POESIA E MÚSICA CONTEMPORÂNEA APRESENTADA NO FESTIVAL CEP* 20000 REALIZADO NO RIO DE JANEIRO E GRAVADO EM CD PELA REVISTA TRIP
*Centro de Experimentação Poética
(Extraído de ouvido. Poderá haver divergência no tocante a alguns trechos declamados de forma quase incompreensível...)
“Essa fada, essa fada
Se ela voa onde andaria ou se não anda onde ela pensa
Eu apenas acho
Que ela pensa e voa em mim
Ou se apenas anda eu acho fácil
Essa fada, essa fada
Se não fosse essa fada quem é que se safaria
Só uma ponte sobre a baía que separa
Com esse papo que eu já sabia que não dava no pé
E acaba ficando por aí
Nesse papo barroquinho, beijinho e Icaraí
Com esse cara aí que te diz que sabe tudo de 100 anos de cinema
Esse cara é cabeludo mas não te leva à nada
Eu sim
Te cato por esse lado, foco na cama e te afogo fada
Na minha coleção de fotograma...”
“Cavalinho, pazinha, baldinho
Vem cá meu filho, dá um beijinho
Não, não quero transar não
Só dizer que eu gosto de você assim de graça
É, amor grátis...
...Longe é um lugar que existe
Dentro da gente
Eu tô sempre me procurando
E sempre que eu me encontro eu descubro que eu mudei de endereço
Casa velha, troços, destroços no mar
Miopia
Ah, que nada, é outro enfoque pra vida
Percepção dos fatos alterada por uma névoa
Neve, frio no coração
Órgãos num frigobar
Por favor garçom, queria me ver um coração com um molho bem quentinho
Por que eu to me sentindo assim, meio morto...”
A fêmea camafeu
E pra você fazer com que ela apareça
Você precisa de dois nomes de mulheres
Muito brancas, muito louras
E famosas, de televisão
Ou de cinema
Você tem que transformar os nomes delas
Os nomes têm que ser meio parecidos,
Como se fosse um espécie de semi-anagrama-pop - quase isso
Pra virar mantra
E aí você vai com as 105 crianças falando esse anagrama
Pra poder passar pelo pântano, passar pelos subúrbios
Chegar na planície dos danados e conseguir que ela apareça e pegar nosso arsenal.
-Então vai!
E lá fui eu com as 105 crianças orientais.
Meu Deus quem? Qual das duas?...
E aquelas 105 crianças orientais com cruzes de bambu, cheias de pokemons crucificados, esperando a minha ordem.
E eu ali com aquelas 105 crianças,
quando, muito perto do pântano das pestes, eu consegui!
E aí eu comecei a falar, e pedi: - 105 crianças orientais falem comigo!
Falem comigo!, repitam:
Nicole Nicole Kidman
Kidman Kidman Nicole
Nicole Nicole Kidman
Caroline Dickman Dickman
Dickman Caroline Nicole
Nicole Caroline Dickman...
E foi aquele anagrama,
Aquele anagrama pop!
E as 105 crianças orientais falando,
olhando pros céus e falando:
Nicole Nicole Caroline Caroline
Kidman Kidman Dickman...
E fomos,
Atravessamos o pântano das pestes
E nenhum verme,
Nenhuma bactéria chegou perto de nós
E atravessamos os subúrbios de Van Gogh
Cheios de casas abandonadas, plantações
Cheios de Holifields* angustiados nos subúrbios de Van Gogh
E nenhum dos Holifields chegou perto da gente...
E até que chegamos na planície dos danados -
onde todo mundo tava se matando, uma coisa terrível -
e todo mundo ali:
“Nicole Kidman Nicole Kidman
Caroline Dickman Dickman
Caroline Dickman…”
...E apareceu a fêmea de camafeu
(*) Sugestão ao lutador Evander Hollyfield?
“É impossível o lapso coca-cólico.
Como é que alguém diria: Como é que é mesmo o nome daquele refrigerante?
Aquele preto, parecido com a Pepsi?
Nunca! Seria imperdoável!
Você pode esquecer a luz acesa, a idade do seu pai...
O que era mesmo?
Tudo bem, é aceitável.
Mas o lapso coca-cólico está em extinção!
Existem coisas que não podem ser magoadas.
Mas bem, tem gente que a gente conhece há um tempão e nada...
E tem gente que a gente mal conheceu e sente como se fosse um tempão...
Você sabe não é?
O meu negócio é rotular, destravar no interior...
Não existem coincidências,
existem sim “n” formas de se dizer a mesma coisa.
De se dizer a mesma coisa existem formas “n”.
Formas de se dizer existem “n” a mesma coisa.
Mesmas de coisa “n” se dizer formas de existem.
Tudo é muito previsível, por exemplo:
Morte do Roberto Carlos -
Manchetes tipo: “O trono está vago”;
Ou: “O rei está morto. Viva o rei!”.
Ou quando da pós-liberação do jogo no Brasil,
o surgimento de uma “Nova Las Vegas no Mato-Grosso”.
Deixem-me em paz eu nasci ontem demais!
Luto para que todo ABS tenha um WC;
E não para que todo WO tenha um OK...”
“Poeta!
Por que ter Deus?!
Porra, meu!
Maldito!”
“Quando fico de pau duro sinto-me Deus
Não um Deus como Zeus no Olimpo
Deus como Jesus
Como o homem no garimpo ao achar a maior pepita
Como o médico que o cardíaco ressuscita
Sinto-me Deus, sinto-me forte
Sinto o poder
Toda a grandeza de ser de um povo
Sinto-me um ovo fecundado
Como um viado ao dar o rabo sinto-me alado
Sinto-me sábio
Sinto-me luz cuspida de meus lábios
Sinto a explosão dos teus
Quando me coloco Deus
No meio de tuas pernas”
“Eu acho que a vida anda passando a mão em mim
Eu acho que a vida anda passando a mão em mim
Eu acho que a vida anda passando
Acho que a vida anda passando
Acho que a vida anda
A vida anda em mim
A vida anda
Acho que há vida em mim
Há vida em mim
Anda passando
Eu acho que a vida anda passando
A vida anda passando a mão em mim
E por falar em sexo
Quem anda me comendo é o tempo
Se bem que já faz tempo mas eu escondia
Por que ele me pegava à força
E por trás
Até que um dia resolvi encará-lo de frente
E disse: Tempo, se você tem que me comer
Que seja com o meu consentimento
E me olhando nos olhos
Eu acho que eu ganhei o tempo
De lá pra cá ele tem sido bom comigo
Dizem que ando até remoçando...”
MÚSICA:
“A cor dos seus lábios, não sei não
Hoje tão meio pálidos
Eu já bebi seis cervejas mas eu não consigo parar de pensar no cachorro que eu matei de manhã...
Eu não andava muito, 80, 90 e o merda do vira-lata passou na frente...
Eu podia ter me fodido como o Zen que morreu de moto dando uma porrada de cabeça numa vaca!
Maldita vaca solta na estrada, - Tonta!
Mas o cachorrinho era pequeno e berrou como um bebê,
E ficou balançando com os ossos moles
E só dava pra ver que eles estavam perdendo o rumo - os meus também - e começou a juntar gente - eu tive que sumir!
Merda de cachorro!
E você com essa conversa. É claro que eu me mandei.
Pintou toda merda.
Tu podia ter esperado.
Que conversa de puta!
Deu pra sentir na certa que ‘cê deu pra outro!
Deve ter sido pr’um monte!
A sua buceta tava larga!
Entrou fácil, fácil!
Que conversa de zona
Dizer porque você fez
Alongamento!?
‘Cê acha que eu sou otário tem que ficar que vai fazer diferença (*)!
‘Cê ta querendo me ensinar mostrar que é “fodona!”
Eu vou sair da bosta dessa casa!
Eu não sei não eu vou me mandar
Novamente!
A cor dos seus lábios não sei não hoje estão meio pálidos já não consigo pensar!
Novamente!
A cor dos seus lábios
Hoje estão
Meio pálidos
(*) trechos incompreensíveis
NBP versus “eu-você”
Parâmetros do projeto NBP são desdobrados sobre inflexões “eu-você”
Que constituem pontos de curvatura deste plano
NBP entrará em você pelo lado de fora
Encostando em sua pele mobilizando-o de leve
Este é afinal o processo
Ou seja, envolvimento físico sem demasiado exercício
Ou transpirações
Enquanto o processo mental
Mexer-se sempre, colocar-se de lado
Seguir em frente olhando a direita, esquerda
Em cima e em baixo
NBP funciona atraindo o expectador para um encontro perceptivo que envolve
Sub-liminaridade, persuasão e repetição
Sub-liminaridade, persuasão e repetição
Sub-liminaridade, persuasão e repetição...
“Estou amando até os dentes
Esta desmelancolia* prateada que vem de um sorriso qualquer
Negro num dia sem trem
Estou armado de poesia contra tudo que se chama medo
Ignorância, insigliplicância que proclama
Mas policia o sol
Estou recomeçado e branco
Inverso ao me filiar ao vento
Sem o sexo frio da culpa
Pardopinaptopiscia gótica da noite
Estou estando e sereno
Somado àquilo da raça
Pintou legal merecer transar a minha caleidoscopia
Estou na quinta estrofe
Sem pai nem mãe no mundo
Agradeço a quem por amor traduzir meu mergulho no mar”
*(as palavras em itálico podem não estar grafadas da forma do autor)
“Gosto de falar sozinho
Gosto de falar sozinho
Chama esse poeta
Tira a pedra do caminho
Eu gosto de falar sozinho”
Após enxugar as lágrimas que o Boi de Parintins me provocou
E ainda tonto do êxtase daquela festa
Purgado e transformado
Peguei uma pequena lancha para descer o grande rio
Era minha última noite
Eu precisava voltar àquele lugar
O Furo do Morondongo
Lugar que meu inconsciente havia eleito como mágico
Uma câmera de vídeo digital e duas máquinas fotográficas
Após três horas de uma vertiginosa carreira através das ondas
Penetramos no furo lentamente
Formações vegetais quase alucinadas dominariam a realidade
Fui registrando tudo com minhas câmeras em passadas lentas e repetidas pelos mesmos locais
Muitas vezes reposicionando a lancha de acordo com a localização das nuvens
Para composições surreais
Respiração presa na ponta dos olhos
Até o centro do mundo, aprendendo a nadar
Toda a minha vida passou num segundo pela minha mente
Entendi o que os guilhotinados dos filmes da Revolução Francesa sentem na hora da lâmina
Não há imagens nem memória de cenas
Apenas um condensado de sensações de todos os presentes da vida
Comprimidos num presente sem lado de fora
E nesse presente, tudo é perdoado
Só me restava descer pelo fluxo do rio
Comecei a dominar a situação
Não queria que acabasse nunca
Ali era o meu lugar
Cheguei mesmo a soltar as mãos da lancha por um momento
Dominando a viagem do meu corpo pelo rio
Como filmar essa sensação?
Nadamos puxando a embarcação até que ela encalhasse na margem direita
Entre galhos partidos e raízes imemoriais
Não precisamos esperar que o sol irrompesse novamente entre as nuvens
Fazendo cessar o vento, o senhor das ondas
No Amazonas o sol sempre volta logo em seguida
É só confiar
Fomos retirados das águas pelo barco Cel. Azevedo
Acho que deixei no rio o formato do meu corpo
Talvez a minha alma que tenha passado para o lado de fora do corpo
Devido ao stress
E ela continua lá para sempre
Agarrada ao segredo
Fazendo a única coisa que sabe fazer realmente bem
Sobreviver