A VERDADE SOBRE O MARKETING
(trechos da reportagem da Revista Exame, “Queremos Você!”, de 21/04/99, por Clemente Nóbrega)
Propaganda que manipula você/Fazendo-o acreditar que você é o tal/Que pode fazer o que nunca foi feito.../Que pode vencer o que nunca foi vencido.../Enquanto isso, a vida lá fora passa por você. (It’s Alright Ma, I’m Only Bleeding, Bob Dylan)
Por que algumas marcas exercem um fascínio perene sobre nós?
Esqueça o produto. É tudo uma questão de mente. A grande marca ocupa nossa mente. Não somos nós que a escolhemos. É ela que nos escolhe.
Marketing é o que se tem de fazer para que algo seja comprado. Esse “algo” pode ser um produto, uma idéia, um político... qualquer coisa.
Quer fazer marketing? Esqueça o produto e comece pela mente humana.
Desejos e necessidades do cliente? Não, o cliente induzido a escolher de acordo com a minha necessidade... É preciso talento para fazer o cliente comprar o que eu tenho para vender e ficar feliz com isso.
Lá fora há milhares de pessoas infelizes comprando livros de auto-ajuda e deixando cada vez mais felizes os autores desses livros. Eles, autores, são um sucesso; as pessoas que compram seus livros, não. É irrelevante se os autores acreditam ou não neles mesmos, o importante é que os outros acreditem.
Manipulação no pior sentido também existe. A propaganda é culpada, sem dúvida, de criar desejos supérfluos, mas a coisa é muito mais sutil do que parece. Na sociedade pós-industrial globalizada de hoje, não há quem possa definir o que é supérfluo. Aliás, nunca foi possível. O supérfluo logo se transforma em necessidade. Há 60 anos refrigeradores e telefones eram luxo. Para o governo americano, 93% das pessoas oficialmente classificadas como pobres têm TV em cores, e 60% delas têm videocassetes e forno de microondas. Não se fazem mais pobres como antigamente.
O ser humano adora o supérfluo.
“Tecnologia não é necessidade para o animal humano. O filósofo José Ortega y Gasset define tecnologia como a produção do supérfluo, e ela foi tão supérflua na idade da pedra como é hoje. Como todo o resto do reino animal, nós também poderíamos viver sem fogo ou ferramentas. Cultivar o solo e cozinhar alimentos não são precondições para a sobrevivência humana, só são necessidades porque decidimos definir nosso bem-estar de modo que as incluísse... Os humanos são criação do desejo, não da necessidade.” (George Bassalla, The Evolution of Technology, 1988)
A regra é: o produto é que inventa a necessidade.
O automóvel não surgiu da necessidade de nos locomovermos com mais praticidade e rapidez. Nos primeiros dez anos, entre 1895 e 1905, carros eram brinquedos para ricos. Não havia necessidade alguma deles. A necessidade só surgiu quando o produto já estava lá (há dez anos!). E esse não é um caso isolado, é o caso geral.
Marketing cria supérfluos que se tornam essenciais.
A alma humana é formada por noções muitas vezes tolas e contraditórias: caprichos, superficialidades, instintos de imitação nada racionais. Tudo 100% humano.
Os marketeiros trabalham em cima de nossas contradições, mas não são eles que as criam, eles apenas as exploram.
Não é o valor intrínseco de nada que decide a compra, é a cabeça.
Quem conhece um Macintosh não pode ter dúvida: dá de dez, como produto, nos PCs Windows-Intel. Mas o Mac é perdedor, tem menos de 5% de um mercado em que os PCs “Wintel” têm mais de 80%.
O padrão Betamax para fitas de videocassete era melhor, objetivamente, que o VHS. Perdeu e sumiu.
O teclado de seu computador é tipo QWERTY (as cinco primeiras teclas em cima, da esquerda para a direita). Esse padrão é reconhecidamente ineficiente, o padrão de teclados DVORAK é que é o tal. Nunca ouviu falar? Duvido que ainda venha a ouvir. O ergonômico (?) teclado DVORAK também é perdedor.
A Coca-Cola transcendeu a categoria de produto. Virou um conceito cheio de significados. Esse conceito não tinha a ver só como gosto da bebida, ou com a linguagem da propaganda. Era algo maior que tudo isso tomado separadamente. Algo “que encontrou ressonância nos corações e mentes dos americanos de uma forma profunda e original.” ...A Coca-Cola se entranhou nos corações e mentes do mundo inteiro. É o brand name mais valioso do mundo. Se um dia colonizarem a Lua, você pode estar certo de que a primeira coisa que vai encontrar lê será um outdoor: “Beba Coca-Cola”.
Ninguém sabe por que a mente humana se deixa invadir assim por certas coisas, que acabam se replicando, dominando mentes e pulando de mente para mente como parasitas.
É muito mais importante ser o primeiro a ocupar a mente do que o primeiro a entrar no mercado.
Na era do intangível, o que conta é a informação: o software, a mídia, a comunicação, o entretenimento... quanto mais se usam essas coisas, mais valor elas adquirem: o sucesso reforça o sucesso.
O que as pessoas pensam? “Se é mais caro, deve ser o melhor.” É outra variante daquilo: “Se os ricos compram, eles devem saber, afinal, são ricos”.
O cliente paga não pela coisa, mas pelo símbolo.
Por que as pessoas pagam? Porque acham que vale a pena pagar.
Vá tirando as cascas da (pseudo) erudição e academicismo dessa coisa e, lá no fundo, você vai encontrar seres humanos inseguros imitando outros idem.
A mente humana associa sucesso a mérito. Se está fazendo sucesso, é porque deve ter algum mérito.
Tudo é percepção, e estar consciente disso é o melhor que podemos fazer para não sermos manipulados.
Eleições diretas não garantem que o melhor vai vencer; elas garantem apenas que quem tem mais votos vai vencer.
Para mim, marcas vencedoras têm vida própria, perpetuam-se a si mesmas, sozinhas. Têm a capacidade de infectar de alguma forma; são assim como uma espécie de vírus da mente.
Marcas andam por aí cavalgando mensagens publicitárias, à procura de mentes parasitáveis para infectar.
Vírus são instruções de um programa que diz: “Copie-me e espalhe-me.”
Toda a cultura humana é um processo de replicação de idéias, hábitos, crenças, conceitos, práticas, maneiras de se comportar no mundo.
Há alguém em minha cabeça, mas não sou eu... (Brain Damage, Pink Floyd)
Nossos cérebros foram seqüestrados. O seqüestro foi obra disso que genericamente podemos chamar cultura.
Richard Dawkins criou um termo para designar os replicadores que adotam a mente como seu habitat natural: memes. (...) Exemplos de memes são melodias, idéias, slogans, moda, maneiras de fabricar potes e construir arcos... Assim como genes se propagam, saltando de corpo para corpo, memes se propagam, saltando de cérebro para cérebro, por meio de um processo que em sentido amplo pode se chamar imitação.
Marcas e produtos competem por espaço dentro de sua cabeça. Os vencedores enchem sua mente de cópias deles próprios. O número de cópias dessas “coisas” dentro da mente determina a marca vencedora. Qualquer coisa que faça minha marca aparecer, dentro da mente, com mais cópias que a marca concorrente, me dá vantagem.
Marketing é a arte de conseguir isso.
Às vezes, não se sabe por que, uma palavra ou melodia é escolhida pela mente e, uma vez lá dentro, é duro expulsá-la. Já me peguei cantarolando – insistentemente e contra a minha vontade – marchinhas banais, jingles de propaganda, e até (perdão, leitor) refrões de musiquinhas pornográficas que – não sei por que – insistiam em me voltar à memória, quase 40 anos depois de eu ter aprendido o original, na escola, na década de 60. Aposto que acontece com você também.
Há memes que podemos chamar de “bons”; memes que permitimos com prazer que tomem conta de nossas mentes porque têm efeitos agradáveis, digamos assim. Há memes que se instalam independentemente de nossa permissão e que são chatos, mas inofensivos, como a tal musiquinha pornográfica. Outros, como o fanatismo religioso, são perigosos pelo potencial de desgraça que trazem consigo.
A vitória no mercado é conseqüência do que acontece na mente.
As pessoas fazem porque todo mundo está fazendo. O hábito salta de mente para mente. São vírus; vírus inofensivos, mas parasitas de qualquer maneira.
Somos construídos como máquinas criadas para passar nossos genes adiante... Mas a cada geração que passa, a contribuição dos seus genes nela fica reduzida à metade... Mas, se você contribuir de alguma forma para a cultura do mundo, isso poderá sobreviver intacto por muito tempo depois de seus genes terem se dissolvido.
Havendo comportamento padronizado, uniformidade de expectativas, mentes sem imaginação que só se sentem felizes fazendo parte da massa, haverá parasitismo mental.