Resumo: A Vida Líquido-moderna e Seus Medos


Naturalmente desejamos a paz, contudo, assim não seria sem um contrário criador de tormenta que nos fizesse perceber o quanto a queremos. Entre as necessidades de nossas mudanças, os riscos e ações, até mesmo o ato de tentar evitá-la, nasce algo que é, lamentavelmente, uma dor necessária ao desenvolvimento: O medo.

Dentro de todos os nossos desafios sociais e pessoais é comum uma dose de medo que atenue as consequências de grandes interferências. Vivemos uma sociedade aberta (exposta aos golpes do destino), não temos um real controle sobre o perigo que nos cerca e em vez de reconhecer tal incompletude de fatos, buscamos comprar o que nos dê ilusão de segurança, gerando um domínio ilusório do bem estar.

Bombardeados constantemente por informações e dados, não necessariamente concretos, de sociedades acuadas e vulneráveis sofrendo com a globalização negativa que espalha nossos erros, tomamos a atitude de recuarmos entre muros. Num planeta negativamente globalizado, a segurança não pode ser obtida, muito menos assegurada, dentro de um único país ou de um grupo selecionado de países - não apenas por seus próprios meios nem independentemente do que acontece no resto do mundo (BAUMAN, Zygmunt, Tempos Líquidos).

Cada ato presente em uma região oferece consequências a outra, conflitos e violências na nação vizinha geram apreensão e medo e quem presencia ainda que por redes distantes. Há um senso de justiça presente em cada um de nós, forte o bastante para nos fazer desejar a paz mundial e sem força o bastante para nos fazer entender que temos uma parcela de responsabilidade pelo que é recorrente nas regiões que intitulamos como palácios da injustiça. Não seríamos nós os injustos por promover a má divisão global de matérias primas da sobrevivência social como a renda e capital que dão acesso ao restante?

Consideramos todo confronto como sendo um ataque desmotivado e sem sentido, esquecemos de considerar a possibilidade de vítimas se vingando de seus infortúnios. Separamos um mundo de classes onde cabe aos ricos viajar em fantasias do possível e aos pobres perder-se entre crimes e caos. Atualmente, temos as riquezas mundiais divididas de modo que 90% das mesmas se encontram nas mãos de 1% dos habitantes, ou seja, bloqueamos o acesso intelectual dos fatos básicos do mundo, limitando os conhecimentos populacionais ao que imaginamos ser necessário ao senso comum saber. sem bons materiais de estudo ou possibilidades de ingresso em boas universidades que possibilitem o crescimento intelectual de um país.

O caminho para conquista do sentimento de segurança tem muitos preços, vários deles aplicados por vendedores de artes marciais e utensílios de autodefesa, mas de modo geral criamos o costume de trocar liberdade por segurança, pois quando as armas falam as leis silenciam e desse modo o controle da globalização positiva se perde, o medo se torna global sem dificuldades. Não é preciso incentivar ou expor as baixas colaterais das guerras mídia afora, mesmo assim o fazemos pois o medo é também uma chave de poder. A promoção do senso de desordem coloca o medo em posição de destaque e assim o povo recluso se torna manipulável, liberando cada um por si e Deus por todos. Cabe a melhor posição social usar desses recursos, transformando o medo em produto e oferecer uma ação defensiva que possa tranquilizar temporariamente o cidadão até a próxima eleição. Detalhe: imigrantes não são cidadãos, logo, onde se encaixa a promessa de proteção do Estado? Tanto bem quanto mal não podem permanecer ou durar eternamente, porém o medo não precisa ser necessariamente de um risco real ou uma resposta a premonições lógicas, ele se auto perpetua sozinho, se fortaleza extraindo energia de nossas questões mais delicadas como os temores existenciais. “Não existe nenhum lugar para onde se possa escapar” ( Milan Kundera).

O desamparo humano, segundo o que vimos até agora, é um destino inevitável e necessário, mas que pode exceder os seus limites. Tentemos separar as adversidades em dois extremos, evitáveis e inevitáveis. A verdadeira fonte da ansiedade é a falta de controle sobre os fatores que nos geram receio, queremos ter segurança total e não podemos, de modo que buscamos desesperadamente e sempre aguardamos uma catástrofe. Desde a perda dos escoadouros naturais que tínhamos como atenuadores do medo fantasma (o medo de um inimigo que na verdade não conhecemos ou não temos provas o bastante de que seja um inimigo), a segurança pessoal tornou-se um assunto de política. A partir da insegurança da população, acumulou-se capital por meio desses produtos de “segurança” comercializados. Essas ações de utilizar o medo como uma peça de economia é o que o desloca tão rapidamente, o dobro do que ele já iria sozinho, essa guerra contra o terror, geradora inconsequente de mais terror. “O principal não é o medo do perigo, mas aquilo no qual esse medo pode se desdobrar, o que ele se torna” (David L. Altheide).

As relações entre povo e Estado, são tão instáveis quanto relações interpessoais. Apesar dos Direitos Humanos estarem sempre se pondo a frente como nossa garantia, avaliamos e consideramos o que é realmente um direito humano. Diante do terrorismo global vemos esse otimismo quase radical de segurança como uma grande ilusão. O ocorrido de onze de setembro, por exemplo, nunca houveram tantas notícias sobre Bin Laden e durante um mês inteiro as imagens das torres gêmeas caindo em câmera lenta foram expostas em redes de televisão ressaltando a ameaça como um fato já ocorrido e real. Em outras palavras, o Estado nos fornece medo. Mas porque faria isso? Promover pessoas como ferramentas para evolução de terceiros é o grande exemplo de corrupção moral e sofrimento humano que buscamos evitar sem sucesso. Temos vergonha dos nossos recursos limitados, enquanto os terroristas esbanjam os deles. A violência religiosa continua a todo vapor. Ameaças indiretas da própria nação nos bombardeiam. Já não confiamos mais na proteção do Estado. Nossos vínculos humanos se encontram frouxos e nos perguntamos o que ajudar o outro trará, pois vivemos nesse universo em que fazer o certo exige uma recompensa. Quando não vemos as coisas acontecerem nesse padrão, tomamos atitudes impensadas e sem consideração alguma de consequências aos outros ou a nós mesmos. Procuramos culpados para nossas próprias ações impensadas, como os terroristas por exemplo, sem pensar que “dada a natureza das armas modernas à disposição dos militares, as reações a esses atos terroristas acabam sendo tão desastradas quanto fazer a barba com um machado” ( BAUMAN, Zygmunt, Tempos Líquidos).

Para transcrever a atual situação e mudarmos da exclusão do progresso para a globalização da segurança, devemos unir novamente o poder e a política. Você pode pensar que esses dois extremos estejam interligados já, mas não. Em um planeta negativamente globalizado não se pode haver um único país seguro, nem mesmo um grupo sequer. Considerando que não temos mais as ferramentas de controle da sociedade, que está já está a muitos anos perdida entre a insegurança do presente e a incerteza do futuro, caberia a nós reconstruir o material de trabalho que opera o sistema. Quero dizer, fazer a própria sociedade, globalmente, reconhecer a sua responsabilidade por si mesma, sabendo que o medo que sentem nesse momento é também consequência de suas próprias ações e influência de seus próprios confiáveis protetores a quem dão tanta ilusão de poder.

Rosabel Poetry

Autora, Poeta & Redatora