Artigo 133.º – Igualdade de tratamento

Os beneficiários do estatuto de longa duração beneficiam de igualdade de tratamento perante os nacionais nos termos da Constituição e da lei, designadamente em matéria de:

a) Acesso a uma atividade profissional independente ou subordinada, desde que tal atividade não implique, nem mesmo a título ocasional, envolvimento no exercício da autoridade pública, sem prejuízo da aplicação de regime especial aos nacionais de países de língua oficial portuguesa;

b) Acesso às condições de emprego e de trabalho, incluindo as condições de despedimento e de remuneração;

c) Ensino e formação profissional, incluindo subsídios e bolsas de estudo em conformidade com a legislação aplicável;

d) Reconhecimento de diplomas profissionais, certificados e outros títulos, em conformidade com a lei e os procedimentos nacionais pertinentes;

h) Acesso a bens e serviços e ao fornecimento de bens e serviços à disposição do público, bem como aos procedimentos de obtenção de alojamento;

i) Liberdade de associação, filiação e adesão a uma organização representativa de trabalhadores ou empregadores ou a qualquer organização cujos membros se dediquem a determinada ocupação, incluindo as vantagens proporcionadas por esse tipo de organizações, sem prejuízo das disposições nacionais em matéria de ordem pública e segurança pública;

j) Livre acesso a todo o território nacional.


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Comentários


1 — O princípio da igualdade de tratamento dos residentes de longa duração, em determinadas matérias, em relação aos cidadãos nacionais, é um dos aspectos mais importantes da Directiva 2003/109/CE. Apesar disso os n.ºs 2, 3 e 4 do art. 11.º da mencionada directiva permitem que os Estados-Membros estabeleçam restrições nesse domínio, faculdade essa que foi condição para que a nível europeu se encontrasse consenso neste domínio.

A lei portuguesa não recorreu a tal prerrogativa, nem a nosso ver o poderia fazer, atentos os preceitos constitucionais em matéria de estrangeiros.

É de esclarecer todavia que a lei pode sub-repticiamente estabelecer restrições neste domínio, como quando se exige a um estrangeiro, que tenha direito as prestações do serviço nacional de saúde, um seguro de saúde válido para todos os países da União Europeia, para que possa adquirir o estatuto de residente de longa duração.


2 — Nos termos do art. 15.º , n.º 1, da Constituição da República Portuguesa, "Os estrangeiros e os apátridas que se encontrem ou residam em Portugal gozam dos direitos e estão sujeitos aos deveres do cidadão português". Este princípio da igualdade é o princípio base, que todavia sofre algumas restrições.

Assim, o n.º 2 exclui do disposto no n.º 1 os direitos políticos, o exercício de funções públicas que não tenham carácter predominantemente técnico e os direitos e deveres reservados pela Constituição e pela lei exclusivamente aos cidadãos portugueses.

O n.º 3 confere aos cidadãos dos Estados de língua portuguesa, com residência permanente em Portugal, em condições de reciprocidade, direitos especiais, nomeadamente o acesso a cargos políticos, com excepção dos de Presidente da República, Presidente da Assembleia da República, Primeiro-Ministro, Presidentes dos tribunais supremos, serviço nas Forças Armadas e na carreira diplomática.

Tendo em conta um tal enquadramento constitucional, qualquer elenco de direitos económicos ou sociais de que os cidadãos estrangeiros possam beneficiar, corre o risco de ser restritivo em relação aos parâmetros constitucionais. E daí que, embora os residentes de longa duração tenham um estatuto especial, os direitos que a lei lhes confere sejam os mesmos que se encontram previstos no art. 83.º para os restantes residentes. Com efeito, não obstante a diferente formulação dos arts. 83.º e 133.º, o seu conteúdo coincide, com a particularidade de o art. 83.º, atento o seu n.º 2, ter uma abrangência ainda mais ampla, da qual os residentes de longa duração também beneficiam, dado que esta norma é aplicável a todos os residentes, naquilo que se traduz na atribuição de direitos.


3 — Pensamos até que esta disposição seria desnecessária, face ao disposto no art. 83.º, e que pode induzir a conclusões precipitadas, como na al. j), onde se refere que o residente de longa duração tem acesso a todo o território nacional.

Mas qual o estrangeiro que não tem? O art. 44.º da Constituição consagra o direito de livre circulação e fixação em qualquer parte do território nacional, direito que não é exclusivo dos cidadãos nacionais.

Remete-se por isso para a anotação ao art. 83.º, já que neste domínio não pode haver diferença de tratamento entre as várias categorias de residentes. As considerações aí expendidas são extensivas ao disposto neste artigo.


4 — Há no entanto uma alínea que merece uma atenção particular. Referimo-nos à al. i) nos termos da qual o residente de longa duração goza de igualdade de tratamento em matéria de "Liberdade de associação, filiação e adesão a uma organização representativa de trabalhadores ou empregadores ou a qualquer organização cujos membros se dediquem a determinada ocupação, incluindo as vantagens proporcionadas por esse tipo de organizações, sem prejuízo das disposições nacionais em matéria de ordem pública e segurança pública".

Mais uma vez nos debatemos com a questão de saber se esta norma atribui ou restringe direitos, nomeadamente pelas conclusões que, "a contrario", dela se pode extrair. De facto, ao delimitar o âmbito do direito de associação, parece excluir outros campos em que o direito de associação se pode manifestar, designadamente no domínio da actividade política ou religiosa.

Independentemente do disposto no art. 15.º da Constituição é preciso ter em conta o que sobre esta matéria em concreto dispõe a lei fundamental. E a verdade é que o art. 46.º só restringe o direito de constituir associações quando estas se destinem a promover a violência e os fins sejam contrários à lei penal, proibindo expressamente associações armadas ou de tipo militar, militarizado ou paramilitar, organizações racistas ou que perfilhem ideologia fascista.

São estas as restrições constitucionais e, na ausência de qualquer outra norma constitucional limitativa, são também estes os limites a que está sujeito o exercício do direito de associação por parte dos cidadãos estrangeiros.


Jurisprudência


«Reenvio prejudicial ‑ Estatuto dos nacionais de países terceiros residentes de longa duração – Diretiva 2003/109/CE ‑ Legislação nacional – Emissão e renovação da autorização de residência – Requisito – Contribuição financeira obrigatória – Montante oito vezes mais elevado do que para a obtenção do bilhete de identidade nacional – Violação dos princípios da Diretiva 2003/109/CE»

A Diretiva 2003/109/CE do Conselho, de 25 de novembro de 2003, relativa ao estatuto dos nacionais de países terceiros residentes de longa duração, conforme alterada pela Diretiva 2011/51/UE do Parlamento Europeu e do Conselho, de 11 de maio de 2011, opõe‑se a uma legislação nacional, como a que está em causa no processo principal, que impõe aos nacionais de países terceiros, que requeiram a emissão ou a renovação de uma autorização de residência no Estado‑Membro em causa, o pagamento de uma taxa cujo montante varia entre 80 euros e 200 euros, na medida em que essa taxa é desproporcionada relativamente ao objetivo prosseguido por esta diretiva e é suscetível de criar um obstáculo ao exercício dos direitos conferidos pela mesma.

ACÓRDÃO DO TRIBUNAL DE JUSTIÇA (Segunda Secção), de 2 de setembro de 2015

Origem do texto


Direito comunitário

Reproduz, com alterações, o disposto no artigo 11.º da Directiva n.º 2003/109/CE, de 25 de Novembro, relativa ao estatuto dos nacionais de países terceiros residentes de longa duração.


Direito nacional

A redacção da norma foi introduzida no regime jurídico de estrangeiros pelo actual diploma legal. Nota sobre a origem do direito no artigo 125.º


Procedimento legislativo


Proposta de Lei 93/X do Governo (2006)

Artigo 133.º - Igualdade de tratamento

Os beneficiários do estatuto de longa duração beneficiam de igualdade de tratamento perante os nacionais nos termos da Constituição e da lei, designadamente em matéria de:

a) Acesso a uma actividade profissional independente ou subordinada, desde que tal actividade não implique, nem mesmo a título ocasional, envolvimento no exercício da autoridade pública, sem prejuízo da aplicação de regime especial aos nacionais de países de língua oficial portuguesa;

b) Acesso às condições de emprego e de trabalho, incluindo as condições de despedimento e de remuneração;

c) Ensino e formação profissional, incluindo subsídios e bolsas de estudo em conformidade com a legislação aplicável;

d) Reconhecimento de diplomas profissionais, certificados e outros títulos, em conformidade com a lei e os procedimentos nacionais pertinentes;

e) Segurança social, assistência social e protecção social;

f) Benefícios fiscais;

g) Cuidados de saúde;

h) Acesso a bens e serviços e ao fornecimento de bens e serviços à disposição do público, bem como aos procedimentos de obtenção de alojamento;

i) Liberdade de associação, filiação e adesão a uma organização representativa de trabalhadores ou empregadores ou a qualquer organização cujos membros se dediquem a determinada ocupação, incluindo as vantagens proporcionadas por esse tipo de organizações, sem prejuízo das disposições nacionais em matéria de ordem pública e segurança pública;

j) Livre acesso a todo o território nacional.

Discussão e votação indiciária: artigo 133.º da proposta de lei n.º 93/X — aprovado por unanimidade, registando-se a ausência de Os Verdes; Alteração do artigo 99.º do Decreto-Lei n.º 244/98 apresentada pelo projecto de lei n.º 248/X, alteração da alínea b) do n.º 1 — aprovada, com votos a favor do PS, PSD e PCP e votos contra do CDS-PP e BE, a inserir como alínea b) do n.º 1 do artigo 134.º da proposta de lei n.º 93/X; Eliminação das alíneas c) e d) do n.º 1 — rejeitada, com votos contra do PS, PSD e CDS-PP e votos a favor do PCP e BE.