RODRIGO VILHENA
"UMA BREVE HISTÓRIA DO MUNDO"
6 de Janeiro a 2 de Fevereiro de 2018
6 de Janeiro a 2 de Fevereiro de 2018
PT
"(…) ele é ferozmente contra o mundo cultural que o envolve."
( Rimbaud, Os Anos da Abissínia - Jean-Michel Djian, 2015)
VIDAS
I
Oh as agendas imensas da Terra Santa, os terraços do templo! Que fizeram do brâmane que me explicava os Provérbios? De então, de aí, até as velhas vejo ainda! Recordo as horas de prata e de sol em direcção aos rios, a mão da terra em cima do meu ombro, e as nossas carícias trocadas de pé na planície odorante. - Uma revoada de pombos escarlates estala em torno do meu pensamento.
- Aqui exilado, tive um palco para representar as obras-primas dramáticas de todas as as literaturas. Ter-vos-ia mostrado riqueza inaudita. Observo a continuação! Para vós, a minha sabedoria é tão desprezível como o caos. Que é o meu nada, comparado ao horror que vos espera?
II
Sou um inventor muito mais meritório do que qualquer dos meus predecessores; um músico que descobriu algo como a clave do amor. Agora, gentil-homem de província pobre e céu austero, procuro enternecer-me com a recordação da infância mendiga, a aprendizagem ou o regresso em farrapos, as querelas, as cinco ou as seis vezes em que fiquei viúvo, e as algumas bodas em que a minha testa de ferro não me deixou seguir o diapasão dos camaradas. Não choro o meu velho quinhão de alegria divina: o ar austero desta terra pouca alimenta muito activamente o meu atroz cepticismo. Mas como o meu cepticismo deixou de ser manobrável e me votei a uma ânsia nova - fico à espera de ser um louco muito perigoso.
III
Num esconso onde me fecharam aos doze anos conheci o mundo, ilustrei a comédia humana. Num celeiro aprendi história. Em qualquer festa nocturna duma cidade do Norte, encontrei todas as mulheres dos antigos pintores. Numa velha arcada de Paris ensinaram-me as ciências clássicas. Numa incursão magnífica, assistido por todo o Oriente, completei minha obra imensa e fiz a minha insigne retirada. Fermentei o meu sangue. Fui-me restituído. Há que deixar de, sequer, pensar nisso. Sou realmente de além-túmulo, e nada de comissões.
CIDADE
Sou um efémero e não excessivamente descontente cidadão duma metrópole que se julga moderna porque foi evitada toda a estereotipa na decoração e no exterior das casas, como no plano geral da cidade. Aqui não achareis rasto de nenhum monumento de superstição. A moral e a língua estão enfim reduzidas à sua expressão mais simples! Estes milhões de pessoas que não têm qualquer necessidade de conhecer-se levam com tal paralelismo a educação, a profissão e a velhice que o curso da vida deve ser muitas vezes mais breve do que aquele que uma estatística louca assinala aos habitantes do continente. Tal como, desde a minha janela, vejo novos fantasmas deslizando através da espessa e eterna fumarada carbónica - nossa mata campestre, nossa noite de estio! - novas Erínias diante do chalé que é toda a minha pátria e todo o meu afecto pois tudo aqui é semelhante a isto - a Morte sem lágrimas, nossa activa filha e criada, um Amor desesperado, e um belo crime ganindo na lama da rua.
VIGÍLIAS
I
É a meditação, nem febre nem langor, no leito ou no prado.
É o amigo, nem fogoso nem débil. O amigo.
É a amada, nem tormentosa nem atormentada. A amada.
O ar e o mundo já não demandados. A vida.
- Era isto?
- E o sonho esfria.
II
(…)
Jean-Nicolas Arthur Rimbaud (Charleville, 1854 - Marselha, 1891)
FR
"(...) il est farouchement contre le monde culturel qui l'entoure."
(Rimbaud, Les Années d'Abyssinie - Jean-Michel Djian, 2015)
VIES
I
O les énormes avenues du pays saint, les terrasses du temple ! Qu'a-t-on fait du brahmane qui m'expliqua les Proverbes ? D'alors, de là-bas, je vois encore même les vieilles ! Je me souviens des heures d'argent et de soleil vers les fleuves, la main de la compagne sur mon épaule, et de nos caresses debout dans les plaines poivrées. — Un envol de pigeons écarlates tonne autour de ma pensée.
- Exilé ici, j'ai eu une scène où jouer les chefs-d’œuvre dramatiques de toutes les littératures. Je vous indiquerais les richesses inouïes. J'observe l'histoire des trésors que vous trouvâtes. Je vois la suite ! Ma sagesse est aussi dédaignée que le chaos. Qu'est mon néant, auprès de la stupeur qui vous attend ?
II
Je suis un inventeur bien autrement méritant que tous ceux qui m'ont précédé; un musicien même, qui ai trouvé quelque chose comme la clef de l'amour. A présent, gentilhomme d'une campagne maigre au ciel sobre, j'essaie de m'émouvoir au souvenir de l'enfance mendiante, de l'apprentissage ou de l'arrivée en sabots, des polémiques, des cinq ou six veuvages, et quelques noces où ma forte tête m'empêcha de monter au diapason des camarades. Je ne regrette pas ma vieille part de gaîté divine: l'air sobre de cette aigre campagne alimente fort activement mon aigre scepticisme. Mais comme ce scepticisme ne peut désormais être mis en oeuvre, et que, d'ailleurs, je suis dévoué à un trouble nouveau, — j'attends de devenir un très méchant fou.
III
Dans un grenier, où je fus enfermé à douze ans, j'ai connu le monde, j'ai illustré la comédie humaine. Dans un cellier j'ai appris l'histoire. A quelque fête de nuit, dans une cité du Nord, j'ai rencontré toutes les femmes des anciens peintres. Dans un vieux passage à Paris on m'a enseigné les sciences classiques. Dans une magnifique demeure cernée par l'Orient entier, j'ai accompli mon immense oeuvre et passé mon illustre retraite. J'ai brassé mon sang. Mon devoir m'est remis. Il ne faut même plus songer à cela. Je suis réellement d'outre-tombe, et pas de commissions.
VILLE
Je suis un éphémère et point trop mécontent citoyen d'une métropole crue moderne, parce que tout goût connu a été éludé dans les ameublements et l'extérieur des maisons aussi bien que dans le plan de la ville. Ici vous ne signaleriez les traces d'aucun monument de superstition. La morale et la langue ont été réduites à leur plus simple expression, enfin ! Ces millions de gens qui n'ont pas besoin de se connaître amènent si pareillement l'éducation, le métier et la vieillesse, que ce cours de vie doit être plusieurs fois moins long que ce qu'une statistique folle trouve pour les peuples du Continent. Aussi comme, de ma fenêtre, je vois des spectres nouveaux roulant à travers l'épaisse et éternelle fumée de charbon, — notre ombre des bois, notre nuit d'été ! — des Érinnyes nouvelles, devant mon cottage qui est ma patrie et tout mon coeur puisque tout ici ressemble à ceci — la Mort sans pleurs, notre active fille et servante, un Amour désespéré et un joli Crime piaulant dans la boue de la rue.
VEILLÉES
I
C'est le repos éclairé, ni fièvre ni langueur, sur le lit ou sur le pré.
C'est l'ami ni ardent ni faible. L'ami.
C'est l'aimée ni tourmentante ni tourmentée. L'aimée.
L'air et le monde point cherchés. La vie.
- Était-ce donc ceci ?
- Et le rêve fraîchit.
II
(...)
Jean-Nicolas Arthur Rimbaud (Charleville, 1854 - Marselha, 1891)