artigo 144.º da Lei n.º 23/2007 – Proposta de alteração apresentada pelo PSD e CDS-PP – aprovada, com votos a favor do PSD e do CDS-PP e votos contra do PS, do PCP, do BE e do PEV; Proposta de alteração Artigo 144.º (…) Ao cidadão estrangeiro sujeito a decisão de afastamento é vedada a entrada em território nacional por período até cinco anos, podendo tal período ser superior quando se verifique existir ameaça grave para a ordem pública, a segurança pública ou a segurança nacional. Proposta de alteração, da PPL, prejudicado pela votação anterior. Redação original da Lei n.º 23/2007:

Artigo 144.º - Prazo de interdição de entrada 

Ao cidadão estrangeiro expulso é vedada a entrada em território nacional por período não inferior a cinco anos.




Proposta de Lei 19/XV/1 (Lei n.º 18/2022)

Artigo 144.º - Prazo e âmbito territorial do dever de abandono e da interdição de entrada e de permanência

1 – Ao cidadão estrangeiro sujeito a decisão de afastamento é vedada a entrada e a permanência em território nacional por período até cinco anos, podendo tal período ser superior quando se verifique existir ameaça grave para a ordem pública, a segurança pública ou a segurança nacional.

2 – A medida de recusa de entrada e de permanência é graduada a partir da mera permanência ilegal e pode ser agravada atento o período da estada não autorizada, quando, com a permanência ilegal se afira:

a) A violação dolosa das normas aplicáveis em matéria de entrada e permanência;

b) A prática de ilícitos criminais ou a violação grave dos deveres inerentes às medidas de coação enumeradas no artigo 142.º;

c) Que o cidadão estrangeiro tenha sido sujeito a mais do que uma decisão de retorno ou tenha entrado em violação de indicação de recusa de entrada e permanência; ou

d) A existência da ameaça referida no número anterior.

3 – Quando o cidadão estrangeiro não esteja habilitado, por qualquer forma, a permanecer no território dos Estados-Membros da União Europeia e no dos Estados onde vigore a Convenção de Aplicação, o dever de abandono, o afastamento ou a expulsão e a indicação de recusa de entrada e de permanência abrangem também o território daqueles Estados, devendo a especificação do âmbito territorial da medida de interdição constar expressamente das notificações legalmente previstas para o respetivo procedimento.  

Alteração aprovada, por apreciação da Comissão de Assuntos Constitucionais, Direitos, Liberdades e Garantias, com votos a favor do PS, do IL, do PCP, abstenções do PSD e do BE e contra do Chega. Redação anterior:

Artigo 144.º - Prazo de interdição de entrada

Ao cidadão estrangeiro sujeito a decisão de afastamento é vedada a entrada em território nacional por período até cinco anos, podendo tal período ser superior quando se verifique existir ameaça grave para a ordem pública, a segurança pública ou a segurança nacional.