Artigo 142.º – Medidas de coação

1 — No âmbito de processos de expulsão, para além das medidas de coação enumeradas no Código de Processo Penal, com exceção da prisão preventiva, o juiz pode, havendo perigo de fuga, ainda determinar as seguintes:

a) Apresentação periódica no SEF às autoridades policiais;

b) Obrigação de permanência na habitação com utilização de meios de vigilância eletrónica, nos termos da lei;

2 — São competentes para aplicação de medidas de coação os juízos de pequena instância criminal ou os tribunais de comarca do local onde for encontrado o cidadão estrangeiro.

3 — Para efeitos do disposto no n.º 1, o perigo de fuga é aferido em atenção à situação pessoal, familiar, social e económica ou profissional do cidadão estrangeiro, com vista a determinar a probabilidade de se ausentar para parte incerta com o propósito de se eximir à execução da decisão de afastamento ou ao dever de abandono, relevando, nomeadamente, as situações nas quais se desconheça o seu domicílio pessoal ou profissional em território nacional, a ausência de quaisquer laços familiares no País, quando houver dúvidas sobre a sua identidade ou quando forem conhecidos atos preparatórios de fuga.


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Comentários 


1 — Medidas de coação são medidas jurídicas que, com propósitos últi­mos de prevenção, são impostas ao cidadão estrangeiro abrangido por um processo expulsório, de forma a constrangê-lo a adoptar um determinado comportamento enquanto a expulsão não é efectivamente aplicada. Visam, por conseguinte, um controlo por parte do SEF sobre o indivíduo em questão, de maneira a garantirem a exequibilidade da futura expulsão.

Importa notar que só o tribunal, através do juiz, pode aplicar qualquer uma das medidas de coação, mesmo em processos que corram perante o SEF e cuja expulsão deva ser determinada pelo respectivo director-geral. Assim o diz o n.º 1 do presente artigo, no que é confirmado pelo n.º 2, e, bem assim, pelo art. 146.°, n.º 1.


2 — As medidas abstractamente admissíveis são as do Código de Processo Penal: termo de identidade e residência (art. 196.°); caução (art. 197.°); apre­sentação de apresentação periódica (art. 198.°); suspensão de funções, de direi­tos ou de direitos (art. 199.°); proibição de permanência, de ausência e de contactos (art. 200.°); obrigação de permanência na habitação (art. 201.º).

Além dessas medidas de coacção, podem ser aplicadas as especialmente aqui previstas: apresentação periódica no SEF (al. a)); obrigação de permanência na habitação com utilização de meios de vigilância electrónica (al. b)); colo­cação do estrangeiro expulsando em centro de instalação temporária ou espaço equiparado, nos termos da lei (al. c)).

Do elenco, fica excluída a prisão preventiva, afirma-o expressamente o n.º 1. E assim, sempre que um cidadão estrangeiro em situação ilegal tiver que ser detido por motivos expulsivos (note-se que esta “detenção” não é o mesmo que “prisão preventiva”), deverá ser presente ao juiz, que validará as condições em que essa detenção foi efectuada e ordenará a aplicação de uma das medi­das de coacção referidas (ver art. 146.°, n.º 1).

Tem interesse, pelo particularismo da ocorrência, ainda assim, chamar a atenção para um aspecto curioso. O diploma anterior sobre esta matéria (DL n.º 244/98, de 8 de Agosto, alterado sucessivamente pela Lei n.º 97/99, de 26 de Julho, e pelos DL nºs 4/2001, de 10 de Janeiro, e 34/2003, de 25 de Feve­reiro), entre as medidas de coacção possíveis, não excluía a prisão preventiva, uma vez que a aplicação das expressamente estabelecidas nas als. a) e b), do n.º 1, do art. 106.°, era consentida “Para além das medidas de coacção enu­meradas no Código de Processo Penal...” sem qualquer excepção (ver proémio do n.º 1, do citado normativo). Mas se, porventura, quanto a isso alguma dúvida ainda restasse, logo ela seria desfeita a partir da leitura do n.º 2 do art. 117.º, disposição que contemplava, efectivamente, a prisão preventiva como medida possível de imposição pelo juiz.

A presente lei que agora vem a público, como se viu, retira-a do painel das medidas aplicáveis. Não mereceria esta opção do legislador nenhum comen­tário especial, não fosse o caso de a última alteração ao CPP introduzida pela Lei n.º 48/2007, de 29 de Agosto (com a epígrafe de “prisão preventiva”), ter mantido no art. 202.° a possibilidade de ser imposta a prisão preventiva à pes­soa “... que tiver penetrado oupermaneça irregularmente em território nacio­nal, ou contra a qual estiver em curso processo de extradição ou de expulsão” (n.º 1, al. c)). Ora, se a equivalente prescrição do CPP anterior (al. b) do n.º 1 do art. 202.°) se dizia estar em consonância perfeita com o comando dos cita­dos arts. 107.º e 119.º da "Lei dos Estrangeiros" revogada, o mesmo se não pode dizer já da disposição que agora é mantida no mesmo artigo, por colidir com a letra clara do preceito em anotação. E se isto, desde logo, nos haveria de sus­citar alguma reflexão sobre o propósito do legislador da lei processual penal, ela ainda mais se nos impõe, agora que verificamos que o art. 202.° deste Código não parecerá, à primeira vista, ser somente o produto de uma republica­ção de normas, na medida em que modificou a estrutura e o conteúdo do preceito, introduzindo uma nova al. b) ao n.º 1 (referente ao terrorismo, criminalidade violenta e altamente organizada) e fazendo transitar a alusão referente à entrada, permanência ilegal, extradição e expulsão, da al. b) anterior, para a actual al. c).

Pois bem. Pese embora a modificação parcial da estrutura e do conteúdo do preceito, não estamos, em nossa opinião, perante uma verdadeira vontade ino­vatória em matéria de entrada, permanência e expulsão de cidadãos estrangei­ros. Isto é, não terá decerto o legislador querido, pela via da revogação implí­cita, reinstaurar numa lei geral (como é o CPP) um instrumento coactivo que havia sido eliminado da legislação especial sobre a matéria (como é a Lei n.º 23/2007). Não podia, aliás, fazê-lo, dado o princípio do nosso direito, firmado no al. 7.°, n.º 3, do Código Civil, segundo o qual  "Lex posterior generalis non derrogat legi priori speciali". Tratar-se-á, antes, estamos cientes, de uma reprodução “ipsis verbis” da norma que vinha da al. b) do mesmo artigo na sua redacção anterior, sem que o legislador se tivesse realmente apercebido da alte­ração entretanto verificada menos de dois meses antes (a presente lei foi publi­cada em 4 de Julho, com uma “vacatio” de 30 dias, enquanto o novo CPP viu a luz do dia em 29 de Agosto com a vigência diferida para 15 de Setembro). Em suma, a prisão preventiva não pode ser imposta nos casos em estudo, nem mesmo ante a disposição do CPP citada, a qual, face ao que se acaba de dizer, não pode ser aplicada.

Isto, note-se bem, aplica-se apenas às medidas a aplicar “no âmbito de pro­cessos de expulsão” (n.º 1), mas não já às medidas de coação referentes aos cri­mes previstos nos arts. 181.º e segs., pois para esses a lei contempla a pos­sibilidade de prisão preventiva, conforme estabelecido no art. 190.°, sejam ou não cidadãos estrangeiros os seus autores.


Comentário: Ao contrário do sugerido, não há qualquer contradição entre o texto do artigo 142.º da Lei 23/2007, de 4 de Julho - a Lei de Estrangeiros, e o disposto no artigo 202.º do Código de Processo Penal, na sua última redacção. Tal conclusão assenta na confusão dos pressupostos de aplicação da prisão preventiva, enquanto medida de coacção, a cidadãos estrangeiros que entrem ou permaneçam irregularmente em território nacional.

Com efeito, a Lei de Estrangeiros é clara no que respeita aos fundamentos da expulsão, nos termos do disposto no seu artigo 134.º, de onde cumpre destacar a entrada e ou a permanência ilegais em território nacional. A expulsão visa o afastamento de cidadãos que não tenham cometido qualquer ilícito de natureza criminal, ao contrário da pena acessória de expulsão, configurada como verdadeira sanção penal, com os fundamentos constantes do artigo 151.º

O recurso ao catálogo de medidas de coacção do processo penal no âmbito do procedimento de expulsão só é justificável por razões de segurança e apenas quando haja perigo de fuga, porque não estamos perante a prática de qualquer crime. Nunca é demais lembrar que a permanência ilegal não é sancionada como ilícito penal e a entrada ilegal só assume esta forma enquanto violação de uma medida de interdição de entrada, nos termos do disposto no artigo 187.º da Lei de Estrangeiros e não assim quando assuma os contornos do n.º 1 do artigo 181.º

Não estando perante a prática de qualquer crime, seria manifestamente desproporcional a aplicação da medida de prisão preventiva no âmbito de um processo de expulsão e por qualquer dos fundamentos legais do artigo 134.º, o que justifica a excepção da sua aplicabilidade.

Quando o Código de Processo Penal, no n.º 1 do seu artigo 202.º determina: “Se considerar inadequadas ou insuficientes, no caso, as medidas referidas nos artigos anteriores, o juiz pode impor ao arguido a prisão preventiva quando:

a)  Houver fortes indícios de prática de crime doloso punível com pena de prisão de máximo superior a 5 anos;

b) Houver fortes indícios de prática de crime doloso de terrorismo, criminalidade violenta ou altamente organizada punível com pena de prisão de máximo superior a 3 anos; ou

c) Se tratar de pessoa que tiver penetrado ou permaneça irregularmente em território nacional, ou contra a qual estiver em curso processo de extradição ou de expulsão.” comina a aplicação dessa medida de coacção a cidadãos estrangeiros que tenham entrado ou permaneçam ilegalmente no país e tenham sido constituídos arguidos em processo crime pela prática de factos puníveis criminalmente e não apenas pela mera entrada ou permanência ilegais.

Determinar, como vem proposto, que a prisão preventiva poderia aplicar-se aos cidadãos que entrem ou permaneçam ilegalmente em Portugal, seria violador do princípio da proporcionalidade que norteia a ratio das medidas de coacção. Assim, só ao cidadão que entre ou permaneça ilegalmente e/ou contra o qual esteja em curso processo de expulsão, e que entretanto cometa um crime, deve poder ser aplicada a medida de prisão preventiva, na qualidade de arguido, à luz do disposto no artigo 192.º do Código de Processo Penal.

Comentário enviado para legispedia@sef.pt por J.L.


Nota SEF: O CDS-PP deu nota, na Assembleia da República, quando do debate da Interpelação n.º 24/X — sobre segurança (CDS-PP), realizado a 10 de Outubro de 2008, da eventual contradição entre o texto do artigo e o Código de Processo Penal, no seu regime relativo às medidas de coacção: Pergunta de Nuno Magalhães a Rui Pereira I Rui Pereira responde a Nuno Magalhães e Helena Pinto I Nuno Magalhães requer a junção de documentos I Intervenção de Nuno Magalhães I Rui Pereira Responde a Nuno Magalhães, Miguel Macedo, Francisco Madeira Lopes e Nuno Teixeira de Melo.


3 — Competentes para a aplicação das medidas de coação são: Os juízos de pequena instância criminalreferentes à respectiva área de jurisdição de residência ou de trabalho do estrangeiro; Os tribunais de comarca do local onde for encontrado o cidadão estrangeiro.


4 Sobre centros de instalação temporária, destinados ao recolhimento de estrangeiros e apátridas, ver: Lei n.º 34/94, de 14 de Setembro (o art. 6.º foi revogado pelo art. 218.°, n.º 1, al. a), da presente Lei) e DL n.º 85/2000, de 12 de Maio.

Ver ainda o que sobre estes centros assinalámos na anotação 3 ao art. 41.º supra.

 

Jurisprudência

 

I – Estando em causa a notificação do arguido para estar presente aos termos da audiência de discussão e julgamento, a lei impõe que, em princípio, a sua notificação se faça através de contacto pessoal ou por via postal registada.

II – Só assim não será caso o arguido tenha indicado a sua residência à autoridade policial ou judiciária que elaborar o auto de notícia ou que os ouvir no inquérito ou na instrução, caso em que são notificados mediante via postal simples, nos termos da alínea c) do n.º 1 do artigo 113.º, como decorre do n.º 3, do art.º 313.º, do Códido de Processo Penal.

III – Neste caso, impende sobre o arguido o dever de informar o Tribunal sempre e quando tiver lugar qualquer alteração da sua residência, correndo por sua conta e risco a não comunicação da alteração.

IV – Por consequência, designada data para a realização da audiência de julgamento e enviada notificação à arguida para a morada por ela indicada no TIR, a mesma considera-se válida e regularmente notificada para a audiência de julgamento, ainda que a carta tenha vindo a ser devolvida ao remetente.

V – Não se conhecendo o paradeiro da arguida, vir o tribunal deitar mão do mecanismo ínsito no art.º 340.º, do Cód. Proc. Pen, e levar a cabo diligências probatórias para apurar a situação económica e vivencial da arguida redundaria num acto inútil.

Acórdão do Tribunal da Relação de Évora de 04-12-2018, no Processo 24/14.0ZRFAR.E1



PERMANÊNCIA EM TERRITÓRIO NACIONAL - VISTO - FIM TURÍSTICO - ATIVIDADE DE ALTERNE - PRISÃO PREVENTIVA

1 - Um cidadão brasileiro que se encontre em território português ou um cidadão português que se encontre em território brasileiro, por período até 90 dias, com fins turísticos, não carece de visto, sendo suficiente o passaporte. 

2 - Não tem fins turísticos o exercício da actividade do alterne e, por isso, a sua situação não é suscetível de enquadramento na isenção de visto, carecendo de ter um título comprovativo da legalidade da sua permanência em território português. 

3 - A simples presença ilegal Portugal para tal actividade, associada aos perigos de continuação da atividade ilícita e de fuga, permite que sejam aplicadas à arguida as medidas de coação a que aludem os artigos 196º a 202º, do Código de Processo Penal, incluindo a prisão preventiva.

"...A recorrente alega também que a sua detenção foi ilegal, pois que à data ainda não tinham decorridos os noventa dias legalmente estatuídos para poder permanecer legalmente em Portugal, pois que entrou no espaço Schengen em 12/04/2018, e não em 12/03/2018, tudo conforme decorre do artigo 7º, nº 1, do Tratado de Amizade, Cooperação e Consulta entre Portugal e o Brasil, e não se mostra indiciado que a viagem por si realizada teria uma finalidade inversa ao que consta daquele normativo.

Já antes vimos a discórdia do Ministério Público que anotou, na sobredita resposta, que a arguida foi detida quando se encontrava num estabelecimento publicamente conhecido como casa de alterne, onde desempenhava essa atividade, não tendo a mesma provado que exercia uma outra qualquer atividade que não aquela.

Cremos que a detenção não foi ilegal.

Na verdade, e independentemente do alegado lapso no tocante à data, o que significa que a recorrente ainda não tinha completado os noventa dias de permanência em Portugal quando foi detida, o certo é que a isenção de visto prevista no supra citado preceito do referenciado tratado destina-se a quem pretender entrar em Portugal para fins culturais, jornalísticos ou turísticos, o que, dos coligidos indícios, não era o caso, pois que a mesma foi detida numa casa de alterne, onde, indiciariamente, desenvolvia uma tal atividade, o que significa que, em bom rigor, caso tivesse declarado isso mesmo às autoridades aquando da sua entrada em Portugal, esta deveria ser-lhe desde logo vedada, o mesmo sucedendo em relação a todo o espaço europeu.

Detenção perfeitamente legítima, pois que com total respeito pelo consignado no nº 1 do artigo 146º da Lei nº 23/07, de 04/07[2], no qual se estipula que “O cidadão estrangeiro que entre ou permaneça ilegalmente em território nacional é detido por autoridade policial e, sempre que possível, entregue ao SEF, acompanhado do respetivo auto, devendo o mesmo ser presente, no prazo máximo de 48 horas a contar da detenção, ao juiz do juízo de pequena instância criminal, na respetiva área de jurisdição, ou do tribunal de comarca, nas restantes áreas do País, para validação e eventual aplicação de medidas de coação”.

Logo, nenhuma ilegalidade nesse particular.

Avançando. Resta a questão da alegada falta de indícios que justifiquem a aplicação de qualquer medida de coação.

Nesta matéria, e antes de mais, cremos imperioso dar conta dos aspetos que iremos comungar em termos legais e interpretativos.

Na verdade, e embora se constate a existência de uma clara sintonia nos autos quanto ao instituto aqui em apreço, subjacentes princípios e associados conceitos, o que poderia dispensar-nos uma tal tarefa, começaremos por relembrar as exigências e os requisitos a que aludem os artigos 198º a 204º, todos do Código de Processo Penal, e os subjacentes princípios, a saber, legalidade, necessidade, adequação, proporcionalidade e subsidariedade (cfr. artigos 191º e 193º, ambos do Código de Processo Penal e 18º, nº 2 e 28º, estes da Constituição da República Portuguesa).

De tudo isso cientes, e recuperando a correspondente argumentação da recorrente, constata-se que, na sua tese, o simples facto de estar num estabelecimento conotado com a prática de alterne e de prostituição, não significa que seja líquido deduzir-se que estivesse no exercício de alterne, ao menos sem preterir o princípio “in dubio pro reo”, contexto em que, pela falta de indícios, não pode concluir-se que se verifica a existência da prática, pela sua parte, de qualquer crime, pelo que nenhum dos fundamentos expostos pelo tribunal recorrido pode justificar a conclusão da sua permanência ilegal em território nacional, a consequente detenção (aspeto este já acima tratado) e imposição de medida de coação.

Relembre-se a posição adversa anotada na supra mencionada resposta. Também aqui não assiste razão à recorrente, adiante-se.

Na verdade, e como já antes se anotou, está suficientemente indiciado que a mesma, tal como outras mulheres, foi surpreendida num estabelecimento em que se praticava alterne, além de prostituição, precisamente em pleno desempenho daquela atividade de alterne, pelo que nem se compreende a alegação de que teria sido violado o princípio “in dubio pro reo”.

Assim sendo, a sua presença neste território português é ilegal pelas razões acima enunciadas, pois que a sua entrada e permanência não albergava a isenção de visto, sendo que a mesma nenhum visto tinha para aqui entrar e permanecer.

Por outro lado, e tal como se menciona no despacho recorrido, a arguida, para além da indiciada prática de alterne, não reconhecida legalmente, não exerce uma qualquer atividade lícita em Portugal e, do que se apreende, não tem aqui uma qualquer ligação de natureza familiar ou outra, pelo que é mais que justificado concluir pelo evidenciado e concreto receio de que mesma aqui permaneça ilegalmente e, simultaneamente, pela existência do risco de a mesma, pressionada pelas consequências decorrentes da sua permanência ilegal em Portugal, e aproveitando a sua presença no espaço Schengen, poder ausentar-se para um outro país desse mesmo espaço, pois que, como se viu, não tem cá quaisquer “raízes” que a impeçam de tal.

Assim sendo, a simples presença ilegal em Portugal, associada aos supra evidenciados perigos de continuação da atividade ilícita, ou seja, a de continuar a permanecer ilegalmente em Portugal, e a do referenciado perigo de fuga, permite que sejam aplicadas à arguida as medidas de coação a que aludem os artigos 196º a 202º, do Código de Processo Penal, conforme decorre, linearmente do nº 1, al. f) deste último normativo citado, incluindo a prisão preventiva, portanto.

A par, é necessário ter igualmente presente que o artigo 134º da Lei nº 23/07, de 04/07, que prevê quanto aos fundamentos da decisão de afastamento coercivo ou de expulsão, estipula no seu nº 1, que “Sem prejuízo das disposições constantes de convenções internacionais de que Portugal seja Parte ou a que se vincule, é afastado coercivamente ou expulso judicialmente do território português, o cidadão estrangeiro: a) Que entre ou permaneça ilegalmente no território português”. E aqui impõe-se abrir um parêntesis. Com efeito, a situação aqui em mostra-se processualmente albergada por legislação especial plasmada na supra referida Lei nº 23/07, de 04/07.

Ora, estatui o artigo 142º deste diploma, no seu nº 1, que “No âmbito de processos de expulsão, para além das medidas de coação enumeradas no Código de Processo Penal, com exceção da prisão preventiva, o juiz pode, havendo perigo de fuga, ainda determinar as seguintes: a) Apresentação periódica no SEF; b) Obrigação de permanência na habitação com utilização de meios de vigilância eletrónica, nos termos da lei; c) Colocação do expulsando em centro de instalação temporária ou em espaço equiparado, nos termos da lei”.

Em face desta previsão legal, de cariz especial, cremos evidente que aqui se exceciona a não aplicação da prisão preventiva no âmbito de processos de expulsão, assim contrariando a supra mencionada previsão contida no artigo 202º, nº 1, al. f), do Código de Processo Penal, resultando dos princípios que lei especial prevalece sobre lei geral.

Por outro lado, naquele preceito fala-se apenas em processos de expulsão, omitindo-se, ao menos por via expressa, os processos de afastamento coercivo, tal como o despacho recorrido o apelida.

Assim sendo, será legítimo questionar se aquele artigo 142º, atinente a medidas de coação, será aqui aplicável, tal como sucedeu, uma vez que o legislador se reporta apenas a processo de expulsão.

Cremos que o legislador terá querido abranger também ali os processos de afastamento coercivo, uma vez que no já citado artigo 146º daquele sobredita lei especial, sob a epígrafe de trâmites da decisão de afastamento coercivo, estatui no seu nº 2 que “Se for determinada a colocação em centro de instalação temporária ou espaço equiparado, é dado conhecimento do facto ao SEF para que promova o competente processo visando o afastamento do cidadão estrangeiro do território nacional”, ou seja, previu a possível aplicação de uma das medidas de coação a que alude o mencionado artigo 142º do mesmo diploma, pelo que será sustentável afirmar que a alusão a processos de expulsão vertida no nº 1 do referido artigo 142º daquela mesma lei foi aqui utilizada num descuidado plural, mas com a real intenção de albergar ambas as descritas situações, única forma de manter a coerência adentro do próprio diploma (cfr. artigo 9º do Código Civil).

Seja como fôr, mesmo que tal não se considere, nada obstará a que possa aplicar-se a medida de obrigação de apresentação no SEF, pois que a mesma tem assento legal na previsão do artigo 198º do Código de Processo Penal.

Fechado o parêntesis, resta concluir que, verificados que se mostram os claros indícios da entrada e permanência ilegal da recorrente em território nacional e, a par, os dois supra apontados receios a que aludem as alíneas a) e c) do artigo 204º do Código de Processo Penal, não existe a propugnada detenção ilegal e é perfeitamente justificada, por uma das duas supra assinaladas vias, a decretada apresentação semanal daquela no SEF, para além do TIR já prestado, pelo que resta confirmar o assim decidido. Flui do exposto o não provimento do recurso, ...".

Acórdão do Tribunal da Relação do Porto de 07-11-2018, no Processo 9/18.8ZRPRT-A.P1



(...) 8. Tendo o peticionante sido colocado por decisão judicial no centro de instalação temporária do aeroporto, pelo prazo máximo de 30 dias, após ter saído da prisão em liberdade condicional, tendo, dentro desse prazo, sido autorizada a manutenção dessa colocação pelo prazo máximo de 90 dias e mantendo-se a detenção dentro deste prazo máximo, não se verifica fundamento para deferimento da petição de habeas corpus.

Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 23-05-2018 no Processo 965/18.6T8FAR.S1



1 - Não existe contradição entre a al. f, do art. 202, n.º 1, do Código de Processo Penal (al. c, na redacção anterior à Lei n.º 28/10, de 30Ago.), que prevê como pressuposto da aplicação da medida de coacção de prisão preventiva, estar em causa pessoa que tiver penetrado ou permaneça irregularmente em território nacional, ou contra a qual estiver em curso processo de extradição ou de expulsão e o art.142, da Lei n.º 23/07, de 4 Julho, que afasta a possibilidade de decretar prisão preventiva no âmbito de processo de expulsão;

2 - A expulsão, decretada com base na Lei n.º 23/07, não depende do cometimento pelo estrangeiro de qualquer crime, bastando que tenha entrado ou permaneça irregularmente em território nacional ou que, apesar de ter entrado regularmente, sobrevenham razões ou fundamentos que justifiquem a sua expulsão nos termos do art.134, daquela Lei;

3 - Caso o estrangeiro tenha cometido um crime em Portugal, no respectivo processo penal, o juiz pode aplicar qualquer das medidas coactivas previstas no Código de Processo Penal, sem quaisquer restrições para além das aí previstas no que concerne aos requisitos de cada uma delas;

4 - Em relação à medida de coacção de prisão preventiva, verificando-se a previsão da al.f, do art. 202, n.º 1, do CPP (pessoa que tiver penetrado ou permaneça irregularmente em território nacional, ou contra a qual estiver em curso processo de extradição ou de expulsão), a sua aplicação não está dependente do limite máximo da pena aplicável ao crime imputado ao arguido, contrariamente às demais alíneas que exigem uma pena de prisão superior a três ou mesmo a cinco anos;

5 - Esta solução não ofende qualquer princípio constitucional, nomeadamente o princípio da igualdade, pois o estrangeiro que entrou e permanece irregularmente em Portugal ou aquele que, apesar de ter entrado regularmente, está em vias de ser expulso e que em Portugal cometeu um crime, não está nem pode estar em situação de igualdade relativamente aos cidadãos nacionais, que não podem ser expulsos;

"...Uma leitura menos aprofundada dos dois textos legais poderia levar à conclusão de que, então, face à redacção do arte 1460 da Lei 48/2007, nunca seria fundamento legal para a aplicação da medida de prisão preventiva (para além de outros pressupostos, como o sejam, a verificação em concreto de perigo de fuga) a circunstância de se tratar de pessoa que tivesse penetrado ou permanecesse irregularmente em território nacional.

No entanto, o texto do n.º 1 do artigo 142.º da Lei 48/2007 é claro quando refere especificamente que aquelas medidas de coacção (do elenco das quais se afasta expressamente a prisão preventiva) são para aplicar no âmbito de processos de expulsão. E processos de expulsão são os que vêm indicados nos artigos subsequentes seja o processo de expulsão determinada por autoridade administrativa (arts 145.º e ss.) ou seja o processo de expulsão judicial (artes 1520 e ss.).

E, compreende-se que o legislador, até no sentido de harmonizar a lei nacional com as leis comunitárias, tenha optado por excluir a medida de coacção de prisão preventiva do âmbito dos processos de expulsão, pois esta medida foi pensada para ser aplicada em processo penal e subjacente à mesma está a prática de um crime (pois só assim existe um processo penal). Ora, o processo de expulsão não tem na sua base a prática de qualquer delito criminal mas tão somente a situação de um estrangeiro - que não praticou um crime - que entrou em território nacional irregularmente ou que nele permaneça ilegalmente. Ou seja, a possibilidade de aplicação da medida coactiva de prisão preventiva seria manifestamente desproporcional no âmbito de um processo de expulsão em que apenas está em causa a violação de uma medida de interdição ou permanência em território português e não a prática de um crime, pelo que, a exclusão da possibilidade de aplicação da prisão preventiva a estrangeiros irregulares teve por finalidade afastar a sujeição de quem não praticou qualquer crime de uma situação processual que surge na sequência do cometimento de um ilícito criminal.

Em contrapartida, consagra-se, como medida de coacção a aplicar, no âmbito do processo de expulsão, e para o caso de se verificar perigo de fuga, a colocação do expulsando em centro de instalação temporária ou em espaço equiparado (alínea c) do n.º do art. 142.º), sendo certo que, e mais uma vez no sentido de proteger os direitos de quem não cometeu qualquer ilícito criminal, tal "detenção" não pode, em caso algum, exceder os sessenta dias (arto 1460, n.º 3).

Assim, em nosso entender, a um cidadão estrangeiro que tenha entrado irregularmente em Portugal ou aqui se mantenha nessa condição e que tenha cometido um crime pode ser aplicada a medida de coacção de prisão preventiva desde que:

- Se verifique, no momento da aplicação da medida, qualquer uma das situações previstas no arte 2040 do C. P. Penal:

• Fuga ou perigo de fuga;

• Perigo de perturbação do decurso do inquérito ou da instrução do processo e, nomeadamente, perigo para a aquisição, conservação ou veracidade da prova; ou

• Perigo, em razão da natureza das circunstâncias do crime ou da personalidade do arguido, de que este continue a actividade criminosa ou perturbe gravemente a ordem ou a tranquilidade públicas.

- Esta medida se afigure como necessária e adequada às exigências cautelares que o caso requer e proporcionais à gravidade do crime e às sanções que previsivelmente venham a ser aplicadas (princípios da adequação, da necessidade e da proporcionalidade - art0 1930 do C. P. Penal). E desta forma se afasta a eventualidade de ser aplicada uma medida tão gravosa em situações em que se mostram em causa crimes de menor ilicitude.

No sentido defendido neste despacho v.d. artigo da autoria da Legispedia SEF em comentário ao art0 1420 da Lei 23/2007 consultado na internet em sites.google.com/site/leximigratoria/Home/ ... i.../artigo-142.º.

Em idêntico sentido se pronunciou o Senhor Ministro da Administração Interna, Dr. Rui Pereira, no Debate de Interpelação no 24/X Sobre a Segurança, realizado a 10 de Outubro de 2008 na Assembleia da República, quando interpelado pelo Dr. Nuno Magalhães quanto à existência de uma eventual contradição entre o texto do artigo 142.º e o do art0 202.º, n.º 1 c) Código de Processo Penal, defendendo que "a imigração ilegal não é crime, os imigrantes irregulares são internados para efeitos de expulsão mas não são propriamente criminosos, são objecto de medidas cautelares diferentes" (em endereço da internet supra citado).

De resto só assim se pode compreender que apesar da sucessão de leis (C.P.Penal) que se verificou já depois da entrada em vigor da lei 23/2007, se tenha mantido na íntegra o conteúdo e redacção da disposição legal em causa, apenas se alterando a referida sistematização. Referimo-nos especificamente à Lei 48/2007 de 29/08 (que passou a consagrar a possibilidade de aplicação da prisão preventiva a estrangeiros irregulares na alínea c) e não na alínea b) e à Lei 26/2010 de 30/08 (que passou a consagrar a possibilidade de aplicação da prisão preventiva a estrangeiros irregulares na alínea f) e não na alínea c), chamando-se a atenção para a circunstância de que, em ambos os diplomas legais, o art0 2020 sofreu alterações materiais substanciais em partes do respectivo conteúdo. Ou seja, não foi intenção segura do legislador revogar a norma que permitia a aplicação da prisão preventiva nessas situações.

Com a publicação da Lei 23/2007 não houve, pois, uma revogação da norma contida na então alínea b) do n0 1 do arto 202.º (C. P. Penal, redacção anterior à entrada em vigor da Lei 48/2007) o que, nos termos do arto 70, n.º 3 do C. Civil, apenas poderia resultar de uma declaração expressa, da incompatibilidade entre as novas disposições e as regras precedentes ou da circunstância de a nova lei regular toda a matéria da lei anterior, o que não se verifica no caso concreto.

Reproduzindo o que Paulo Pinto de Albuquerque consigna em anotação ao arte 2020, em Comentário ao Código de Processo Penal, defende o M.º Público (e no seu seguimento o arguido) que deverá ser feita uma interpretação ab rogante do arto 2020 no l c) do C. P. Penal (a interpretação ab-rogante é a que conduz à conclusão segundo a qual a norma não tem conteúdo válido designadamente por exprimirem valorações contraditórlas, v.d. Castro Mendes, Introdução ao Estudo do Direito, 1977, pg. 369, ou Oliveira Ascensão, 0 Direito - introdução e Teoria Geral, § 261).

Porém, convirá realçar que o autor se refere expressamente à impossibilidade de aplicação da medida de prisão preventiva no processo de expulsão (o que não pomos obviamente em causa), sendo certo que a disposição legal em causa menciona outras situações que não apenas essa, como o seja a circunstância de existir um processo de extradição. Assim o indica a utilização da conjunção disjuntiva "ou".

Não se verifica também qualquer violação do princípio da igualdade relativamente a Nacionais (artos 13 e 15 da Constituição da República Portuguesa), pois trata-se não só de um cidadão estrangeiro que cometeu um crime, mas que além disso está em Portugal em situação irregular, o que acentua o perigo de fuga. Não podendo haver nacionais em situação idêntica, nunca se poderá falar de violação do principio da igualdade ou de uma desprotecção dos estrangeiros em Portugal. ... Enquanto a norma do art. 142.º da Lei 23/2007 se aplica apenas “no âmbito de processos de expulsão”, cujo campo de aplicação ela própria delimita, o art. 202.º, do CPP tem plena aplicação no âmbito do processo penal.

Ou seja:

A expulsão do território nacional pode ter vários fundamentos, os quais estão enunciados no art. 134.º,  n.º 1, da Lei 23/2007.

Um dos fundamentos ocorre quando o estrangeiro “entre ou permaneça ilegalmente no território português”.

Neste caso, a expulsão depende de processo administrativo prévio, a decidir pelo director-geral do SEF (arts. 145.º e segs.).

Nos demais casos, a expulsão depende de processo judicial (art. 151.º e segs.), sendo da competência dos juízos de pequena instância criminal onde existam, ou do tribunal da comarca nas restantes áreas do País.

Tal expulsão ocorre, independentemente da prática, pelo estrangeiro, de qualquer infracção criminal. Aquela expulsão não prejudica a eventual responsabilidade criminal em que o estrangeiro haja incorrido.

No âmbito desse processo de expulsão - seja ele administrativo ou judicial - podem ser aplicadas quaisquer medidas de coacção de entre as previstas no CPP, excepto a prisão preventiva, tendo esta excepção a ver com o facto de o estrangeiro não ser arguido em processo penal, visto não lhe ser imputado qualquer crime - a única infracção é estar irregularmente no nosso país - , pelo que entendeu o legislador que aquele não deveria ficar detido em prisão preventiva, misturado com os demais presos de delito comum, indiciados, acusados ou condenados pela prática de crimes, podendo o estrangeiro, todavia, ficar detido, em centro de detenção temporária, enquanto decorrer o processo de expulsão, por um período máximo de 60 dias.

Diversamente, no âmbito de um processo penal, ou seja, quando o estrangeiro está indiciado ou acusado pela prática de um crime, o regime aplicável é apenas o que decorre do Código de Processo Penal, tendo aplicação plena as medidas de coacção neste previstas e desde que verificados os pressupostos ali definidos. O disposto no art. 142.º da Lei 23/2007 não tem aplicação em processo penal.

Neste, vigora em pleno o disposto no art. 202.º, do CPP, cuja alínea c) do n.º 1 – na redacção vigente à data dos factos, pois, agora será a alínea f) – prevê que o juiz titular do processo penal pode impor ao arguido a prisão preventiva, quando … “se tratar de pessoa que tiver penetrado ou permaneça irregularmente em território nacional, ou contra a qual estiver em curso processo de extradição ou de expulsão”, desde que considere “inadequadas ou insuficientes, no caso, as medidas referidas nos artigos anteriores”.

Resumindo:

No âmbito do processo de expulsão, vigora o art. 142.º, da Lei  n.º 23/2007 de 4/7, não sendo possível decretar a prisão preventiva;

No âmbito do processo penal - no qual até pode vir a ser decretada a expulsão a título de pena acessória (art. 151.º, daquela mesma lei) - não tem aplicação aquela norma, vigorando apenas e na sua plenitude, as normas do processo penal, incluindo o seu art. 202.º, na sua globalidade.

E então, como explicar a referência na alínea c) - actual alínea f) – ao processo de expulsão, se neste deixou de ser possível a prisão preventiva?

Pode, à primeira vista, parecer haver incompatibilidade entre os dois regimes, o que terá induzido em erro o MP e o levou a interpor o presente recurso, bem como alguns comentadores.

Todavia, mais uma vez afirmamos, há inteira compatibilidade entre as duas normas, nenhuma delas está morta de molde a justificar a pretendida interpretação ab-rogante proposta pelo MP. Esta verificar-se-á quando o intérprete tem de concluir que há uma contradição insanável, donde não resulta nenhuma regra útil da norma a interpretar. A fonte da norma terá, por isso, de ser considerada inexistente. Não há, em tais casos, correcção da lei, nem cessação da vigência duma regra. O que acontece é que, por ter escapado ao legislador uma incongruência na regulamentação ou uma incompatibilidade entre dois ou mais textos, há desde o início uma falta de sentido, contentando-se o intérprete em reconhecer que o texto proclamado como lei não contém, afinal, apesar das aparências, nenhuma regra de direito[1]. Não é seguramente o que acontece no presente caso, relativamente às duas normas pretensamente em antagonismo. O legislador não estava distraído quando manteve a redacção da norma aqui em questão e ao aprovar a do art. 142.º da Lei 23/07.

A explicação está no facto de a expulsão não depender, em princípio, do cometimento pelo estrangeiro de qualquer crime, bastando que o estrangeiro tenha entrado ou permaneça irregularmente em território nacional ou que, apesar de ter entrado regularmente, sobrevenham razões ou fundamentos que justifiquem a sua expulsão nos termos do já citado art. 134.º, n.º 1, da Lei 23/07. Tais circunstâncias determinarão a abertura do respectivo processo – administrativo ou judicial, consoante o fundamento –, com vista a tal expulsão.

Nesse processo de expulsão não pode ser decretada a prisão preventiva, por força do aludido art. 142.º da mencionada lei.

Mas, paralelamente ao processo de expulsão, porque o mesmo estrangeiro cometeu um crime em Portugal, corre também, contra ele, um processo penal, onde está indiciado, ou até acusado, desse crime. Estamos, então, perante dois processos independentes e autónomos: um processo de expulsão e um processo criminal.

No processo penal, o respectivo juiz pode aplicar qualquer das medidas coactivas previstas no Código de Processo Penal, sem quaisquer restrições para além das aí previstas no que concerne aos requisitos de cada uma dessas medidas.

Pode, por isso, o juiz do processo criminal aplicar, nesse mesmo processo, a prisão preventiva ao arguido - pessoa estrangeira contra a qual corre, no mesmo ou noutro tribunal, processo de expulsão -, desde que preenchidos os respectivos pressupostos, definidos no Código de Processo Penal.

Note-se, porém, que, no presente caso, a prisão preventiva não teve como pressuposto o facto de contra o arguido A... correr processo de expulsão, mas sim com base no facto de o mesmo ter entrado e permanecer irregularmente em território nacional, circunstância prevista na primeira parte da citada al. c) do n.º 1 do art. 202.º, do CPP e independente daquela outra prevista na parte final da mesma norma. É que, como é o caso presente, pode o estrangeiro ter entrado e permanecer irregularmente em território nacional e, no entanto, não estar pendente contra ele qualquer processo de expulsão, ou pode ter entrado e estar regularmente em Portugal e, no entanto, haver lugar a processo de expulsão, como já vimos supra. Daí a norma da alínea c) do art. 202.º, n.º 1 do CPP distinguir as duas realidades, equiparando-as para efeitos de aplicação da prisão preventiva.

Note-se, por outro lado, que as várias alíneas daquele n.º 1 funcionam de modo autónomo, podendo a prisão preventiva ser decretada com base em uma só dessas alíneas, sem preencher os requisitos das outras.

Queremos com isto dizer que a prisão preventiva decretada com base na alínea c) – actual alínea f) – não está dependente do limite máximo da pena aplicável ao crime imputado ao arguido, contrariamente às demais alíneas que exigem uma pena de prisão superior a três ou mesmo a cinco anos.

No que concerne a estrangeiro que tenha entrado ou permaneça irregularmente em território nacional, ou contra o qual corra processo de extradição ou de expulsão, não exige a lei que o crime que lhe é imputado seja punível com determinada pena, pode aquela medida de coacção ser decretada para qualquer crime punível com pena de prisão, dependendo apenas do juízo de necessidade, adequação e proporcionalidade a fazer no caso concreto, bem como do juízo de inadequação e insuficiência das demais medidas de coacção, nos termos dos arts. 193.º e 202.º, n.º 1, do CPP, para além, obviamente, de estar indiciado algum dos perigos previstos no art. 204.º, do mesmo Código.

Tal norma e a respectiva interpretação que dela fazemos, contrariamente ao que possa parecer, não ofende qualquer princípio constitucional, nomeadamente o princípio da igualdade, pois não pode tratar-se de igual forma aquilo que é diferente.

O estrangeiro que entrou e permanece irregularmente em Portugal ou aquele que, apesar de ter entrado regularmente, está em vias de ser expulso e que em Portugal cometeu um crime, não está nem pode estar em situação de igualdade relativamente aos cidadãos nacionais, que não podem ser expulsos.

Daí que, o recurso é improcedente.".

Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa de 20-03-2012 - Processo n.º 7876/10.1JFLSB-A.L2-5



Sumário: Justifica-se a aplicação da medida de colocação em centro de instalação temporária a cidadão estrangeiro que está indocumentado em Portugal desde 1997 e que ao ser notificado para abandonar voluntariamente o país não o fez e, ao invés, arranjou documentos de um cidadão nacional fazendo-se passar por ele desde então, por existir um elevado risco que o expulsando, uma vez em liberdade, tudo faça para evitar o cumprimento da ordem de expulsão a que se vem furtando.

Acórdão do Tribunal da Relação de Évora de 24-03-2011, no Processo 1/11.3VEVRS-B.E1



I - Do exame e análise dos textos legais do DL 244/98, de 08-08, e da Lei 34/94 resulta que ambos prevêem a possibilidade de detenção de cidadão estrangeiro, visando garantir ou assegurar a sua expulsão ou afastamento do território nacional, um mediante a aplicação da medida de coacção de prisão preventiva (art. 117.º, n.ºs 1 e 2, do DL 244/98), o outro através da aplicação da medida de colocação em centro de instalação temporária (art. 3.º, n.º 1, al. a), da Lei 34/94).

II - Por outro lado, quer num quer no outro, o prazo de duração máxima da medida de detenção é de 60 dias (n.º 3 do art. 117.º do DL 244/98 e n.º 2 do art. 3.º da Lei 34/94).

III - Assim sendo, estando-se em ambos os casos perante medidas de natureza exclusivamente cautelar, uma submetida ao regime das medidas de coacção, a outra a razões de segurança, visando acautelar o mesmo desiderato, qual seja a expulsão ou afastamento de estrangeiro do território nacional, ter-se-á de concluir que aqueles dois regimes de detenção não são cumuláveis, ou seja, susceptíveis de aplicação sucessiva.

IV - Isso mesmo decorre, aliás, do art. 142.º da recente Lei 23/07, de 04-07, que aprova o regime jurídico de entrada, permanência, saída e afastamento de estrangeiros do território nacional. Com efeito, o legislador no novo diploma excluiu, por um lado, a aplicação da medida de coacção de prisão preventiva, passando, por outro lado, a fazer referência expressa à medida de detenção de colocação em centro de instalação temporária, o que não pode deixar de significar o entendimento da identidade destas duas medidas, a consideração de que a aplicação de uma exclui a aplicação da outra.

V - Deste modo, tendo a peticionante sido submetida à medida detentiva de colocação em centro de instalação temporária pelo período máximo previsto na lei, qual seja o de dois meses, ter-se-á de considerar ilegal a sua subsequente e actual detenção em regime de prisão preventiva.

VI - Há, pois, que ordenar a sua imediata libertação, sem embargo de lhe ser aplicada outra medida de coacção tida por adequada, tendo em vista garantir o cumprimento de eventual decisão de expulsão.

Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 19-07-2007 - Processo 07P2836



I - Na al. c) do n.º 3 do art. 27.º da Constituição, prevê-se, como excepção ao princípio do direito à liberdade, “a prisão, detenção ou outra medida coactiva sujeita a controlo judicial, de pessoa que tenha penetrado ou permaneça irregularmente no território nacional ou contra a qual esteja em curso processo de extradição ou de expulsão”, sendo seu objectivo legitimar o confinamento de cidadãos estrangeiros em centros de acolhimento.

II - Com a providência de habeas corpus, a Constituição pretende garantir que haja lugar a uma apreciação judicial nos casos de medidas restritivas ilegais de prisão e detenção decididas em condições especialmente arbitrárias ou gravosas.

III - Deste modo, não há que procurar eventuais diferenças de regime para justificar a não aplicação pelo Supremo desta providência quando se trate duma situação de detenção para expulsão de cidadão estrangeiro:

- desde logo porque “quanto ao âmbito subjectivo de protecção desta garantia específica do direito à liberdade, trata-se dum direito universal, como sucede com a generalidade dos direitos, liberdades e garantias de natureza pessoal, pelo que não há lugar para a reservar para as pessoas de nacionalidade portuguesa, excluindo os estrangeiros. Todas as pessoas, pelo facto de o serem, gozam desta garantia” (Canotilho/Moreira, Constituição da República Portuguesa Anotada, vol. I, pág. 510); 

- e também porque "a privação da liberdade existe quando alguém contra a sua vontade é confinado, coactivamente, através do poder público, a um local delimitado, de modo que a liberdade corporal-espacial de movimento lhe é subtraída. Local delimitado pode ser o espaço de um edifício ou um acampamento.” (cf. Acs. do TC n.ºs 479/94, 185/96, e 83/01).

IV - Qualquer restrição à liberdade individual que dimane duma autoridade pública é fundamento bastante para a providência de habeas corpus.

Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 03-12-2009 no âmbito do Processo 76/09.5ZRLRA-A.S1



1 - Nos termos do art. 146º da Lei 23/2007 de 4 de Julho que aprova o regime jurídico de entrada, permanência, saída e afastamento de estrangeiros do território nacional, o cidadão estrangeiro que entre ou permaneça ilegalmente em território nacional é detido por autoridade policial, devendo ser presente, no prazo máximo de quarenta e oito horas após a detenção ao juiz competente, nos termos daquele preceito, para a sua validação e eventual aplicação de medidas de coacção;

2 - Quando seja aplicada ao cidadão estrangeiro medida de coacção contida no C.P.P. ou no artº 142º nº 1 als. a), b) e c) da Lei 23/2007 de 4 de Julho, continua a ser o Tribunal que decretou a medida de coacção, nos termos do nº 2 daquele normativo, o competente para conhecer, apreciar e decidir, perante requerimento expresso do cidadão estrangeiro a alteração daquela medida, não competindo ao SEF no âmbito de um processo de afastamento coercivo, o qual é de natureza administrativa, tal apreciação e em sede de instrução, por serem os Tribunais os únicos órgãos de soberania com competência exclusiva para apreciar esta questão.

Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa, de 07-04-2016 – Processo n.º 755/13.2PASXL.L2-9    


Origem do texto


Direito nacional 

Na última redacção do diploma anterior a matéria era regulada no artigo 106.º

A norma tem origem no disposto no n.º 2 do artigo 50.º do Decreto-Lei 264-B/81, de 3 de Setembro. O Decreto-Lei 59/93, de 3 de Março, introduziria uma redacção semelhante à actual, nos seus artigos 74.º e 75.º 

O n.º 1 reproduz, com alterações, o disposto no n.º 1 do artigo 107.º do Decreto-Lei 244/98, de 8 de Agosto, à excepção da ressalva da prisão preventiva e da obrigação de permanência na habitação com utilização de meios de vigilância electrónica. A redacção do n.º 2 resulta das alterações ao processo penal, embora se possa inferir que reproduz o disposto no n.º 2 do artigo 107.º do Decreto-Lei 244/98, de 8 de Agosto, na redacção do Decreto-Lei 4/2001, de 10 de Janeiro.

 

Procedimento legislativo


Proposta de Lei 93/X do Governo (2006)          

Artigo 142.º - Medidas de coacção

1 - No âmbito de processos de expulsão, para além das medidas de coacção enumeradas no Código de Processo Penal, com excepção da prisão preventiva, o juiz pode, havendo perigo de fuga, ainda determinar as seguintes:

a) Apresentação periódica no SEF;

b) Obrigação de permanência na habitação com utilização de meios de vigilância electrónica, nos termos da lei;

c) Colocação do expulsando em centro de instalação temporária ou em espaço equiparado, nos termos da lei.

2 - São competentes para aplicação de medidas de coacção os juízos de pequena instância criminal ou os tribunais de comarca do local onde for encontrado o cidadão estrangeiro.

Discussão e votação indiciária: proposta apresentada pelo BE de eliminação da alínea c) do n.º 1 do artigo 142.º da proposta de lei n.º 93/X — rejeitada, com votos contra do PS, PSD e CDS-PP e votos a favor do PCP e BE; Proposta de alteração Artigo 142.º (…) 1 — No âmbito de processos de expulsão, para além das medidas de coacção enumeradas no Código de Processo Penal, com excepção da prisão preventiva, o juiz pode, havendo perigo de fuga, ainda determinar as seguintes: a)Apresentação periódica no SEF; b) Obrigação de permanência na habitação com utilização de meios de vigilância electrónica, nos termos da lei; c) (eliminar) 2 — (…). Artigo 142.º da proposta de lei n.º 93/X, proémio e alínea a) do n.º 1 e n.º 2 — aprovados, com votos a favor do PS, PSD, PCP e CDS-PP e a abstenção do BE; Alínea b) do n.º 1 — aprovada, com votos a favor do PS, PSD, PCP e CDS-PP e votos contra do BE; Alínea c) do n.º 1 — aprovada, com votos a favor do PS, PSD e CDS-PP e votos contra do PCP e BE.




Proposta de Lei 19/XV/1 (Lei n.º 18/2022)

Artigo 142.º […]

1 – […].

2 – […].

3 – Para efeitos do disposto no n.º 1, o perigo de fuga é aferido em atenção à situação pessoal, familiar, social e económica ou profissional do cidadão estrangeiro, com vista a determinar a probabilidade de se ausentar para parte incerta com o propósito de se eximir à execução da decisão de afastamento ou ao dever de abandono, relevando, nomeadamente, as situações nas quais se desconheça o seu domicílio pessoal ou profissional em território nacional, a ausência de quaisquer laços familiares no País, quando houver dúvidas sobre a sua identidade ou quando forem conhecidos atos preparatórios de fuga.

Alteração aprovada, por apreciação da Comissão de Assuntos Constitucionais, Direitos, Liberdades e Garantias, com votos a favor do PS, do PSD e do IL, contra do PCP e do Chega e a abstenção do BE. O texto aprovado foi iniciativa do Grupo Parlamentar do IL, tendo apresentado proposta alternativa à inicialmente submetida pelo Governo, que ditava: “3 - Para efeitos do disposto no n.º 1, o perigo de fuga é aferido em atenção à situação pessoal, familiar, social e económica ou profissional do cidadão estrangeiro, com vista a determinar a probabilidade de se ausentar para parte incerta com o propósito de se eximir à execução da decisão de afastamento ou ao dever de abandono, relevando, nomeadamente, as situações nas quais se desconheça o seu domicílio pessoal ou profissional em território nacional, a ausência de quaisquer laços familiares no País, quando houver dúvidas sobre a sua identidade ou quando o seu comportamento evidenciar aquele propósito”. Redação anterior:

Artigo 142.º - Medidas de coação

1 — No âmbito de processos de expulsão, para além das medidas de coação enumeradas no Código de Processo Penal, com exceção da prisão preventiva, o juiz pode, havendo perigo de fuga, ainda determinar as seguintes:

a) Apresentação periódica no SEF;

b) Obrigação de permanência na habitação com utilização de meios de vigilância eletrónica, nos termos da lei;

c) Colocação do expulsando em centro de instalação temporária ou em espaço equiparado, nos termos da lei.

2 — São competentes para aplicação de medidas de coação os juízos de pequena instância criminal ou os tribunais de comarca do local onde for encontrado o cidadão estrangeiro.




A atual redação foi introduzida pelo Decreto-Lei n.º 41/2023, de 2 de junho, que procedeu à criação da Agência para a Integração, Migrações e Asilo, I. P.  Reproduz-se a redação anterior:

Artigo 142.º – Medidas de coação

1 — No âmbito de processos de expulsão, para além das medidas de coação enumeradas no Código de Processo Penal, com exceção da prisão preventiva, o juiz pode, havendo perigo de fuga, ainda determinar as seguintes:

a) Apresentação periódica no SEF;

b) Obrigação de permanência na habitação com utilização de meios de vigilância eletrónica, nos termos da lei;

c) Colocação do expulsando em centro de instalação temporária ou em espaço equiparado, nos termos da lei.

2 — São competentes para aplicação de medidas de coação os juízos de pequena instância criminal ou os tribunais de comarca do local onde for encontrado o cidadão estrangeiro.

3 — Para efeitos do disposto no n.º 1, o perigo de fuga é aferido em atenção à situação pessoal, familiar, social e económica ou profissional do cidadão estrangeiro, com vista a determinar a probabilidade de se ausentar para parte incerta com o propósito de se eximir à execução da decisão de afastamento ou ao dever de abandono, relevando, nomeadamente, as situações nas quais se desconheça o seu domicílio pessoal ou profissional em território nacional, a ausência de quaisquer laços familiares no País, quando houver dúvidas sobre a sua identidade ou quando forem conhecidos atos preparatórios de fuga.