Artigo 136.º – Proteção do residente de longa duração em Portugal

1 — A decisão de expulsão judicial de um residente de longa duração só pode basear-se na circunstância de este representar uma ameaça real e suficientemente grave para a ordem pública ou a segurança pública, não devendo basear-se em razões económicas.

2 — Antes de ser tomada uma decisão de expulsão de um residente de longa duração, são tidos em consideração os seguintes elementos:

a) A duração da residência no território;

b) A idade da pessoa em questão;

c) As consequências para essa pessoa e para os seus familiares;

d) Os laços com o país de residência ou a ausência de laços com o país de origem.

3 — A decisão de expulsão é suscetível de impugnação judicial, com efeito suspensivo.

4 — Ao residente de longa duração que não disponha de recursos suficientes é concedido apoio judiciário, nos termos da lei.


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Comentários


1 — Sobre residentes de longa duração, ver arts. 125.º e segs. e respectivas anotações. Ver ainda os arts. 74.º a 78.º do Decreto Regulamentar n.º 84/2007, de 5 de Novembro. 


2 — Como é dito no preâmbulo da lei, é consagrada aqui "uma protecção acrescida do residente de longa duração contra medidas de expulsão, mediante a consideração da sua integração social e familiar e a consagração de efeito suspensivo do recurso judicial".

A expressão "sem prejuízo do disposto no artigo 135.º” contida na proposta anterior, desapareceu do texto definitivo. No entanto, a eliminação não tem significado de maior, uma vez que, em qualquer caso, o art. 135.º sempre está presente em todas as situações, funcionando como uma espécie de reserva de fundamentos ao impedimento absoluto. De modo que, no que ao estrangeiro residente de longa duração em Portugal concerne, a sua expulsão só poderá ocorrer desde que a sua situação não caiba na previsão de alguma das alíneas do artigo anterior. E mesmo não cabendo, ainda assim, ele continua com uma protecção adicional relativamente aos demais cidadãos estrangeiros só pelo facto de ser residente de longa duração em Portugal. Assim o proclama o preceito em anotação.

Esclareçamos um ponto. Sendo o expulsando um cidadão estrangeiro residente de longa duração, isso envolve a dizer que a sua entrada não terá, por certo, sido ilegal. O que não significa que ele não se venha a colocar sob a alçada de uma situação de ilegalidade após a aquisição do estatuto. Ora, atendendo ao modo como o n.º 1 esta textuado, poderia uma leviana interpretação conduzir à ideia de que o residente de longa duração não poderia ser expulso mesmo que a sua permanência em Portugal viesse a ser, eventualmente, irregular. Evidentemente, nada disso se pode admitir e tal não é o que seguramente a lei nos transmite. O que acontece é que verificada qualquer situação que seja susceptível de integrar a previsão do art. 131.º, ela implicará a perda do estatuto de residente de longa duração. Nesse caso, assistir-se-á ao cancelamento da autorização e a apreensão do respectivo título de residência (ver n.º 7, desse artigo) e ficará sujeito ao regime geral. Ou seja, aquele cidadão deixará de ser residente de longa duração e se, entretanto, não vier a beneficiar de um outro diferente estatuto de residente, a sua situação em Portugal será de ilegalidade, podendo, nesse caso, ser expulso. A hipótese contemplada no n.º 1 do art. 136.º, torna-se assim compreensível do seguinte modo: enquanto não se verificar uma das situações que levem ao accionamento do art. 131.º (perda de estatuto), o cidadão estrangeiro residente de longa duração em Portugal só poderá ser expulso se ele representar uma "ameaça real" que seja "suficientemente grave", o que, aliás, está em consonância com o art. 12.º, n.º 1, da Directiva 2003/109/CE. É, pois, um requisito negativo específico.

Mais uma vez, estamos em presença de conceitos indeterminados, cujo preenchimento haverá de depender da situação concreta e de um quadro de ponderação sensato, prudente e razoável.

E sobre o assunto uma advertência nos cumpre desde já ir adiantando. Apesar de estarmos a falar de cidadãos estrangeiros, os fundamentos para a expulsão de residentes de longa duração não se poderão buscar no art. 134.º, mas somente no artigo em análise. Repare-se, aliás, que as referências à ameaça real e suficientemente grave não constam das diversas alíneas previsionais além estabelecidas. Nelas só aparece o termo "ameaça" (al. c)) e "actos criminosos graves" (al. f)). E, a propósito, concatenando um e outro dos normativos, poder-se-ia ser levado a pensar que a ameaça e a gravidade presentes no art. 134.º poderiam ser de pouca monta. Cremos, no entanto, que a gravidade dos actos criminosos e, bem assim, a ameaça nele consignadas não poderão ser negligenciáveis, pois de outro modo mal se perceberia a razão da expulsão permitida à sua sombra.

Mas o que verdadeiramente agora importa reter é que, no que ao estrangeiro residente em Portugal há longo tempo se refere, consigna a lei um dever de análise muito atenta e cuidada, de forma a concluir-se que a medida só é tomada pela especial e muito séria gravidade da ameaça aos bens a proteger pela norma: ordem e segurança públicas. Por conseguinte, se uma expulsão, vamos dizer, normal implica uma subsunção da situação factual – séria, real e grave – às hipóteses das fati species espalhadas pelo art. 134,º, a medida padrão com que se afere da seriedade e gravidade da conduta ou da ameaça que ela representa na previsão do art. 136.º acaba por ser mais exigente ainda, relegando para terrenos extremados os casos em que a expulsão é permitida. Nesta análise, até nos parece que a expressão indeterminada "suficientemente grave" acaba por ser perigosamente enganadora. O que no artigo se visa afirmar, ao contrário do que pode inculcar, não é que a gravidade da ameaça apenas seja suficiente, isto é, se confine a limites aceitáveis. Pensar que uma gravidade de suficiente densidade bastaria para levar à expulsão seria o mesmo que admitir o oposto da verdadeira mens legistoris, perverso, pois, aos intentos de protecção ao residente de longa duração e de limitação à sua expulsão.

O Legislador, por outro lado, não está a entregar à Administração poderes discricionários, mas a fixar-lhe um quadro de vinculação, se bem que mitigado pela possibilidade de preenchimento de conceitos vagos e indeterminados, v., sobre esta matéria, os Acórdãos do STA de 22-9-99, Processo n.º 44.217, de 11-5-99, Processo n.º 43.248, de 29-3-2001, Processo n.º 46.939, de 20-6-2002, Processo n.º 41.706, de 11-3-2003, Processo n.º 42.973, de 26-3-2003, Processo n.º 1168/02, de 18-06-2003, Processo n.º 01283/02).

Isto significa que, em certos casos, a sua sindicabilidade contenciosa não está fora de hipótese. Com efeito, como o STA já chegou a afirmar " … o uso de conceitos indeterminados, não é uma fórmula de concessão à autoridade de uma qualquer margem de apreciação insusceptível de controle judicial pleno ulterior, sem embargo da existência de situações, em que, por razões essencialmente práticas se aceite redução do controle judicial, em situações em que as normas contenham juízos de valor de carácter não jurídico, fazendo apelo a regras técnicas, científicas, ou juízos de prognose, valorizações subjectivas de situações de facto…

… Nas situações, de conceitos meramente descritivos, dos que contenham conceitos de valor cuja concretização resulte de mera exegese dos textos legais, sem necessidade de recurso a valorações extra legais ou quando tais juízos envolvam valorações especificamente jurídicas, o tribunal haverá de proceder ao controle pleno, designadamente de interpretação/aplicação realizada pela Administração no acto prolatado ao seu abrigo …

… o tribunal tem pleno poder de apreciação, uma vez que se trata de mera operação subsuntiva dos factos a tal norma e à interpretação meramente jurídica da mesma” (Acórdão do STA de 20-11-2002, Processo n.º 0433/02; no mesmo sentido, AZEVEDO MOREIRA, in Revista de Direito Público, n.º 1, ano I, pág. 65 e segs. Ver, ainda, MARCELO REBELO DE SOUSA, Lições de Direito Administrativo, I, pág. 111).

Sobre a sua sindicabilidade contenciosa, ver também os: Acórdãos do STA de 11-05-99, Processo n.º 043248; de 29-03-2001, Processo n.º 046939; de 18-06-2003, Processo n.º 01283/02; de 14-10-2004, Processo n.º 0220/02; de 23-11-2005, Processo n.º 01112/04.


3 — Da "ameaça real" e da "ameaça suficientemente grave" estão excluídas "razões económicas". Assim o afirma a parte final do n.º 1.

Pressente-se do texto legal que a situação económica do indivíduo - por exemplo, de indigência, pobreza, mendicidade - não pode constituir factor de expulsão, por se crer que essa circunstancia não representa um perigo plausível, nem atenta séria e gravemente contra a segurança e ordem públicas. Terão que ser outras, e bem profundas, as causas de expulsão. E da mesma maneira que são razões "de ordem pública" ou "de segurança pública" as únicas que se podem invocar para a recusa do estatuto de residente de longa duração, excluídas estando as razões económicas (art. 127.º, n.º 2), também aqui só aquelas se podem esgrimir em ordem a justificarem a expulsão.

Como acolá, também neste passo se deve tomar em consideração a gravidade ou o tipo de ofensa à ordem pública e à segurança pública cometida, ou os perigos que possam advir da pessoa em causa.


4 — O n.º 2 é curioso, mas compreensível no quadro da especial protecção que o estrangeiro residente de longa duração merece e de que, de forma expressiva e no quadro do princípio da igualdade de tratamento perante os cidadãos nacionais, nos dá conta vinculadamente o art. 133.º   A entidade competente para a aplicação da medida deverá tomar, necessariamente, em linha de conta os elementos de ponderação ali estabelecidos, vertendo-os expressamente na respectiva fundamentação.

Os elementos ali referidos apresentam-se como factores relevantes do ponto de vista humanitário e não só. Claro que é preciso sopesar a gravidade da conduta do estrangeiro de forma a proteger o interesse público relevante no caso concreto e dessa tarefa dependerá a aplicação da própria medida. Mas a simples expulsão pode gerar, em certos casos, um conflito de interesses e de valores tal que importe especial cuidado e atenção, face ao desvalor que a medida possa representar para a esfera do seu destinatário. Nesse caso, o que é preciso averiguar é se a medida trará mais prejuízos para o cidadão visado com a sua expulsão do território nacional do que vantagens para o Estado com o seu afastamento. Ora, a forma como esta norma esta redigida até inculca que, em certos casos, o peso da duração da residência no território, a idade da pessoa em questão, as consequências para si ou para os seus familiares e os laços com o país de residência ou a ausência deles podem ser factores que desaconselhem a expulsão ou que relevem no quadro da sua duração.

Cremos, pois, poder dizer que estes factores têm um carácter obrigatório, isto é, a entidade competente tem que os ponderar expressamente, um a um, em cada situação concreta. Dir-se-á, então, que a actividade que a entidade terá que empreender nesse sentido é vinculada. Quanto ao seu preenchimento casuístico, esse, já implicará uma apreciação mais próxima de critérios discricionários, o que não quer dizer que escapem à análise e ao controle jurisdicional, sempre que a decisão incorra em erro grosseiro ou atente contra critérios de razoabilidade e senso comum ou fira princípios gerais da actividade administrativa, como o da protecção dos direitos e interesses dos cidadãos (art. 4.º do CPA), o princípio da proporcionalidade (art. 5.º do CPA), da justiça (art. 6.º do CPA), e outros.

A análise destes requisitos assenta num direito especial de que goza o cidadão estrangeiro residente de longa duração em Portugal. Se o cidadão a expulsar for residente de longa duração num Estado-membro da União Europeia, então valem as regras previstas no artigo seguinte.


5 — Na base dos factores de ponderação do n.º 2 estão razões ligadas à duração da residência (al. a)). Entender-se-á que quanto maior for o tempo de duração da residência, maior deverá ser o cuidado na aplicação da medida. Claro que este factor (como aliás o seguinte) será em princípio proporcionalmente mais relevante consoante a maior idade do indivíduo, funcionando aí em seu favor. O que não quer dizer que nalguns casos, ao invés, ele não possa gerar uma influência negativa. Bastará que a maior perigosidade da pessoa ou a maior gravidade da conduta residam precisamente na maior duração da residência em Portugal, por se presumir que ela tenha proporcionado um maior conhecimento da realidade nacional que ele mesmo acabou por ameaçar ou ameace efectivamente. Será necessário estar atento a cada caso concreto.

Também se atenderá ao factor idade (al. b)). Também ela será circunstância ponderável, sendo crível que, quanto mais avançada a idade, maior a razão para a sua protecção, não vá a expulsão colocá-lo em situação grave do ponto de vista humanitário, social ou outro. Dizemos isto como razão de princípio mas, tal como relativamente ao factor tempo de residência, a idade, em certos casos, pode funcionar como circunstância ponderável de efeito contrário.

A al. c) compreende-se também no quadro das razões humanitárias, sociais, económicas, profissionais, até de saúde, que da medida podem resultar para si ou seus familiares (por exemplo para aqueles que de si dependam).

A alínea seguinte (d)) obriga a uma análise reflectida em cada caso, De acordo com os elementos disponíveis, observar-se-á que laços unem efectivamente o cidadão estrangeiro ao nosso país (de algum modo, este factor está relacionado com o da alínea a) e estudar-se-á se a ausência do país de origem fez esbater os laços que com ele mantinha. Quanto maior for a relação de proximidade afectiva, cultural, social e económica com Portugal, maior dificuldade se anteverá na aplicação da medida, por estarmos em presença de indicadores que denotem a conotação do estrangeiro com os valores da comunidade que o acolheu. A integração no modo de vida e de ser dos portugueses estará, portanto, em princípio mais próxima e, então, a medida de expulsão encontra aí um mais sério obstáculo.


6 — A norma do n.º 2 é taxativa. Significa que apenas estes devem ser os elementos a ponderar quanto à eventual não aplicação da expulsão a residente de longa duração apesar da prática de alguma das situações previstas no art. 134.º

Por outro lado, cada um deles pode operar autonomamente. Isto é, não é preciso que todos concorram simultaneamente para a não aplicação da medida. Por exemplo, a idade da pessoa em questão, por si só, pode funcionar como causa de não expulsão, assim como as consequências referidas na al. c) também a ela podem obstar.


7 — A decisão de expulsão é impugnável judicialmente. Di-lo o n.º 3.

Sendo uma disposição integrada na Secção I, do capítulo VIII, dir-se-ia ter um carácter "geral" (ver epígrafe da referida Secção). Contudo, no nosso entender, ela tem uma aptidão especial, na medida em que se aplica somente aos residentes de longa duração que venham a ser expulsos.

Por outro lado, o modo literal como o legislador se exprimiu, obriga-nos a ponderar se o terá feito com as palavras certas. Efectivamente, o que ali está escrito é que da decisão cabe "impugnação judicial". Ora, a impugnação judicial é expressão sobretudo concernente à sindicância dirigida a uma decisão administrativa (cfr. arts. 50.º do CPTA e 150.º da presente lei), para cujo efeito a forma de processo apropriada é a acção administrativa especial (art. 46.º, n.º 2, al. a), do CPTA). Se estamos perante uma "expulsão judicial" (arts. 136.º, n.º 1, e 151.º a 157.º), o meio de sindicar esta decisão é o "recurso", tal como decorre do art. 158.º e o estatui o art. 12.º, n.º 4, da Directiva 2003/109/CE.

Estamos aqui em presença de uma adicional protecção conferida ao residente de longa duração. E a prova do que dizemos está no facto de esse recurso judicial ter "efeito suspensivo". Esta simples circunstância implica que, uma vez ele interposto, a medida não é posta em execução e o estrangeiro aguardará no país o seu resultado. Ora, se a medida de expulsão da al. a) do art. 134.º aplicada pelo Director-geral do Serviço de Estrangeiros e Fronteiras (art. 145.º) pode ser impugnada com efeito devolutivo nos tribunais administrativos (art. 150.º) e se igual efeito tem o recurso interposto para o Tribunal da Relação das decisões de expulsão judicial tomadas autonomamente (art. 158.º, n.º 1) – o que significa que a medida nesses casos não deixa de ser posta em prática – então podemos tranquilamente concluir que se trata de norma especial aqui dedicada aos estrangeiros residentes de longa duração em Portugal. A expulsão, quando efectiva, determina a perda do estatuto de residente de longa duração, nos termos do art. 131.º, n.º 1, al.b).


8 — O n.º 4 inscreve-se ainda no âmbito de protecção especial de que goza o residente de longa duração.

O apoio judiciário serve para permitir o acesso ao direito e ao tribunal no recurso que interponha contra a expulsão, de forma a garantir uma tutela judicial efectiva dos direitos e interesses legítimos que ele considere estarem a ser ofendidos com a medida.

No fundo, o n.º 4 traduz o direito universal ao "recurso efectivo" reconhecido a toda a pessoa (arts. 8.º e 10.º da Declaração Universal dos Direitos do Homem de 10-12-1948) e, bem assim, o direito fundamental plasmado nos arts. 15.º e 20.º da CRP, sem esquecer, de permeio, o direito à protecção jurídica - que reveste as modalidades de consulta jurídica e de apoio judiciário - plasmado no art. 7.º, n.ºs 1 e 2, da Lei n.º 34/2004, de 29 de Julho.

Encontra-se em situação de insuficiência económica aquele que, tendo em conta factores de natureza económica e a respectiva capacidade contributiva, não tem condições objectivas para suportar pontualmente os custos de um processo (apud art. 8.º da Lei n.º 34/2004, de 29 de Julho).

Interessa acrescentar que o apoio judiciário não pode ser exclusivo dos cidadãos estrangeiros de longa duração em Portugal. Na verdade, este direito é transversal a todo o diploma, de tal modo que se pode dizer que a nenhum cidadão estrangeiro - nesta perspectiva, a disposição do art. 40.º, n.º 1, destinada aos estrangeiros a quem tenha sido recusada a entrada, só se compreende enquanto protecção específica conferida a cidadãos que não chegaram a penetrar no território português e se encontram simplesmente na zona internacional de portos e aeroportos - pode ser barrado o acesso ao direito e à tutela jurisdicional efectiva por insuficiência de meios económicos. A comprovar esta afirmação, atestam-no o art. 20.º, n.ºs 1 e 2, da CRP e o art. 7.º, n.ºs 1 e 2, acima citado, que não fazem qualquer distinção sobre a condição concreta em que os cidadãos estrangeiros se encontram no nosso país.

Também somos a entender que o direito a intérprete não pode ser reconhecido aos cidadãos estrangeiros abrangidos pelo art. 40.º da presente lei, mas a todos aqueles que possam ser tocados pelas medidas ablativas preconizadas no diploma, passíveis, consoante os casos, de impugnação administrativa ou jurisdicional. O acesso ao direito e à justiça não se realiza eficazmente sem essa prerrogativa. E não podemos igualmente deixar de referir que este direito a intérprete também não pode ficar refém de uma situação legalidade do cidadão em causa. Isto é, mesmo tratando-se de um cidadão estrangeiro que se encontre ilegalmente no país e incurso numa situação de ilicitude devidamente tipificada na lei, nem por isso deixa de ter direito a assistência de intérprete, por ser esse um modo de fazer valer os seus pontos de vista, de esgrimir as razões da sua discórdia, de exercer o seu direito de defesa - no procedimento administrativo ou no processo judicial - enfim, de entender e se fazer entender num país cuja língua oficial não domina. E tudo isto, esclareça-se, gratuitamente e independentemente da situação de carência económica.

Sobre apoio judiciário, para além da Lei n.º 34/2004, de 29 de Julho, com a alteração introduzida pela Lei n.º 47/2007, de 28 de Setembro, vide ainda as Portarias n.º 1085-A/2004 e n.º 1085-B/2004, ambas de 31 de Agosto.


9 — A propósito da aquisição do estatuto de residente de longa duração, ver art. 126.º e respectivas anotações. Sobre adicionais razões para a especial protecção ao residente de longa duração em Portugal, vide anotações ao art. 133.º


 Jurisprudência


«Reenvio prejudicial – Estatuto dos nacionais de países terceiros residentes de longa duração – Diretiva 2003/109/CE – Artigo 12.° – Adoção de uma decisão de expulsão de um residente de longa duração – Elementos a ter em consideração – Regulamentação nacional – Não tomada em consideração desses elementos – Compatibilidade»

O artigo 12.° da Diretiva 2003/109/CE do Conselho, de 25 de novembro de 2003, relativa ao estatuto dos nacionais de países terceiros residentes de longa duração, deve ser interpretado no sentido de que se opõe a uma legislação de um Estado‑Membro que, conforme interpretada por uma parte dos seus órgãos jurisdicionais, não prevê a aplicação dos requisitos de proteção contra a expulsão de um cidadão de um Estado terceiro, residente de longa duração, a qualquer decisão administrativa de expulsão, independentemente da natureza ou das modalidades jurídicas dessa medida.

Acórdão do Tribunal de Justiça de 7 de dezembro de 2017, no Processo C‑636/16



EXPULSÃO DO TERRITÓRIO NACIONAL – FUNDAMENTAÇÃO POR REMISSÃO – PROTECÇÃO À EXPULSÃO DO RESIDENTE DE LONGA DURAÇÃO

I – Se, conforme decorre da factualidade dada como assente pela decisão recorrida, é manifesto que a fundamentação do acto remeteu expressamente para a factualidade que se considerou adquirida num relatório elaborado pelos serviços, que identificou e que considerou reproduzido para todos os efeitos legais, tal é suficiente para satisfazer as exigências da fundamentação formal expressa, de acordo com o modelo remissivo previsto na segunda parte do artigo 125º do CPA, ficando esse relatório a fazer parte integrante do acto impugnado.

II – Não podendo o recorrente ser considerado residente de longa duração para efeitos do disposto no artigo 136º da Lei nº 23/2007, de 4/7, com a redacção que lhe foi dada pela Lei nº 29/2012, de 9/8, não podia o mesmo beneficiar de qualquer das medidas de protecção previstas no citado normativo.

"...O decidido não merece qualquer reparo. Com efeito, quanto à invocação do recorrente de deve ser considerado como “residente de longa duração”, não lhe assiste qualquer razão, uma vez que o mesmo se encontrava há vários anos ilegal em território nacional – mais concretamente, desde Outubro de 2008 –, o que, desde logo, constitui fundamento para a sua expulsão, como expressamente decorre do disposto no artigo 134º, nº 1, alínea a) da Lei nº 29/2012, de 9 Agosto, aliás o único fundamento invocado no acto impugnado. Daí que, não podendo o recorrente ser considerado residente de longa duração para efeitos do disposto no artigo 136º da Lei nº 23/2007, de 4/7, com a redacção que lhe foi dada pela Lei nº 29/2012, de 9/8, não podia o mesmo beneficiar de qualquer das medidas de protecção previstas no citado normativo...".

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul de 19-05-2016, no Processo 13099/16


Origem do texto  


Direito nacional                                     

A protecção contra a expulsão de um cidadão residente de longa duração em Portugal tem origem no actual diploma, por via da transposição da Directiva 2003/109/CE, do Conselho, de 25 de Novembro de 2003, relativa ao estatuto dos nacionais de países terceiros residentes de longa duração.

Uma norma com um intuito semelhante podia encontrar-se no disposto no n.º 3 do artigo 101.º do diploma anterior, porquanto consagrava uma protecção acrescida contra a expulsão para os cidadãos titulares de direito de residência permanente.


Procedimento legislativo  


Proposta de Lei 93/X do Governo (2006)        

Artigo 136.º - Protecção do residente de longa duração em Portugal

1 - A decisão de expulsão judicial de um residente de longa duração só pode basear-se na circunstância de este representar uma ameaça real e suficientemente grave para a ordem pública ou a segurança pública, não devendo basear-se em razões económicas.

2 - Antes de ser tomada uma decisão de expulsão de um residente de longa duração, são tidos em consideração os seguintes elementos:

a) A duração da residência no território;

b) A idade da pessoa em questão;

c) As consequências para essa pessoa e para os seus familiares;

d) Os laços com o país de residência ou a ausência de laços com o país de origem.

3 - A decisão de expulsão é susceptível de impugnação judicial, com efeito suspensivo, perante os tribunais administrativos.

4 - Ao residente de longa duração que não disponha de recursos suficientes é concedido apoio judiciário, nos termos da lei.

Discussão e votação indiciária: proposta apresentada pelo PS de alteração do n.º 3 do artigo 136.º da proposta de lei n.º 93/X — aprovada por unanimidade, registando-se a ausência de Os Verdes, ficando consequentemente prejudicada a redacção da proposta de lei n.º 93/X para este número; Proposta de substituição Artigo 136.º (…) 1 — (…) 2 — (…) 3 — A decisão de expulsão é susceptível de impugnação judicial, com efeito suspensivo. 4 —(…). Artigo 136.º da proposta de lei n.º 93/X — restantes números, não prejudicados pela votação anterior — aprovados por unanimidade, registando-se a ausência de Os Verdes;