Artigo 137.º – Afastamento coercivo de residentes de longa duração num Estado membro da União Europeia

1 — Pode ser aplicada uma decisão de afastamento coercivo ao titular do estatuto de longa duração concedido por um Estado membro da União Europeia, se permanecer ilegalmente em território nacional.

2 — Enquanto o nacional de um Estado terceiro, com autorização de residência concedida ao abrigo do artigo 116.º, não tiver obtido o estatuto de residente de longa duração em território nacional, a decisão de afastamento coercivo só pode ser tomada nos termos dos n.os 1 e 2 do artigo 136.º, após consulta ao Estado membro da União Europeia que lhe concedeu o estatuto.

3 — Em caso de afastamento coercivo para o território do Estado membro da União Europeia que lhe concedeu o estatuto de residente de longa duração, as competentes autoridades daquele Estado são notificadas da decisão pelo SEF pela AIMA., I. P.

4 — O SEF A força de segurança competente toma todas as medidas para executar efetivamente tal decisão, e devendo informar as autoridades competentes do Estado membro da União Europeia que concedeu o estatuto de residente de longa duração à pessoa em questão das medidas adotadas relativamente à implementação da decisão de afastamento coercivo.


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Comentários


1 — O n.º 1, pese embora a sua aparente deficiente redacção, é claro no seu propósito de marcar uma distinção relativamente ao residente de longa duração em Portugal. De facto, enquanto o residente de longa duração no nosso país só pode ser expulso nos casos genericamente previstos no n.º 1 do art. 136.º, e mesmo assim com os condicionamentos referidos no n.º 2 desse artigo, não pode dizer-se que de igual protecção goza o cidadão estrangeiro que tenha obtido o estatuto de residente de longa duração concedido em outro Estado membro. Em tal hipótese, ele - que em certas condições pode vir a ter direito de residência em território nacional reconhecido nos termos do art. 116.º - poderá ser livremente expulso do território português caso nele permaneça ilegalmente, nomeadamente caso não reúna aquelas condições.

A expulsão será feita ou para o país de origem ou para o Estado membro da UE que lhe tenha concedido aquele estatuto. No segundo caso, Portugal, através do Serviço de Estrangeiros e Fronteiras, deverá "notificar" as autoridades competentes do Estado-Membro da decisão de expulsão (n.º 3 do presente artigo e n.º 2 do art. 81.º do Decreto Regulamentar n.º 84/2007, de 5 de Novembro).

Importa recordar que a expulsão assim determinada por Portugal implica a readmissão do expulsando, imediatamente e sem formalidades, pelo Estado membro que lhe havia concedido o estatuto de residente de longa duração, tal como prescreve o art. 22.º, n.º 2, da Directiva 2003/109/CE. Isto é, o 2.º Estado membro não pode recusar-se receber o indivíduo em questão face à protecção de que ele é merecedor só pelo facto de beneficiar do estatuto de residente de longa duração no território desse país.

Para o efeito, o SEF deverá ainda tomar as medidas necessárias à execução efectiva da decisão de expulsão desse cidadão estrangeiro residente de longa duração nesse Estado membro, ao qual, sobre elas, prestará todas as respectivas informações (n.º 4).


2 - O n.º 2 tem um alcance diferente. Enquanto o n.º 1 tem por pressuposto uma presença ilegal em Portugal de um titular de estatuto de longa duração concedido por um Estado membro, aqui do que se trata é, ao invés, de um condicionamento à expulsão de um nacional de Estado terceiro que se encontre legalmente em Portugal, por dispor de uma autorização de residência, concedida nos termos e para os fins definidos nas als.a), b) e c) do n.º 1 do art. 116.º 

Por conseguinte, a remissão para aquele dispositivo legal significa que estamos perante um cidadão que, cumulativamente, se encontre nas seguintes condições: Que é originário de um Estado terceiro, isto é, não membro da União Europeia, nem parte da Convenção de Aplicação ou onde esta não se encontre em aplicação; Que nalgum Estado membro da UE tenha obtido anteriormente o estatuto de longa duração; Que se encontra em Portugal com autorização de residência concedida para trabalhar, estudar, formar-se profissionalmente ou em vista de outra qualquer razão atendível (cfr. art. 116.º).

Aqui chegados, e olhando para os termos da hipótese normativa contemplada no n.º 2, poderíamos ser acossados por uma dúvida. Seria a seguinte: Com a expressão " Enquanto o nacional de um Estado terceiro … não tiver obtido o estatuto de residente de longa duração em território nacional ..." terá querido o legislador introduzir uma nova condição a somar às três atrás enunciadas?

Caso se entenda que sim, então a fonte de protecção que o preceito consagra só seria operativa se a cidadão em causa tivesse requerido, e estivesse aguardando, a concessão do estatuto de residente de longa duração em Portugal. Contudo, isso em vez de constituir fonte de amparo, mais se assemelharia a um sinal de entrave à protecção, na medida em que obrigaria o indivíduo a pedir em Portugal um estatuto de que já era beneficiário noutro país da União Europeia. Por isso, não se nos afigura ser de aderir a esse entendimento.

Aliás, idêntica expressão foi já utilizada no art. 120.º, n.º 1 – igualmente relacionada com cidadãos estrangeiros titulares do estatuto de RLD num Estado membro da União Europeia mas com autorização de residência em Portugal – sem que dela se possa extrair uma interpretação análoga à acima equacionada. Isto é, o que em ambas as disposições se pretende é salvaguardar a situação do indivíduo que, além de titular de autorização de residência no nosso país, é RLD noutro Estado membro da UE. O simples facto de ser já RLD noutro país da UE já lhe confere o direito de apenas ver "cancelada a autorização de residência" nos casos expressamente previstos no art. 120.º (ainda que "sem prejuízo do disposto no art. 85.º") e de ser expulso apenas nas condiçõ5es do art. 137.º   Isso, aliás, decorre do considerando n.º 22 da Directiva 2003/109/CE segundo a qual «o residente de longa duração deverá beneficiar no segundo Estado-Membro do mesmo tratamento, nas condições definidas na presente directiva, de que beneficia no Estado-Membro em que adquirem o estatuto» e do n.º 3 do art. 22.º desse mesmo instrumento. A diferença, no que ao artigo em anotação respeita, está então no seguinte: se, e quando, esse mesmo indivíduo vier a obter o estatuto de RLD em Portugal, a sua expulsão somente poderá fazer-se nos termos e condicionalismos estabelecidos do art. 136.º   Nessa situação, a expulsão, pelos elos de ligação ao país que lhe concedeu o estatuto de residente de longa duração, mais ainda pelos contactos próximos ou profundos com o nosso, sujeita-se aos requisitos dos n.ºs 1 e 2 do artigo antecedente. Mas, enquanto não reunir as condições para a concessão do estatuto (cfr. art. 126.º; tb. arts. 4.º e 5.º da Directiva citada) ou, depois de as reunir, enquanto não lhe for concedido pela entidade competente (arts. 128.º e 129.º), então, para além dos condicionalismos do art. 136.º, n.ºs 1 e 2, ainda se torna necessário que Portugal, antes de o expulsar, ouça o Estado membro que lhe tenha concedido igual estatuto. Em suma, esta protecção adicional é independente do facto de o cidadão em causa ter ou não requerido o estatuto de RLD no nosso país.

Dito isto, importando averiguar, em primeiro lugar, se a situação cabe no âmbito de previsão do n.º 1 do art. 136.º  Isto é, mostra-se necessário que o cidadão em questão represente "uma ameaça real e suficientemente grave para a ordem pública ou a segurança pública" para o nosso país, excluídas quaisquer razões económicas (sobre estes conceitos, ver anotações ao art. 6.º). Em segundo lugar, a medida só deverá ser tomada em função dos reflexos que ela trará muito provavelmente para o próprio indivíduo ou para os seus familiares e, bem assim, em razão da duração da permanência em Portugal e dos laços que mantenha com o seu país de origem ou com o nosso.

Qual a diferença entre esta expulsão (n.º 2) e aquela a que se referem os n.ºs 1 e 3 do presente artigo? Aparentemente, nenhuma. No entanto, olhando bem para os termos das indicadas normas e se os concatenarmos com os da Directiva 2003/109/CE, de 25 de Novembro logo se detectará uma assinalável dissemelhança. É esta:

Os n.ºs 1 e 3 referem-se a uma expulsão que é feita para o território do Estado membro da União Europeia que ao cidadão nacional de país terceiro concedera o referido estatuto. Nesse caso, o Estado membro não se poderá recusar a readmitir o cidadão no seu território.

O n.º 2, por seu turno, na única interpretação que melhor acolhe a referida Directiva, alude a uma expulsão da pessoa em causa determinada por Portugal para fora do território da União Europeia (ver n.º 3 do art. 22.º da Directiva). A razão desta expulsão para fora do espaço da União compreende-se face à gravidade que ela representa para a ordem ou segurança públicas (art. 136.º, n.º 1), após a necessária reflexão sobre os elementos contidos no n.º 2 do art. 136.º   Portugal, enquanto 2.º Estado membro, ponderará que, se a presença do indivíduo não interessa ao nosso país, também não interessará a qualquer outro do Espaço Schengen. Em vista disso, porém, não poderá deixar de consultar o 1.º Estado membro (n.º 2 deste artigo e art. 22.º, n.º 3, parágrafo 2.º, da Directiva). Porque é obrigatória a consulta prévia, o Estado português não pode avançar para a decisão final sem essa diligência, sob pena de omissão de uma formalidade essencial.

Embora o art. 81.º, n.º 1, do Decreto Regulamentar n.º 84/2007, de 5 de Novembro, estatua que Portugal deve proceder junto daquele Estado membro à recolha de informações para efeito do disposto no art. 136.º, n.ºs 1 e 2 (o que parece inculcar que também nesse caso haverá lugar a consulta), cremos que a melhor forma de interpretar todos os normativos envolvidos será a de que a "consulta", do ponto de vista estritamente jurídico, só será obrigatória nos casos de expulsão para fora da União, pois é assim que também decorre do indicado art. 22.º (n.º 3) da Directiva que temos vindo a citar. Sempre que a expulsão for feita para o território do Estado membro que lhe concedeu o estatuto de residente de longa duração, bastará que Portugal comunique a instauração do processo, lhe dê conhecimento da intenção de expulsar a pessoa para esse país e, posteriormente, a notifique da decisão que vier a ser tomada. Em tal hipótese, o 1.º Estado membro readmitirá a pessoa imediatamente e sem formalidades adicionais (art. 22.º, n.º 2, da Directiva).

A "consulta" prevista no n.º 2 tem por objectivo, em primeiro lugar, a recolha de informações sobre a verificação dos pressupostos previstos nos n.ºs 1 e 2 do art. 136.º, no âmbito da consulta, o primeiro Estado membro poderá aprontar razões pelas quais concorda com a expulsão para fora da União, mas também pode dar-se o caso de defender que a expulsão pode ter lugar para o seu próprio território, aceitando a readmissão do indivíduo. Só depois da relacionação de todos os elementos fornecidos pelo Estado-membro e dos dados de que Portugal por si mesmo obtiver sobre o indivíduo em questão é que a decisão será tomada. Tudo dependerá, pois, do caso concreto.

Nada diz a lei, no entanto, a respeito do carácter vinculativo ou não do juízo emitido pelo Estado membro. Mas, se tomarmos a resposta à "consulta" como sinónimo de parecer, então as suas conclusões não seriam necessariamente de seguir, por não serem vinculativas, por analogia com o disposto no art. 98.º, n.º 2, do CPA. Razões, porém, de harmonização de procedimentos, de cooperação e entreajuda no seio da comunidade europeia aconselham a que as opiniões do Estado-Membro sobre o caso sejam de levar sempre em boa conta.


3 — Se, mesmo assim, o Estado Português decidir expulsar o cidadão para o Território do Estado membro que lhe concedeu o estatuto de residente de longa duração, o SEF assegurará a notificação da medida às autoridades desse Estado, assim como comunicará as medidas adoptadas relativamente à implementação da expulsão (n.ºs 3 e 4 do presente artigo e art. 81.º, n.º 2, do Decreto Regulamentar n.º 84/2007, de 5 de Novembro) e, após, procederá à execução da medida no mais curto prazo possível, conduzindo o cidadão à fronteira (art. 82.º, n.º 1, do citado Decreto Regulamentar).


Regulamentação


I DECRETO REGULAMENTAR N.º 84/2007, de 5 de novembro (capítulo VI, afastamento - artigo 81.º) 


Origem do texto


Direito comunitário                               

Reproduz o disposto no artigo 10.º da Directiva n.º 2003/109/CE, de 25 de Novembro, relativa ao estatuto dos nacionais de países terceiros residentes de longa duração.



Direito nacional                                     

O procedimento de expulsão de um cidadão titular do estatuto de residente de longa duração tem origem no actual diploma, por via da transposição da Directiva 2003/109/CE, do Conselho, de 25 de Novembro de 2003, relativa ao estatuto dos nacionais de países terceiros residentes de longa duração.

Nota sobre a origem do estatuto no artigo 116.º


Procedimento legislativo


Proposta de Lei 93/X do Governo (2006)          

Artigo 137.º - Expulsão de residentes de longa duração num Estado‑membro da União Europeia

1 - O titular do estatuto de longa duração concedido por um Estado‑membro da União Europeia pode ser expulso se permanecer ilegalmente em território nacional.

2 - Enquanto o nacional de um Estado terceiro, com autorização de residência concedida ao abrigo do artigo 116.º, não tiver obtido o estatuto de residente de longa duração em território nacional, a decisão de expulsão só pode ser tomada nos termos dos n.ºs 1 e 2 do artigo 136.º, após consulta ao Estado‑membro da União Europeia que lhe concedeu o estatuto.

3 - Em caso de expulsão para o território do Estado‑membro da União Europeia que lhe concedeu o estatuto de residente de longa duração, as autoridades competentes deste são notificadas da decisão pelo SEF.

4 - O SEF toma todas as medidas para executar efectivamente tal decisão e informar as autoridades competentes do Estado‑membro da União Europeia, que concedeu o estatuto de residente de longa duração à pessoa em questão, das medidas adoptadas relativamente à implementação da decisão de expulsão.

Discussão e votação indiciária: artigo 137.º da proposta de lei n.º 93/X — aprovado, com votos a favor do PS, PSD e CDS-PP e a abstenção do PCP e BE.




Proposta de Lei 50/XII do Governo (Lei n.º 29/2012)       

Artigo 137.º – Afastamento de residentes de longa duração num Estado-membro da União Europeia

1 - Pode ser aplicada uma decisão de afastamento coercivo ao titular do estatuto de longa duração concedido por um Estado membro da União Europeia, se permanecer ilegalmente em território nacional.

2 - Enquanto o nacional de um Estado terceiro, com autorização de residência concedida ao abrigo do artigo 116.º, não tiver obtido o estatuto de residente de longa duração em território nacional, a decisão de afastamento coercivo só pode ser tomada nos termos dos n.os 1 e 2 do artigo 136.º, após consulta ao Estado membro da União Europeia que lhe concedeu o estatuto.

3 - Em caso de afastamento coercivo para o território do Estado membro da União Europeia que lhe concedeu o estatuto de residente de longa duração, as autoridades competentes são notificadas da decisão pelo SEF.

4 - O SEF toma todas as medidas para executar efetivamente tal decisão e informar as autoridades competentes do Estado membro da União Europeia, que concedeu o estatuto de residente de longa duração à pessoa em questão, das medidas adotadas relativamente à implementação da decisão de afastamento coercivo.

Discussão e votação na especialidade: artigo 137.º da Lei n.º 23/2007 – Epígrafe, de igual teor, das propostas de alteração apresentadas pelo PS e pelo PSD e CDS-PP – aprovada com votos a favor do PSD, do PS e do CDS-PP, e contra do PCP, do BE e do PEV; Propostas de alteração Artigo 137.º – Afastamento coercivo de residentes de longa duração num Estado-membro da União Europeia 1. (…). 2. (…). 3. (…). 4. (…). Epígrafe, da PPL – prejudicada pela votação anterior; N.os 1, 2, 3 e 4, da PPL – aprovados, com votos a favor do PSD, do PS e do CDS-PP e contra do PCP, do BE e do PEV. Redação original da Lei n.º 23/2007:     

Artigo 137.º - Expulsão de residentes de longa duração num Estado membro da União Europeia

1 - O titular do estatuto de longa duração concedido por um Estado membro da União Europeia pode ser expulso se permanecer ilegalmente em território nacional.

2 - Enquanto o nacional de um Estado terceiro, com autorização de residência concedida ao abrigo do artigo 116.º, não tiver obtido o estatuto de residente de longa duração em território nacional, a decisão de expulsão só pode ser tomada nos termos dos n.ºs 1 e 2 do artigo 136.º, após consulta ao Estado membro da União Europeia que lhe concedeu o estatuto.

3 - Em caso de expulsão para o território do Estado membro da União Europeia que lhe concedeu o estatuto de residente de longa duração, as autoridades competentes deste são notificadas da decisão pelo SEF.

4 - O SEF toma todas as medidas para executar efectivamente tal decisão e informar as autoridades competentes do Estado membro da União Europeia, que concedeu o estatuto de residente de longa duração à pessoa em questão, das medidas adoptadas relativamente à implementação da decisão de expulsão. 




A atual redação foi introduzida pelo Decreto-Lei n.º 41/2023, de 2 de junho, que procedeu à criação da Agência para a Integração, Migrações e Asilo, I. P.  Reproduz-se a redação anterior:

Artigo 137.º – Afastamento coercivo de residentes de longa duração num Estado membro da União Europeia

1 — Pode ser aplicada uma decisão de afastamento coercivo ao titular do estatuto de longa duração concedido por um Estado membro da União Europeia, se permanecer ilegalmente em território nacional.

2 — Enquanto o nacional de um Estado terceiro, com autorização de residência concedida ao abrigo do artigo 116.º, não tiver obtido o estatuto de residente de longa duração em território nacional, a decisão de afastamento coercivo só pode ser tomada nos termos dos n.os 1 e 2 do artigo 136.º, após consulta ao Estado membro da União Europeia que lhe concedeu o estatuto.

3 — Em caso de afastamento coercivo para o território do Estado membro da União Europeia que lhe concedeu o estatuto de residente de longa duração, as competentes autoridades daquele Estado são notificadas da decisão pelo SEF.

4 — O SEF toma todas as medidas para executar efetivamente tal decisão e informar as autoridades competentes do Estado membro da União Europeia, que concedeu o estatuto de residente de longa duração à pessoa em questão, das medidas adotadas relativamente à implementação da decisão de afastamento coercivo.