“- Pare! Mas o que é isso?! – exclamou Albert, abaixando a pistola.
- Não está carregada – respondi-lhe.
- E, mesmo assim, que é que significa isso? – replicou ele impaciente – não posso imaginar como um homem possa ser tão insensato para se dar um tiro. Só em pensar nisso sinto repulsa.
- Por que, vocês, homens – gritei – não podem falar de uma coisa sem logo declarar: ‘Isto é insensato, aquilo é razoável, aquele outro é bom, isso aí é mau’? De que servem todas essas palavras? Vocês já conseguiram, graças a elas, penetrar as circunstâncias ocultas de uma ação? Sabem com rigorosa certeza as causas que a produzem, que a tornaram inevitável? Se assim fosse, não enunciariam com tanta rapidez os seus julgamentos.
(...) - Oh! essas pessoas sensatas! – exclamei, sorrindo – Paixão! Embriaguez! Loucura! E vocês se conservam tão calmos, tão indiferentes, vocês, os homens da moral! Esmurram o bêbado, repelem o louco, e passam adiante, como o padre, como o fariseu que agradece a Deus por não o ter feito igual aos outros! Embriaguei-me por mais de uma vez, e as minhas paixões estiveram sempre à beira da loucura, e disso não me arrependo, porque só assim cheguei a compreender, numa certa medida, a razão por que, em todos os tempos, sempre foram tratados como bêbados e como loucos os homens extraordinários que realizaram grandes coisas – as que pareciam impossíveis... Mas, ainda na vida comum, nada mais insuportável do que a todo momento ouvir gritar, sempre que um homem pratica uma ação intrépida, nobre e grandiosa: ‘Esse homem está bêbado! É um louco!...’ Que vergonha, vocês que vivem sóbrios! Que vergonha, homens sensatos!”
(. . .)
“(...) Muito se pode dizer a favor das regras de arte, bem como a favor das leis da sociedade. Quem se pauta segundo essas regras não produzirá nunca uma obra absurda, nem completamente ruim; do mesmo modo, um homem educado segundo as leis e o decoro jamais poderá ser um vizinho intolerável, nem um insigne malfeitor. Apesar disso, diga-se o que se disser, toda regra destrói o verdadeiro sentimento e a verdadeira expressão da natureza. Você dirá: ‘Isso é injusto! A regra só indica os limites, poda as ramagens muito luxuriantes, etc.’ Meu bom amigo, quer uma comparação? Todas essas coisas são como o amor. Um jovem dá seu coração a uma mulher, passa junto dela todas as horas do dia, consome todo o seu vigor e tudo quanto tem para lhe testemunhar que se consagra a ela inteiramente. Aparece um pedante, um homem de bom senso, e diz ao moço: ‘Meu caro senhor, amar é próprio do homem, mas é preciso amar como pessoa razoável. Divida bem o seu tempo, dedicando uma parte ao trabalho, e a outra, as horas vagas apenas, à mulher amada. Calcule as suas posses, e só gaste o que sobrar. Não vou censurar que dê a ela um presente, mas não em demasia. No dia do aniversário, por exemplo, etc.’ Se o nosso jovem seguir esses conselhos, tornar-se-á um sujeito útil, e eu mesmo faria empenho junto a um príncipe para que lhe confiasse um emprego público. Mas então, adeus amor, e se é artista, adeus talento.”
(Trechos de Os Sofrimentos do Jovem Werther, 1774)
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