Artigo 143.º – País de destino

1 — O afastamento coercivo e a expulsão não podem ser efetuados para qualquer país onde o cidadão estrangeiro possa ser perseguido pelos motivos que, nos termos da lei, justificam a concessão do direito de asilo ou onde o cidadão estrangeiro possa sofrer tortura, tratamento desumano ou degradante na aceção do artigo 3.º da Convenção Europeia dos Direitos do Homem.

2 — Para poder beneficiar da garantia prevista no número anterior, o interessado deve invocar o receio de perseguição e apresentar a respetiva prova no prazo que lhe vier a ser concedido.

3 — Nos casos a que se refere o número anterior, o visado é encaminhado para outro país que o aceite.


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Comentários


1 — Este artigo nada estatui sobre o país para onde o estrangeiro deve ser expulso, mas sim para onde não pode ser expulso. Razões humanitárias estão na base da proibição. Não pode, por exemplo, ser expulso para países onde possa ser perseguido por motivos que justificariam, à partida, a concessão do direito de asilo, face à nossa lei.

Na nossa Constituição, o art. 33.º, n.º 8, prescreve que "É garantido o direito de asilo aos estrangeiros e aos apátridas perseguidos ou gravemente ameaçados de perseguição, em consequência da sua actividade em favor da democracia, a libertação social e nacional, da paz entre os povos, da liberdade e dos direitos da pessoa humana".

E, no plano ordinário, entre nós, a lei que disciplina a concessão do estatuto de asilado e de refugiado é a Lei n.º 15/98, de 26 de Março. De acordo com este diploma, é garantido o direito de asilo aos estrangeiros e aos apátridas perseguidos ou gravemente ameaçados de perseguição em consequência de actividade exercida no Estado da sua nacionalidade ou da sua residência habitual em favor da democracia, da libertação social e nacional, da paz entre os povos, da liberdade e dos direitos da pessoa humana (art. 1.º, n.º 1, da Lei).

São por outro lado, ainda, razões políticas, religiosas, de nacionalidade, de raça ou de integração em grupo social (art. 1.º, n.º 2, da citada Lei), as que estão por detrás desta especial protecção ao cidadão expulsando.

Convém assinalar que esta protecção está apenas ligada à expulsão e que, por outro lado, como se disse, somente abrange eventuais perseguições que pudessem permitir a concessão do asilo. Ora, se o asilo unicamente se concede ao indivíduo em si mesmo, isto é, singularmente considerado, torna-se claro que o preceito não se aplica à situação particular dos refugiados, pois do que ali se trata é de deslocações populacionais em massa, de fluxos massivos de pessoas.

Nota SEF: A Lei n.º 15/98, de 26 de Março, foi revogada pela Lei n.º 27/2008, de 30 de Junho, que estabelece as condições e procedimentos de concessão de asilo ou protecção subsidiária e os estatutos de requerente de asilo, de refugiado e de protecção subsidiária, transpondo para a ordem jurídica interna as Directivas n.ºs 2004/83/CE, do Conselho, de 29 de Abril, e 2005/85/CE, do Conselho, de 1 de Dezembro.


2 — Mas esta protecção/garantia ao cidadão expulsando relativamente ao país de destino ainda assenta noutra causa. Também não pode ser expulso, diz ainda o n.º 1, para país onde possa sofrer tortura, tratamento desumano ou degradante na acepção do art. 3.º da Convenção Europeia dos Direitos do Homem. Este preceito dispõe do seguinte modo: "Ninguém pode ser submetido a torturas, nem a penas ou tratamentos desumanos ou degradantes."


3 — O n.º 2 prescreve sobre os requisitos de que depende o desencadeamento da garantia. Tais requisitos não são, porém, somente pressupostos do pedido, pois não basta invocá-los para que se alcance a desejada protecção.

O estrangeiro terá que começar por invocar o receio de perseguição. Claro está que tem que ser um receio sério e fundamentado, alicerçado em razões plausíveis e ilustrado com factos concretos e precisos que permitam concluir pela verosimilhança e probabilidade real de perseguição, com riscos para a sua vida ou para a sua integridade física. Nem seria preciso lembrar, mas ainda assim, vale sempre a pena referir que a alegação de que será detido no país de destino pela prática de delito comum de nada serve. Esse tipo de casos está fora da alçada previsional do artigo. Mas se a acção ou a omissão verificadas forem aptas a preencherem um tipo legal de crime visando um dos objectivos referidos na anotação 1 supra (actividade exercida em prol da democracia, da libertação nacional, dos direitos humanos, etc.), então já a sua invocação será atendível caso o espere uma prisão que leve, eventualmente, à tortura ou a penas desumanas e tratamento degradante.


4 — O n.º 2 não se basta, porém, com a invocação do receio da perseguição. Sobre o impetrante recai ainda o ónus da prova respectiva. Esta disposição suscita-nos alguns comentários.

O ónus que sobre si impende não visa a prova do receio. Não basta demonstrar que está com medo (em certos casos isso ate seria fácil demais, face ao subjectivismo do temor, o que poderia constituir uma extraordinária forma de ludíbrio da expulsão). O que tem que provar é que o receio é fundado, o que o mesmo é dizer, que a situação objectiva que se observa no país de destino é de tal ordem grave que o seu receio é humanamente natural, lógico e objectivamente aceitável e verosímil.

É verdade que em certos casos só o cidadão visado tem elementos de vulto que pode apresentar às entidades portuguesas no sentido da revelação do receio invocado. Isso será particularmente relevante sempre que as causas apresentadas não possam ser do conhecimento do Estado português. Por exemplo, se o país de destino viver sob um regime ditatorial, de todo intolerante para com movimentos sociais pela democracia, que persegue, prende e tortura os activistas, a protecção deste artigo só será concretizada se o interessado tiver provas de que nesse país foi, ou está, referenciado como um combatente pela liberdade e pela democracia, que dele teve que fugir para não sofrer o degredo indigno, as miseráveis e desumanas masmorras ou a tortura infame. E os exemplos poderiam repetir-se. Situações semelhantes devem fazer recair sobre o interessado o dever de demonstrar a veracidade do que alega. O que nem sempre e fácil, diga-se de passagem.

Mas também é preciso considerar aqueles outros casos em que a situação social e política do país saltou para o conhecimento do domínio público mundial, para as páginas dos jornais. Ainda nos serve o exemplo acima fornecido. Um cidadão estrangeiro que esteve em Portugal em actividade desenvolvida em prol dos direitos humanos, mesmo sem nunca a ter exercido no país da sua nacionalidade, pode muito provavelmente ser perseguido, preso e torturado logo que a ele regresse, por se tratar, digamos, de cidadão "perigoso" e "indesejável" aos interesses do regime.

Ora, em situações destas e similares, atirar o ónus da prova sobre os ombros do indivíduo é dificultar a concretização desta garantia. Cremos que o Estado português tem o dever de não efectuar a expulsão para o país de destino inicialmente previsto, se for de crer que ele não acolherá o cidadão de acordo com os princípios e preceitos internacionais em matéria de direitos humanos e outros, e que, pelo contrário, na sua pessoa atentará contra os direitos do homem e contra a sua liberdade fundamental. Aliás, se em tese geral o ónus de prova sobre o interessado (art. 88.º, n.º 1, do CPA) não dispensa o "dever" cometido ao órgão competente de averiguar todos os factos cujo conhecimento seja conveniente para a "justa" e rápida "decisão" do procedimento, podendo recorrer a "todos os meios de prova " admissíveis em direito (arts. 88.º, n.º 1, 2.ª parte, e 87.º, n.º 1, do CPA), aqui mais nos parece que o dever da Administração se apresenta com uma carga muito mais inquisitiva e necessária, atendendo aos factores humanitários em jogo. Enfim, o que queremos dizer é que, nestes casos, a prova do cidadão pode ser aligeirada, senão mesma dispensada, pelo carácter público e, portanto, notório (v. arts. 514.º, n.º 1, do C.P.C. e 257.º, n.º 2, do C.C.) da forte probabilidade daquilo que de algo de mal e grave possa acontecer ao expulsando. Tudo dependerá de cada caso concreto e da avaliação das circunstâncias em jogo, impondo-se sempre a solução mais ponderada e sensata. Nota SEF: A matéria da instrução e da produção de prova no procedimento administrativo consta dos artigos 155.º e seguintes do atual Código do Procedimento Administrativo.


5 — O cidadão expulsando, uma vez accionada com êxito a garantia estabelecida no presente artigo, não será expulso para o país em causa, mas sê-lo-á para o país que o aceite (n.º 3).

O país de destino, através das suas entidades competentes, deve ser previamente informado pelos canais diplomáticos da execução da expulsão (art. 162.º).


6 — Por nos parecer importante, transcrevemos, neste passo, parte do teor da Posição Comum de 4-03-1996 sobre a aplicação harmonizada da definição do termo "refugiado", com particular interesse aquela que respeita à noção de perseguição:

"Noção de perseguição na acepção do artigo 1ºA da Convenção de Genebra:

A noção de perseguição utilizada no presente documento é a que consta do artigo 1ºA da Convenção de Genebra.

Este termo não é definido nessa Convenção. Nem nas conclusões do Comité Executivo do ACNUR, nem na doutrina se encontra uma definição unanimemente aceite desta noção. As linhas directrizes do presente documento não constituem uma definição.

Contudo, admite-se de um modo geral que, para que se possa falar de perseguição na acepção do artigo 1ºA, será necessário que os factos constatados ou receados:

- sejam suficientemente graves pela sua natureza ou repetição: violem gravemente os direitos humanos, tais como a vida, a liberdade ou a integridade física, ou ainda, tendo em conta todos os elementos do processo, impeçam de forma manifesta que a pessoa atingida continue a viver no seu país de origem (1), e

- assentem num dos motivos enunciados no artigo 1ºA: raça, religião, nacionalidade, pertença a determinado grupo social, opiniões políticas. Os motivos de perseguição podem sobrepor-se, o que frequentemente sucede em relação ao mesmo indivíduo. É irrelevante que esses motivos sejam reais ou simplesmente imputados à pessoa em causa pelo autor das perseguições.

As formas de perseguição podem cumular-se, e a sobreposição de acontecimentos que, por si só, não constituem perseguição poderá, consoante as circunstâncias, resultar numa perseguição efectiva ou ser considerada uma justificação séria para o receio de perseguições.

As orientações que se seguem devem ser interpretadas em função da noção de perseguição constante da presente secção.

 

5. Origem da perseguição

5.1. Perseguição pelo Estado

A perseguição parte, de um modo geral, de um órgão do Estado (Estado central ou Estados federados, poderes regionais e locais), independentemente do seu estatuto em termos de Direito Internacional, ou dos partidos ou organizações que se apoderaram do aparelho de Estado.

Para além dos casos em que assume a forma de força bruta, a perseguição pode exercer-se igualmente através de medidas administrativas e/ou judiciais que podem assumir uma aparência de legalidade distorcida para efeitos de perseguição, ou ser executadas à margem da lei.

5.1.1. Medidas legais, administrativas e policiais

a) Medidas gerais

Os poderes públicos de um país são por vezes levados a adoptar medidas gerais destinadas a manter a ordem pública, salvaguardar a segurança do Estado, preservar a saúde pública, etc. Em função das necessidades, essas medidas podem implicar restrições ao exercício de determinadas liberdades, bem como o recurso à força, sem que essas restrições ou esse recurso sejam, por si sós, suficientes para se atribuir a qualidade de refugiado às pessoas a eles sujeitas. No entanto, se se verificar que as medidas em causa são aplicadas de forma discriminatória, por um ou vários dos motivos enunciados no artigo 1ºA da Convenção de Genebra, e que podem ter consequências suficientemente graves, poderão suscitar nas vítimas dessa aplicação abusiva um receio individual de perseguição. É esse o caso quando, por exemplo, as medidas de carácter geral são utilizadas para camuflar medidas individuais contra pessoas que, pelos motivos indicados no referido artigo 1ºA, podem ser incomodadas pelas autoridades.

b) Medidas por categories

Numa sociedade poderão ser legítimas medidas destinadas a uma ou a várias categorias da população, mesmo quando imponham obrigações especiais ou restrições a certas liberdades. Em contrapartida, essas medidas podem ser de molde a justificar a existência de receio de perseguição, nomeadamente quando têm em vista um objectivo reprovado pela comunidade internacional, quando são manifestamente desproporcionadas em relação aos fins pretendidos ou quando provocam, aquando da sua aplicação, abusos graves destinados a infligir a determinado grupo um tratamento diferente e mais desfavorável do que o aplicado ao conjunto da população.

c) Medidas individuais

Poder-se-á considerar perseguição qualquer medida administrativa tomada em relação a um indivíduo, independentemente de qualquer consideração de interesse geral acima referida e por um dos motivos enunciados no artigo 1ºA, que seja considerada suficientemente grave segundo os critérios enunciados no ponto 4 da presente posição comum, em especial quando essa medida se revista de carácter intencional, sistemático e persistente.

Por conseguinte, deverão ser tidas em conta todas as circunstâncias em que se enquadra a medida individual alegada pelo requerente para se avaliar o fundamento do seu receio de perseguição.

Em todos os casos acima referidos, será conveniente determinar se existe um ou mais recursos efectivos que permitam pôr fim à situação de abuso. Geralmente, a perseguição caracteriza-se pelo facto de não existir recurso ou, caso exista, de os indivíduos em causa não terem acesso a esse recurso ou de as decisões da autoridade competente não serem imparciais (ver ponto 5.1.2) ou não produzirem efeitos.

5.1.2. Processos judiciais

Embora possam revestir uma aparência de legalidade, os processos judiciais ou as penas aplicadas pelos tribunais poderão constituir perseguição sempre que incluam um elemento discriminatório e sejam considerados factos suficientemente graves segundo os critérios enunciados no ponto 4 da presente posição comum. É o que se verifica, nomeadamente, nos seguintes casos:

a) Processo penal discriminatório

Neste caso, a disposição penal é de aplicação geral, mas só são instaurados processos penais contra determinadas pessoas, devido a características susceptíveis de conduzir à concessão do estatuto de refugiado. Por essa razão, a presença de um elemento discriminatório na aplicação da política em matéria de processo penal é essencial para o reconhecimento do estatuto de refugiado.

b) Penas discriminatórias

Uma pena, ou ameaça de pena, com base numa disposição penal de aplicação geral pode ser discriminatória se as pessoas que cometem uma infracção forem punidas, mas se a algumas delas for aplicada uma pena mais grave, com base em certas características susceptíveis de conduzir à concessão do estatuto de refugiado. Para a concessão do estatuto de refugiado, é essencial o elemento discriminatório na pena aplicada. Poderá presumir-se que existe perseguição em caso de penas desproporcionadas se houver uma ligação com um dos motivos de perseguição referidos no artigo 1ºA da Convenção de Genebra.

c) Infracção a uma disposição penal por motivo de perseguição

A infracção deliberada a uma disposição penal - quer esta seja de aplicação geral, quer se aplique apenas a determinadas categorias de pessoas - por motivo de perseguição deve depreender-se claramente de declarações ou da participação em determinadas actividades no país de origem, ou ainda ser objectivamente a consequência de características do requerente de asilo susceptíveis de justificar a concessão do estatuto de refugiado. São elementos determinantes a natureza da pena, a sua gravidade em relação ao delito cometido, o sistema jurídico e a situação geral em matéria de direitos humanos no país de origem. Deverá analisar-se se a infracção deliberada da disposição penal pode ser considerada inevitável, tendo em conta as circunstâncias individuais em que a pessoa se encontra e a situação existente no país de origem.

5.2. Perseguição por terceiros

Considerar-se-á que as perseguições praticadas por terceiros se encontram abrangidas pelo âmbito de aplicação da Convenção de Genebra quando se fundamentarem nos motivos do artigo 1ºA desta, tiverem um carácter personalizado e forem encorajadas ou autorizadas pelos poderes públicos. Se os poderes públicos permanecerem inactivos, essas perseguições deverão dar lugar a uma análise individual de cada um dos pedidos de estatuto de refugiado, segundo a jurisprudência nacional e tendo especialmente em conta o carácter voluntário ou involuntário da inacção verificada. Em todo o caso, as pessoas afectadas terão direito a formas de protecção adequadas nos termos do direito nacional.

 

6. Guerra civil ou outras situações de conflito interno, violento ou generalizado

A simples referência a uma situação de guerra civil ou de conflito interno violento ou generalizado e aos perigos que essa situação representa não é suficiente para justificar o reconhecimento da qualidade de refugiado. O receio de perseguição deve basear-se sempre num dos motivos indicados no artigo 1ºA da Convenção de Genebra e ter um carácter personalizado.

Nestas circunstâncias, a perseguição pode partir quer das autoridades legais ou de terceiros encorajados ou tolerados por estas, quer de autoridades de facto que controlem uma parte do território no interior do qual o Estado não possa garantir a protecção dos seus cidadãos.

Em princípio, a utilização da força militar não será considerada perseguição se forem respeitadas as regras internacionais do direito da guerra e as práticas internacionalmente reconhecidas, mas passa a ser considerada perseguição quando, por exemplo, após o estabelecimento de uma autoridade numa determinada zona, os ataques dessa autoridade aos opositores e às populações corresponderem aos critérios indicados no ponto 4.

Noutros casos, poderão ser postas em prática outras formas de protecção segundo as legislações nacionais.

 

7. Motivos de perseguição

7.1. Raça

A noção de raça deve ser entendida em sentido lato e incluir a pertença aos diversos grupos étnicos. A título principal, deve considerar-se que a perseguição se baseia num motivo racial quando o autor da perseguição vê a vítima das suas perseguições como membro de um grupo racial diferente do seu, devido a uma diferença real ou suposta, e é esse o motivo da sua acção.

7.2. Religião

O conceito de religião pode ser entendido em sentido lato e incluir crenças deístas, não deístas ou ateias.

A perseguição por motivos religiosos pode assumir diversas formas, desde a proibição total do exercício do culto e do ensino religioso até medidas discriminatórias graves contra pessoas que pertençam a um determinado grupo religioso. Existe perseguição quando os ataques e os danos são suficientemente graves em função dos critérios enunciados no ponto 4 da presente posição comum. Pode ser o caso quando o Estado, para além das indispensáveis medidas de ordem pública, também proíbe ou sanciona o exercício do culto em privado.

Pode considerar-se igualmente que há perseguição por motivos religiosos quando essas intervenções visam uma pessoa que não pretende praticar nenhuma religião, recusa professar uma determinada religião, ou não deseja seguir todos ou alguns dos ritos e tradições de uma religião.

7.3. Nacionalidade

Este conceito não deve ser entendido exclusivamente na acepção de cidadania, mas designa também a pertença a um grupo motivada por uma identidade cultural ou linguística definida, ou por ligações à população de outro Estado.

7.4. Opiniões políticas

O facto de ter opiniões políticas diferentes das do Governo não constitui, por si só, motivo suficiente que justifique o reconhecimento da qualidade de refugiado; assim, o requerente de asilo deve demonstrar que:

- as autoridades têm conhecimento dessas opiniões políticas, ou que lhas atribuem,

- as suas opiniões não são toleradas pelo poder constituído,

- tem um receio fundamentado de ser perseguido pelas suas opiniões, tendo em conta a situação prevalecente no seu país.

7.5. Grupo social

Um grupo social particular é normalmente composto por pessoas do mesmo meio, com os mesmos hábitos ou o mesmo estatuto social, etc.

O receio de perseguição invocado a este título pode, muitas vezes, coincidir o medo de perseguição invocado a outros títulos, por exemplo, a raça, a religião ou a nacionalidade.

Pode suceder que a pertença a determinado grupo social seja simplesmente atribuída pelos autores da perseguição à pessoa ou ao grupo perseguido.

Em alguns casos, embora não exista à partida um grupo social específico, este poderá ser definido pelas características comuns das pessoas perseguidas, pelo facto de o autor da perseguição as considerar um obstáculo à realização dos seus objectivos.

 

8. Possibilidade de fixação noutra parte do país de origem

Quando se verificar que as perseguições se limitam claramente a determinada zona do território, poderá ser necessário - para comprovar que se encontra efectivamente preenchida a condição estipulada no artigo 1ºA, segundo a qual o interessado «não pode ou, devido a esse receio justificado de perseguição, não quer pedir a protecção das autoridades do seu país» - ponderar se o interessado pode encontrar uma protecção eficaz noutra parte do seu próprio país onde haja razões para esperar que se estabeleça.

 

9. Refugiado in loco

O receio de perseguição não terá necessariamente de já existir no momento da saída do país de origem. Uma pessoa que, ao deixar o respectivo país de origem, não tinha razões para recear ser perseguida poderá posteriormente, durante a sua estadia no estrangeiro, tornar-se «refugiado in loco». A justificação do receio de perseguição poderá assentar quer numa alteração da situação no país de origem, ocorrida depois da sua partida e que tenha para essa pessoa consequências graves, quer em actividades por ela desenvolvidas.

De qualquer modo, as características do requerente de asilo relevantes para a concessão do estatuto de refugiado devem ser conhecidas ou poder vir a ser conhecidas pelas autoridades do país de origem para justificar o receio individual de perseguição.

9.1. Receio de perseguição devido a uma alteração da situação no país de origem posterior à partida do interessado

Transformações políticas no país de origem podem justificar o receio de perseguição, mas unicamente se o requerente de asilo puder demonstrar que, em consequência dessas transformações, tem um receio fundamentado de vir a ser pessoalmente vítima de perseguição ao regressar ao país de origem.

9.2. Receio de perseguição devido a actividades desenvolvidas no estrangeiro

Poder-se-á reconhecer a qualidade de refugiado quando as actividades que estão na base do receio de perseguição são a expressão e estão na continuidade de convicções já existentes no país de origem, ou decorrem objectivamente das características do interessado susceptíveis de conduzir ao reconhecimento do estatuto de refugiado. No entanto, não se pode exigir essa continuidade quando o interessado não podia ter adquirido convicções devido à sua idade no país de origem.

Em contrapartida, se a manifestação das suas convicções tiver claramente como objectivo principal criar condições para que lhe seja concedido o estatuto de refugiado, as actividades que desenvolve não podem em princípio implicar a concessão desse estatuto, sem prejuízo do direito que protege o interessado de ser reconduzido para um país em que a sua vida, integridade física e liberdade corram perigo.

 

10. Objecção de consciência, refractarismo e deserção

O receio de sanções em resultado de objecção de consciência, refractarismo ou deserção será analisado individualmente, não bastando, por si só, para justificar a concessão do estatuto de refugiado. A sanção deverá ser avaliada nomeadamente segundo os princípios referidos no ponto 5.

No caso dos refractários ou desertores deverá ser reconhecido ao interessado o estatuto de refugiado, se as condições do cumprimento das suas obrigações militares constituírem, por si só, uma perseguição.

Do mesmo modo, a qualidade de refugiado poderá ser reconhecida, tendo em conta todas as outras exigências da definição, em caso de sanção contra a objecção de consciência, o refractarismo e a deserção deliberados, por uma questão de consciência, se o cumprimento das obrigações militares implicar uma participação do interessado em acções abrangidas pelas cláusulas de exclusão do artigo 1ºF da Convenção de Genebra."


Origem do texto


Direito nacional

No diploma anterior, na sua última redacção, a matéria era regulada no artigo 104.º

A norma tem origem no Decreto-Lei 264-B/81, de 3 de Setembro, no disposto no seu artigo 44.º   Reproduz na íntegra o texto do artigo 72.º do Decreto-Lei 59/93, de 3 de Março, excepto a segunda parte do seu n.º 1, tendo o actual diploma introduzido a referência ao artigo 3.º da Convenção Europeia dos Direitos do Homem.

 

Procedimento legislativo


Proposta de Lei 93/X do Governo (2006)

Artigo 143.º - País de destino

1 - A expulsão não pode ser efectuada para qualquer país onde o cidadão estrangeiro possa ser perseguido pelos motivos que, nos termos da lei, justificam a concessão do direito de asilo ou onde o cidadão estrangeiro possa sofrer tortura, tratamento desumano ou degradante na acepção do artigo 3.º da Convenção Europeia dos Direitos do Homem.

2 - Para poder beneficiar da garantia prevista no número anterior, o interessado deve invocar o receio de perseguição e apresentar a respectiva prova no prazo que lhe vier a ser concedido.

3 - Nos casos previstos no número anterior, o expulsando é encaminhado para outro país que o aceite.

Discussão e votação indiciária: artigo 143.º da proposta de lei n.º 93/X, n.º 1 — aprovado por unanimidade, registando-se a ausência de Os Verdes; N.º 2 — aprovado, com votos a favor do PS, PSD, CDS-PP e PCP e a abstenção do BE; N.º 3 — aprovado, com votos a favor do PS e CDS-PP, os votos contra do PCP e BE e a abstenção do PSD.




Proposta de Lei 50/XII do Governo (Lei n.º 29/2012)       

Artigo 143.º – País de destino

1 - O afastamento coercivo e a expulsão não podem ser efetuados para qualquer país onde o cidadão estrangeiro possa ser perseguido pelos motivos que, nos termos da lei, justificam a concessão do direito de asilo ou onde o cidadão estrangeiro possa sofrer tortura, tratamento desumano ou degradante na aceção do artigo 3.º da Convenção Europeia dos Direitos do Homem.

2 - Para poder beneficiar da garantia prevista no número anterior, o interessado deve invocar o receio de perseguição e apresentar a respetiva prova no prazo que lhe vier a ser concedido.

3 - Nos casos a que se refere o número anterior o visado é encaminhado para outro país que o aceite.

Discussão e votação na especialidade: artigo 143.º da Lei n.º 23/2007 – N.os 1 e 3, da PPL – aprovados, com votos a favor do PSD, do PS, do CDS-PP, do PCP e do BE e contra do PEV. Redação original da Lei n.º 23/2007:     

Artigo 143.º - País de destino

1 - A expulsão não pode ser efectuada para qualquer país onde o cidadão estrangeiro possa ser perseguido pelos motivos que, nos termos da lei, justificam a concessão do direito de asilo ou onde o cidadão estrangeiro possa sofrer tortura, tratamento desumano ou degradante na acepção do artigo 3.º da Convenção Europeia dos Direitos do Homem.

2 - Para poder beneficiar da garantia prevista no número anterior, o interessado deve invocar o receio de perseguição e apresentar a respectiva prova no prazo que lhe vier a ser concedido.

3 - Nos casos previstos no número anterior, o expulsando é encaminhado para outro país que o aceite.