Ponto de Vista

Acessibilidade na Pós-graduação?

Por: Erliandro Silva

Meu nome é Erliandro Silva, tenho 43 anos e atualmente estou cursando o doutorado em Ciências Humanas e Sociais na UFABC. Sou o primeiro estudante preto e surdo a ingressar no programa de doutorado nesta universidade. No momento, resido e trabalho em Ilha Solteira, no interior de São Paulo, onde atuo no Campus Avançado Ilha Solteira do IFSP como servidor técnico-administrativo em educação, no cargo de assistente de estudantes.

Escolhi a UFABC e o programa de pós-graduação em Ciências Humanas e Sociais para realizar meu doutorado por diversos motivos. Primeiramente, destaco a presença de um orientador bilíngue (português/Libras), o professor Dr. Luiz Renato Martins da Rocha, que fará a minha orientação integralmente em Língua Brasileira de Sinais - Libras. Essa é uma experiência inédita para mim, pois em meus dois mestrados anteriores, não tive a mesma oportunidade, o que resultava em uma comunicação que precisava ser mediada por profissionais tradutores e intérpretes de Libras, o que é bom também, mas é diferente de eu falar diretamente com o meu professor orientador. Em segundo lugar, a UFABC reserva vagas em seu programa de doutorado para pessoas com deficiência (PcD), as conhecidas como cotas, uma iniciativa maravilhosa que reconhece a importância da diversidade na academia. Apesar disso, queria dizer que não utilizei essa cota, fui aprovado em primeiro lugar geral, na ampla concorrência, no processo seletivo, com ótimo desempenho em todas as etapas, eu nem consigo acreditar rsrs. Além disso, durante todo o processo de seleção, minha língua e minha identidade foram respeitadas e valorizadas. Em terceiro, a UFABC é reconhecida como uma das melhores universidades do país, o que torna ainda mais gratificante a oportunidade de fazer parte dela. E eu poderia elencar outros vários motivos.

Estou certo de que esta jornada será desafiadora, e já está sendo. A Universidade UFABC não possui servidores tradutores e intérpretes de Libras suficientes, e várias demandas não possuem acessibilidade linguística para pessoas surdas. Nas aulas passadas, por exemplo, a do dia 26 de fevereiro passado, só havia uma Intérprete de Libras, o que não pode acontecer, indo contra a Lei nº 14.704 de 25 de outubro de 2023, que estipula que, para carga horária acima de 1 hora de tradução, são necessários pelo menos dois tradutores/ intérpretes, especialmente neste caso, sendo um curso de doutorado, o qual é mais difícil de traduzir, exigindo um esforço físico e cognitivo muito maior. Permanecer por muito tempo traduzindo faz com que o corpo se canse e a qualidade da tradução diminua, ou seja, a qualidade do acesso à educação que eu estou tendo é menor do que a dos meus colegas de turma. Além disso, para garantir meu direito, a servidora tradutora de Libras perdeu o dela, o que me entristece muito. Já a aula do dia 27 de fevereiro foi cancelada por falta de intérpretes de Libras. Tudo isso é bastante triste, mas estou ciente de que o problema é muito maior, sendo político, social e econômico... E é importante lembrar que o cargo de tradutores de Libras, em nível federal, foi extinto pelo Decreto nº 10.185, de 20 de dezembro de 2019, fazendo com que as instituições federais de educação não possam mais efetivar novos profissionais de tradução. E o atual governo Federal ainda não resolveu sobre esses cargos. O que resta é tentar terceirizar, sendo essa praticamente a única alternativa possível, que é burocrática e demora mais, além de ser instável. E, de todo modo, os mais prejudicados somos nós, pessoas surdas, que estamos sem acesso à educação, tendo nossos direitos negados, indo contra legislações como: decreto 5.626 de 2005, Lei 14.191 de 2021 e Lei 10.436 de 2002 e assim vai…

Por fim, tudo isso precisa ser resolvido com mais celeridade, pois estou no doutorado e posso dizer isso aqui e agora. No entanto, esse é um problema nacional. Quantas pessoas surdas estão hoje sem acesso à educação?

Erliandro na fachada da UFABC

Erliandro com seu Orientador de Doutorado