Artigo 135.º – Limites à expulsão

1 — Não podem ser afastados coercivamente ou expulsos do País os cidadãos estrangeiros que:

a) Tenham nascido em território português e aqui residam;

b) Tenham efetivamente a seu cargo filhos menores de nacionalidade portuguesa a residir em Portugal;

c) Tenham filhos menores, nacionais de Estado terceiro, residentes em território português, relativamente aos quais assumam efetivamente responsabilidades parentais e a quem assegurem o sustento e a educação;

d) Se encontrem em Portugal desde idade inferior a 10 anos e aqui residam.

2 — O disposto no número anterior não é aplicável em caso de suspeita fundada da prática de crimes de terrorismo, sabotagem ou atentado à segurança nacional ou de condenação pela prática de tais crimes.


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Comentários 


1 — Preceito novo. Relativamente à expulsão, pode dizer-se que este é um artigo-travão. Com efeito, ele estabelece proibições à aplicação da medida de expulsão, no respeito pela Constituição, pelo Tribunal Constitucional, pelo Tribunal Europeu dos Direitos do Homem e pelo art. 8.º da Convenção Europeia dos Direitos do Homem.

Note-se que as prescrições deste artigo encontram um paralelismo flagrante com a estatuição plasmada no art. 36.º, a propósito dos limites ali impostos à recusa de entrada de cidadãos estrangeiros. Como facilmente se pode intuir, as razões subjacentes são precisamente as mesmas em ambos os preceitos, no que se refere às três primeiras alíneas do presente artigo.


2 — A al. a) decorre da proibição de expulsão do cidadão estrangeiro que tenha nascido em Portugal e que aqui resida. Não apenas essa proibição assenta no art. 8.º da CEDH, como decorre também do art. 33.º, n.º 1, da CRP. Neste caso, assim é porque o cidadão estrangeiro nascido em Portugal e aqui residente se apresenta com os mesmos direitos do cidadão nacional.

Sobre esta alínea, ver ainda anotação 2 ao art. 36.º


3 A al. b) tem por fundamento idênticas razões de unidade e integração familiar e, especialmente, de salvaguarda dos interesses do menor na sua educação e sustento. Desde que o cidadão estrangeiro tenha efectivamente a seu cargo filhos menores de nacionalidade portuguesa a residir em Portugal, passa a ser inexpulsável. Ora, esta prescrição, que não encontrava paralelo na legislação anterior, decorre da declaração de inconstitucionalidade com força obrigatória geral, das normas constantes das als. a), b) e c) dos n.ºs 1 e 2 do art. 101.º e n.º 2 do art. 125.º do DL n.º 244/98, de 8 de Agosto, pelo Ac. do TC. n.º 232/2004, de 31-03-2004 (ver DR, I Série-A [122], de 25-05-2004) enquanto aplicáveis a cidadãos estrangeiros que tivessem a seu cargo filhos menores de nacionalidade portuguesa residentes em território nacional. O mesmo Tribunal Constitucional, em acórdão de 5 de Março de 1997, proferido no processo 402/96 (Acórdão 181/97) se havia também pronunciado no sentido de julgar inconstitucional a norma contida no art. 34.º do DL n.º 15/93, de 22 de Janeiro, quando aplicável a cidadãos estrangeiros que tivessem filhos menores de nacionalidade portuguesa com eles residentes em território português.

Sobre o teor desta alínea, ver anotação 3 ao art. 36.º

E a propósito do conceito de "cargo efectivo", para efeito de reagrupamento familiar, ver anotações ao art. 99.º


4 — Para a al. c), o que releva não é já a nacionalidade portuguesa do menor - filho de cidadão estrangeiro que sobre si detenha o poder paternal - uma vez que se permite que possa ser nacional de Estado terceiro. De qualquer maneira, o fundamento ainda continua a ser o superior interesse do menor, traduzido pela defesa da sua educação e sustento, no âmbito do exercício do poder paternal.

Para efeito de autorização de residência com dispensa de visto, mas que por similitude de princípios e de desígnios também se aplica ao caso vertente, e sobre o exercício efectivo do poder paternal, ver anotação 11 ao art. 122.º

Sublinhe-se, uma vez mais, a semelhança com a correspondente al. c) do art. 36.º, para cuja anotação também se remete o leitor. [alínea c) na redacção inicial da Lei 23/2007, actualmente alínea b)].


5 — A al. d) assinala uma protecção especial ao cidadão estrangeiro com uma residência cujo início se reporte ao tempo em que ele ainda tinha idade inferior a dez anos. Cremos, no entanto, que não é despiciendo alinhavar duas ideias a propósito da duração da permanência no nosso país por esse cidadão.

Se ele for já cidadão maior e, eventualmente, com um período alargado de estada em território nacional, a protecção que aqui se concede tem por escopo o reconhecimento legal de uma situação material existente desde há longa data. O cidadão que se encontra com carácter de habitualidade desde idade inferior aos dez anos estará com toda a certeza perfeitamente integrado na sociedade portuguesa e, muito provavelmente, com muito poucas ligações ao país de origem. Dominará, decerto, a língua portuguesa e provavelmente será um cidadão assimilado pelo mundo laboral activo. Na medida em que pouco se distingue dos cidadãos nacionais, a não ser pela sua origem, mal se justificaria que se lhe aplicasse a medida de expulsão. Não haverá dúvidas quanto a isso e a inexpulsabilidade não oferece qualquer tipo de reservas, seguramente.

No entanto, vale a pena ponderar que se esta idade "inferior a dez anos" constitui o limite inferior da previsão normativa, nada a lei refere quanto ao limite superior. Um cidadão com doze anos de idade, por exemplo, que resida em Portugal desde os nove será o mesmo que um cidadão com vinte e cinco ou trinta anos de idade que se encontra no nosso país desde os nove? Claro que a resposta só pode ser negativa do ponto de vista social e de integração no país que lhe deu acolhimento. Bom, mas se é assim, a ideia que no parágrafo anterior explanamos não tem a mesma aplicabilidade neste exemplo. Com efeito, não se poderá, então, dizer que serão razões de ligação afectiva ou social ao país que podem servir de justificação para a inexpulsabilidade, porque em bom rigor elas não existem em tal situação. Pergunta-se, portanto, se a alínea em apreço implicará uma longa permanência no território português. Bem, se a lei nada diz a esse respeito e se nenhuma distinção estabelece, não o deverá fazer o intérprete. Ao que parece, para a "mens legistoris" é indiferente a idade que o cidadão estrangeiro tenha actualmente. Se quisesse que o cidadão fosse de maior idade ou que tivesse um determinado número de anos de residência em Portugal, tê-lo-ia dito o legislador. Supondo-se que exprimiu o seu pensamento em termos adequados (art. 9.º, n.ºs 2 e 3, do Código Civil), é de presumir que apenas relevará a idade que ele tinha quando veio para Portugal. Bastará, por conseguinte, que tenha vindo para Portugal com menos de dez anos de idade. E se alguma dúvida houvesse quanto à melhor hermenêutica neste caso, suficiente seria um breve relance sobre o que dispõe a al. c) do n.º 1do art. 122.º deste diploma para alcançarmos a solução para que propendemos, já que ali, para não se exigir visto para obtenção de residência aos nacionais de Estados terceiros, se torna necessário que eles (os filhos de titulares de autorização de residência) "tenham já atingido a maioridade e tenham permanecido habitualmente em território nacional desde os dez anos de idade". Este servirá, quanta a nós como bom elemento de interpretação em favor da tese exposta. Se o legislador não estabeleceu na presente alínea a mesma condição de "habitualidade" e de "maioridade", então tê-lo-á feito com plena consciência da diversidade de hipóteses normativas que acabava de estabelecer e da consequente diferença de estatuição que pretendeu consagrar. Se a solução é acertada, isso é já coisa diferente.


6 — A proibição contida no preceito é absoluta (ver anotação 2 ao artigo seguinte).


Nota SEF: Em 2017, as iniciativas do PCP (Projeto de Lei 240/XIII - Reposição de limites à expulsão de cidadãos estrangeiros do território nacional, alteração à Lei n.º 23/2007, de 4 de julho) e do Bloco de Esquerda (Projeto de Lei 264/XIII - Regularização de cidadãos estrangeiros, alterando também à Lei n.º 23/2007, de 04 de julho) mereceriam a aprovação da Assembleia da República por meio do Decreto da Assembleia 121/XIII (aprovando com alterações aquelas iniciativas, com votos contra do PSD e do CDS-PP; a favor do PS, BE, PCP, PEV e PAN). Traduziria a quarta alteração à Lei de Estrangeiros, publicada enquanto Lei n.º 59/2017, de 31 de julho, em vigor desde 7 de agosto, com implicações no regime de concessão de autorização de residência para o exercício de actividades profissionais, subordinado ou independente (artigos 88.º e 89.º), assim como nos limites à expulsão de cidadãos estrangeiros (artigo 135.º). Em 2012 a Lei n.º 29, de 9 de agosto, excepcionava dos limites à expulsão os casos de atentado à segurança nacional ou à ordem pública e as situações previstas nas alíneas c) e f) do n.º 1 do artigo 134.º

Tais "limites" aos limites ao afastamento radicam agora - desde a entrada em vigor da Lei n.º 59/2017 - apenas nos casos de suspeita fundada da prática de crimes de terrorismo, sabotagem ou atentado à segurança nacional ou quando o cidadão estrangeiro tenha sido alvo de condenação pela prática de tais crimes.

Sobre as alterações ao artigo 135.º (entre outras), Ana Rita Gil, em “Contencioso de direito administrativo relativo a cidadãos estrangeiros e ao regime da entrada, permanência, saída e afastamento do território português, bem como do estatuto de residente de longa duração, 2.ª edição atualizada”, do Centro de Estudos Judiciários, de dezembro de 2017: "A Lei dos Estrangeiros (Lei n.º 23/2007, de 4 de julho) foi modificada pela Lei n.º 59/2017, de 31 de julho e pela Lei n.º 102/2017, de 28 de agosto. Importa analisar as alterações levadas a cabo sucessivamente por estes dois diplomas. Enquanto no primeiro caso as mudanças da lei dizem respeito a iniciativas emergentes do debate nacional, as segundas destinam-se a transpor para o direito interno evoluções decorrentes do direito da União Europeia.

A) Lei n.º 59/2017, de 31 de julho

Embora não sejam em grande número, as modificações ao regime jurídico de entrada, permanência, saída e afastamento de estrangeiros do território nacional são relevantes, incidindo sobre os pressupostos de alguns casos de regularização de situações administrativas ilegais e sobre a importante questão dos limites à expulsão. Importa, pois, atentar nas novidades destas alterações legislativas, as quais vieram responder a algumas necessidades de segurança jurídica e de efetivação da própria lei. ...

2.Em segundo lugar, foi alterada a norma referente aos limites à expulsão, prevista no art.135.º. Esta norma consagra situações em que, por respeito aos direitos fundamentais do cidadão estrangeiro ou da sua família, o mesmo não pode ser expulso do território.

2.1. Os casos em que tais proibições ocorrem têm-se mantido os mesmos desde a versão originária da lei, consistindo nos seguintes:

a) Estrangeiros que tenham nascido em território português e aqui residam (visando-se, neste ponto, o respeito pela sua vida privada, nela inserido o respeito à manutenção da multiplicidade de laços entretecidos com o país da residência);

b) Os estrangeiros que tenham efetivamente a seu cargo filhos menores de nacionalidade portuguesa a residir em Portugal (visando-se, neste ponto, a proteção da unidade familiar e a garantia de proibição de expulsão indireta de crianças de nacionalidade portuguesa);

c) Os estrangeiros que tenham filhos menores, nacionais de Estado terceiro, residentes em território português, relativamente aos quais assumam efetivamente responsabilidades parentais e a quem assegurem o sustento e a educação (visando-se a garantia do superior interesse da criança e da unidade familiar); e, finalmente,

d) Aqueles que se encontrem em Portugal desde idade inferior a 10 anos e aqui residam (visando-se, mais uma vez, a proteção da vida privada dos estrangeiros fortemente “integrados” na comunidade portuguesa). A nova lei veio apenas alterar a redação referente ao caso de estrangeiros com filhos menores de nacionalidade portuguesa: contrariamente à versão anterior, basta agora que os estrangeiros tenham os filhos a seu cargo, não sendo necessário exercerem as responsabilidades parentais. Essa eliminação é de aplaudir, já que, ainda que não titular das referidas responsabilidades, o progenitor pode exercer o direito de visita e assegurar o sustento da criança. O superior interesse desta exige que aquele progenitor permaneça em território nacional, de forma a manter contacto com ela. Note-se, porém, que o mesmo argumento valeria para o caso de crianças estrangeiras. No entanto, como não se levanta, em relação a essas, um argumento de índole constitucional tão premente como a proibição de expulsão de cidadãos nacionais, o legislador continua a exigir que apenas os estrangeiros que efetivamente exerçam as responsabilidades parentais fiquem impedidos de ser expulsos.

2.2. Para além desta alteração, foram novamente modificados os casos de exceção aos limites à expulsão. I.e., em determinados casos mais graves, e ainda que se verifiquem os casos de limite à expulsão, o estrangeiro pode, mesmo assim, ser expulso.

Neste contexto importa, antes de mais, fazer um breve resumo das várias alterações que o artigo 135.º sofreu desde a sua versão original.

Na primeira versão, os limites à expulsão encontravam-se definidos de forma absoluta. Assim, verificada uma das hipóteses mencionadas, o estrangeiro não poderia ser expulso em caso algum. A Lei n.º 29/2012, de 9 de agosto, aprovada num contexto de generalização de preocupações securitárias na Europa, veio prever as primeiras exceções às impossibilidades de expulsão. Assim, mesmo nos casos em que um dos analisados direitos fundamentais do estrangeiro clamasse pela sua permanência no território, este sempre poderia ser expulso em casos tidos como excecionalmente graves. Tais casos eram os seguintes: atentado à segurança nacional ou à ordem pública, ameaça aos interesses ou à dignidade do Estado Português ou dos seus nacionais ou a existência de “sérias razões para crer que cometeu atos criminosos graves ou que tenciona cometer atos dessa natureza, designadamente no território da União Europeia”. Tivemos ocasião de criticar a relativização da proibição de expulsão assim feita, sobretudo pela inserção de diversos conceitos indeterminados, com prejuízo para a segurança jurídica quando em causa está a preservação de direitos fundamentais dos envolvidos. Mais reforçámos que os interesses públicos em causa teriam de ser sempre ponderados caso a caso com os referidos direitos fundamentais, e que apenas dessa ponderação podia resultar a possibilidade ou impossibilidade de expulsão.

A nova lei veio alterar os casos de exceção dos limites à expulsão, de uma forma que merece o nosso acolhimento. Prevê-se que apenas nos casos de suspeita fundada da prática de crimes de terrorismo, sabotagem ou atentado à segurança nacional ou de condenação pela prática de tais crimes se poderão expulsar os estrangeiros que tenham direitos fundamentais de permanência no território. Eliminaram-se, assim, alguns dos conceitos indeterminados que se encontravam na versão anterior, como “ato criminoso grave” ou “atentado à ordem pública”, conferindo-se, assim, maior segurança jurídica e configurando tais exceções como verdadeiros casos de ultima ratio. Ainda assim, importa repetir que, mesmo nesses casos (v.g., de suspeita de sabotagem), apenas se pode efetivar a expulsão após uma ponderação dos vários valores em conflito no caso concreto (direitos fundamentais do estrangeiro vs. interesses públicos em causa). ..."

 

Jurisprudência


Um nacional de um país terceiro que padece de uma doença grave não pode ser afastado se, na falta de tratamento adequado no país de destino, correr o risco de aí ficar exposto a um aumento rápido, significativo e irremediável da dor ligada a essa doença.

Com o seu acórdão de hoje, o Tribunal de Justiça declara, à luz da sua própria jurisprudência e da jurisprudência do Tribunal Europeu dos Direitos Humanos, que o direito da União se opõe a que um Estado-Membro adote uma decisão de regresso ou proceda ao afastamento de um nacional de um país terceiro em situação irregular e que padeça de uma doença grave, quando existam motivos sérios e comprovados para crer que o regresso desse nacional o exporia, em razão da indisponibilidade de cuidados adequados no país de destino, a um risco real de aumento rápido, significativo e irremediável da dor causada pela sua doença. 

Esta condição pressupõe, nomeadamente, que se demonstre que, no país de destino, o único tratamento antálgico eficaz não lhe pode ser legalmente administrado e que a falta desse tratamento o exporia a uma dor de uma intensidade tal que esta seria contrária à dignidade humana na medida em que lhe poderia causar perturbações psíquicas graves e irreversíveis, ou mesmo levá-lo a suicidar-se.

Acórdão do Tribunal de Justiça da União Europeia de 22 de novembro de 2022, no Processo C-69/21.



EXTRADIÇÃO. PRESTAÇÃO DE GARANTIAS PELO ESTADO REQUERENTE. PENA DE PRISÃO PERPÉTUA. PRINCÍPIO DA ESPECIALIDADE. PRINCÍPIO DA IGUALDADE. IN DUBIO PRO REO. REJEIÇÃO

... VIII - Quanto à violação do princípio da igualdade previsto no art. 13.º da CRP, por não aplicação do art. 135.º, n.º 1 da Lei n.º 23/2007, de 4 de Julho (Entrada, Permanência, Saída e Afastamento de Estrangeiros do Território Nacional), diremos, desde já, carecer de qualquer sentido a invocação do disposto pelo art. 135.º da Lei 23/2007, de 04 de julho, uma vez que este normativo se aplica apenas relativamente à expulsão do território nacional de quem se encontrar numa das situações previstas pelo art. 134.º do mesmo diploma legal, o que, manifestamente, não é o caso da recorrente. Com efeito, os fins e propósitos do processo de extradição são distintos da decisão da expulsão e, nessa medida, não é convocável nessa sede (extradição) o regime do artigo 135.º, n.º 1 da Lei n.º 23/2007, de 04.07 ...

Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 24 de fevereiro de 2022, no Processo 127/21.5YRCBR.S1



Antes de adotar uma decisão de regresso relativamente a um menor não acompanhado, um Estado-Membro deve verificar que um acolhimento adequado está disponível para o menor no Estado de regresso. Além disso, se um acolhimento adequado deixar de ser assegurado durante a fase do afastamento, o Estado-Membro não poderá executar a decisão de regresso.

Acórdão do Tribunal de Justiça da União Europeia de 14 de janeiro de 2021, no Processo C-441/19.



I. As exigências de prevenção geral quanto ao tipo de ilícito em causa (roubo agravado de quantia monetária – 75.000,00 € - transportada em veículo blindado de transporte de valores) quer pela frequência da sua prática, quer pelos sentimentos de insegurança e intranquilidade social que lhe estão associados, como as exigências de prevenção especial do arguido, que não interiorizou o desvalor da sua conduta, cuja prática ocorreu no decurso do período da suspensão da execução da pena anteriormente aplicada, reclamam uma maior reacção de molde que a pena tenha capacidade de restabelecer a paz jurídica abalada pelo crime com vista, por outro lado, a assegurar a confiança da comunidade na prevalência do direito;

II. Na reponderação de todas as circunstâncias do caso e visto o disposto nos art.ºs 40.º, n.ºs 1 e 2 e 71.º, do CP, afigura-se mais proporcional seja à culpa com que o arguido actuou, seja a essas necessidades de prevenção, fixar ao arguido, pela prática do ilícito em causa, a pena de 7 anos de prisão;

III. Sem menosprezar a gravidade dos factos praticados pelo arguido, importaria ter atentado que este tem residência permanente em Portugal há cerca de 10 anos, aqui tem o apoio afectivo quer da companheira, …, quer da mãe, …, que o visitam no estabelecimento prisional e, assim, as razões de prevenção especial de ressocialização, enquanto critério para a aplicação da pena de expulsão, desde logo se não coadunam com a medida de expulsão decretada, só no nosso País logrando, pois, efectiva satisfação, não há lugar à aplicação da pena acessória de expulsão.

Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 23 de abril de 2020, no Processo 2346/18.2JAPRT.S1



AFASTAMENTO COERCIVO DO ART 134º, Nº 1, A) DA LEI Nº 23/2007, DE 4.7, NA REDAÇÃO DADA PELA LEI Nº 29/2012, DE 9.8. LIMITES DO ART 135º DA MESMA LEI

I — Nos termos do disposto no art 135º da Lei nº 23/2007, de 4.7, na redação dada pela Lei nº 29/2012, de 9.8, há três tipos de estrangeiros que, mesmo que se encontrem em situação irregular, não podem ser expulsos, salvo em caso de ameaça à segurança nacional e à ordem pública: (i) os imigrantes de segunda geração, que tenham nascido em território português e aqui residam habitualmente; (ii) os que tenham a seu cargo filhos menores de nacionalidade portuguesa ou estrangeira, a residir em Portugal, sobre os quais exerçam efetivamente as responsabilidades parentais e a quem assegurem o sustento e a educação; (iii) e, finalmente, os que se encontrem em Portugal desde idade inferior a 10 anos e aqui residam habitualmente. Estes estrangeiros (em situação conforme ou desconforme com a lei) gozam de uma proteção forte face à expulsão, exceto se constituírem uma ameaça à segurança nacional e à ordem pública, circunstância em que, pese embora preencherem algum dos limites à expulsão ainda assim podem ser expulsos (administrativa ou judicialmente).

II As três alíneas do artigo 135.º da Lei n° 23/2007, de 4 de julho (regime jurídico de entrada, permanência, saída e afastamento de estrangeiros do território nacional), não relevam, inter alia, nos casos de o estrangeiro (i) ter cometido atentado contra a ordem pública ou (ii) poder cometer - e, por maioria de razão, ter cometido – atos criminosos graves.

III O cidadão estrangeiro ao cometer crimes de homicídio qualificado, sequestro, roubo, dano e condução sem habilitação legal, por que foi condenado à pena única de 22 anos de prisão, atentou contra a ordem pública e cometeu crimes que, pelas molduras penais respetivas, são graves.

IV — Pelo que não pode beneficiar o recorrido dos limites à expulsão do território nacional previstos no artigo 135º da Lei n° 23/2007, de 4.7, com as alterações introduzidas pela Lei nº 29/2012, de 9.8

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul de 10 de outubro de 2019, no Processo 3233/15.1BESNT



No ano em que fez 10 anos veio para Portugal, trazido pelo pai, para fugir a uma situação de orfandade materna em que vivia no Brasil. Certo é que o Requerente vive em Portugal parte da sua infância, a sua puberdade, a sua adolescência, a sua juventude e a sua idade adulta, até agora. O Requerente está assim totalmente integrado em Portugal, e não está integrado em mais nenhum país, muito menos no seu país de origem.

Ora, o ato administrativo de afastar o requerente, ao abrigo do art. 134º da Lei nº 23/07 de 04/07, na situação concreta do requerente, viola o conteúdo essencial de diversos direitos fundamentais, nomeadamente os previstos no art. 26º, nº 1, 35º, nºs 1, 5 e 6 e no art. 1º da CRP.

Com a escolaridade feita quase toda (com exceção da 1ª e 2ª classe) em Portugal, com a mãe afetiva em Portugal, com a filha em Portugal. Estamos assim perante uma pessoa que desde a infância (10 anos de idade) viveu, ininterruptamente, em Portugal, país para o qual veio involuntariamente, por ser ainda, nessa altura, criança de tenra idade.

Não foi feita qualquer ponderação relativa às situações que, previstas na Lei n.º 23/2007, de 04 de Julho, devem ser objeto de uma razoável, proporcional e justa ponderação de interesses, verificando-se que, muito sumariamente, tudo o que foi apreciado foi haver uma situação, que o serviço administrativo em causa se limita a enquadrar na al. a) do nº 1 do art. 134º da Lei n.º 23/2007, de 04 de Julho, consistente em o Requerente se encontrar em situação irregular em território nacional.

Porém, a decisão de afastamento de território nacional exige uma apreciação quanto à não verificação das circunstâncias previstas no art. 135º da Lei n.º 23/2007, sendo que essa ponderação tem que ser feita à luz da Constituição, desde logo o art. 1º da CRP, do art. 36º, nºs 5 e 6 da CRP, do art. 26º, nº 1 da CRP, do art. 13º da CRP e do art. 266º da CRP.

Desde logo, e tal como impõe o art. 36º, nº 6 da CRP, os filhos não podem ser separados dos pais, salvo quando estes não cumpram os seus deveres fundamentais para com eles e sempre mediante decisão judicial. O afastamento de um nacional de estado estrangeiro do território nacional, tendo filhos menores de idade, tendo relativamente a esses filhos obrigações de acompanhamento e manutenção, viola grosseiramente os arts. 36º, nºs 5 e 6 da CRP, constituindo o ato administrativo em causa uma violação do conteúdo essencial desse direito.”

Acórdão do Tribunal Central Administrativo do Norte de 27 de setembro de 2019, no Processo 01169/19.6BEPRT



I - O art.º 371.º-A do C.P.P. na actual redacção, estabelece que, “se, após o trânsito em julgado da condenação mas antes de ter cessado a execução da pena, entrar em vigor lei penal mais favorável, o condenado pode requerer a reabertura da audiência para que lhe seja aplicado o novo regime”. Porém, reportados ao caso dos autos, como é por demais evidente, o referido art.º 135.º, no que para aqui releva, manteve a mesma redacção e renovou o mesmo pensamento legislativo, isto é, que não podem ser expulsos do território português os cidadãos estrangeiros que tenham a seu cargo, efectivamente, filhos menores de nacionalidade portuguesa a residir em Portugal (n.º 1, al. b), em ambas as redacções);

II - Ora, como foi dado como provado e reconhecido no acórdão proferido de 10 de Maio de 2017, tem o recorrente uma filha de nacionalidade portuguesa, hoje com treze anos, mas com quem não mantém uma relação próxima, assim como tem um filho, hoje com dois anos, mas que, também este, não está a seu cargo. Igualmente assente ficou que “nenhum laço existe entre o arguido e esse ou qualquer outro dos filhos, sendo que nenhum deles está a seu cargo, não exercendo, efectivamente, as responsabilidades parentais e não assegurando o seu sustento e educação”;

III - Nestes termos, foi a referida factualidade ponderada e relevada à luz do citado art.º 135.º, na redacção em vigor aquando da elaboração do atrás referido acórdão, como o continua a ser, da mesma forma, nos termos da actual redacção, a qual, nesta parte, é rigorosamente igual à anterior, pelo que não tendo o arguido na prática, qualquer contacto ou laços parentais com os filhos nem provendo ao seu sustento, não se verificam os requisitos legais para que seja reaberta a audiência nos termos pretendidos, devendo ser rejeitado o recurso interposto com esta finalidade, sendo, por isso, descabida, de todo, a pretendida reabertura da audiência.

Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa de 30 de agosto de 2019, no Processo n.º 339/16.3PECSC-A.L1-9



1 - Constata-se que os factos invocados naquele outro processo de revisão e no que agora é submetido a apreciação há identidade de sujeitos, de pedido e manifesta semelhança de causa de pedir que no entanto difere num aspecto essencial, que é a da alegada presença da menor em território nacional. Tanto basta para afastar a excepção do caso julgado.

2 - A jurisprudência do STJ tem estado dividida quanto à admissão, como fundamento de revisão, de factos subsequentes à data da prolação da decisão revidenda e designadamente no que se refere à questão de saber se nesta situação se pode falar em injustiça da condenação, ainda que injustiça superveniente.

3 - Cremos que o fundamento de revisão a que se refere a al. d) do n.º 1 do art. 449.º do CPP não contempla factos novos supervenientes à condenação. Os próprios termos em que a norma está redigida, “se descobrirem novos factos ou meios de prova…”, inculca a ideia de factos ou meios de prova prévios à decisão mas de que se não teve oportuno conhecimento, impedindo a sua ponderação no momento decisório. Não teria sentido falar na descoberta de novos factos com o propósito de abranger factos supervenientes. Sendo de presumir que o legislador soube exprimir o seu pensamento em termos adequados (art. 9.º, n.º 3, do CC) de presumir seria também que, a pretender abranger factos supervenientes, a disposição em causa aludiria à descoberta ou ocorrência de novos factos ou meios de prova.

4 - O art. 135.º, da Lei 23/2007, de 04-07 é uma norma travão que, em boa verdade, impede que se concretize a justiça da decisão, para dar satisfação a um interesse que o legislador considera mais relevante, precisamente a protecção do filho menos que se encontre a cargo do expulsando.

5 - Toda esta problemática, envolvendo legislação posterior mais favorável e por extensão factos supervenientes que sejam pressuposto da sua aplicação, terá sido ponderada pelo legislador quando, pela Lei 48/2007, de 29-08, introduziu no CPP a norma do art. 371.º-A, prevendo a possibilidade de o condenado requerer a reabertura da audiência para lhe poder ser aplicado o regime de lei penal, superveniente, mais favorável.

6 - A considerarmos que neste caso seria admissível a revisão, como base nesse facto novo e na injustiça da condenação, o condenado poderia pedir a revisão a todo o tempo, ainda que a pena acessória de expulsão já tivesse sido cumprida (art. 449.º, n.º 4, do CPP).

"...Vejamos agora os termos em que a lei impede a expulsão do território nacional de cidadãos estrangeiros punidos por crimes que determinem a aplicação dessa pena acessória.

 2.6.1 - A versão inicial da Lei n.º 23/2007, de 4 de julho, o art.º 135.º estabelecia a seguinte disciplina: “Limites à expulsão - Não podem ser expulsos do País os cidadãos estrangeiros que: a) Tenham nascido em território português e aqui residam; b) Tenham efectivamente a seu cargo filhos menores de nacionalidade portuguesa a residir em Portugal; c) Tenham filhos menores, nacionais de Estado terceiro, residentes em território português, sobre os quais exerçam efectivamente o poder paternal e a quem assegurem o sustento e a educação; d) Que se encontrem em Portugal desde idade inferior a 10 anos e aqui residam.”

2.6.2 - Com a alteração introduzida pela Lei n.º 29/2012, de 9 de agosto, a mesma norma passou a ter a redacção seguinte: “Limites à decisão de afastamento coercivo ou de expulsão - Com exceção dos casos de atentado à segurança nacional ou à ordem pública e das situações previstas nas alíneas c) e f) do n.º 1 do artigo 134.º, não podem ser afastados ou expulsos do território nacional os cidadãos estrangeiros que: a) Tenham nascido em território português e aqui residam habitualmente; b) Tenham a seu cargo filhos menores de nacionalidade portuguesa ou estrangeira, a residir em Portugal, sobre os quais exerçam efetivamente as responsabilidades parentais e a quem assegurem o sustento e a educação; c) Se encontrem em Portugal desde idade inferior a 10 anos e aqui residam habitualmente.”

2.6.3 - Finalmente, na actual redacção, introduzida pela Lei n.º 59/17, de 31 de julho , o mesmo art.º 135.º consagra o seguinte: “Limites à expulsão - 1 - Não podem ser afastados coercivamente ou expulsos do País os cidadãos estrangeiros que: a) Tenham nascido em território português e aqui residam; b) Tenham efetivamente a seu cargo filhos menores de nacionalidade portuguesa a residir em Portugal; c) Tenham filhos menores, nacionais de Estado terceiro, residentes em território português, relativamente aos quais assumam efetivamente responsabilidades parentais e a quem assegurem o sustento e a educação; d) Se encontrem em Portugal desde idade inferior a 10 anos e aqui residam. 2 - O disposto no número anterior não é aplicável em caso de suspeita fundada da prática de crimes de terrorismo, sabotagem ou atentado à segurança nacional ou de condenação pela prática de tais crimes.»”.

2.7 - As limitações à expulsão de cidadãos estrangeiros com inclusão dos não residentes, foram previstas pela primeira vez na versão inicial da Lei n.º 23/2007, de 4 de julho e tiveram como causa imediata a jurisprudência do Tribunal Constitucional que, pelo acórdão n.º 232/2004, de 31-03-2004 (DR, I série, de 25-05-2004), declarou a inconstitucionalidade, com força obrigatória geral, das normas constantes das alíneas a), b) e c) dos n.ºs 1 e 2 do art.º 101.º e n.º 2 do art.º 125.º do DL n.º 244/98, de 8 de agosto, enquanto aplicáveis a cidadãos estrangeiros que tivessem a seu cargo filhos menores de nacionalidade portuguesa residentes em território nacional.Não se limitou o legislador a expurgar o regime dessas nomas declaradas inconstitucionais mas foi mais longe, criando um diferente enquadramento legislativo mais consentâneo com a Constituição da República Portuguesa (artigos 15.º, n.º 1, 36.º, n.ºs 1, 5 e 6 e 67.º, n.º 1) e a Convenção Europeia dos Direitos do Homem (art.º 8.º).

O primeiro princípio a ter em conta é o da equiparação dos estrangeiros aos cidadãos nacionais, resultante de uma visão universalista sobre os direitos fundamentais, que nos termos do n.º 2 do art.º 16.ºda CRP devem ser interpretados e integrado de harmonia com a Declaração Universal dos Direitos do Homem,  acolhida no nosso ordenamento jurídico[3]. Se bem que a concretização plena deste princípio (ou quase plena dado que há direitos cujo exercício exige a nacionalidade portuguesa do respectivo titular) pressuponha uma situação regular do cidadão estrangeiro em território nacional, o mesmo é um importante critério orientador na apreciação de todas as questões atinentes ao regime jurídico dos cidadãos estrangeiros.

O segundo princípio é o da proteção da família e, como escrevem Gomes Canotilho e Vital Moreira “A protecção da família significa, desde logo e em primeiro lugar, proteção da unidade da família (cfr. AcsTC nºs 829/96 e 232/04). A manifestação mais relevante desta ideia é o direito à convivência. Ou seja, o direito dos membros do agregado familiar a viverem juntos”, pressuposto essencial para que os pais possam plenamente cumprir o poder dever  de educação e manutenção dos filhos (art.º 36.º, n.º 5 da CRP).

Ora, é precisamente tendo em conta este dever que a lei impede a expulsão do território nacional de cidadãos estrangeiros que “exerçam efectivamente o poder paternal e a quem assegurem o sustento e a educação”, que “exerçam efetivamente as responsabilidades parentais e a quem assegurem o sustento e a educação” ou que relativamente aos filhos menores “assumam efetivamente responsabilidades parentais e a quem assegurem o sustento e a educação”, como se lê nas sucessivas versões do art.º 135.º da Lei n.º  23/2007, de 4 de julho..."

Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 18-10-2018, no Processo 1332/10.5JDLSB-O



"Revertendo ao caso concreto. Estamos face a alegação de facto ocorrido posteriormente à condenação, não podendo por isso apodar-se de injusta a decisão de expulsão, pois à data do julgamento realizado o recorrente não tinha filhos, como consta do FP 29 - Não tem filhos. O filho do requerente nasceu em ... de 2015, depois da condenação em 3-12-2013, confirmada em 12-06-2014 e antes de iniciar o cumprimento de pena, pois foi preso em 12-04-2017, não correspondendo à verdade a afirmação feita pelo Ministério Público na conclusão 6.ª da resposta no sentido de que o filho do recorrente nasceu quando se encontrava em cumprimento de pena, bem como o constante da parte final de tal conclusão, de todo descabido e impertinente, por não colar à realidade do caso presente.

O que a lei visa evitar é que a decisão de expulsão leve a que um menor fique desamparado, o que pressupõe que esteja a ser sustentado e educado pelo pai em efectividade, e que com a expulsão perca esse efectivo amparo. O requerente antes de preso contribuía para as despesas de casa, sendo que com o seu desempenho em casa, o contributo para a economia familiar era um facto, tanto mais que sendo preso, o filho teve de ir para uma creche, não havendo dúvidas de que exercia efectivamente responsabilidades parentais durante mais de 1 ano e 7 meses.

Nestas condições, tendo em conta o decidido nos acórdãos de 17-04-2008, processo n.º 4840/07, de 2-05-2012, processo n.º 779/05.3GBMTA-G.S1-3.ª e de 17-04-2013, processo n.º 2/10.9SHLSB-A.S1-3.ª, conclui-se que é de conceder a revisão. Decisão: Pelo exposto, acordam nesta 3.ª Secção do Supremo Tribunal de Justiça em conceder a revisão pedida pelo recorrente AA.".

Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 27-06-2018, no Processo 1108/12.5PCSNT.S1



«Reenvio prejudicial – Controlo das fronteiras, asilo, imigração – Artigo 20.° TFUE – Carta dos Direitos Fundamentais da União Europeia – Artigos 7.° e 24.° – Diretiva 2008/115/CE – Artigos 5.° e 11.° – Nacional de um país terceiro objeto de uma proibição de entrada no território – Pedido de residência para efeitos de reagrupamento familiar com um cidadão da União que nunca exerceu a sua liberdade de circulação – Recusa em apreciar o pedido»

1 - A Diretiva 2008/115/CE do Parlamento Europeu e do Conselho, de 16 de dezembro de 2008, relativa a normas e procedimentos comuns nos Estados‑Membros para o regresso de nacionais de países terceiros em situação irregular, em especial os seus artigos 5.° e 11.°, deve ser interpretada no sentido de que não se opõe a uma prática de um Estado‑Membro que consiste em não tomar em consideração um pedido de residência para efeitos de reagrupamento familiar, apresentado no seu território por um nacional de um país terceiro, membro da família de um cidadão da União que possui a nacionalidade desse Estado‑Membro e que nunca exerceu a sua liberdade de circulação, pelo simples motivo de esse nacional de um país terceiro ser objeto de uma proibição de entrada no referido território.

2 - O artigo 20.° TFUE deve ser interpretado no sentido de que:

– se opõe a uma prática de um Estado‑Membro que consiste em não tomar em consideração tal pedido por esse simples motivo, sem que tenha sido analisado se existe uma relação de dependência entre o cidadão da União e o nacional de um país terceiro de uma natureza tal que, em caso de recusa de concessão de um direito de residência derivado a este último, o referido cidadão da União seria, de facto, obrigado a abandonar o território da União considerado no seu todo e ficaria, assim, privado do gozo efetivo do essencial dos direitos conferidos pelo seu estatuto;

– quando o cidadão da União é maior, só é possível existir uma relação de dependência suscetível de justificar a atribuição, ao nacional de um país terceiro, de um direito de residência derivado ao abrigo deste artigo em casos excecionais, nos quais, tendo em conta todas as circunstâncias relevantes, a pessoa em causa não pode, de forma alguma, ser separada do membro da sua família do qual depende;

– quando o cidadão da União é menor, a apreciação da existência de uma relação de dependência deste tipo deve basear‑se na tomada em conta, no interesse superior da criança, de todas as circunstâncias do caso, nomeadamente a sua idade, o seu desenvolvimento físico e emocional, o grau da sua relação afetiva com cada um dos seus progenitores, bem como o risco que a separação do progenitor nacional de um país terceiro acarretaria para o equilíbrio desse menor; a existência de uma relação familiar com esse nacional, quer seja de natureza biológica ou jurídica, não é suficiente e a coabitação com este último não é necessária para efeitos de demonstração dessa relação de dependência;

– é indiferente que a relação de dependência invocada pelo nacional de um país terceiro em apoio do seu pedido de residência para efeitos de reagrupamento familiar tenha surgido após a adoção, contra si, de uma proibição de entrada no território;

– é indiferente que a decisão de proibição de entrada no território de que o nacional de um país terceiro é objeto já se tivesse tornado definitiva no momento em que este apresentou o seu pedido de residência para efeitos de reagrupamento familiar, e

– é indiferente que a decisão de proibição de entrada no território de que é objeto o nacional de um país terceiro que apresentou um pedido de residência para efeitos de reagrupamento familiar seja justificada pelo incumprimento de uma obrigação de regresso; quando essa decisão tiver sido justificada por razões de ordem pública, estas só podem conduzir à recusa de atribuição a esse nacional de um país terceiro de um direito de residência derivado ao abrigo desse artigo se resultar de uma apreciação concreta de todas as circunstâncias do caso, à luz do princípio da proporcionalidade, do interesse superior da ou das eventuais crianças em causa e dos direitos fundamentais, que o interessado representa uma ameaça real, atual e suficientemente grave para a ordem pública.

3 - O artigo 5.° da Diretiva 2008/115 deve ser interpretado no sentido de que se opõe a uma prática nacional por força da qual é adotada uma decisão de regresso contra um nacional de um país terceiro, que já foi objeto de uma decisão de regresso, acompanhada de uma decisão de proibição de entrada no território, ainda em vigor, sem que sejam tidos em conta os elementos da sua vida familiar, e nomeadamente o interesse do seu filho menor, mencionados num pedido de residência para efeitos de reagrupamento familiar apresentado após a adoção dessa proibição de entrada no território, exceto quando esses elementos já pudessem ter sido invocados anteriormente pelo interessado.

Acórdão do Tribunal de Justiça (Grande Secção) de 8 de maio de 2018, no Processo C‑82/16



ESTRANGEIROS; EXPULSÃO; AFASTAMENTO COERCIVO; LIMITES; APLICAÇÃO DA LEI NO TEMPO; PROVIDÊNCIA CAUTELAR; DEFICIT INSTRUTÓRIO 

1 – De acordo com a actual letra do artigo 135.º da Lei n.º 23/2007, de 4 de Julho, (regime de entrada, permanência, saída e afastamento de estrangeiros do território nacional), após a redacção que lhe foi dada pela Lei n.º 59/2017, de 31 de Julho, resulta que nas situações em que o cidadão estrangeiro tenha a seu cargo filhos menores de nacionalidade portuguesa ou estrangeira a residir em Portugal e sobre os quais exerça efectivamente as responsabilidades parentais e a quem assegure o sustento e a educação, não pode o mesmo ser alvo de decisão de afastamento coercivo ou de expulsão (e desde que não se verifique a suspeita fundada da prática de crimes de terrorismo, sabotagem ou atentado à segurança nacional ou de condenação pela prática de tais crimes). 

2 – Por força do disposto no art. 12.º do C. Civil, as normas em causa contidas na Lei n.º 23/2007, após a alteração operada pela referida Lei n.º 59/2017, de 31 de Julho, se não se aplicam aos factos e aos efeitos consumados no domínio da lei anterior, vão aplicar-se não só às relações e situações jurídicas que se constituírem após a sua entrada em vigor, como, também, a todas aquelas que, constituídas antes, protelem a sua vida para além do momento da entrada em vigor da nova regra (o caso de inexistir decisão final no procedimento ou a ausência de consumação da decisão de expulsão ou afastamento coercivo do território nacional).

3 - Perante o deficit instrutório existente relativamente à questão de saber se o Recorrente exerce efectivamente sobre o seu filho, estrangeiro e a residir em Portugal, as responsabilidades parentais e a este assegurando o sustento e a educação, impõe-se a anulação da sentença, com vista a ser completada a instrução do processo e ampliada a matéria de facto, proferindo-se então nova decisão em conformidade com o que for apurado (art. 662.º, n.º 2, al. c), do CPC).

Acórdão do Tribunal Central Administrativo de 05-04-2018, no Processo 330/17.2BEALM.  



ENTRADA, PERMANÊNCIA - SAÍDA E AFASTAMENTO DE ESTRANGEIROS - CRIME GRAVE

I - O crime de tráfico de estupefacientes, por que o autor foi condenado a 5 anos e seis meses de prisão, é um atentado à ordem pública, entendida esta como o conjunto dos princípios fundamentais, subjacentes ao sistema jurídico, que o Estado e a sociedade estão substancialmente interessados em que prevaleçam e que têm uma acuidade tao forte que devem prevalecer sobre as convenções privadas. 

II – Acresce que o tráfico de droga, pelo seu impacte social intenso e nefastas e notórias consequências individuais, familiares e gerais, é ainda um crime grave (cfr. a al. f) do nº 1 do artigo 134º e o proémio ou corpo do artigo 135º da Lei nº 23/2007).

III - As 3 alíneas do artigo 135º da Lei nº 23/2007 não relevam, inter alia, nos casos de o estrangeiro (i) ter cometido atentado contra a ordem pública ou (ii) poder cometer - e, por maioria de razão, ter cometido - actos criminosos graves.

IV - O proémio do artigo 135º da Lei nº 23/2007, com referência ao artigo 134º, não deixa margem de liberdade decisória à Administração, nem, salvo inconstitucionalidade que não se vislumbra existir no caso concreto, ao tribunal.

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul de 02-02-2017, no Processo 415/16.2BELLE



ENTRADA, PERMANÊNCIA - SAÍDA E AFASTAMENTO DE ESTRANGEIROS - CRIME GRAVE

I - O crime de tráfico de heroína e de cocaína, por que o autor foi condenado a 5 anos de prisão, é um atentado à ordem pública, entendida esta como o conjunto dos princípios fundamentais, subjacentes ao sistema jurídico, que o Estado e a sociedade estão substancialmente interessados em que prevaleçam e que têm uma acuidade tao forte que devem prevalecer sobre as convenções privadas. 

II - Além disso, o tráfico de droga, pelo seu impacte social intenso e nefastas e notórias consequências individuais, familiares e gerais, é ainda um crime grave (cfr. a al. f) do nº 1 do artigo 134º e o proémio ou corpo do artigo 135º da Lei nº 23/2007).

III - As 3 alíneas do artigo 135º da Lei nº 23/2007 não relevam, inter alia, nos casos de o estrangeiro (i) ter cometido atentado contra a ordem pública ou (ii) poder cometer - e, por maioria de razão, ter cometido - atos criminosos graves.

IV - O proémio do artigo 135º da Lei nº 23/2007, com referência ao artigo 134º, não deixa margem de liberdade decisória à Administração, nem, salvo inconstitucionalidade que não descortinamos, ao tribunal.

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul de 19-01-2017, no Processo 13/16.0BELLE



EXPULSÃO DE CIDADÃO ESTRANGEIRO - ATENTADO CONTRA A ORDEM PÚBLICA - CRIME GRAVE

I. Para efeitos do disposto no artigo 607.º, n.º 4, do CPC, segundo o qual, na fundamentação da sentença, o juiz declara quais os factos que julga provados e quais os que julga não provados, não pode confundir-se “factos” com as ilações que dos mesmos se extraem e não podem essas ilações/conclusões, que não são factos, constarem da decisão sobre a matéria de facto.

II. As três alíneas do artigo 135.º da Lei nº 23/2007, de 4 de Julho (regime jurídico de entrada, permanência, saída e afastamento de estrangeiros do território nacional), não relevam, inter alia, nos casos de o estrangeiro (i) ter cometido atentado contra a ordem pública ou (ii) poder cometer - e, por maioria de razão, ter cometido - actos criminosos graves.

III. O autor, ao cometer 3 crimes de roubo e 1 crime de detenção de arma proibida, pelos quais foi condenado à pena única de 8 anos de prisão, atentou contra a ordem pública e cometeu crimes que, pelas molduras penais respectivas (art. 210.º, n.ºs 1 e 2, al. b), com referência ao art. 204.º, n.º 2, al. a), f) e g), do Código Penal e art.s 2.º, n.º 1, al.s p) e v), 3.º, n.º 2, al. l) e 86.º, n.º 1, al. c) da Lei n.º 5/2006, de 23 de Fevereiro) são graves.

IV. Pelo que não pode beneficiar o Autor dos limites à expulsão do território nacional previstos no artigo 135.º, da Lei n.º 23/2007, de 4 de Julho, com as alterações introduzidas pela Lei n.º 63/2015, de 30 de Junho, sendo assim plenamente aplicável o regime consignado no artigo 134.º da citada Lei.

"...Na verdade, a sentença recorrida não levou em devida consideração que o crime de roubo, aliás repetidamente praticado pelo ora Recorrido, é um crime complexo, que ofende bens jurídicos patrimoniais e bens jurídicos pessoais, configurados, os primeiros no direito de propriedade sobre móveis e os segundos, na liberdade de acção e decisão e na integridade física, bens jurídicos postos em causa pela violência contra uma pessoa, pela ameaça com perigo iminente para a vida ou a integridade física ou pela colocação da vítima na impossibilidade de resistir. Como se refere no acórdão da Relação de Lisboa de 24.11.2009, proc. n.º 451/08.2PVLSB.LI-5, “não se torna difícil imaginar as combinações de delitos que pode conter. A um elemento constante, o furto - ainda que em rigor se contemplem ataques à propriedade que estão para além da subtracção prevista no art. 203.° do Código Penal -, juntam-se ora a coacção, ora a ameaça, ora ofensas à liberdade, à integridade física ou à própria vida”. Necessário é ter presente – algo que o tribunal a quo parece desconhecer – que no roubo, sendo os bens alheios subtraídos pela violência, existe, inevitavelmente, uma proximidade física entre o agente do crime e a sua vítima.

Aliás, o acórdão condenatório identificado em 8-A e 8-B do probatório, aí dado por reproduzido, não deixa de enfatizar que o ora Recorrido “agiu sempre integrado num grupo, causando grande insegurança na área de Sintra” (cfr. fls. 106 do P.A.) e que “os crimes que praticaram, como se demonstrou, são violentos, praticados quase sempre em grupo, com uma cadência impressionante e com recurso a facas e armas de fogo com considerável potencial danoso” (idem, fls. 107). Dúvida não resta, pois, quer quanto à gravidade dos crimes praticados (3 crimes de roubo e 1 crime de detenção de arma proibida), quer quanto à perturbação da ordem pública (existência de danos à ordem e tranquilidade da sociedade em geral).

Por outro lado, certo é também que o facto de ter nascido em Portugal não constitui óbice à expulsão (cfr. i.a. o acórdão do STJ de 12.09.2013, proc. n.º 1112/11.0PEAMD.S1). Como conclui o Recorrente: Em primeiro lugar e ao contrário do inferido pela sentença, o facto do ora A. ter nascido em Portugal e daqui não ter ausentado apenas possibilita o seu eventual enquadramento nas alíneas a) e e) do art 135º da Lei n.º 2372007; // 4 - Importa identificar o iter cognoscitivo do art 135º, começando por salientar que o mesmo configura uma excepção ao regime regra que é o do afastamento coercivo de cidadãos estrangeiros em situação irregular (como é o caso), determinando que, pese embora haja fundamento para o afastamento, nos termos do artº 134º nº 1a) ex vi art 181º n.º 2, a existência das circunstâncias tipificadas nas suas diversas alíneas obsta à sua execução; //5 - Contudo, esta protecção não é absoluta, pois a aplicação das excepções ao afastamento, previstas nas alíneas do art 135º, é delimitada por três critérios negativos, plasmados no corpo da norma”...".

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul de 12-01-2017, no Processo 486/14.6BELSB



ESTRANGEIROS - AFASTAMENTO COERCIVO - FAMILIAR

1 - Se o recorrente, na revista, não impugnou o entendimento perfilhado pelo acórdão recorrido quando considerou preenchidas as previsões das alíneas a) e b) do n.º 1 do art.º 134.º do RJEPSAE (Lei n.º 23/2007, de 4/7, alterada pele Lei n.º 29/2012, de 9/8) e inaplicáveis ao caso os limites das alíneas a) e b) do art.º 135.º, não pode o acórdão ser alterado nessa parte.

2 - A vida familiar não tem um valor absoluto, sendo valorada apenas na medida em que foi concretizada nos limites estabelecidos pelo referido art.º 135.º que o acórdão recorrido considerou inaplicáveis no caso concreto.

3 - A imposição do afastamento coercivo para o país de que é nacional ao estrangeiro que se considerou ter praticado actos criminosos graves, atentando contra a ordem pública, não viola o princípio do respeito pela dignidade da pessoa humana.

Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo de 04-10-2017, no Processo 0340/17



RECURSO DE REVISTA EXCEPCIONAL - AFASTAMENTO COERCIVO

Não deve ser admitida a revista de decisão do TCA que através de discurso jurídico fundamentado e plausível afastou a aplicação do art. 135º, b) da Lei 23/2007, de 4 de Julho (limites ao afastamento coercivo) numa situação em que a filha menor do recorrente não reside em Portugal e encontra-se ao cuidado de uma sua irmã.

Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo de 21-09-2017, no Processo 0865/17



1 - Na anterior redacção do artigo 135.º da Lei n.º 23/2007, de 4 de Julho (regime jurídico de entrada, permanência, saída e afastamento de estrangeiros do território nacional), os limites à expulsão e afastamento coercivo não relevavam nos casos de o estrangeiro ter cometido ou poder cometer atentado contra a segurança nacional ou contra a ordem pública, ameaça aos interesses ou à dignidade do Estado Português ou dos seus nacionais e no caso de ter cometido actos criminosos graves (proémio do artigo 135.º e as situações previstas nas alíneas c) e f) do n.º 1 do artigo 134.º).

2 - De acordo com a actual letra do artigo 135.º da Lei n.º 23/2007, de 4 de Julho, na redacção que lhe foi dada pela Lei n.º 59/2017, de 31 de Julho, em vigor desde 7 de Agosto, resulta que nas situações em que o cidadão estrangeiro tenha a seu cargo filhos menores de nacionalidade portuguesa ou estrangeira a residir em Portugal e sobre os quais exerça efectivamente responsabilidades parentais e a quem assegure o sustento e a educação, não pode o mesmo ser alvo de decisão de afastamento coercivo ou de expulsão (e desde que não se verifique a suspeita fundada da prática de crimes de terrorismo, sabotagem ou atentado à segurança nacional ou de condenação pela prática de tais crimes).

3 - Perante o deficit instrutório existente relativamente à questão assinalada no acórdão (filhos menores efectivamente a cargo), impõe-se a anulação oficiosa da sentença, com vista a ser completada a instrução do processo e ampliada a matéria de facto, proferindo-se então nova decisão em conformidade com o que for apurado (art. 662.º, n.º 2, al. c) do CPC).

4 - Na instrução da causa, dispõe o tribunal da faculdade prevista no art. 526.º do CPC, a qual concretiza o princípio do inquisitório, consagrado no art. 411.º do CPC e art. 90.º, n.º 3, do CPTA.

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul de 21-09-2017, no Processo 169/16.2BEALM



1 - O nascimento de um filho de um arguido condenado em pena acessória de expulsão do território nacional, ocorrido após o trânsito da condenação do arguido mas antes do cumprimento de tal pena, constitui fundamento de recurso de revisão de sentença.

2 - Apesar de estarmos face à alegação de facto ocorrido posteriormente à condenação, não podendo por isso apodar-se de injusta a decisão de expulsão, ainda assim o que a lei visa evitar é que a decisão de expulsão leve a que um menor fique desamparado, o que pressupõe que esteja a ser sustentado e educado pelo pai em efectividade, e que com a expulsão perca esse efectivo amparo.

Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 27-06-2017, no Processo 1108/12.5PCSNT.S1



RECURSO DE REVISTA EXCEPCIONAL - AFASTAMENTO COERCIVO

Sumário: Não é de admitir recurso de revista de decisão do TCA que se mostre fundamentada e com um discurso jurídico plausível e que resulte da ponderação das especificidades próprias do caso em apreço.

"...3.2. O TCA Sul começou por referir que no presente caso não restavam quaisquer dúvidas sobre a gravidade dos crimes praticados pelo recorrente (1 crime de homicídio e um crime de detenção de arma proibida) e sobre a perturbação da ordem pública derivada ou inerente à sua consumação (existência de danos à ordem e tranquilidade da sociedade em geral).

Referiu de seguida que também não havia qualquer dúvida sobre “não estar vedado à Administração – antes pelo contrário atenta a vinculação legal existente – instaura um processo de afastamento coercivo de cidadão estrangeiro com fundamento em permanência irregular, mesmo na situação de inaplicabilidade de pena acessória de expulsão, como no caso se verifica (art.s 134º, n.º 1, al. a), 145º e 181º da Lei 23/2007).” 

Finalmente e quanto à questão da interpretação e aplicação dos artigos 134º e 135º da Lei 23/2007, de 4 de Julho o acórdão seguiu anterior jurisprudência daquele TCA Sul, que citou e na parte pertinente transcreveu. Em síntese, concluiu: “(…) de acordo com o quadro normativo de referência e acima identificado, o facto de o ora recorrido ser pai de menores nascidos em Portugal (de nacionalidade portuguesa) não constitui de per si inibição ao afastamento do território nacional, sendo necessário, para usufruir dessa prerrogativa, e uma vez que aqui permanece ilegalmente, demonstrar-se que a sua conduta não atentou contra a ordem pública ou que não praticou um acto criminoso grave. O que in casu se não verifica face à sua condenação numa pena única de prisão de 10 anos e 6 meses pela prática de um crime de homicídio e de 1 crime de detenção de arma proibida.” 

Mais referiu o acórdão recorrido que, mesmo admitindo a aplicação da al.b) do art. 135º da Lei 23/2007, de 4 de Julho “sempre se sublinhará que a alínea b) do art. 135º não se basta com a existência de filhos menores a residir em Portugal, antes dispõe que: b) Tenham a seu cargo filhos menores de nacionalidade portuguesa ou estrangeira, a residir em Portugal, sobre os quais exerçam efectivamente as responsabilidades parentais e a quem assegurem o sustento e a educação”. Sublinha o TCA Sul, de seguida, que no caso nada se provou nesta matéria “tanto mais que o ora recorrido nada alegou de concreto para o demonstrar.”

3.3. Do exposto resulta que o acórdão recorrido está exuberantemente justificado sendo a solução encontrada juridicamente plausível. Por outro lado a questão de saber se o recorrente exerce efectivamente a responsabilidade parental e assegura o sustento dos filhos menores residentes em Portugal é matéria de facto a que o TCA Sul respondeu e que não pode ser sindicada neste STA, em recurso de revista (art. 12º, 4, do ETAF).

Não existe assim qualquer razão para uma clara necessidade de intervenção do STA com vista a uma melhor interpretação e aplicação do direito.".

Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo de 24-05-2017, no Processo 0566/17



Um nacional de um país que não faz parte da UE pode, na sua qualidade de progenitor de um filho menor que tem a cidadania europeia, invocar o direito de residência derivado na União. A circunstância de o outro progenitor, cidadão da União, poder assumir sozinho a guarda quotidiana e efetiva do filho menor constitui um elemento pertinente, mas não é, por si só, suficiente para recusar uma autorização de residência. É necessário que se possa concluir que não existe, entre o menor e o progenitor nacional de um país que não faz parte da UE, uma relação de dependência tal que uma decisão que recusasse o direito de residência a este último obrigaria o menor a abandonar o território da União.

...o Tribunal de Justiça (Grande Secção) declara:

1) O artigo 20.° TFUE deve ser interpretado no sentido de que, para apreciar se um menor, cidadão da União, seria obrigado a abandonar o território da União, considerado no seu todo, e ficaria, assim, privado do gozo efetivo do essencial dos direitos que lhe são conferidos por este artigo se fosse recusado ao seu progenitor, nacional de um país terceiro, o reconhecimento do direito de residência no Estado Membro em causa, a circunstância de o outro progenitor, cidadão da União, ser realmente capaz de e estar pronto para assumir sozinho a guarda efetiva e quotidiana do filho é um elemento pertinente, mas não suficiente, para se poder concluir que não existe, entre o progenitor nacional de um país terceiro e o menor, uma relação de dependência tal que este último ficaria sujeito a semelhante obrigação no caso dessa recusa. Essa apreciação deve assentar na tomada em consideração, no interesse superior do menor, de todas as circunstâncias do caso, nomeadamente da sua idade, do seu desenvolvimento físico e emocional, do grau da sua relação afetiva tanto com o progenitor cidadão da União como com o progenitor nacional de um país terceiro e do risco que a separação deste último acarretaria para o equilíbrio do menor.

2) O artigo 20.° TFUE deve ser interpretado no sentido de que não se opõe a que um Estado Membro subordine o direito de residência no seu território de um nacional de um país terceiro, progenitor de um filho menor que tem a nacionalidade desse Estado Membro, do qual tem a guarda efetiva e quotidiana, à obrigação de esse nacional apresentar elementos que permitam demonstrar que uma decisão que recusasse o direito de residência ao progenitor nacional de um país terceiro privaria o menor do gozo efetivo do essencial dos direitos associados ao estatuto de cidadão da União, obrigando o a abandonar o território da União, considerado no seu todo. Todavia, cabe às autoridades competentes do Estado Membro em causa proceder, com base nos elementos apresentados pelo nacional de um país terceiro, às investigações necessárias para poder apreciar, à luz de todas as circunstâncias do caso, se uma decisão de recusa teria essas consequências.

ACÓRDÃO DO TRIBUNAL DE JUSTIÇA de 10 de maio de 2017, no Processo  C-133/15



RECURSO DE REVISTA EXCEPCIONAL - AFASTAMENTO COERCIVO

Sumário: Não é de admitir recurso de revista de decisão do TCA que se mostre fundamentada e com um discurso jurídico plausível e que resulte da ponderação das especificidades próprias do caso em apreço.

"3.2.4. À quarta questão (errada aplicação dos artigos 134º e 135º da Lei 23/2007) o Tribunal, depois de transcrever as normas aplicáveis, entendeu o seguinte:

- o arguido não tem a seu cargo filhos menores de nacionalidade portuguesa ou estrangeira a residir em Portugal e a quem assegure o sustento e, portanto, não está preenchido o previsto na alínea b) do art. 135º da citada lei, nem nas demais, o que bastaria para fazer cair a pretensão do autor.

- ainda que assim não fosse estaria preenchida a previsão do art. 134/1,a) da Lei 23/2007: o autor é cidadão estrangeiro e está em situação irregular em Portugal desde que cá chegou com 32 anos de idade, pois não tem qualquer documento; está preenchida a previsão do art. 134/1,b) porque o crime de tráfico de heroína e de cocaína, por que o autor foi condenado a 5 anos de prisão, é um atentado à ordem pública, sendo que tal crime deve ainda ser considerado um crime grave (art. 134º, 1 da citada Lei).

- as alíneas do art. 135º da Lei 23/2007, não relevam em casos em que o estrangeiro tenha cometido atentado contra a ordem pública ou cometer actos criminosos graves, sublinhado ainda que “... o recorrente já fugiu da prisão entre 2006 e 2014 e que também já tentou obter a nacionalidade portuguesa através da utilização de um nome falso”.

- no presente caso os filhos do recorrente nunca viveram com autor, pois vivem com a mãe que os tem a seu cargo.

- o art. 67º da CRP não é posto em causa numa situação em que um estrangeiro cometeu crimes graves, por que foi condenado a pesada pena de prisão, sendo racionalmente justificado que o sistema jurídico não excepcione a expulsão do pai estrangeiro “apenas por este estar casado com alguém ou ter filhos menores a cargo da mãe, com quem o pai nunca conviveu e que nunca estiveram, nem estão a cargo dele”.

Concluiu, portanto, o TCA Sul que o acto impugnado não violava qualquer disposição legal ou constitucional.

3.3. Neste recurso o autor/recorrente retoma as questões que colocara ao TCA Sul. A questão essencial é, como decorre do exposto, a da interpretação do art 135º, da Lei 23/2007, na redacção de 2012, segundo o qual:

“Com excepção dos casos de atentado à segurança nacional ou à ordem pública e das situações previstas nas alíneas c) e f) do n.º 1 do art. 134º, não podem ser afastados ou expulsos do território nacional os cidadãos estrangeiros que: a) tenham nascido em território português e aqui residam habitualmente; b) Tenham a seu cargo filhos menores de nacionalidade portuguesa ou estrangeira a residir em Portugal, sobre os quais exerçam efectivamente as responsabilidades parentais e a quem assegurem o sustento e a educação; c) se encontrem em Portugal desde idade inferior a 10 anos e aqui residam habitualmente”.

Perante a matéria de facto assente o recorrente encontra-se na situação prevista no art. 134º, 1,a) da referida Lei, ou seja, entrou e permanece e legalmente em território português. No entender do acórdão o crime porque foi condenado (tráfico de estupefacientes) integra um atentado à ordem pública (alínea b) do art. 134º, 1), constitui uma ameaça aos interesses dos nacionais (art. 134º, 1, c) e, por conseguinte, o recorrente cometeu actos criminosos graves (art. 134º 1, f)).

Portanto, perante as referidas circunstâncias, que nos termos do art. 134º, 1, a), b) c) e f) da Lei 23/2007, permitiam o afastamento coercivo do autor/recorrente, a questão essencial era a de saber se o autor se encontrava na situação prevista no art. 135º, b) da mesma Lei: ter a seu cargo filhos menores a residir em Portugal, sobre os quais exerça efectivamente as responsabilidades parentais.

Contudo, a esta questão, o TCA Sul respondeu negativamente, por ter concluído que o recorrente nunca exerceu efectivamente as responsabilidades parentais, dado que os seus filhos sempre estiveram ao cuidado da mãe. Esta questão é uma questão sobre matéria de facto que o STA em revista não pode conhecer (art. 12º, 4 do ETAF).

Resolvida esta questão de facto a decisão do TCA Sul quando à não aplicação do art. 135º da Lei 23/2007, é claramente plausível não tomando de modo algum necessária a intervenção deste STA para uma melhor interpretação e aplicação do Direito.

Apesar das questões sobre o afastamento coercivo de cidadãos estrangeiros ser uma matéria com virtualidade de se colocar no futuro, o presente caso reveste características muito específicas que tornam as questões aqui em apreço de alcance muito limitado: trata-se de um cidadão que entrou ilegalmente em território nacional, onde permanece nessa situação; que cometeu um crime grave porque foi condenado (tráfico de estupefacientes) e que, apesar de ter filhos menores de nacionalidade portuguesa, nunca os teve a seu cargo. A solução deste caso, portanto em boa verdade, esgota a sua utilidade ao presente litígio... Face ao exposto não se admite a revista.

Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo de 20-04-2017, no Processo 0417/17



AFASTAMENTO DE ESTRANGEIROS DO TERRITÓRIO NACIONAL; LIMITES À DECISÃO DE AFASTAMENTO COERCIVO OU DE EXPULSÃO.

Sumário: No âmbito da aplicação do disposto no artigo 135º e artigo 134º, nº 1, designadamente, alínea f), ambos da Lei nº 23/2007, de 04 de Julho, na redacção conferida pela Lei nº 29/2012, de 09 de Agosto estando em causa um estrangeiro, casado com cidadã portuguesa, que tem a seu cargo um filho menor residente em Portugal, dever-se-ão ponderar os limites resultantes do disposto na alínea b) do artigo 135º, num juízo de ponderação da concreta situação que fundamentadamente legitime a imposição de soluções restritivas do direito à convivência e unidade familiares, pela eventual necessidade de proteger outros valores constitucionalmente protegidos, como, v.g., os da ordem e segurança públicas, sob pena de violação dos artigos 36º, nº 6, e 67º, nº 1, da CRP.

"...A lei — referido artigo 135º — dispõe sobre os limites à decisão de afastamento coercivo ou de expulsão, introduzindo a dita alteração, nas alíneas c) e f) do nº 1 do artigo 134º, duas situações de excepção que constituem outros tantos fundamentos da decisão de afastamento coercivo ou de expulsão, relevando concreto caso presente, tal como destacado no acto impugnado e decisão recorrida, designadamente, a alínea f) do nº 1 do referido artigo 134º, que determina o afastamento coercivo ou expulsão judicial do território português ao cidadão estrangeiro, «em relação ao qual existam sérias razões para crer que cometeu atos criminosos graves ou que tenciona cometer atos dessa natureza, designadamente no território da União Europeia», (nosso sublinhado).

Ora, o problema da retroactividade da lei prende-se com a regulação, pela lei nova, de situações jurídicas passadas; ou, na perspectiva inversa, o problema é o de saber se, deixando uma lei de estar em vigor, ela cessa de produzir efeitos, ou se, por imperativo de justiça, ela continua a regular um conjunto de factos e efeitos jurídicos ocorridos e verificados no seu período de vigência.

Os factos em causa — conducentes às condenações penais em que incorreu o Recorrente — não são objecto de regulação pela lei nova, não se podendo falar aqui de aplicação retroactiva da lei, nesse sentido.

Diversamente, o que se passa é que, a partir da entrada em vigor da referida alteração normativa, passou a ter relevância para a ponderação de afastamento coercivo ou expulsão judicial a existência de razões sérias para crer que o cidadão estrangeiro cometeu actos criminosos graves ou que tenciona cometer actos dessa natureza, sendo que os factos passados, designadamente o seu registo criminal perfila, nesta linha, um registo de factos eventual ou potencialmente atendíveis a tal finalidade — veremos, de seguida, a sua atendibilidade ou relevância no âmbito da apreciação da segunda questão.

A lei em crise não denota retroactividade autêntica, ou seja, não tem eficácia ex tunc, pelo que a decisão recorrida não padece do imputado erro de julgamento.

Vejamos agora a segunda questão, a de saber se, na aplicação do referido artigo 135º da Lei nº 23/2007, constitui uma violação dos princípios segurança e da tutela da confiança a consideração de situações jurídicas consolidadas e anteriores à sua entrada em vigor.

A propósito da “segurança jurídica” e da “protecção da confiança” refere o J.J. Gomes Canotilho, ob. cit., pag. 257, que “… a segurança jurídica está conexionada com elementos objectivos da ordem jurídica — garantia da estabilidade jurídica, segurança de orientação e de realização do direito — enquanto a protecção da confiança se prende mais com as componentes subjectivas da segurança, designadamente a calculabilidade e previsibilidade dos indivíduos em relação aos efeitos jurídicos dos actos dos poderes públicos. A segurança e a protecção da confiança exigem, no fundo: (1) fiabilidade, clareza, racionalidade e transparência dos actos do poder; (2) de forma que em relação a eles o cidadão veja garantida a segurança nas suas disposições pessoais e nos efeitos jurídicos dos seus próprios actos. Deduz-se já que os postulados da segurança jurídica e da protecção da confiança são exigíveis perante qualquer acto de qualquer poder — legislativo, executivo e judicial. O princípio geral da segurança jurídica em sentido amplo (abrangendo, pois, a ideia de protecção da confiança) pode formular-se do seguinte modo: o indivíduo têm do direito [sic] poder confiar em que aos seus actos ou às decisões públicas incidentes sobre os seus direitos, posições ou relações jurídicas alicerçados em normas jurídicas vigentes e válidas por esses actos jurídicos deixado pelas autoridades com base nessas normas se ligam os efeitos jurídicos previstos e prescritos no ordenamento jurídico.”.

No âmbito das refracções do princípio da segurança jurídica releva, quanto aos actos normativos, a proibição de normas retroactivas restritivas de direitos ou interesses juridicamente protegidos e, nesta, para além do princípio da precisão ou determinabilidade das normas jurídicas, da proibição de pré-efeitos de actos normativos, releva ainda a proibição constitucional de normas retroactivas, a qual, para além das leis penais (artigo 29º) e das leis fiscais (artigo 103º, nº 3), engloba as leis restritivas de direitos, liberdades e garantias dos cidadãos (artigo 18º, nº 3).

As normas em causa não apresentam ofensa do princípio da precisão ou determinabilidade dos actos normativos, mas antes material e formalmente conformados em termos linguisticamente claros, compreensíveis e não contraditórios, pelo que a segurança jurídica, não se mostra abalada.

Quanto aos valores negativos da retroactividade, tal como acima se fez já referência, distingue J.J. Gomes Canotilho, ob. cit., pag. 261 e seguintes, na dilucidação do conceito de retroactividade: “Retroactividade consiste basicamente numa ficção: (1) decretar a validade e vigência de uma norma a partir de um marco temporal (data) anterior à data da sua entrada em vigor; (2) ligar os efeitos jurídicos de uma norma a situações de facto existentes antes da sua entrada em vigor. No primeiro caso (1) fala-se em retroactividade em sentido restrito (efeito retroactivo); no caso (2) alude-se a conexão retroactiva quanto a efeitos jurídicos.”.

Como exemplo de conexão retroactiva, exemplifica: “Existirá conexão retroactiva quando, por motivos ambientais e de ordenamento do território, se estabelece a proibição de edificação extensiva a edifícios já construídos ou com licença de construção”.

E acrescenta, “diferentemente, fala-se de retroactividade inautêntica quando uma norma jurídica incide sobre situações ou relações jurídicas já existentes embora a nova disciplina jurídica pretenda ter efeitos para o futuro.”.

A questão é, pois a de saber se a norma da alínea f) do nº 1 do artigo 134º sofre uma aplicação retrospectiva, na medida em que incide sobre situações jurídicas já existentes embora a nova disciplina jurídica pretenda ter efeitos para o futuro.

Vejamos quanto às penas em que o cidadão foi condenado (independentemente agora da sua gravidade), constantes do seu registo criminal e que perfilaram um registo de factos relevado no âmbito das referidas normas dos artigos 135º e 134º da Lei nº 23/2007, na redacção dada pela Lei nº 29/2012.

Ora, no nosso ordenamento jurídico, a aplicação das penas e de medidas de segurança visa a protecção de bens jurídicos e a reintegração do agente na sociedade, como dispõe o nº 1 do artigo 40º do Código Penal.

Portanto, tal como a doutrina e a jurisprudência têm relevado, para além de uma finalidade de prevenção geral positiva, também uma finalidade de prevenção especial positiva, no tocante à reintegração do agente na sociedade, para o que relevam a sua personalidade e os antecedentes criminais (cfr. Maria João Mimoso e Bárbara Guimarães, A Disometria da Pena, Sua Determinação «In Concreto» A suspensão da Execução da Pena, Verbojurídico, pag. 4).

Na verdade, os antecedentes criminais relevam para vários efeitos, como, por exemplo, de escolha e determinação da medida da pena, de verificação de reincidência (artigo 75º do CP), de aplicação de medidas de coacção (cfr. v.g. acórdão do Tribunal Constitucional nº 127/2007, de 27 de Fevereiro), de aplicação de pena a delinquentes por tendência (artigo 83º do CP) e a alcoólicos e equiparados (artigo 86º do CP), e também, por exemplo, como medida de prevenção de contacto profissional com menores, o nº 2 do artigo 2º da Lei nº 113/2009, de 17 de Setembro, na redacção conferida pela Lei nº 103/2015, de 24 de Agosto.

Mas vejamos quanto à relevância dos antecedentes criminais para efeito de ponderação da ocorrência das situações que o artigo 135º da Lei nº 23/2007 excepciona.

No caso da alínea f) do nº 1 do artigo 134º da Lei nº 23/2007, duas vertentes se perspectivam, decorrentes de uma interpretação das normas dos artigos referidos 135º e 134º: A primeira, no sentido de, nas situações previstas nas alíneas c) e f) do nº 1 do artigo 134º, ficar o decisor dispensado de ponderar os limites previstos no artigo 135º(4), traduzindo uma «prevalência abstracta» dos interesses de ordem e segurança públicas sobre os direitos, liberdades e garantias em causa. Foi esta a interpretação acolhida no acto impugnado e na sentença sob recurso.

A segunda, a que sufragamos, no sentido de que, naquelas situações, deverá atender-se aos limites resultantes do disposto nas alíneas do artigo 135º, num juízo de ponderação que legitime as restrições ao direito à convivência e unidade familiares pela necessidade de proteger outros valores constitucionalmente protegidos, como os da ordem e segurança públicas, no respeito pelo regime constitucional das restrições ínsito no artigo 18º e, tratando-se de estrangeiros, no artigo 15º — veja-se, em solução que vai ao encontro da que subjaz a esta vertente, Carla Amado Gomes e Anabela Costa Leão, Ser e deixar de ser imigrante: notas sobre o contencioso dos imigrantes em Portugal, in O Contencioso de Direito Administrativo Relativo a Cidadãos Estrangeiros e ao Regime de Entrada, Permanência, Saída e Afastamento do Território Português, Bem Como do Estatuto de Residente de Longa Duração, CEJ, Colecção Formação Inicial, pag. 159 e ss.

O acto impugnado convocou a Informação de Serviço nº 1022/GJ/12 para concluir que a noção de crime grave “se delimita pelo quantum da pena, sendo o mesmo considerado se a pena aplicada ou aplicável for superior a 5 anos”, sendo certo que o Recorrente foi condenado com pena superior a cinco anos apenas uma vez, em 28-02-2009, com a pena de 6 anos e 8 meses de prisão.

Ora, no presente caso, o simples facto de o Recorrente ter antecedentes penais, (anteriores à própria lei que introduziu a sua relevância e sendo que apenas uma delas o condenou em pena de prisão superior a cinco anos), pela mera subsunção à previsão da norma da alínea f) do nº 1 do artigo 134º foi determinado o automático indeferimento do pedido de emissão do cartão de residência. Essa decisão mostra-se desprovida de qualquer ponderação consequente sobre a situação da vida real actual do Recorrente, mormente na vertente familiar e, portanto, com total desconsideração dos limites previstos no artigo 135º da Lei nº 23/2007, designadamente, no caso, a alínea b), e à revelia de uma apreciação da concreta e actual situação da vida familiar do Recorrente que, no caso, tem efectivas responsabilidades parentais.

Na verdade, ocorre aqui um fenómeno de prevalência abstracta dos interesses de ordem e segurança públicas sobre os direitos liberdades e garantias em causa, constitucionalmente vedada, na expressão utilizada por Carla Amado Gomes e Anabela Costa Leão na obra citada, com afrontamento do regime constitucional das restrições ínsito no artigo 18º e, tratando-se de estrangeiros, no artigo 15º, designadamente, no caso presente, quanto aos direitos decorrentes dos artigos 36º, nº 6, e 67º, nº 1, da CRP.

Em última análise, estamos também perante de uma interpretação de contornos semelhantes ou paralelos aos de uma situação há muito rechaçada pelo Tribunal Constitucional, nesse caso, por violação do disposto no nº 4 do artigo 30º da CRP, a propósito da norma do nº 2 do artigo 34º do Decreto-Lei nº 430/83, de 13 de Dezembro, quando interpretada no sentido de que a condenação de um estrangeiro pelo crime previsto no artigo 24º, nº 1, tem como efeito necessário a sua expulsão do País. Mutatis mutandis, também no caso presente, a mera condenação de um estrangeiro pela prática de crime que a Administração reputa grave não pode ter como efeito necessário [na medida em que a mera existência de condenação penal (grave) foi o facto determinante do indeferimento do acto impugnado] o seu afastamento ou expulsão do território nacional, neste caso, um indeferimento da emissão do referido cartão de residência, ficando o Recorrente em situação de permanência ilegal, conducente ao seu afastamento coercivo ou expulsão do território nacional [artigo 134º, nº 1, alínea a)]; Menos ainda, embora noutro plano, se a sua situação de vida é susceptível de ter acolhimento no disposto na alínea b) do artigo 135º da Lei nº 23/2007. Procedem, pois, os fundamentos do recurso nesta matéria. ...

Ora, a alteração introduzida no artigo 135º da Lei nº 23/2007, pela Lei nº 29/2012, coloca problemas sensíveis, pois, para além dos direitos do cidadão estrangeiro, os direitos dos que dele dependem ficam também afectados, pondo em causa, designadamente, para além da unidade familiar, o livre desenvolvimento da personalidade do filho ou filhos que, assim, se vêm privados daquele que assume perante si as responsabilidades parentais.

Por isso, a existência de um artigo como o 135º na versão originária. Ora, vimos acima que o Tribunal Constitucional tem vindo a julgar inconstitucionais normas de conteúdo semelhante às que nestes autos estão em causa, enquanto aplicáveis a cidadãos estrangeiros que tenham a seu cargo filhos menores de nacionalidade portuguesa residentes em território nacional — neste sentido, cfr. os Acórdãos n.º 232/2004, de 31 de Março, processo nº 807/99, e n.º 181/97, de 5 de Março, processo nº 402/96. No entender do TC, em face do disposto no artigo 36.º, n.º 6 da CRP, “Os filhos não podem ser separados dos pais, salvo quando estes não cumpram os seus deveres fundamentais para com eles e sempre mediante decisão judicial.”. Assim, a separação de pais e filhos só pode ser determinada quando os primeiros negligenciem as responsabilidades que assumem perante os segundos.

Não é o caso em concreto que temos presente, pois o Recorrido não concluiu pelo incumprimento de tais deveres e apenas atendeu a condenações penais anteriores e sem que a situação da vida do Recorrente, em termos reais e actuais, fosse ponderada, designadamente quanto à protecção da unidade da vida familiar e dos direitos dos pais e filhos. E mesmo que se diga que o afastamento não implica a separação do menor do seu progenitor, pois que o Recorrente, no caso de afastamento ou expulsão, poderá levar consigo o menor sobre o qual exerce os poderes parentais, a essa questão responde o TC, pelos apontados acórdãos: “Efectivamente assim acontece, só que tal implica que os filhos abandonem o território nacional, para poderem acompanhar a mãe [ou o pai]. O que, na medida em que esses filhos tenham nacionalidade portuguesa, acaba por colidir com o disposto no nº 1 do artigo 33º da Constituição.”, no qual se dispõe que “Não é admitida a expulsão de cidadãos portugueses do território nacional.”.

Também a jurisprudência do Tribunal Europeu dos Direitos do Homem (TEDH) tem vindo a considerar como violadoras do artigo 8º, nº 1, da CEDH medidas de expulsão de estrangeiros com vínculos familiares no país em que residem, independentemente de existir uma relação de dependência económica. Por exemplo, no caso Beldjoudi contra França, de 26 de Março de 1992, Series A nº 234-A, o TEDH considerou que a deportação de um cidadão estrangeiro, maior de idade e sem um agregado familiar que dele dependesse financeiramente (casal sem filhos e mulher empregada), seria desproporcional face ao fim que se propunha atingir com essa medida, violando-se deste modo o artigo 8.º da CEDH. No mesmo sentido, também a decisão do caso Moustaquim v. Belgium, de 18 de Fevereiro de 1991, application nº 12313/86.

E, note-se, em ambas as decisões, o Tribunal deu como provado que os procedimentos em causa eram legais e que o fim que com eles se pretendia atingir era legítimo. Porém, em ambos os casos considerou a expulsão desproporcional, porque desnecessária para atingir esses mesmos fins e intensamente restritiva do direito a ver respeitada a vida familiar.

Nos termos dos nºs 3 e 4 do artigo 22º da Lei nº 37/2006, “3 - As medidas tomadas por razões de ordem pública ou de segurança pública devem ser conformes ao princípio da proporcionalidade e basear-se exclusivamente no comportamento da pessoa em questão, a qual deve constituir uma ameaça real, actual e suficientemente grave que afecte um interesse fundamental da sociedade, não podendo ser utilizadas justificações não relacionadas com o caso individual ou baseadas em motivos de prevenção geral. 4 - A existência de condenações penais anteriores não pode, por si só, servir de fundamento para as medidas referidas no número anterior.”.

Finalmente, e como reconhece o Tribunal Constitucional, a propósito da fixação de efeitos da declaração de inconstitucionalidade no supra referido acórdão nº 232/04, “existem razões de justiça, igualdade e equidade que militam no sentido de que os menores de nacionalidade portuguesa residentes em território nacional vivam num ambiente familiar consolidado pela presença dos progenitores ainda que estes sejam cidadãos estrangeiros.”.

No presente caso e no âmbito da aplicação do disposto no artigo 135º e artigo 134º, nº 1, designadamente, alínea f), ambos da Lei nº 23/2007, de 04 de Julho, estando em causa um estrangeiro — casado com cidadã portuguesa — que tem a seu cargo um filho menor residente em Portugal, dever-se-ão ponderar os limites resultantes do disposto na alínea b) do artigo 135º, num juízo de ponderação da concreta situação que fundamentadamente legitime a imposição de soluções restritivas do direito à convivência e unidade familiares, pela eventual necessidade de proteger outros valores constitucionalmente protegidos, como, v.g., os da ordem e segurança públicas, sob pena de violação dos artigos 36º, nº 6, e 67º, nº 1, da CRP.

Em face de todo o exposto, com improcedência dos restantes fundamentos do recurso, não concretizados e outrossim colocados fora da relevância conferida pelo disposto no artigo 135º, alínea b), da Lei nº 23/2007, impõe-se a conclusão de que a sentença recorrida, ao sufragar a interpretação acolhida no acto impugnado, viola os direitos do Recorrente e os que ele representa, designadamente os decorrentes dos artigos 36º, nº 6, e 67º, nº 1, da CRP, devendo ser revogada.

Decidindo em substituição, com os fundamentos supra, deve o acto impugnado ser declarado nulo [artigo 161º, nº 2, alínea d) do CPA].

Quanto ao pedido de que seja ordenado o deferimento do pedido de emissão do Cartão de Residência de Familiar de Cidadão Europeu a favor do ora Recorrente, considerando que não está em causa a emissão de um acto estritamente vinculado e em face da diversidade de vertentes a analisar para o efeito, vertidas, quanto à emissão deste Cartão, designadamente nos artigos 7º e 15º da Lei nº 37/2006, de 09 de Agosto, à míngua, ainda, de elementos bastantes e actuais necessários à sua apreciação, e sendo certo que, quanto ao pedido de condenação, o mesmo engloba necessariamente a apreciação do requerimento de emissão do cartão, condena-se o Recorrido a apreciar o mesmo, levando em linha de conta, entre o mais legalmente atendível, a situação de vida familiar concreta e actual do Recorrente, na relevância do disposto na alínea b) do artigo 135º da Lei nº 23/2007, segundo a supra exposta interpretação do disposto na alínea b) do nº 1 do artigo 134º.".

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Norte de 24-03-2017, no Processo 00673/16.2BECBR



O artigo 21.° TFUE e a Diretiva 2004/38/CE do Parlamento Europeu e do Conselho de 29 de abril de 2004, relativa ao direito de livre circulação e residência dos cidadãos da União e dos membros das suas famílias no território dos Estados Membros, que altera o Regulamento (CEE) n.° 1612/68 e que revoga as Diretivas 64/221/CEE, 68/360/CEE, 72/194/CEE, 73/148/CEE, 75/34/CEE, 75/35/CEE, 90/364/CEE, 90/365/CEE e 93/96/CEE, devem ser interpretados no sentido de que se opõem a uma legislação nacional que impõe a recusa automática da concessão de uma autorização de residência ao nacional de um Estado terceiro, progenitor de um filho menor cidadão da União que está a seu cargo e que reside consigo no Estado Membro de acolhimento, pelo simples motivo de ter antecedentes penais.

O artigo 20.° TFUE deve ser interpretado no sentido de que se opõe a uma legislação nacional que impõe a recusa automática da concessão de uma autorização de residência ao nacional de um Estado terceiro, progenitor de filhos menores que são cidadãos da União e de quem tem a guarda exclusiva, pelo simples motivo de o interessado ter antecedentes penais, quando a referida recusa tiver como consequência impor a essas crianças o abandono do território da União.

ACÓRDÃO DO TRIBUNAL DE JUSTIÇA de 13 de setembro de 2016, no Processo C-165/14



O artigo 20.° TFUE deve ser interpretado no sentido de que se opõe a uma regulamentação de um Estado Membro que impõe expulsar do território desse Estado Membro, para um Estado terceiro, um nacional desse Estado que foi objeto de uma condenação penal, ainda que este assegure a guarda efetiva de uma criança de tenra idade, nacional desse Estado Membro, onde reside desde o seu nascimento sem ter exercido o seu direito de livre circulação, quando a expulsão do interessado imponha a essa criança abandonar o território da União Europeia, privando a, assim, do gozo efetivo do essencial dos seus direitos enquanto cidadã da União. Todavia, em circunstâncias excecionais, um Estado Membro pode adotar uma medida de expulsão na condição de que esta se baseie no comportamento pessoal deste nacional de um Estado terceiro, o qual deve constituir uma ameaça real, atual e suficientemente grave que lese um interesse fundamental da sociedade desse Estado Membro, e que assente numa tomada em consideração dos diferentes interesses em presença, o que cabe ao órgão jurisdicional nacional verificar.

ACÓRDÃO DO TRIBUNAL DE JUSTIÇA de 13 de setembro de 2016, no Processo C 304/14



I – A segunda parte do nº 1 do artigo 120º do CPTA, na versão que resulta do D.L. nº 214-G/2015, de 2 de Outubro, exige, como pressuposto para o deferimento da pretensão cautelar, que seja provável que a pretensão formulada ou a formular no processo principal venha a ser julgada procedente.

II – Não se mostra preenchido o critério de decisão em apreço – fumus boni iuris – em sede de providência cautelar de suspensão de eficácia de acto administrativo que determinou o afastamento do requerente de território nacional, quando este foi condenado na pena de 4 anos e 6 meses de prisão efectiva, pela prática do crime previsto e punido no artigo 21 nº 1 do D.L. nº 15/93, de 22/01.

"...Vejamos, tendo presente que o recorrente não questionou permanecer ilegalmente em Portugal. O artigo 135º da Lei 23/2007, na redacção originária preceituava: “Artigo 135º Limites à expulsão - Não podem ser expulsos do País os cidadãos estrangeiros que: a) Tenham nascido em território português e aqui residam; b) Tenham efectivamente a seu cargo filhos menores de nacionalidade portuguesa a residir em Portugal; c) Tenham filhos menores, nacionais de Estado terceiro, residentes em território português, sobre os quais exerçam efectivamente o poder paternal e a quem assegurem o sustento e a educação; d) Que se encontrem em Portugal desde idade inferior a 10 anos e aqui residam.”

Por força da alteração introduzida pela Lei 29/2012, de 9 de Agosto – aqui aplicável - o preceito em apreço foi alterado passando a ter a seguinte redacção: “Artigo 135.º Limites à decisão de afastamento coercivo ou de expulsão - Com excepção dos casos de atentado à segurança nacional ou à ordem pública e das situações previstas nas alíneas c) e f) do n.º 1 do artigo 134.º, não podem ser afastados ou expulsos do território nacional os cidadãos estrangeiros que: a) Tenham nascido em território português e aqui residam habitualmente; b) Tenham a seu cargo filhos menores de nacionalidade portuguesa ou estrangeira, a residir em Portugal, sobre os quais exerçam efectivamente as responsabilidades parentais e a quem assegurem o sustento e a educação; c) Se encontrem em Portugal desde idade inferior a 10 anos e aqui residam habitualmente.”.

É notória a diferença de redacção da versão original e da versão alterada pela Lei 29/2012, de 9 de Agosto, resultando desta, nomeadamente, que nas situações previstas nas alíneas c) e f) do nº 1 do artigo 134º e mesmo que o cidadão estrangeiro tenha a seu cargo filhos menores de nacionalidade portuguesa ou estrangeira, a residir em Portugal, sobre os quais exerçam efectivamente as responsabilidades parentais e a quem assegurem o sustento e a educação, pode o mesmo ser alvo de decisão de expulsão desde que a sua presença ou actividades no País constituam ameaça aos interesses ou à dignidade do Estado Português ou dos seus nacionais ou em relação ao qual existam sérias razões para crer que cometeu actos criminosos graves ou que tenciona cometer actos dessa natureza, designadamente no território da União Europeia.

No caso em apreço e para além de não se poder concluir que o recorrente tinha a seu cargo o filho menor Carlos Miguel, dado o recorrente se encontrar à data da prolação da decisão recorrida a cumprir pena de prisão no Estabelecimento Prisional de Caxias, não podendo exercer assim, de modo efectivo como exige a alínea b) do artigo 135º supra transcrito, as responsabilidades parentais, pese embora o recorrente contribuir para o sustento do filho menor, exercendo actividade no estabelecimento prisional, a questão fulcral residirá em saber se o crime – tráfico de estupefacientes – pelo qual o recorrente foi punido assume foros de gravidade justificativos da decisão de afastamento do território nacional, entendimento que o T.A.F. de Sintra acolheu, discordando o recorrente do mesmo.

Importa recordar que o recorrente foi condenado por Acórdão proferido pelo Tribunal da Relação de Lisboa na pena de 4 anos e 6 meses de prisão efectiva, pela prática do crime previsto e punido no artigo 21 nº 1 do D.L. nº 15/93, de 22/01 – tráfico de estupefacientes -, prevendo o referido preceito: “Artigo 21.º Tráfico e outras actividades ilícitas - 1 - Quem, sem para tal se encontrar autorizado, cultivar, produzir, fabricar, extrair, preparar, oferecer, puser à venda, vender, distribuir, comprar, ceder ou por qualquer título receber, proporcionar a outrem, transportar, importar, exportar, fizer transitar ou ilicitamente detiver, fora dos casos previstos no artigo 40.º, plantas, substâncias ou preparações compreendidas nas tabelas I a III é punido com pena de prisão de 4 a 12 anos.”.

O recorrente refere que a prática do crime de tráfico de estupefacientes não se reveste de gravidade bastante justificativa do acto suspendendo, argumentação da qual este Tribunal discorda. Um primeiro indício da gravidade do crime de tráfico de estupefacientes detecta-se na moldura penal do mesmo – a punição com pena de prisão de 4 a 12 anos -; um segundo indício, atinente à norma que sustentou a pena de prisão na qual foi o recorrente condenado pelo Acórdão proferido pelo Tribunal da Relação de Lisboa em 4 de Novembro de 2014, reside na circunstância de o recorrente ter sido condenado pelo crime previsto e punido no nº 1 do artigo 21º do D.L. nº 15/93, de 22 de Janeiro e não pelo crime previsto e punido no artigo 25º do mesmo diploma legal, que prevê o tráfico de menor gravidade, o que permite afastar a argumentação aduzida pelo requerente de acordo com a qual se estaria perante um crime menos grave, a que acresce ainda a circunstância de o crime de tráfico de estupefacientes causar, como se referiu na decisão recorrida, inquestionável “…corrosão social (…), ao nível pessoal, ao nível familiar, ao nível da erosão dos valores positivados das relações em sociedade, ao nível afectivo, ao nível das instituições, ao nível do património, ao nível da saúde mental e física, ao nível da saúde pública, sem descurar também as implicações que causa ao nível da implicação do cometimento de outros crimes, nomeadamente contra o património e contra as pessoas.”, crime que, nos termos igualmente apontados na decisão recorrida, se encontra no elenco da criminalidade altamente organizada, nos termos do artigo 1º alínea m) do Código de Processo Penal.

Assim, o juízo a que chegou o T.A.F. de Sintra quanto ao não preenchimento do requisito relativo ao fumus boni iuris, plasmado na segunda parte do nº1 do artigo 120º do CPTA é acolhido por este Tribunal, pelo que independentemente de todas as considerações tecidas pelo recorrente quanto às consequências, inelutáveis, que a execução do acto acarretará para a sua vida familiar – o afastamento da Mãe do seu filho e deste –, o que releva apenas para que se considere preenchido o requisito relativo ao periculum in mora, sempre a pretensão cautelar está votado ao insucesso, pelos motivos supra expostos, pelo que redundaria em diligência probatória inútil inquirir as testemunhas arrolada pelo recorrente, testemunhas com as quais pretenderia demonstrar que actualmente se encontra empregado, bem como todo o seu percurso em Portugal desde a sua chegada com três anos de idade – cfr. conclusão IV das alegações de recurso –, alegação esta que, refira-se, contraria o teor das declarações prestadas em 29 de Julho de 2015, no Estabelecimento Prisional de Caxias nas quais referiu ter chegado a Portugal no ano de 2000, altura em que teria 24/25 anos, dado ter nascido em 1975 (cfr. itens 1) e 18) dos factos apurados - pelo que a sentença recorrida não violou o artigo 118º do CPTA.

Por último importa referir inexistir qualquer violação do artigo 8º da Convenção Europeia dos Direitos do Homem dado a invocada ingerência na vida pessoal e familiar do recorrente estar prevista na lei e se mostrar adequada para a prevenção de infracções penais, não revelando os autos que o acto suspendendo viole os artigos 3º, 4º, 5º, 6º, 7º, 8º, 10º e 11º do CPA, dado o acto impugnado, em sede de avaliação própria da tutela cautelar, necessariamente mais aprofundada face à alteração operada na redacção do artigo 120º do CPTA pelo D.L. nº 214-G/2015, de 2 de Outubro, se mostrar conforme com o regime legal aplicável, pelo que soçobra o recurso...".

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul de 06-10-2016, no Processo 13655/16



"Revertendo ao caso concreto. Estamos face a alegação de facto ocorrido posteriormente à condenação, não podendo por isso apodar-se de injusta a decisão de expulsão, pois à data do julgamento realizado em reenvio o filho do requerente ainda não tinha adquirido a nacionalidade portuguesa.

Adquiriu-a, posteriormente, e esse é o facto novo, superveniente, que é de admitir ou não como fundamento de revisão. A aquisição de nacionalidade portuguesa, podendo fundamentar o pedido, não basta para propiciar a impetrada revisão.

Como ficou provado em julgamento, quando ainda em Portugal, o recorrente exercia o poder paternal em conjunto com sua mulher, Mãe do filho, ela também agora portuguesa, mas não provia ao seu sustento. O exercício do poder paternal, de per si, não basta, havendo que assegurar, de modo efectivo e decisivo, o sustento e educação do menor, o exercício efectivo das responsabilidades parentais. 

O que a lei visa evitar é que a decisão de expulsão leve a que um menor fique desamparado, o que pressupõe que esteja a ser sustentado e educado pelo pai em efectividade, e que com a expulsão perca esse efectivo amparo. O requerente não contribuía para as despesas de casa, dado encontrar-se desempregado, sendo os pais que prestavam essa ajuda. Nestas condições, conclui-se que é de negar a revisão."

Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 12-10-2016, no Processo 1265/10.5JAPRT-J.S1



"...3. Não se verifica nulidade processual se a prova testemunhal foi preterida com o fundamento, sucinto, de todos os elementos necessários para a boa decisão da causa já se encontrarem documentados nos autos.

4. A falta de análise crítica das provas não constitui fundamento legal de nulidade da sentença, face ao disposto nos artigos 613º, n.º3, e 615º, n.º1, al. b), do Código de Processo Civil (de 2013).

5. A data que tinha o requerente quando veio para Portugal não pode ser provada por testemunhas, na falta de documento, autêntico, que prove a sua data de nascimento.

6. Existe uma situação de facto consumado se o requerente se vê afastado, como acto suspendendo, do país em que tem vivido desde, pelo menos, os 11 anos de idade, da família e da companheira.

7. Fundando o requerente a acção principal no disposto na alínea d) do artigo 135º, da Lei n.º 23/2007, de 4 de Julho, ou seja, residir em Portugal desde idade inferior a 10 anos e não tendo comprovada a sua idade, é muito provável inêxito da acção principal, pelo que falece desde logo o requisito do fumus boni iuris, a aparência do bom direito, o que determina o insucesso do pedido de suspensão da eficácia do acto que determinou o seu afastamento do território nacional.

8. No caso concreto, acresce, ao interesse do requerente em permanecer no país de acolhimento e com os seus familiares e companheira – interesses legítimos – sobrepõe-se o interesse público de afastar do país um estrageiro que, não tendo a sua situação regularizada, se revelou pouco interessado em se integrar, pelo contrário, praticou crimes graves e violentos e, preso, destacou-se pela violação reiterada e grave das suas obrigações disciplinares.

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Norte de 22-07-2016, no Processo 00007/16..6BEPNF



1 - Nos casos em que a execução da pena acessória de expulsão coincide com os limites temporais indicados na lei, sendo obrigatória, não é necessário obter o consentimento do recluso, nem ouvir o conselho técnico ou o Ministério Público.

2 - O procedimento constante do art. 188.º-B do CEPMPL só tem cabimento legal quando esteja em causa a prolação de uma decisão de eventual antecipação da execução da pena de expulsão, na sequência da possibilidade prevista nos n.ºs 2 e 3 do art. 188.º-A daquele diploma, uma vez que, nesse caso, a lei exige uma análise das necessidades de prevenção, geral e especial, que se apresenta semelhante à que se impõe para a concessão da liberdade condicional facultativa quando se encontra cumprida metade da pena (cf. art. 61.º, n.º 2, do CP), e ainda que obtenha o consentimento do condenado, sendo a diligência prevista no aludido art. 188.º-B imprescindível para a obtenção de tais elementos (com produção de prova, se necessário) e a garantia do contraditório.

"...De todo o modo, sempre se dirá que o obstáculo à expulsão constante da al. b) do art. 135.º do aludido diploma (única que aqui está em causa) não se basta com o facto de o visado ter um filho menor a residir em Portugal, exigindo a lei que o menor esteja a cargo do visado, e este sobre ele exerça efectivamente as responsabilidades parentais e assegure o seu sustento e a educação.

Ora, como já referimos, o recorrente limita-se a referir que o menor Mayson Paulo é de nacionalidade portuguesa e nasceu quando já se encontrava em reclusão no EP de Alcoentre, não alegando, e muito menos comprovando, que sobre ele exerça responsabilidades parentais ou contribua para o seu sustento e educação, o que sempre se afiguraria de difícil demonstração, dado que, de acordo com os elementos constantes dos autos, se mantém em situação de reclusão desde data anterior ao nascimento do filho e não lhe são conhecidos rendimentos.

Não se verificando, mesmo à face do que é alegado pelo recorrente, os requisitos enunciados na al. b) do art. 135.º da Lei n.º 23/2007, de 04-07, na sua actual redacção, não encontramos fundamento para a não execução da pena de expulsão, nem esta contraria o princípio da protecção da família ínsito no art. 36.º, n.º 6, da CRP.

Na verdade, a decisão do TC vertida no seu Ac. n.º 232/2004[10], que declarou, com força obrigatória geral, a inconstitucionalidade material do art. 101.º, n.ºs 1, als. a), b) e c), e 2, do DL 244/98, na sua versão original, «na dimensão em que permite a expulsão de cidadãos estrangeiros que tenham a seu cargo filhos menores de nacionalidade portuguesa residentes em território nacional, por violação conjugada do disposto nos arts. 33.º, n.º 1 e 36.º, n.º 6 da Lei Fundamental», exige que o indivíduo a expulsar tenha os filhos a seu cargo, que mantenha uma relação de proximidade com eles, ou contribua decisiva e efectivamente para o seu sustento e para o desenvolvimento das suas personalidades. Ou seja, será preciso que a separação entre pai e filho redunde num prejuízo material ou psicológico significativo, o que não é manifestamente o caso, porquanto os interesses do menor Mayson Paulo não exigem a permanência em território português do pai que, tanto quanto resulta dos autos, não exerce nem nunca exerceu as responsabilidades parentais nem contribui directamente para o seu sustento e educação. Por todo o exposto, improcede o recurso, sendo de manter a decisão recorrida.".

Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa de 14-04-2016, no Processo 456/13.1TXLSB-E.L1-9



EXPULSÃO DE ESTRANGEIRO - CRIME GRAVE

I - As 3 alíneas do artigo 135º da Lei nº 23/2007 não relevam, inter alia, nos casos de o estrangeiro (i) ter cometido atentado contra a ordem pública ou (ii) poder cometer - e, por maioria de razão, ter cometido - atos criminosos graves.

II - É o que aqui se verifica: o autor, ao cometer aqueles 4 crimes, por que foi condenado a 13 anos de prisão, (i) atentou contra a ordem pública e (ii) cometeu crimes que, pelas molduras penais respetivas (cfr. o artigo 210º do C. Penal, com penas de prisão de 1 a 8 anos e de 3 a 15 anos, e os artigos 21º e 25º da Lei nº 15/93, com penas de prisão entre 1 a 5 anos, 4 a 12 anos e 5 a 15 anos), são graves: o roubo e o tráfico de estupefacientes.

III - O proémio do artigo 135º não deixa margem de liberdade decisória à A.P., nem, salvo inconstitucionalidade que não descortinamos, ao tribunal.

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul de 15-12-2016, no Processo 560/13.6BEALM



Sumário: É afastado coercivamente ou expulso judicialmente do território português, o cidadão estrangeiro que entre ou permaneça ilegalmente no território português, salvo nos casos previstos no art. 135º da Lei nº 23/2007.

"... A decisão cautelar recorrida entendeu o seguinte: A requerente está, evidentemente, em situação irregular em Portugal desde 2007, sem autorização de residência, pelo que não há qualquer fumus boni iuris (cf. art. 134º/1/a) da Lei 23/2007); O despacho suspendendo está fundamentado; Como interpôs este processo dentro do prazo legal, irreleva o facto de não ter sido informada pela E.R. das possibilidades de se socorrer de meios jurisdicionais de tutela; O facto de estar grávida de homem português, com quem pretende fazer vida em comum, não foi levado por ela à instrução feita pela E.R., pelo que o despacho suspendendo não padece de falta de instrução prévia.

Portanto, é correto que a recorrente estava e está ilegalmente em Portugal, caindo na previsão do art. 134º/1/a) da Lei 23/2007: é afastado coercivamente ou expulso judicialmente do território português, o cidadão estrangeiro que entre ou permaneça ilegalmente no território português.

A recorrente não o nega, mas contra-ataca, dizendo que o TAC violou o art. 118º/3 CPTA (confundindo isso depois com o art. 615º/1/d) CPC), ao não permitir produção de prova; que se verificam os requisitos do art. 120º/1/b) CPTA; que se julgou mal ao considerar o despacho como fundamentado.

Mas, quanto a isso, não tem razão. (1) Não existem factos alegados controvertidos e relevantes, pelo que não havia necessidade de mais instrução, (2) o despacho suspendendo está fundamentado como se viu e (3) é evidente que a recorrente está ilegalmente em Portugal.

Há, pois, fumus boni iuris muito forte (art. 120º/1/a) do CPTA a contrario). No entanto, está agora provado que a autora/recorrente é, há poucos meses, mãe de um menor português, aqui nascido, filho de pai português de nascimento.

Isso quer dizer que este pode ser um caso de aplicação do limite previsto na al. b) do art. 135º/1 da cit. Lei, cuja última alteração consta da Lei 63/2015: ter a seu cargo filhos menores a residir em Portugal, sobre os quais exerça efetivamente as responsabilidades parentais e a quem assegure o sustento e a educação. Bastará que a interessada o requeira e prove ou ajude a provar, utilizando os novos meios impugnatórios graciosos previstos no novo CPA (arts. 165º ss) para a alteração das circunstâncias em que o ato administrativo foi emitido (“revogação administrativa”).

Por tudo quanto vem de ser exposto e de harmonia com os poderes conferidos no artigo 202º da Constituição, acordam os Juizes do Tribunal Central Administrativo Sul em negar provimento ao recurso, sem prejuízo de a interessada poder eventualmente se valer do art. 135º/1/b) da Lei cit.".

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul de 12-11-2015, no Processo 12330/15



RECURSO DE REVISÃO - PENA DE EXPULSÃO - NOVOS FACTOS - CASAMENTO

"...No caso, a alegada relação afectiva, se existisse, seria do conhecimento do condenado, que por isso poderia tê-la feito valer no julgamento. Em terceiro lugar, não se vê por que via uma vaga relação afectiva, da qual não se traçam os contornos, suscitaria graves dúvidas sobre a justiça de aplicar ao requerente a pena de expulsão do País, se fosse conhecida do tribunal no momento da decisão. Na verdade, não se alega nem demonstra, nomeadamente, que o requerente e CC faziam vida em comum, sendo de notar que a expulsão foi imposta com fundamento na gravidade do crime cometido e no facto de o requerente “não ter quaisquer familiares próximos em Portugal”.

4. Vejamos agora o casamento com a mencionada cidadã portuguesa residente em Portugal.

A pena de expulsão, que, nos termos do artº 34º, nº 1, do DL nº 15/93, nunca é consequência automática da prática do crime de tráfico [«o tribunal pode ordenar a (…) expulsão do País»],  no caso, como se viu, foi imposta na consideração, além do mais, de que o requerente não tinha “quaisquer familiares próximos em Portugal”, conclusão assente no facto dado como provado sob o nº 18.

É, assim, possível que, se já se tivesse verificado à data da decisão, esse casamento, não obstante não ser um facto impeditivo da expulsão, nos termos do artº 135º da Lei nº 23/2007, de 4 de Julho [«Não podem ser expulsos do País os cidadãos estrangeiros que: a) Tenham nascido em território português e aqui residam; b) Tenham efectivamente a seu cargo filhos menores de nacionalidade portuguesa a residir em Portugal; c) Tenham filhos menores, nacionais de Estado terceiro, residentes em território português, sobre os quais exerçam efectivamente o poder paternal e a quem assegurem o sustento e a educação; d) Que se encontrem em Portugal desde idade inferior a 10 anos e aqui residam»], levasse o tribunal a não aplicar a pena de expulsão.

Mas o casamento teve lugar em momento posterior à decisão que impôs essa pena, pelo que não podia aí ser considerado. Não é, pois, um facto novo que suscite graves dúvidas sobre a justiça da condenação do requerente nessa pena e possa por isso fundar o pedido de revisão à luz do artº 449º, nº 1, alínea d). Só poderia falar-se em injustiça da condenação nessa pena se o casamento já existisse no momento da decisão e o tribunal, por desconhecer a sua existência, não o levasse em conta, devendo fazê-lo. A condenação será injusta se, em face da realidade que se verificava na altura em que foi pronunciada, devesse ter sido proferida decisão de não condenação, só não o tendo sido ou por errada apreciação dessa realidade ou por desconhecimento da sua verdadeira extensão, sendo esta última hipótese a que pode integrar o fundamento da alínea d). Se a condenação é correcta à luz da real situação de então, não se pode dizer que seja injusta. Ao falar em descoberta de novos factos, a disposição da alínea d) do nº 1 do artº 449º tem necessariamente em vista factos que já existiam no momento da decisão e só não foram ali tidos em conta, por o tribunal os desconhecer. É nisso que está a injustiça pressuposta na norma. O que a lei prevê como posterior à decisão é a descoberta dos factos, e não a sua ocorrência.

Como nota Germano Marques da Silva, o recurso extraordinário de revisão «visa reparar vícios da sentença já transitada ou de despacho que tiver posto termo ao processo» (Curso de Processo Penal, III, 2000, página 383).

No mesmo sentido decidiu o Supremo Tribunal de Justiça em acórdãos de 08/10/2008, proc. 2893/08; de 22/10/2008, proc. 2042/08, ambos da 3ª secção; de 17/02/2011, proc. 66/06.0PJAMD-A.S1; e de 27/10/2011, proc. 131/07.6PJAMD-C.S1, estes da 5ª secção.

Ainda na mesma linha de pensamento se situou o parecer nº 2/2011 do Conselho Consultivo da PGR, que se pronunciou no sentido de não ser fundamento de revisão a ocorrência posterior à decisão de um facto impeditivo da expulsão, nos termos do citado artº 135º da Lei nº 23/2007, apontando uma outra via para a solução do problema:

O recurso de revisão «pressupõe, nas diversas situações elencadas, a forte possibilidade de existência de uma decisão errada e injusta.

(…) não parece que, relativamente à questão da apreciação jurisdicional de factos jurídicos supervenientes à sentença condenatória na pena acessória de expulsão que sejam impeditivos da respectiva execução, se verifique qualquer das razões justificativas da admissibilidade e da tramitação do recurso de revisão acima descritas.

Tratando-se de factos supervenientes, os mesmos (…) não se encontram abrangidos pelo caso julgado anterior.

A sentença que aplicou a pena (…) não enferma, por via disso, de erro ou de injustiça. A superveniência do facto jurídico que obsta à sua execução apenas reclama uma decisão jurisdicional nova que julgue verificado tal facto impeditivo e declare extinta, para o futuro, a pena ou o respectivo remanescente.

Tratando-se de factualidade posterior à sentença, que não põe em causa a respectiva autoridade de caso julgado, a sua apreciação jurisdicional em ordem a extrair da mesma os efeitos jurídicos correspondentes não envolve qualquer melindre que justifique que o STJ seja chamado a decidir sobre a autorização prévia dessa apreciação.

As mesmas razões levam a concluir pela inexistência de qualquer fundamento para considerar o tribunal que aplicou a sanção acessória impedido de apreciar a superveniência de um facto novo que constitua obstáculo legal à respectiva execução. Não se vislumbra, neste caso, qualquer perigo eventual de o tribunal poder, na nova decisão a tomar, estar condicionado pela sentença anteriormente proferida.

A apreciação do facto jurídico superveniente que obsta à execução da pena acessória não implica, caso se conclua pela sua verificação, a anulação ou revogação da sentença anterior, nem que o respectivo registo seja trancado. Apenas determina que a pena seja declarada extinta ex nunc, no todo ou quanto ao remanescente ainda não cumprido, procedendo-se ao registo criminal autónomo da nova decisão (artigo 5º, nº 1, alínea a), da Lei nº 57/98, de 18 de Agosto.

Não faz, quanto à nova decisão a proferir, qualquer sentido submetê-la ao regime de publicidade previsto no artigo 461º, nº 2, do CPP. Essa publicidade apenas se justifica relativamente à revisão de uma sentença condenatória anterior viciada de erro, visando limpar o nome da pessoa injustamente condenada.

A verificação do facto jurídico superveniente que obsta à execução da pena acessória de expulsão não justifica, por outro lado, a atribuição de qualquer indemnização ao respectivo beneficiário ou a restituição ao mesmo das custas e multas que houver suportado anteriormente.

Contrariamente ao que se verifica no recurso de revisão, a superveniência de um facto jurídico impeditivo da execução de uma pena acessória de expulsão não tem qualquer efeito relativamente a penas já prescritas ou integralmente cumpridas, pelo que, em tais situações, não carece de qualquer apreciação jurisdicional.

Por todas estas razões, não parece, pois, ser o recurso de revisão o meio processual apropriado para responder à situação descrita» (Diário da República, 2ª série, de 11 de Abril de 2011, páginas 16802-16803).

5. O requerente fala de um filho cujo nascimento esteve previsto para Abril de 2014, mas logo esclarece que não chegou a nascer. Nesse ponto, não se alega, assim, qualquer facto, pelo menos com a virtualidade de preencher um autónomo fundamento de revisão, razão pela qual nada mais se justifica dizer sobre esta matéria.

Decisão: Em face do exposto, acordam os juízes do Supremo Tribunal de Justiça em negar a revisão."

Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 21-05-2015, no Processo 18/11.8GALLE-B.S1



TRÁFICO DE DROGA - BUSCA DOMICILIÁRIA - EXPULSÃO DE ESTRANGEIRO

I - Um órgão de polícia criminal pode realizar, validamente, uma busca a uma residência, sem prévia autorização judicial, no caso de crime de tráfico de estupefacientes, com detenção dos arguidos em flagrante delito, verificando-se que essa residência não é domicílio dos arguidos (ou de terceiros), mas sim mero local subarrendado para o exclusivo exercício de atividades ligadas ao crime em causa (tráfico de estupefacientes).

II - Pode (e deve) ser aplicada a pena acessória de expulsão do território nacional a arguidos estrangeiros (nacionais de Estado não pertencente à União Europeia), coautores de crime de tráfico de estupefacientes, quando é assinalável o grau de ilicitude dos factos e é elevado o grau de culpa de tais arguidos, e quando alguns dos arguidos não residem em Portugal, e, outros, mantendo embora residência em Portugal, não têm neste país as suas famílias (as mulheres/companheiras, e/ou os pais, e/ou os filhos), nem possuem neste país atividade profissional certa e visível.

Acórdão do Tribunal da Relação de Évora de 20-01-2015, no Processo 374/12.0JELSB.E1



CIDADÃO ESTRANGEIRO - FILHOS MENORES - AFASTAMENTO COERCIVO - EXPULSÃO DE ESTRANGEIRO

1 – A alínea b), do artigo 135º, do «Regime jurídico de entrada, permanência, saída e afastamento de estrangeiros do território nacional», pretende conciliar os interesses de ordem pública que fundamentam a «expulsão ou afastamento coercivo de estrangeiro do território nacional» com o interesse na conservação da «unidade familiar» e na protecção do «superior interesse do filho menor» residente em Portugal;

2 – Saber se, face ao disposto no artigo 36º, nº6, da CRP, os estrangeiros com residência de facto em Portugal, e que aqui tenham filhos menores sobre os quais não exista decisão judicial relativa ao incumprimento de responsabilidades parentais, podem ser afastados por via administrativa, sem «decisão judicial», apenas com base na dita alínea b) do artigo 135º, é questão cuja resolução não é «evidente», mas é susceptível de alicerçar o litígio vertido na acção principal.

"...2- Comecemos por relembrar as normas jurídicas em causa. O artigo 134º do «Regime jurídico de entrada, permanência, saída e afastamento de estrangeiros do território nacional» [aprovado pela Lei nº23/2007, de 04.08, alterada pela Lei nº29/2012, de 09.08] estipula, sob a epígrafe «Fundamentos da decisão de afastamento coercivo ou de expulsão», o seguinte: «1- Sem prejuízo das disposições constantes de convenções internacionais de que Portugal seja Parte ou a que se vincule, é afastado coercivamente ou expulso judicialmente do território português, o cidadão estrangeiro: a) Que entre ou permaneça ilegalmente no território português; […] c) Cuja presença ou actividades no País constituam ameaça aos interesses ou à dignidade do Estado Português ou dos seus nacionais; […] f) Em relação ao qual existam sérias razões para crer que cometeu actos criminosos graves ou que tenciona cometer actos dessa natureza, designadamente no território da União Europeia; […] 2- O disposto no número anterior não prejudica a responsabilidade criminal em que o estrangeiro haja incorrido».

O artigo 135º da mesma Lei, sob a epígrafe «Limites à decisão de afastamento coercivo ou de expulsão», diz que «Com excepção dos casos de atentado à segurança nacional ou à ordem pública e das situações previstas nas c) e f) do nº1 do artigo 134º, não podem ser afastados ou expulsos do território nacional os cidadãos estrangeiros que […] b) Tenham a seu cargo filhos menores de nacionalidade portuguesa ou estrangeira, a residir em Portugal, sobre os quais exerçam efectivamente as responsabilidades parentais e a quem assegurem o sustento e a educação; […]».

O artigo 36º, da CRP, sito no Título II sobre «Direitos, liberdades e garantias», e no Capítulo I sobre «Direitos, liberdades e garantias pessoais», estipula, sob a epígrafe «Família, casamento e filiação», no seu nº6, o seguinte: «Os filhos não podem ser separados dos pais, salvo quando estes não cumpram os seus deveres fundamentais para com eles e sempre mediante decisão judicial».

Por sua vez, o artigo 619º do actual CPC, sobre o «Valor da sentença transitada em julgado», determina no seu nº1 desta forma: «Transitada em julgado a sentença ou o despacho saneador que decida do mérito da causa, a decisão sobre a relação material controvertida fica a ter força obrigatória dentro do processo e fora dele nos limites fixados pelos artigos 580º e 581º, sem prejuízo do disposto nos artigos 696º a 702º».

3- Ao recorrente, cidadão guineense, foi determinado o «afastamento coercivo» do território nacional ao abrigo do artigo 134º nº1 alínea a) do referido regime jurídico, isto é, por permanecer ilegalmente no território português, e logo após ter cumprido a pena única de 4 anos e 9 meses de prisão, resultante de cúmulo jurídico que integrou a pena parcelar de 4 anos e 6 meses pela prática de crime de «tráfico de estupefacientes», previsto e punido pelo artigo 21º, nº1, do DL nº15/93, de 22.01, e aí punível com pena de prisão de 4 a 12 anos.

A validade desta decisão administrativa coloca-se por causa desse determinado «afastamento coercivo», e interdição de entrar em território português durante um período de 5 anos, significar, na prática, o afastamento do recorrente pai do seu filho de 13 anos, nascido e residente em Portugal.

Será manifesta a invalidade do acto em causa, como entende o recorrente, de tal modo que surja «evidente a procedência» do pedido de nulidade do mesmo que vai ser deduzido no processo principal, ou poderemos concluir, pelo menos, que «não é manifesta a falta de fundamento» desta pretensão?

Da resposta positiva àquele primeiro «juízo de certeza» resultará, sem mais, a concessão da suspensão de eficácia pretendida ao abrigo da alínea a), do nº1, do artigo 120º do CPTA. E as instâncias negaram-na.

Da resposta positiva ao segundo juízo, de mera «aparência», e uma vez que a 2ª instância julgou, pacificamente, existir periculum in mora, enquanto fundado receio de constituição de uma situação de «facto consumado», poderá vir a ser concedida a suspensão de eficácia, caso a tal não se oponha a ponderação de interesses e danos exigida pelo nº2 do referido artigo 120º do CPTA, que ainda não foi realizada.

4- Apesar de a situação do ora recorrente poder caber, eventualmente, atenta a natureza do crime de «tráfico de estupefacientes» integrado no cúmulo jurídico realizado pelo Tribunal Judicial de Loures, na previsão da alínea f) do nº1 do artigo 134º do «Regime jurídico de entrada, permanência, saída e afastamento de estrangeiros do território nacional», compreende-se que a entidade administrativa demandada tenha fundamentado, apenas, a decisão de «afastamento coercivo» na alínea a) do mesmo artigo, dado que, nos termos do artigo 145º do mesmo regime, «o afastamento coercivo só pode ser determinado por autoridade administrativa com fundamento na entrada ou permanência ilegais em território nacional», ou seja, apenas podia ser por ela determinado com base na alínea a), e não na alínea f), do nº1 do referido artigo.

Na verdade, o «afastamento» com base nessa alínea f) já exigiria a intervenção judicial, seja como «pena acessória» seja como «medida autónoma» [artigos 151º e 152º a 158º da Lei nº23/2007, de 04.08, alterada pela Lei nº29/2012, de 09.08].

Isto significa que, ao ter sido baseada a decisão de «afastamento coercivo» na dita alínea a), e só nela, a execução deste afastamento coercivo estava sujeita à «limitação» imposta pela alínea b) do artigo 135º que acima transcrevemos.

Com esta limitação ao afastamento coercivo e à expulsão, pretende o legislador conciliar «a legítima autodefesa da ordem jurídica, política, económica e social do Estado» com os direitos, liberdades e garantias pessoais, pois que o Estado de direito não pode deixar de fundar-se no respeito pelos direitos fundamentais das pessoas.

É assim que na base dessa limitação está a «protecção da família», enquanto «elemento fundamental da sociedade», e o «interesse do filho menor», a cujos pais assiste o «direito e o dever de educação e manutenção» [artigos 36º, nº5, e 67º, nº1, da CRP].

A protecção da família significa desde logo, e em primeiro lugar, a «protecção da unidade familiar», sendo que a manifestação mais relevante desta ideia é «o direito à convivência», ou seja, o direito dos membros do agregado familiar a viverem juntos [J. J. Gomes Canotilho e Vital Moreira, Constituição da República Portuguesa Anotada, volume I, Coimbra Editora, 2007, página 351].

E este direito dos membros do agregado familiar a viverem juntos não é só um direito dos pais e dos filhos portugueses, mas também dos filhos, portugueses ou não, «residentes em Portugal» em relação ao progenitor estrangeiro, e vice-versa, não podendo deixar de se impor esta interpretação por via dos princípios da «equiparação» e da «igualdade» [artigos 13º e 15º da CRP].

Compreende-se, pois, que a nossa Lei Fundamental garanta aos filhos menores o direito a não serem separados dos pais, «salvo quando estes não cumpram os seus deveres fundamentais para com eles e sempre mediante decisão judicial» [artigo 36º, nº6, da CRP].

Este direito subjectivo dos filhos a não serem separados dos pais, mas também dos pais a não serem privados dos filhos, arvora-se, pois, como manifestação da protecção constitucional dada à «família», à «maternidade e à paternidade» [artigo 68º da CRP], e perfila-se, em sede do artigo 36º, nº6, da CRP, como direito fundamental pessoal, que é directamente aplicável e vincula entidades públicas e privadas, devendo a respectiva restrição legal limitar-se «ao necessária para salvaguardar outros direitos ou interesses constitucionalmente protegidos» [ver artigo 18º da CRP].

Mas, dito isto, convém sublinhar que a nossa Lei Fundamental não consagra um direito do estrangeiro entrar e fixar-se em Portugal, como também não goza do direito absoluto de permanecer em território nacional, pois pode ser extraditado e, verificadas certas condições, dele expulso. O direito do estrangeiro restringe-se, pois, ao «direito de asilo» e ao direito de «não ser arbitrariamente expulso ou extraditado» [ver artigo 33º da CRP].

É a esta luz que deverá ser interpretada e aplicada a norma limitativa que se encontra consagrada na alínea b), do nº1, do artigo 135º do «Regime jurídico de entrada, permanência, saída e afastamento de estrangeiros do território nacional», e que pretende conciliar as razões de interesse e ordem pública que servem de fundamento à expulsão ou ao afastamento coercivo de estrangeiro do território nacional com o interesse na conservação da unidade familiar e na protecção do superior interesse do filho menor residente em Portugal.

Dela ressuma que, com excepção dos casos de atentado à segurança nacional ou à ordem pública e das situações previstas nas alíneas c) e f) do nº1 do artigo 134º, não poderá ser expulso do território nacional o estrangeiro que, nomeadamente, esteja nesta situação de vida:

    a) Tenha a seu cargo filho menor residente em Portugal, seja a nacionalidade deste portuguesa ou estrangeira;

    b) Exerça efectivamente responsabilidades parentais sobre esse filho e lhe assegure o sustento e a educação.

À entidade pública, judicial ou administrativa, que se depare com uma situação concreta deste género, em sede de aplicação de pena acessória de expulsão ou de processo judicial para aplicação de medida autónoma de expulsão, ou, ainda em sede de procedimento administrativo para afastamento coercivo, cumprirá ter em atenção esta limitação, pois que contende com a garantia fundamental consagrada no artigo 36º, nº6, da CRP, e pretende, além disso, transpor para a ordem jurídica interna o artigo 5º da Directiva nº2008/115/CE do Parlamento Europeu e do Conselho, de 16.12.2008, que manda os Estados-Membros ter na devida conta, ao legislar sobre normas e procedimentos relativos ao regresso de nacionais de países terceiros em «situação irregular», o «interesse superior da criança» e a «vida familiar».

5- Voltando ao caso concreto, a questão que desde logo se coloca é a de saber se a matéria de facto sumariamente dada como provada pelas instâncias surge como bastante para integrar tal hipótese limitativa do «afastamento coercivo».

Relativamente ao exercício efectivo de responsabilidades parentais por parte do recorrente para com o filho, assegurando-lhe, nomeadamente, e efectivamente o sustento e a educação, apenas temos o que resulta do «acordo provisório de regulação dos deveres parentais», fixado, em sede de conferência de pais, pelo Tribunal de Família e Menores de Portimão. E temos por claro que as instâncias se debruçaram sobre o conteúdo deste acordo provisório, ao contrário do que parece resultar da alegação do recorrente quanto à violação do artigo 619º nº1 do actual CPC, que, por isso, não se mostra verificada.

É insofismável que o conteúdo deste acordo provisório, único de que dispomos, se mostra condicionado pela situação do recorrente, preso no «Estabelecimento Prisional de Sintra». Daí não ser de admirar que «o menor fique entregue aos cuidados da mãe e a residir com ela», e que a ela compita prover aos actos da vida corrente do mesmo. Porém, já as responsabilidades parentais respeitantes às questões de particular importância para a vida do menor serão resolvidas de comum acordo, salvo caso de manifesta urgência. Sendo que as visitas serão as possíveis, e a prestação de alimentos também.

Poder-se-á dizer que a situação de preso, inegavelmente limitativa do exercício efectivo das «responsabilidades parentais», inclusivamente ao nível do efectivo «sustento e educação» do filho menor, é imputável ao próprio recorrente, pois foi por culpa sua que ela ocorreu. Porém, esta visão simplista descura os efeitos reflexos do «afastamento coercivo» do pai na vida do filho menor, sendo, como vimos, a «protecção da família», mormente da unidade familiar e seu «direito à convivência» que poderá sair desproporcionalmente desprotegida.

Serve isto para dizer que, em sede cautelar, onde vigora a urgência da decisão, onde se procura assegurar a utilidade de eventual sentença favorável na acção principal, e onde se procede à abordagem perfunctória das questões colocadas, não será curial concluir, sem mais, pela insuficiência da factualidade apurada para efeitos de afastar, neste caso concreto, o deferimento da providência que foi requerida.

Mas não só. É que devendo, no caso, ser tida em conta a limitação derivada da alínea b), do nº1, do artigo 135º do regime jurídico em apreço, e devendo essa norma limitativa ser interpretada e aplicada à luz do que é garantido pelo artigo 36º, nº6, da CRP, e mesmo à luz do que deriva da Directiva nº2008/115/CE do Parlamento Europeu e do Conselho, de 16.12.2008, importará apurar se nestes casos de procedimento administrativo para «afastamento coercivo» de cidadão estrangeiro que entrou ou permanece irregularmente em território nacional, e em que se impõe a ponderação da limitação da alínea b) do nº1 do artigo 135º, em referência, o afastamento coercivo só poderá ser objecto de decisão judicial ou pode ser decretado pela entidade administrativa competente.

Ou, doutro modo, importará apurar se, face ao disposto no artigo 36º, nº6, da CRP, os estrangeiros com residência de facto em território português, que aqui tenham filhos menores, e sobre os quais não exista decisão judicial relativa ao incumprimento de responsabilidades parentais, podem ser administrativamente expulsos, sem decisão judicial, apenas com base na alínea b) do artigo 135º.

Ora, obviamente que a «pretensão impugnatória» a deduzir pelo ora recorrente na acção principal terá de passar pela abordagem destas questões, já que elas fazem o cerne da nulidade aí invocada, que passa pela afectação do conteúdo essencial do direito fundamental consagrado no artigo 36º, nº6, da CRP [ver artigo 133º, nº1 alínea d), do CPA].

Perante isto, não é «evidente», decididamente, a procedência da pretensão que será deduzida na acção principal, no sentido de ser manifesta a ilegalidade que é imputada ao acto administrativo ora suspendendo, ou seja, de a mesma não carecer de pertinente e assaz elaborada «demonstração jurídica» [alínea a) do nº1 do artigo 120º do CPTA].

Mas também não é manifesta, cremos, a falta de fundamento dessa pretensão, antes se trata de tese jurídica pertinente e bem elaborada [alínea b), in fine, do nº1, do artigo 120º do CPTA].

Deve, assim, ser tido como preenchido o fumus non malus juris previsto na alínea b) do artigo 120º do CPTA, nessa medida se revogando o aresto recorrido que a julgou improcedente.

O que nos impõe, uma vez que está assente haver periculum in mora na vertente do «fundado receio de constituição de uma situação de facto consumado», que façamos a ponderação exigida pelo nº2 do artigo 120º do CPTA.

6- Relativamente à ponderação de interesses e danos exigida pelo nº2 do artigo 120º do CPTA as partes em litígio pouco ou nada dizem, e as instâncias, por ter ficado prejudicada tal ponderação, nada disseram também.

O requerente cautelar limita-se a alegar que a execução imediata da medida de «afastamento coercivo» inviabiliza a tutela da sua proximidade e convivência com o filho menor.

A entidade administrativa demandada limita-se a alegar, por sua vez, que o interesse público que se patenteia é de que «a lei de entrada e permanência de estrangeiros em Portugal não saia defraudada».

Temos, pois, que o requerente cautelar apenas apela às normais consequências da execução de uma medida coercitiva severa, que, no caso, inevitavelmente o afastará do filho menor que reside, de facto, em território nacional com a mãe, e a respeito do qual vem fazendo o que pode, dada a sua situação de «preso».

Em princípio, os «interesses públicos e privados» a ponderar, nestas situações, não se devem reduzir àqueles que já enformam a hipótese normativa utilizada pela administração para decidir o procedimento em causa, ou seja, devem ser interesses, públicos e privados, que acrescem a esses, na medida em que são consequência necessária e adequada da não execução da decisão tomada, e os danos provavelmente resultantes da inexecução ou da execução dessa decisão administrativa deverão ameaçar o âmbito de tais interesses.

No caso concreto apenas poderemos contrapor, por falta de outros elementos, os danos que provavelmente resultarão do efectivo «afastamento coercivo» do recorrente do território nacional, e que a experiência da vida e o senso comum consubstancia em danos para o «agregado familiar do recorrente», privado, ora por decisão administrativa, da protegida «convivência», com o que isso significa de prejuízo para a «unidade familiar», ao dano que poderá consistir em termos a residir de facto em território português, até «decisão final» da acção principal, um estrangeiro numa situação irregular, que nada nos autos demonstra ser mais perigoso, infelizmente, do que muitos dos nossos compatriotas.

Deverá, por conseguinte, ser a ponderação de interesses e danos favorável à pretensão do requerente cautelar, uma vez que, ao que tudo indica, e dentro dos parcos elementos que a esse respeito nos fornecem estes autos cautelares, os danos provavelmente resultantes da execução imediata da medida decretada pelo SEF serão superiores aos provavelmente resultantes da sua suspensão até decisão final da acção impugnatória.

Nesta conformidade, impõe-se «revogar» o acórdão recorrido, na parte em que foi impugnado pelo recorrente, e deferir a pretensão cautelar de suspensão de eficácia do acto de 27.11.2012, mediante o qual o «Director Nacional Adjunto» do SEF decidiu o seu afastamento coercivo do território nacional e a interdição de nele entrar pelo período de 5 anos.".

Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo de 30-07-2014, no Processo 0489/14



1 - É entendimento do STJ que se deve interpretar a expressão “factos ou meios de prova novos”, constante na al. d) do n.º 1 do art. 449.º do CPP, no sentido de serem aqueles que eram ignorados pelo tribunal e pelo requerente ao tempo do julgamento e, por isso, não puderam, então, ser apresentados e produzidos, de modo a serem apreciados e valorados na decisão. 

2 -  O recurso de revisão não se destina a suprir inépcias ou desleixos processuais nem pode estar ao serviço de puras estratégias de defesa. Para além de os factos ou meios de prova deverem ser novos é, ainda, necessário que eles, por si ou em conjugação com os já apreciados no processo, sejam de molde a criar dúvidas fundadas sobre a justiça da condenação.

3 - Por acórdão proferido no Proc. X, em 29-03-2005 julgou-se adequado «ordenar a expulsão do arguido do território nacional, sendo-lhe vedada a entrada pelo período de cinco anos, ao abrigo do art. 101.º, n.º 1 e art. 105.º, do DL 244/98, de 08-08, na redacção do DL 34/2003 de 25-02». No Proc. Y, por conhecimento superveniente do concurso de crimes, por acórdão de 25-11-2010, foi realizado o cúmulo jurídico de penas em que o requerente havia sido condenado neste processo, no Proc. X e noutros processos, vindo a ser condenado na pena conjunta de 12 anos de prisão e mantida a pena acessória de expulsão do território nacional, com proibição de entrada, pelo período de 5 anos.

4 - À data da prolação do acórdão do Proc. Y, em 25-11-2010, que realizou o cúmulo jurídico de penas em que o requerente se encontrava condenado, estava em vigor a Lei 23/2007, de 04-07, que revogou o DL 244/98, de 08-08, aplicando-se os arts. 134.º, n.º 1, al. a), 151.º, n.º 1 e 135.º dessa Lei 23/2007.

5 -  No Proc. Y foi dado como provado que o requerente, cidadão cabo-verdiano, tinha um filho menor, nascido e residente em Portugal e que esse seu filho, com 6 anos de idade, foi confiado aos avós maternos no âmbito de processo de promoção e protecção, na sequência da prisão de ambos os progenitores.

6 - Nessas circunstâncias não se podem ter por verificados os limites à expulsão constantes das als. b) e c) do art. 135.º da Lei 23/2007, nem a alegação produzida pelo requerente goza de qualquer consistência no sentido de que ele prestava auxílio no sustento e educação do menor, de que tivesse aquele filho a seu cargo ou que sobre ele exercesse efectivamente o poder paternal, decidindo-se negar a revisão do acórdão de 25-11-2010 proferido no Proc. Y.

Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 12-06-2014 - Processo n.º 1236/05.3GBMTA-B.S1



"...O artigo 135.º da Lei n.º 23/2007, de 4 de Julho, define limites à expulsão do País de cidadãos estrangeiros.

Assim, não podem ser expulsos do País os cidadãos estrangeiros que: a) Tenham nascido em território português e aqui residam; b) Tenham efectivamente a seu cargo filhos menores de nacionalidade portuguesa a residir em Portugal; c) Tenham filhos menores, nacionais de Estado terceiro, residentes em território português, sobre os quais exerçam efectivamente o poder paternal e a quem assegurem o sustento e a educação; d) Que se encontrem em Portugal desde idade inferior a 10 anos e aqui residam.

Sabendo-se, tal como resulta da lei, que a pena acessória de expulsão de cidadão estrangeiro não é efeito automático da decisão condenatória de aplicação de pena de prisão superior a 1 ano, impõe-se que sejam averiguados no caso concreto, os fundamentos referidos.

No caso concreto importa referir que o arguido M tem a sua autorização ou título de residência caducado. O arguido M não tem família em Portugal, não trabalha, não estuda e não está integrado socialmente de maneira alguma, embora tivesse, pelo menos antes de ser detido e mantido em prisão preventiva nos presentes autos, um relacionamento amoroso com uma cidadã portuguesa. (…) Entende este Tribunal que existe o perigo de o arguido M, uma vez em liberdade, e perante uma nova reaproximação ao seu grupo de pares, voltar a praticar crimes da mesma natureza (basta ver o número de crimes praticado no âmbito deste processo), pelo que deverá ser decretada a expulsão a este arguido.

Na verdade, os crimes pelos quais o arguido M vai condenado são repudiados pela sociedade com grande intensidade e, por via disso, atentam com gravidade contra o sentimento de segurança da sociedade e, naturalmente, contra a ordem pública. Face ao exposto, este Tribunal decide decretar a expulsão do território nacional do arguido M, interditando-o de entrar em território nacional por um período de 5 (cinco) anos.”

A decisão não merece reparo e é tão abundante a sua fundamentação quão infundada a argumentação do recorrente. O tribunal avaliou a situação pessoal do arguido em território nacional quando em liberdade, não após a detenção. Tudo resulta com clareza do juízo acabado de transcrever, baseado nos factos provados (os relativos à culpabilidade e pessoais e sobre a personalidade do arguido). A expulsão é de manter.".

Acórdão do Tribunal da Relação de Évora de 24-09-2013, no Processo 356/09.0GELLE.E1



1. Para que o crime de tráfico de estupefacientes p. e p. pelo art. 21.º, n.º 1, do Dec. Lei n.º 15/93, de 22.01, na modalidade de venda, se consuma, não é imprescindível prova de que resulte a identificação de compradores.

2. Verificando-se os fundamentos para a aplicação da pena acessória de expulsão previstos no art. 151.º da Lei n.º 23/2007, de 04.07, cabe ao arguido a prova da circunstância de que tem efectivamente a seu cargo filhos menores de nacionalidade portuguesa a residir em Portugal, no sentido de lograr obviar a essa expulsão.

Acórdão do Tribunal da Relação de Évora de 24-04-2012, no Processo 60/10.6PBPTM.E1



1. A pena acessória de expulsão pode ser aplicada ao cidadão estrangeiro não residente no País – considerando-se “não residente” aquele que não esteja habilitado com título de residência válido, emitido pela autoridade competente, condenado por crime doloso em pena superior a 6 meses de prisão efectiva ou em pena de multa em alternativa à pena de prisão superior a 6 meses;

2. Não podem, porém, ser expulsos do País os cidadãos estrangeiros que: a) Tenham nascido em território português e aqui residam; b) Tenham efectivamente a seu cargo filhos menores de nacionalidade portuguesa a residir em Portugal; c) Tenham filhos menores, nacionais de Estado terceiro, residentes em território português, sobre os quais exerçam efectivamente o poder paternal e a quem assegurem o sustento e a educação; d) Se encontrem em Portugal desde idade inferior a 10 anos e aqui residam» - artº 135º;

3. A decisão de expulsão, que constitui uma ingerência na vida da pessoa expulsa, pressupõe sempre uma avaliação de justo equilíbrio, de razoabilidade, de proporcionalidade, de fair balance entre o interesse público, a necessidade da ingerência e a prossecução das finalidades referidas no artigo 8º nº2 da Convenção Europeia, e os direitos do indivíduo contra ingerências das autoridades públicas na sua vida e na relações familiares, que podem sofrer uma séria afectação com a expulsão, especialmente quando a intensidade da permanência no país de residência corta as raízes ou enfraquece os laços com o país de origem;

4. Estando em causa cidadão angolano, que residiu até aos 17 anos de idade com a família de origem em Luanda, altura em que emigrou para Portugal, vivendo numa primeira fase com o agregado de uns primos e depois com uma irmã, mantendo-se em Portugal sem autorização de residência, aqui trabalhando na construção civil de forma instável, tendo sido condenado por três crimes de roubo na pena única de quatro anos e seis meses de prisão, com um percurso criminoso anterior em que avultam condenações por crimes de roubo e um crime de sequestro, justifica-se a condenação em pena acessória de expulsão do território nacional;

Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa de 14-04-2011, no Processo 44/10.4PJSNT.L1-9



1 - O recorrente fundamenta o seu pedido de revisão de sentença, no que respeita à condenação na pena acessória de expulsão, com afastamento do território nacional, na al. d) do n.º 1 do art. 449.º do CPP, sendo certo que o facto novo invocado (nascimento de um filho) teve lugar depois da sentença condenatória que se quer ver revista.

2 - Assim, parece claro que a revisão será de recusar, desde logo porque a referida al. d) utiliza a expressão “Se descobrirem novos factos ou meios de prova”: a literalidade do preceito aponta para uma descoberta, e de uma realidade que embora existente era desconhecida. Não para uma realidade nova, moldada por factos entretanto acontecidos.

3 - Será ir longe demais atender, em nome da justiça, não apenas ao desconhecimento de factos que poderiam ter sido conhecidos à data da prolação da decisão, como também a uma situação sobrevinda depois da decisão, que obviamente o juiz não tinha que prever. Não fora assim, e estaria aberta a porta à invocação de um sem número de factos supervenientes, responsáveis pela criação de uma situação que se veio a revelar injusta. Tudo isso constituiria motivo de revisão, e abalaria de modo insuportável o efeito de caso julgado, ou seja, a segurança das decisões. 

4 - A justiça da condenação não poderá confundir-se com a situação em que o condenado possa ter ficado depois da condenação, em virtude de factos sobrevindos ulteriormente; a essa situação posteriormente criada só poderá atender-se, a nosso ver, em sede de execução da pena, porque não é a decisão que se mostra injusta, é a execução da decisão que, face ao novo condicionalismo, se veio a revelar injusta.

5 - A CRP tanto estabelece a garantia de que os cidadãos portugueses não poderão ser expulsos do território nacional (art. 33.º, n.º 1), como garante também aos filhos o direito a não serem separados dos pais, salvo quando estes não cumpram os seus deveres fundamentais e exigindo-se para tanto uma decisão judicial (art. 36.º, n.º 6). 

6 - O direito à convivência, ou seja, o direito dos membros do agregado familiar a viverem juntos, não é “apenas um direito dos pais ou dos filhos portugueses, mas também dos filhos portugueses em relação ao progenitor estrangeiro ou deste em relação aos filhos portugueses”, não sendo consentida outra interpretação com base nos princípios da equiparação e da igualdade.

7 - O TC declarou com força obrigatória geral, no Acórdão n.º 232/2004, a inconstitucionalidade material do art. 101.º, n.ºs 1, als. a), b) e c), e 2, do DL 244/98, na sua versão original, “na dimensão em que permite a expulsão de cidadãos estrangeiros que tenham a seu cargo filhos menores de nacionalidade portuguesa residentes em território nacional, por violação conjugada do disposto nos arts. 33.º, n.º 1 e 36.º, n.º 6 da Lei Fundamental”, com fundamento de que “o cidadão estrangeiro que tenha os filhos a seu cargo, que com eles mantenha uma relação de proximidade, que contribua decisiva e efectivamente para o seu sustento e para o desenvolvimento das suas personalidades”, tem o direito a não ser separado dos filhos, assim como os filhos têm o direito a não ser separados dos pais, salvo se estes não cumprirem os seus deveres fundamentais para com aqueles. 

8 - A citada decisão do TC exige que o indivíduo a expulsar tenha os filhos a seu cargo, mantenha uma relação de proximidade com eles, ou contribua decisiva e efectivamente para o seu sustento e para o desenvolvimento das suas personalidades, e é a essa luz que se deverá interpretar, sendo o caso, a expressão do art. 135.º, al. b), da Lei 23/2007, de 04-07, “Tenham efectivamente a seu cargo”. Por outras palavras, será preciso que a separação entre pai e filho redunde num prejuízo material ou psicológico significativo. 

9 - No presente caso falece o condicionalismo de que a lei faz depender a admissibilidade do recurso de revisão, já que a previsão do art. 449.º, n.º 1, al. d), do CPP não admite que se dê relevância a factos supervenientes à decisão a rever. Seja como for, não é de excluir que a execução da pena acessória de expulsão, na altura de se efectivar, possa vir a revelar-se injusta.

10 - De acordo com o art. 138.º, n.º 4, al. d), do CEPMPL, compete ao TEP determinar a execução da pena acessória de expulsão e, se na altura dessa decisão, se verificar a existência de um impedimento à sua execução, decorrente de facto superveniente à decisão condenatória, não determinará a expulsão, por impossibilidade legal.

11 - No caso em apreço, o TEP não poderá determinar a expulsão, se verificar que na altura em que a mesma vier a ter lugar o menor é português, e está efectivamente a cargo do arguido, ou o menor é estrangeiro, reside em Portugal e é o arguido que assegura o seu sustento e educação, exercendo sobre ele o poder paternal. Tudo, ponderando, evidentemente, o condicionalismo específico decorrente da situação de reclusão.

Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 17-02-2011 – Processo n.º 66/06.0PJAMD-A.S1



1 - De harmonia com a jurisprudência obrigatória fixada pelo Acórdão do Plenário das Secções Criminais do STJ, de 7 de Novembro de 1996 (publicado no Diário da República, I Série A, de 27 de Novembro de 1996) - que embora se reporte ao artigo 34, n. 2 do DL 430/83, de 13 de Dezembro é inteiramente válido para a correspondente disposição do artigo 34, n. 1 do DL 15/93 que lhe sucedeu - a imposição a estrangeiro da pena de expulsão não pode ter lugar como consequência automática da sua condenação por qualquer dos crimes previstos no DL 15/93, devendo serem sempre avaliadas, em concreto, as suas necessidade e justificação.

2 - Também o Tribunal Constitucional, em acórdão de 5 de Março de 1997, proferido no processo 402/96 (Acórdão 181/97) se pronunciou no sentido de julgar inconstitucional a norma contida no artigo 34 do DL 15/93, quando aplicável a cidadãos estrangeiros que tenham filhos menores de nacionalidade portuguesa com eles residentes em território nacional.

3 - Não é elemento típico do crime de tráfico de estupefacientes a intenção lucrativa, bastando a simples detenção, distribuição e trânsito.

Acórdão do STJ de 17-02-99 – Processo n.º 98P1453



Pena acessória — Expulsão de estrangeiros — Aquisição de nacionalidade — Cidadão estrangeiro — Menor — Indulto — Sentença — Recurso extraordinário de revisão — Extinção da pena.

1.ª A aquisição da nacionalidade portuguesa, por cidadão estrangeiro anteriormente condenado na pena acessória de expulsão do País, determina, uma vez judicialmente reconhecida, a extinção dessa pena na medida em que ainda não tenha sido cumprida;

2.ª Se, anteriormente à condenação já transitada em julgado, existia uma situação subsumível à previsão das alíneas b) ou c) doartigo 135.º da Lei n.º 23/2007, de 4 de Julho, que não foi tomada em consideração pelo tribunal como limite legal à aplicação da referida pena acessória, caberá interpor recurso extraordinário de revisão da sentença respectiva, uma vez preenchidos os correspondentes pressupostos de admissibilidade (descoberta de novos factos ou meios de prova que, de per si ou combinados com os que foram apreciados no processo, suscitem graves dúvidas sobre a justiça daquela condenação);

3.ª Se, na situação referida na antecedente conclusão, não se mostrar admissível o recurso extraordinário de revisão de sentença, a solução adequada, em concreto, para evitar a execução da pena de expulsão, passa pela concessão de uma medida de clemência ao abrigo do disposto nos artigos 127.º e 128.º, n.º 4, do Código Penal (indulto).

4.ª A ocorrência, posterior à sentença condenatória, de qualquer das situações previstas nas alíneas b) e c)do artigo 135.º da Lei n.º 23/2007, de 4 de Julho, uma vez judicialmente reconhecida, determina, também, a extinção da referida pena acessória, na medida em que ainda não tenha sido cumprida;

5.ª A Lei n.º 23/2007, de 4 de Julho, na medida em que eliminou pressupostos anteriormente exigidos para impedir a aplicação da pena acessória de expulsão e em que criou pressupostos diversos dos previstos para esse efeito na lei anterior, tem natureza despenalizadora, sendo retroactivamente aplicável (artigo 29.º, n.º 1, da Constituição, e 2.º, n.º 1, do Código Penal);

6.ª Nas situações referidas nas conclusões 1.ª, 4.ª e 5.ª, o meio processual adequado para que o tribunal declare a extinção da pena acessória de expulsão é o previsto nas disposições conjugadas dos artigos 470.º, n.º 1, 474.º, n.º 1, e 475.º do Código de Processo Penal.

Procuradoria-Geral da República – Parecer n.º 2/2011


Origem do texto


Direito nacional                                    

Esta disposição alarga o disposto no n.º 4 do artigo 101.º do anterior diploma (com origem na redacção introduzida pelo Decreto-Lei 4/2001, de 10 de Janeiro), relativamente à pena acessória de expulsão a todos os tipos de expulsão. Contudo estes limites à expulsão (independentemente de ser uma medida autónoma ou uma pena acessória em caso de condenação) decorrem da nossa Constituição (ver jurisprudência do Tribunal Constitucional relativamente ao artigo 33.º e 36.º da Constituição da República Portuguesa) e da jurisprudência do Tribunal Europeu dos Direitos do Homem, relativa ao artigo 8.º da Convenção Europeia dos Direitos do Homem.

 

Procedimento legislativo 


Proposta de Lei 93/X do Governo (2006)         

Artigo 135.º - Limites à expulsão

Não podem ser expulsos do País os cidadãos estrangeiros que:

a) Tenham nascido em território português e aqui residam;

b) Tenham efectivamente a seu cargo filhos menores de nacionalidade portuguesa a residir em Portugal;

c) Tenham filhos menores, nacionais de Estado terceiro, residentes em território português, sobre os quais exerçam efectivamente o poder paternal e a quem assegurem o sustento e a educação;

d) Que se encontrem em Portugal desde idade inferior a dez anos e aqui residam.

Discussão e votação indiciária: artigo 135.º da proposta de lei n.º 93/X — aprovado por unanimidade, registando-se a ausência de Os Verdes.




Proposta de Lei 50/XII do Governo (Lei n.º 29/2012)        

Artigo 135.º – Limites à decisão de afastamento coercivo ou de expulsão

Com exceção dos casos de atentado à segurança nacional ou à ordem pública e das situações previstas nas alíneas c) e f) do n.º 1 do artigo 134.º, não podem ser afastados ou expulsos do território nacional os cidadãos estrangeiros que:

a) Tenham nascido em território português e aqui residam habitualmente;

b) Tenham a seu cargo filhos menores de nacionalidade portuguesa ou estrangeira, a residir em Portugal, sobre os quais exerçam efetivamente o poder paternal e a quem assegurem o sustento e a educação;

c) Se encontrem em Portugal desde idade inferior a 10 anos e aqui residam habitualmente.

Discussão e votação na especialidade: artigo 135.º da Lei n.º 23/2007 – Proposta de eliminação do artigo, apresentada pelo BE – rejeitado, com os votos contra do PSD, do PS, do CDS-PP e do PCP e os votos a favor do BE e do PEV; Epígrafe, corpo do artigo e alíneas a) e c), da PPL – aprovados por unanimidade; Alínea b) do n.º 1, constante das propostas de alteração do PS, aprovada por unanimidade - Proposta de alteração Artigo 135.º (…) Com exceção dos casos de atentado à segurança nacional ou à ordem pública e das situações previstas nas alíneas c) e f) do n.º 1 do artigo 134.º, não podem ser afastados ou expulsos do território nacional os cidadãos estrangeiros que: a) (…); b) Tenham a seu cargo filhos menores de nacionalidade portuguesa ou estrangeira, a residir em Portugal, sobre os quais exerçam efetivamente as responsabilidades parentais e a quem assegurem o sustento e a educação; c) (…). Alínea b) do n.º 1, da PPL, prejudicado pela votação anterior; O Sr. Deputado Hugo Velosa (PSD), a propósito desta votação, propôs que todas as referências a “poder paternal” constantes desta lei sejam substituídas pela expressão “responsabilidades parentais”, de acordo com a terminologia legislativa atual, o que obteve a anuência dos presentes. Redação final da Lei n.º 29/2012:              

Com exceção dos casos de atentado à segurança nacional ou à ordem pública e das situações previstas nas alíneas c) e f) do n.º 1 do artigo 134.º, não podem ser afastados ou expulsos do território nacional os cidadãos estrangeiros que:

a) Tenham nascido em território português e aqui residam habitualmente;

b) Tenham a seu cargo filhos menores de nacionalidade portuguesa ou estrangeira, a residir em Portugal, sobre os quais exerçam efetivamente as responsabilidades parentais e a quem assegurem o sustento e a educação;

c) Se encontrem em Portugal desde idade inferior a 10 anos e aqui residam habitualmente.

Redação original da Lei n.º 23/2007:      

Artigo 135.º - Limites à expulsão

Não podem ser expulsos do País os cidadãos estrangeiros que:

a) Tenham nascido em território português e aqui residam;

b) Tenham efectivamente a seu cargo filhos menores de nacionalidade portuguesa a residir em Portugal;

c) Tenham filhos menores, nacionais de Estado terceiro, residentes em território português, sobre os quais exerçam efectivamente o poder paternal e a quem assegurem o sustento e a educação;

d) Que se encontrem em Portugal desde idade inferior a 10 anos e aqui residam.



Decreto da Assembleia 121/XIII          

Em 2017, as iniciativas do PCP (Projeto de Lei 240/XIII - Reposição de limites à expulsão de cidadãos estrangeiros do território nacional, alteração à Lei n.º 23/2007, de 4 de julho) e do Bloco de Esquerda (Projeto de Lei 264/XIII - Regularização de cidadãos estrangeiros, alterando também à Lei n.º 23/2007, de 04 de julho) mereceriam a aprovação da Assembleia da República por meio do Decreto da Assembleia 121/XIII (aprovando com alterações aquelas iniciativas, com votos contra do PSD e do CDS-PP; a favor do PS, BE, PCP, PEV e PAN). Traduziria a quarta alteração à Lei de Estrangeiros, publicada enquanto Lei n.º 59/2017, de 31 de julho, em vigor desde 7 de agosto, com implicações no regime de concessão de autorização de residência para o exercício de atividades profissionais, subordinado ou independente (artigos 88.º e 89.º), assim como nos limites à expulsão de cidadãos estrangeiros (artigo 135.º). Vigora a redação daquela Lei n.º 59/2017.