BRIGITTE SCHITTENHELM
"VIVE LA CULTURE!"
27 de Maio a 23 de Junho de 2017
27 de Maio a 23 de Junho de 2017
PT
"O capitalismo é uma religião, é a mais feroz, implacável e irracional religião que jamais existiu, porque não conhece redenção nem trégua, celebra um culto ininterrupto cuja liturgia é o trabalho e cujo objecto é dinheiro."
Giorgio Agamben
"Considero o consumismo um fascismo pior do que o clássico, porque o clérigo-fascismo, na realidade não transformou os italianos, não se entranhou neles. Foi totalitário, mas não totalizante. Um exemplo: o fascismo tentou, durante vinte anos que esteve no poder destruir os dialectos. Não foi bem-sucedido. Inversamente, os poderes do consumismo estão, a destrui-los.”
Pier Paolo Pasolini
"Numa época como a nossa, por exemplo, durante há cem anos, na minha opinião, não produziu nada no sentido elevado da palavra, sobretudo por causa da intromissão comercial na questão."
Marcel Duchamp
The Marshall Plan Films: "Without Fear" (1951)
Após a devastação da Segunda Guerra Mundial, os americanos preocupados com a escalada da Guerra Fria, sugeriram o Plano Marshall para desenvolver a Europa e reforçar a aliança transatlântica. O plano era estabelecer um mercado Europeu que fosse compatível com o sistema Americano e erradicar da Europa as velhas políticas económicas de comércio. O Plano Marshall visou não só reformular as economias, mas também transformar as culturas dos países europeus. A ofensiva ideológica, forçada, era baseava em propaganda política, uma cultura individualista e, informação versus desinformação. O objectivo era articular os cidadãos no desejo de uma nova Europa Unida. A americanização foi associada a termos específicos: "modernidade, eficiência e tecnologia avançada". A partir daqui, a ajuda americana trouxe directrizes a respeito sobre a quantidade de filmes a serem legalmente admitidos no mercado europeu. Assistiu-se à destruição do cinema nacional europeu e, à destituição da especificidade das culturas locais e nacionais, como um todo. A americanização é o fim da possibilidade de imaginar alternativas sociais diferentes da ordem vigente, hoje a hegemonia universal de Hollywood, é flagrante. Não só o cinema, a substituição da literatura nacional por best-sellers internacionais ou americanos, a televisão invadida por importações, o encerramento de cafés, restaurantes, tabernas e tascas locais com a chegada das grandes multinacionais de fast-food e os efeitos da devastação que trazem consigo. Os americanos realizaram um enorme esforço, desde o fim da Segunda Guerra Mundial, para assegurar a dominação através da sua cultura e conseguiram devido à política, através da inclusão de cláusulas específicas em tratados e pacotes de ajuda económica.
" Zabriskie Point ", Michelangelo Antonioni (1970)
Ao desaparecimento do cinema experimental europeu dos anos 60 e 70, o surgimento das corporações transnacionais, como o primeiro sinal de uma nova evolução capitalista. O poder desses gigantes para nacionais sobre os governos nacionais europeus, começou a fazer-se sentir. Uma e outra vez mais, as corporações forçam através da Organização Mundial do Comércio (OMC), derrubar as políticas proteccionistas europeias, como parte de uma estratégia globalizante. As operações destas corporações tendem a favorecer os governantes de cada país europeu, uma porta giratória une os dois, em especial as pessoas que servem o governo. A expansão do poder, da influência americana e da globalização, enfraquece os estados-nações, subordinando-os ao seu poderio, através de consentimentos e colaborações, ameaças económicas ou força militar. A Europa rendeu-se à evidência, ela própria copia os valores americanos, eis a cultura mundial. Esta União Europeia está visceralmente implicada no projecto americano de mercado livre, apesar de a sua cultura ter sido deslocada para abrir espaço aos modelos americanos que substituam tudo o resto que é de valor cultural. A propaganda tornou-se uma mediação fundamental entre a cultura e a economia e inclui-se entre as inúmeras formas de produção estética. O que se constata hoje em dia no segundo e terceiro mundo, também se pode constatar no primeiro mundo. A globalização é a unificação através das corporações multinacionais. Todo o cultural, gradualmente, se transforma no económico e os produtos transformam-se em imagens libidinais delas próprias. A erotização é parte significativa deste processo, pois o produto também é consumido esteticamente. Este é o movimento da economia-cultura e está representado pela indústria do entretenimento, uma das mais rentáveis exportações dos americanos. Já não existem enclaves estéticos, os produtos reinam de forma suprema. A própria língua inglesa não é uma linguagem de cultura, é uma língua de poder e dinheiro.
"Pretty Hurts", Beyoncé (2013)
As redes de comunicação transformam-se sub-repticiamente numa posição sobre a nova cultura mundial. As novas redes expandem-se com o comércio e as transacções instantâneas. O desaparecimento da auto-suficiência nacional e a sua assimilação na esfera global, a estandardização da cultura mundial, a destruição das diferenças nacionais, a massificação de todos os povos do planeta. O surgimento de uma suposta cultura global, onde os hits internacionais são canonizados pela média e atingem uma circulação ampla, impensável para os produtos locais, este é o poder nivelador da cultura de massas. A enorme expansão dos mercados financeiros é uma característica espectacular da nova paisagem económica. A dependência absoluta do capital estrangeiro do estado-nação, na forma de empréstimos, ajuda ou investimentos. As transferências de capital instantâneo podem empobrecer regiões inteiras, drenando de um dia para o outro o valor acumulado de anos de trabalho nacional. O Fundo Monetário Internacional (FMI) é uma das forças motrizes das tentativas neoliberais de impor as condições do mercado livre, em outros países, através da ameaça da retirada dos fundos de investimento. A cultura de consumo é parte do social ou se sinaliza o fim do social como entendido, a atomização da sociedade corrói os grupos sociais, a sociedade moderna impessoal, corroí as famílias. O consumo em si, individualiza e atomiza. O conservadorismo cultural é incompatível com as políticas de mercado livre e a própria democracia é incompatível com este último. (A Cultura do Dinheiro, Fredric Jameson)
"The Coming Insurrection", Schell Productions (2015)
Vivemos num continuum global de parques de entretenimento, onde testemunhamos à personalização da massa e à individualização de todas as condições de vida. Vive-se, aqui e agora, numa estrutura organizativa, ostentada pelo turismo e centros de consumo, de divertimento e atracções estéticas, tudo está misturado. O marketing percorre todo o território, onde tudo está etiquetado com o seu preço, o vazio. A nossa história é a de colonização, migração, guerra, exílio, a destruição de todas as raízes. Somos estrangeiros no nosso planeta, não passamos de um produto para ser vendido, esta é a nova forma de socialização. As pessoas são uma fantasia criada pelo mercado. Os europeus expropriaram a própria língua e história, a carne pela pornografia em massa, as cidades pela polícia e vigilância, os amigos pelo salário do trabalho. Comboios de alta velocidade, satélites, vídeo-vigilância mobilizam as pessoas todas, o que implica o isolamento e o exílio. Não passamos de carneiros pacificados, conteúdo para ser consumido. O capitalismo fez lucro da destruição de todas as "coisas" que viviam de ligações sociais, e agora está a reconstruir na sua própria base. A sociedade agora é uma incubadora. Uma nova economia para uma nova humanidade, não quer só separar a esfera de existência, quer fabricá-la, quer ser a substância das relações humanas, uma nova definição de trabalho, o capital como capital humano. Este é o paradigma civilizacional, economia total construída de baixo para cima onde tudo é automático. A civilização ocidental aburguesou-se totalmente, desde o trabalhador ao barão. Sacrificou uma civilização particular para impor como uma cultura universal. (The Coming Insurrection, O Comité Invisível)
"Pen-Pineapple-Apple-Pen", Pikotaro (2016)
Estamos imersos numa forma de estética totalitária, sustentada pela propaganda reinante no âmbito das democracias ocidentais. Se, a grande meta da propaganda totalitária era transmitir ao povo a ideia da omnipresença do grande líder, o objectivo da propaganda democrática é criar um consenso entre a elite e a sociedade sobre as questões de interesse público, estruturando esse debate numa aparência de consentimento democrático, mas atendendo aos interesses dessa elite. O consenso é feito à custa da sociedade como um todo, que, naturalmente, se compõe de mais pessoas que aquelas que compõem a elite. O consenso totalitário está presente em todos os lugares. Sabendo tudo o que ocorre no país, consegue tomar todas as providências necessárias. Este modelo é um sistema de propaganda descentralizado e poderoso que influência permanentemente. (Consentimento de Fabricação: A Economia Política dos Meios de Comunicação Social, Noam Chomsky - Edward S. Herman)
Celebrando a via globalizante, a população foi induzida a aplaudir a cultura da celebridade: arte, cinema, música, literatura, média, videojogos e todos os outros níveis onde se propaga. A população confinada à propaganda, encarcerada na sua gruta, vê o teatro das sombras. Uma cultura de excesso, que pouco tem para oferecer, a não ser a "repetição" dos seus produtos, reciclados ad eternum. No contexto social, dá-se mais atenção ao aspecto "exterior" do que à "dignidade interior", não podemos admirar-nos que a mais grosseira ignorância assumiu a aparência de cultura. A população escravizada e resumida ao ganha-pão do dia-a-dia, conformada e incapacitada, assiste passivamente aos não-acontecimentos. A vida foi reduzida a um jogo de bolsa. Nas cidades de betão, a vida configura-se como uma luta contínua pelo dinheiro; O homem foi transformado num acessório da propriedade.
"Amo a floresta. Não é bom viver nas cidades: são nelas muito numerosos os homens com cio." (Assim falou Zaratustra, Friedrich Nietzsche)
EN
"Capitalism is a religion, and is the most ferocious, relentless and irrational religion that ever existed, because it knows no redemption or truce. It celebrates an uninterrupted cult whose liturgy is work and whose object is money. "
Giorgio Agamben
"I regard consumerism as fascism worse than the classic one, because clergyman-fascism did not in fact transform the Italians, they did not interfere with them. It was totalitarian, but not totalizing. An example: fascism tried, during twenty years that was in power to destroy the dialects. It was not successful. Conversely, the powers of consumerism are destroying them."
Pier Paolo Pasolini
"At a time like ours, for example, for a hundred years, in my opinion, it did not produce anything in the high sense of the word, especially because of the commercial intrusion in the question."
Marcel Duchamp
The Marshall Plan Films: "Without Fear" (1951)
After the devastation of World War II, Americans worried about the escalation of the Cold War, suggested the Marshall Plan to develop Europe and strengthen the transatlantic alliance. The plan was to establish a European market that would be compatible with the American system and to eradicate from Europe the old economic policies of trade. The Marshall Plan sought not only to reformulate economies but also to transform the cultures of European countries. The forced ideological offensive was based on political propaganda, an individualistic culture, and information versus disinformation. The aim was to articulate citizens in the desire for a new United Europe. Americanization was associated with specific terms: "modernity, efficiency and advanced technology". From here, US aid has brought directives regarding the number of films to be legally admitted on the European market. We have been witnessing the destruction of European national cinema and the destitution of the specificity of local and national cultures as a whole. Americanization is the end of the possibility of imagining social alternatives different from the prevailing order, today the universal hegemony of Hollywood, is blatant. Not only the cinema, the replacement of national literature by international or American bestsellers, the television invaded by imports, the closure of cafes, restaurants, taverns and local bars with the arrival of the big fast-food multinationals and the effects of devastation that they bring with them. The Americans made a huge effort, since the end of World War II, to ensure domination through their culture and succeeded because of is policy, by including specific clauses in treaties and economic aid packages.
"Zabriskie Point", Michelangelo Antonioni (1970)
With the disappearance of European experimental cinema of the 60s and 70s, the emergence of transnational corporations was the first sign of a new capitalist evolution. The power of these international giants over the European national governments began to make sense. Again and again, corporations force through the World Trade Organization (WTO) to overturn European protectionist policies as part of a globalizing strategy. The operations of these corporations tend to favor the rulers of each European country; a revolving door unites the two, especially the people who serve the government. The expansion of American power, influence and globalization weakens nation-states, subordinating them to their power, through consents and collaborations, economic threats, or military force. Europe surrendered itself to the evidence, it itself copies the American values, this is the world culture. The European Union is viscerally involved in the American free-market project, even though its culture has been shifted, to make room for American models that replace everything else that is of cultural value. Advertising has become a fundamental mediation between culture and economics and is among the many forms of aesthetic production. What can be seen today, in the second and third worlds, can also be seen in the first world. Globalization is unification across multinational corporations. All cultural gradually becomes economic and products become libidinal images of their own. Eroticism is a significant part of this process, as the product is also consumed aesthetically. This is the economy-culture movement and it is represented by the entertainment industry, one of the most profitable exports of Americans. There are no longer any aesthetic enclaves, the products reign supreme. The English language itself is not a language of culture, it is a language of power and money.
"Pretty Hurts", Beyoncé (2013)
Communication networks surreptitiously transform into a position on the new world culture. The new networks expand with commerce and instant transactions. The disappearance of national self-sufficiency and its assimilation in the global sphere, the standardization of the world culture, the destruction of national differences, the massification of all peoples of the planet. The emergence of a supposed global culture where international hits are canonized by the media and reach a wide circulation, unthinkable for local products, is the leveling power of mass culture. The huge expansion of financial markets is a spectacular feature of the new economic landscape. The absolute dependence of foreign capital on nation states in the form of loans, aid or investments. Instant capital transfers can impoverish whole regions, draining from one day to the next the accumulated value of years of national labor. The International Monetary Fund (IMF) is one of the driving forces behind neoliberal attempts to impose free market conditions in other countries through the threat of withdrawal from investment funds. The culture of consumption is part of the social or signifies the end of the social as understood, the atomization of society corrodes social groups, and impersonal modern society corrodes families. Consumption in itself individualizes and atomizes. Cultural conservatism is incompatible with free market policies, and democracy itself is incompatible with this last one. (The Culture of Money, Fredric Jameson)
"The Coming Insurrection", Schell Productions (2015)
We live in a global continuum of entertainment parks, where we witness the personalization of mass and the individualization of all living conditions. You live here and now in an organizational structure, boasting tourism and consumer centers, fun and aesthetic attractions, everything is mixed. Marketing goes all over the territory, where everything is labeled with its price, the emptiness. Our history is of colonization, migration, war, exile, the destruction of all roots. We are foreigners on our planet, we are just a product to be sold, and this is the new form of socialization. People are a fantasy created by the market. Europeans expropriated their own language and history, the flesh for mass pornography, the cities for police and surveillance, friends for the wages of labour. High-speed trains, satellites, video surveillance, mobilize all people, which mean isolation and exile. We are nothing but pacified sheep, content to be consumed. Capitalism made profit from the destruction of all "things" that lived from social bonds, and now it is rebuilding on its own base. Society is now an incubator. A new economy for a new humanity, not only wants to separate the sphere of existence, to manufacture it, to be the substance of human relations, a new definition of labor, capital as human capital. This is the civilizational paradigm, total economy built from the bottom up where, everything is automatic. Western civilization was fully bred, from the worker to the baron. It sacrificed a particular civilization to impose itself as a universal culture. (The Coming Insurrection, The Invisible Committe)
"Pen-Pineapple-Apple-Pen", Pikotaro (2016)
We are immersed in a form of totalitarian aesthetics, supported by the reigning propaganda within the framework of Western democracies. If the great goal of totalitarian propaganda was to convey to the people the idea of the omnipresence of the great leader, the goal of democratic propaganda is to create a consensus between the elite and society on matters of public interest, structuring this debate in an appearance of democratic consent but serving the interests of the elite. Consensus is made at the expense of society as a whole, which of course consists of more people than those who make up the elite. Totalitarian consensus is present everywhere. Knowing everything that happens in the country, it has the power to take all the necessary measures. This model is a decentralized and powerful propaganda system that influences us permanently. (Manufacturing Consent: The Political Economy of the Mass Media, Noam Chomsky - Edward S. Herman)
Celebrating the globalizing way, the population was induced to applaud the celebrity culture: art, cinema, music, literature, media, video games and all other levels where it spreads. The population confined to the propaganda, imprisoned in its grotto, sees the theater of shadows. A culture of excess, which has little to offer, but the "repetition" of their products, recycled ad eternum. In the social context, it gives more attention to the "outside" aspect than to "inner dignity", we cannot be surprised that the grossest ignorance has assumed the appearance of culture. The population enslaved and summarized to the day-to-day gain, conformed and incapacitated, passively attends to non-events. Life was reduced to a purse game. In concrete cities, life is a continuous struggle for money; man has been transformed into an accessory of property.
"I love the forest. It is not good to live in cities: in them there are many men in heat. "(Thus spoke Zarathustra, Friedrich Nietzsche)