Pensamentos
“Em certos casos, quanto mais nobre o gênio, menos nobre o destino. Um pequeno gênio ganha fama, um grande gênio ganha descrédito, um gênio ainda maior ganha desespero; um deus ganha crucificação. A maldição do gênio não é, como pensava Vigny, ser adorado mas não amado; é não ser amado nem adorado. Wilde nunca foi tão confirmadamente um gênio como quando o homem na plataforma da estação ferroviária cuspiu no seu rosto, ao ser ele agrilhoado. Um grande dano tem sido causado a muitos gênios: não lhes cuspiram na cara.”
“O primeiro princípio da arte é a generalidade. A sensação expressa pelo artista deve ser tal que possa ser sentida por todos os homens por quem possa ser compreendida. O segundo princípio da arte é a universalidade. O artista deve exprimir, não só o que é de todos os homens, mas também o que é de todos os tempos. O subjetivismo cristista, além de erro personalista, produziu esse outro erro, a preocupação de interpretar a época. A frase de Goethe, bastas vezes citada sobre o assunto, é de mestre; com efeito, um homem de gênio é da sua época só pelos seus defeitos. A nossa época deduz-nos da humanidade. Como o artista deve procurar erguer-se acima da sua personalidade, deve procurar levantar-se fora da sua época. (...)”
“A finalidade da arte não é agradar. O prazer é aqui um meio; não é neste caso um fim. A finalidade da arte é elevar.”
“Viver não é necessário. Necessário é criar.”
“Não conto gozar a minha vida; nem em gozá-la penso. Só quero torná-la grande, ainda que para isso tenha de ser o meu corpo e a minha alma a lenha desse fogo.”
Poesias
Ó mar salgado, quanto do teu sal
São lágrimas de Portugal!
Por te cruzarmos, quantas mães choraram,
Quantos filhos em vão rezaram!
Quantas noivas ficaram por casar
Para que fosses nosso, ó mar!
Valeu a pena? Tudo vale a pena
Se a alma não é pequena.
Quem quer passar além do Bojador
Tem que passar além da dor.
Deus ao mar o perigo e o abismo deu,
Mas nele é que espelhou o céu.
(Mar Português)
Não: Não quero nada.
Já disse que não quero nada.
Não me venham com conclusões!
A única conclusão é morrer.
Não me tragam estéticas!
Não me falem em moral!
Tirem-me daqui a metafísica!
Não me apregoem sistemas completos, não me enfileirem conquistas
Das ciências (das ciências, Deus meu, das ciências!) –
Das ciências, das artes, da civilização moderna!
Que mal fiz eu aos deuses todos?
Se têm a verdade, guardem-a!
Sou um técnico, mas tenho a técnica só dentro da técnica.
Fora disso sou doido, com todo o direito a sê-lo.
Com todo o direito a sê-lo, ouviram?
Não me macem*, por amor de Deus!
(*amolem)
Queriam-me casado, fútil, quotidiano e tributável?
Queriam-me o contrário disto, o contrário de qualquer coisa?
Se eu fosse outra pessoa, fazia-lhes, a todos, a vontade.
Assim, como sou, tenham paciência!
Vão para o diabo sem mim,
Ou deixem-me ir sozinho para o diabo!
Para que havermos de ir juntos?
(...)
Ó céu azul – o mesmo da minha infância –
Eterna verdade vazia e perfeita!
Ó macio Tejo* ancestral e mudo,
Pequena verdade onde o céu se reflete!
Ó mágoa revisitada, Lisboa de outrora de hoje!
Nada me dais, nada me tirais, nada sois que eu me sinta.
Deixem-me em paz! Não tardo, que eu nunca tardo...
E enquanto tarda o Abismo e o Silêncio quero estar sozinho!
(*Rio português)
(Trechos de Lisbon Revisited)
“Quem me dera que eu fosse o pó da estrada
E que os pés dos pobres me estivessem pisando...
Quem me dera que eu fosse os rios que correm
E que as lavadeiras estivessem à minha beira...
Quem me dera que eu fosse os choupos à margem do rio
E tivesse só o céu por cima e a água por baixo...
Quem me dera que eu fosse o burro do moleiro
E que ele me batesse e me estimasse...
Antes isso que ser o que atravessa a vida
Olhando para trás de si e tendo pena...”
“Quando vier a Primavera,
Se eu já estiver morto,
As flores florirão da mesma maneira
E as árvores não serão menos verdes que na Primavera passada
A realidade não precisa de mim.
Sinto uma alegria enorme
Ao pensar que a minha morte não tem importância nenhuma
Se soubesse que amanhã morria
E a Primavera era depois de amanhã
Morreria contente, porque ela era depois de amanhã.
Se esse é o seu tempo, quando havia ela de vir senão no seu tempo?
Gosto que tudo seja real e que tudo esteja certo;
E gosto porque assim seria, mesmo que eu não gostasse.
Por isso, se morrer agora, morro contente,
Porque tudo é real e tudo está certo.
Podem rezar latim sobre o meu caixão, se quiserem.
Se quiserem, podem dançar e cantar à roda dele.
Não tenho preferências para quando já não puder ter preferências.
O que for, quando for, é que será o que é.”
Fernando Pessoa, 1888-1935