Psicologia Demais, Profissionais de Menos


A razão central deste texto é trazer à tona algo que você, caro leitor, pode até imaginar que já seja ultrapassado e que tudo sabe desse assunto, mas faço um convite para que abra seus olhos a um novo entendimento. Temos o suficiente da psicologia?

De fato há uma gama fantástica de abordagens, que abraçam temas de extrema necessidade, não se pode negar a presença de ciências psicológicas no cotidiano de cada indivíduo. Apesar disso, a maior parte da população afirma em alto e bom tom que nunca passaram por um psicólogo. No decorrer da graduação, costumamos tratar isso como uma mentira hedionda, já que nossas abordagens estão presentes em escolas, fábricas, trânsito e etc, mas e se pegássemos um exemplo um pouco mais isolado, talvez a criança de uma família em situação de extrema pobreza, que frequência umas escola precária e sem estrutura que mal pode lhe fornecer oportunidade a quem dirá atenção psicológica. Drástico? Não. É fácil de imaginar, pois é comum. Estamos falando não apenas de favelas no alto dos morros de São Paulo, mas da casa precária enjambrada atrás da sua rua.

Ora, afinal, o que estamos esperando para resolver o problema? Resposta: Prática! Não de qualquer tipo, prática na saúde pública. “O problema da inadequação das práticas do psicólogo no campo da saúde pública ainda é visível e precisa ser superado”. ALVES, Railda, etc al, PSICOLOGIA, SAÚDE & DOENÇAS, 2017, Pg. 549 https://www.redalyc.org/pdf/362/36252193021.pdf, acesso em 21 set. 2021

Atualmente, a comparação do rendimento de um psicólogo que trabalha no meio público e de um que fornece serviço particular, varia de mil reais em diante. Imagino que não precise ressaltar qual deles recebe este a mais. Diante de tais números, mesmo aqueles que recorrem à formação desse conhecimento por amor acabam tendo que migrar de um lado a outro dependendo da sua situação até para bancar o próprio conhecimento.

Da maneira como foi tratado acima, é provável que eu tenha feito você pensar que a culpa é dos profissionais da psicologia, está errado, se existe uma culpa ela não está aqui, no entendo precisava que acusasse alguém para poder corrigi-lo e explicar. Acima de tudo, me permita lembrar que um profissional psicólogo é uma pessoa como você e eu, perfeitamente tentado pelo egocentrismo e vítima do capitalismo exigente. De grosso modo, poderia tratar aqui o psicólogo tanto como vítima quanto as próprias vítimas, contudo, esse é um assunto delicado e prefiro abordá-lo mais profundamente em outro texto. Aqui quero que observe a saúde pública mental como um todo.

Já é exigido de ideias científicas que elas sejam também quantitativas, vamos usar um pouco de matemática. Pense em um bairro comum com cerca de duas mil pessoas, o posto de saúde deste bairro tem dois profissionais psicólogos, cada um trabalhando oito horas diárias. São dezesseis horas por dia, oitenta horas por semana, dividido para mil pessoas (que seria a metade do bairro), cada cidadão teria cerca de quatro minutos e meio para ser atendido. Não bate, não é? E se eu lhe dissesse que existem bairros na sua cidade que possuem mais de dois mil habitantes, assim como postos de saúde que possuem menos de dois profissionais da psicologia?

Agora entramos na nossa parte mais chocante. “...não se tratam apenas de desigualdades regionais, já que, em alguns casos, essas desigualdades são observadas dentro do mesmo município” TREICHEL, Carlos A. S. Impasses e desafios para consolidação e efetividade do apoio matricial em saúde mental no Brasil, SciELO, 2019. DOI: https://doi.org/10.1590/Interface.180617. Nosso título, como agora podemos ver claramente, é uma explicação direta da situação. A cada instante que passa, uma pessoa inocente entra em colapso por conta de transtornos psicológicos que hoje são banalizados e transformados em doenças imaginárias, segundo o senso comum. Parte disso se deve ao fato de termos nos habituado a “sobreviver” sem o apoio da psicologia já que ela não está ao nosso alcance. Esse tabu terrível leva pobres almas a enxergarem seus problemas como frescuras e o tratamento psicológico como regalia, muitas dessas pessoas na verdade estão sofrendo de uma doença que exige muito mais atenção e cuidado do que simplesmente pensar positivo que é um dos conselhos sugeridos geralmente.

Os dados provam, de forma um tanto triste, que a cada dia os psicólogos se tornam mais necessários a uma medida que não há profissionais suficientes e nem formandos o suficiente para atender a demanda futura. Somos lembrados pela dor, pela doença e pela morte o quanto é vital cuidarmos da nossa saúde mental para termos estrutura para suportar e se sobrepor a todo o restante. Com o preparo psicológico certo, talvez o isolamento não tivesse nos afetado de maneira tão drástica, ou a criança sem herança teria tido chance e apoio para se focar nos estudos em vez de abandonar tudo para trabalhar e tentar a sorte no mundo dos adultos para o qual ainda não estava preparada.

O que quero dizer com isso? Temos uma sociedade que grita todos os dias, aflita de todos os lados, vivendo o dilema que é ser um ser humano e sofrendo profundamente com isso. É nesses momentos que se lembram da psicologia, como a salvadora, enquanto que a realidade é que não podemos salvar a todas essas pessoas nem se fossem todas psicólogas como nós. Porém, o maior encanto oculto nas ciências psicológicas é que elas são nada mais e nada menos que informação. Informação que pode ser aprendida e repassada. Informação que pode ser ensinada às crianças e jovens, divulgada entre as redes sociais e rodas de conversa, ser unânime e presente no dia a dia de cada um. Mais do que já está, uma presença de valor significativo que gera tamanha força intelectual e controle emocional que a próxima dificuldade a assolar a existência seja uma batalha de soldados firmes e preparados, que se dêem os braços em uma corrente mais forte que qualquer transtorno.

“Não são as crises que mudam o mundo, e sim nossa reação a elas.”

Zygmunt Bauman (entrevista à revista ISTOÉ)


REFERÊNCIAS


VEIGA, Lucas M, Descolonizando a psicologia: notas para uma Psicologia Preta, H. Universidade Federal Fluminense, Niterói, RJ, Brasil. Revista de Psicologia, v. 31, n. esp., p. 244-248, set. 2019. DOI: https://doi.org/10.22409/1984-0292/v31i_esp/29000. Acesso 21 de set. 2021


PASQUALI, Luiz, Técnicas de Exame Psicológico: Os Fundamentos, 2° Edição, São Paulo, Vetor, 2016. Capítulo 5, Capítulo 7. Consulta 22 de set. 2021


Prado A. D.; PeixotoB. C.; da SilvaA. M. B.; ScaliaL. A. M. A saúde mental dos profissionais de saúde frente à pandemia do COVID-19: uma revisão integrativa. Revista Eletrônica Acervo Saúde, n. 46, p. e4128, 26 jun. 2020. DOI: https://doi.org/10.25248/reas.e4128.2020. Acesso 22 de set. 2021


SCHNEIDER; Amanda M. B. & MOREIRA; Mariana C.; Psicólogo Intensivista: Reflexões sobre a Inserção Profissional no Âmbito Hospitalar, Formação e Prática Profissional, Universidade Federal de Ciências da Saúde, Porto Alegre, RS, Brasil, 2017. DOI: https://www.scielo.br/j/tpsy/a/9BBZDPMvMvfRGScYxK9RpwJ/?lang=pt&format=pdf

Rosabel Poetry

Autora, Poeta & Redatora