JOÃO ROMÃO

PT

            “À medida que a arte se afunda no impasse, multiplicam-se os artistas. Essa anomalia deixa de sê-lo, se pensarmos que a arte, em vias de esgotamento, se tornou simultaneamente impossível e fácil.” (Do Inconveniente de ter Nascido, Emil Cioran)

A arte dilui-se, as fronteiras da arte, design, moda, da vanguarda e do comercial desvaneceram. Esta é uma arte que é validada no seu tempo, é superficial e tem unicamente o objectivo de ser comercializada. É uma arte de espírito internacional, uma amálgama, como uma nova forma de academismo. Assistimos à indiferenciação cultural, à conformidade e à monotonia. Sob o reinado da arte contemporânea da "igualdade de direitos estéticos" e da liberdade da experimentação, este único regime cultural, é uma forma de estética totalitária, sustentada pelo mercado.

 “A “cultura” é o costume, a regra, a norma, o Direito; as “ideias”, na medida em que são elaboradas na consciência, são a transgressão, o desvio, a crítica do Direito.” (Filhos de Saturno, António José Saraiva)

Durante as duas grandes guerras mundiais do século XX, os interesses corporativos começaram a legitimar o seu poder aliando-se às democracias e às formas de arte modernas. O sistema artístico foi sendo organizado por um conjunto de regras mais ou menos transparentes no qual se rege e é aceite pela opinião pública. Este é um corpo de instituições erguidas ao longo do século XX que servem para salvaguardar as vanguardas, os ditos “ismos” da arte moderna. Se a arte era provocadora e escandalosa, as instituições que a albergavam eram conservadoras e aceites pelo público em geral. Este foi o antagonismo e a lógica mundial da arte internacional. O modernismo sempre foi acarinhado pelo capitalismo tout court. Celebrando a arte e os artistas consagrados, os jovens famosos, a vida boémia, as galerias, os bares e as discotecas, e todos os ambientes mundanos que dão glamour aos amantes da arte. Nos nossos dias, estas instituições tornaram-se “autómatos”, fazendo continuamente a tão previsível programação de exposições mediante a sua lógica interna. Deste modo formou-se um sistema artístico apologista do “capital”.

Karl Marx referiu que a base económica de qualquer sistema comandará a superestrutura. O principal papel das instituições é segregar e disseminar ideologia de modo que as ideias dominantes de cada era sejam as ideias da classe dominante. Isto significa que praticamente todas as pessoas, os capitalistas e as suas vítimas sofrem de falsa consciência, andamos todos iludidos.

            “Estando gastos os modos de expressão, a arte orienta-se para a ausência de sentido, para um universo privado e incomunicável. Uma vibração inteligível, seja em pintura, música ou poesia, parece-nos, com toda a razão, obsoleta ou vulgar. O público desaparecerá em breve; a arte não tardará a segui-lo.” (Silogismos da Amargura, Emil Cioran)

O colapso do bloco de leste e da URSS parece ter confirmado o triunfo final do mercado à escala global. A economia selvagem, o sector financeiro liberado, a privatização e a eliminação do estado social, levam ao acerto do capitalismo sobre o trabalho, esta é uma sociedade de risco. A relação entre a arte e as finanças, foi fulcral para a narrativa moderna se fundamentar. Esta austeridade conceptual e minimal da arte dos anos 60 e 70, perante o mercado desregulado, forçou o surgimento de novas tendências artísticas. A vanguarda terminou, assiste-se ao retorno à figuração e ao neo-expressionismo, nos anos 80, a banalidade como mote parece ter sido o sentido último da arte. Neste período, assistiu-se a vendas com preços astronómicos de trabalhos de jovens emergentes, especialmente pintores. Estes já são artistas imersos no empreendimento. Nos anos 90 descobrimos um retorno ao engajamento político quase antropológico. Este revelou-se como meramente um pastiche pós-moderno, sem significado cultural. Os filtros estéticos do mundo artístico colapsam. O surgimento de cada vez mais jovens artistas vindos dos mais diversos backgrounds, um gosto artístico do vale tudo, a capitalização global do mercado de arte e a cultura do empresário. Aliado à diminuição do peso dos críticos e teóricos, definem este novo mundo, no qual a realidade económica determina como as pessoas pensam e agem. A economia tornou-se cultura, isto é a negação da condição humana.

“ (…) só há cultura de direita. Com efeito, a cultura nesta acepção é um factor de estabilidade do grupo. Toda a transgressão do sistema estabelecido de símbolos e crenças põe em perigo a sobrevivência do grupo social tal como existe, (…) A regra é que as ideias individuais (quer resultantes de pulsões inconscientes, quer do exercício da razão crítica) entram em conflito com a cultura colectiva. (…) Mas a cultura não nasce das ideias, antes, sim, da vida. O problema todo é: como mudar a vida?” (Filhos de Saturno, António José Saraiva)

A Exposição “Citação” de João Romão delimita e apresenta excertos da entrevista realizada a Julião Sarmento por Ana Soromenho (Texto) e Tiago Miranda (Fotografias) à Revista Expresso E, Edição 2255, de 16 de Janeiro de 2016.

On the Passage of a Few Persons Through a Rather Brief Moment In Time: 

The Situationist International 1956-1972

Branka Bogdanov, 1989

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"As the art sinks into a dead-lock, the artists multiply. This anomaly ceases to be, if we think that art is in depletion, became simultaneously impossible and easy. "(The Trouble with Being Born", Emil Cioran)

The art is diluted; the boundaries of art, design, fashion, the avant-garde and the commercial vanished. This is an art that is validated in its time, is superficial and only aims to be marketed. It is an art of international spirit, an amalgamation, as a new form of academicism. We witness the cultural indifferentiation, to the conformity and monotony. Under the reign of contemporary art "the aesthetic equal rights" and freedom of experimentation, this unique cultural system, is a form of totalitarian aesthetics, sustained by the market.

The "culture "is the custom, the rule, the norm, the law; the "ideas", as they are developed in consciousness, are transgression, deviation, criticism of the law of right.”(Saturn's Children, António José Saraiva)

During the two world wars of the twentieth century corporate interests begun to legitimize their power by allying themselves to democracy and to the forms of modern art. The art system was being organized by a set of more or less transparent rules, which governs and is accepted by the public. This is a body of institutions built during the twentieth century that serve to safeguard the vanguards, the "isms" of modern art. If art was provocative and outrageous, the institutions that housed them were conservative and accepted by the general public. This was the antagonism and the global logic of international art. Modernism was always cherished by tout court capitalism. Celebrating art and the established artists, the famous painters, the bohemian life, the galleries, the bars and nightclubs, and all worldly environments that give glamor to art lovers. Nowadays, these institutions have become "automatons", making continuously so the predictable program of exhibitions by its internal logic. Thus it formed an artistic system apologist of "capital".

Karl Marx said that the economic base of any system will command the superstructure. The main role of institutions is to segregate and disseminate ideology so that the ruling ideas of each epoch are the ideas of the ruling class. This means that almost everyone, capitalists and their victims suffer from false consciousness, they are all deluded.

            "Being outlay the ways of expression, art is oriented towards is meaninglessness, to a private and incommunicable universe. An intelligible vibration, being painting, music or poetry, it seems, quite rightly, obsolete or vulgar. The public will soon disappear; art will soon follow him. “ ("All Gall Is Divided", Emil Cioran)

The collapse of the Eastern bloc and the USSR seems to have confirmed the final triumph of the market on a global scale. The wild economy, the released of the financial sector, privatization and the elimination of social state, lead to the settlement of capitalism on the “work”, this is a risk society. The relationship between art and finance was central to the modern narrative justified by herself. The conceptual austerity and years of minimal art of the 60s and 70s, before the deregulated market, forced the emergence of new artistic trends. Vanguard is finished, we are seeing the return to figuration and neo-expressionism, in the 80s, the banality as the motto seems to be the ultimate meaning of art. During this period, we have seen sales with astronomical prices of emerging young artists, especially painters. These are already artists immersed in the venture. In the 90's we found a return to almost anthropological political engagement. This has proved to be merely a postmodern pastiche without cultural significance. The aesthetic filters of the art world collapsed. The emergence of increasingly young artists coming from the most diverse backgrounds, an artistic taste of the everything alike, the overall capitalization of the global art market and the entrepreneur culture, combined with the decrease in the weight of critics and theorists define this new world, which economic reality determines how people think and act. The economy has become culture, which is the negation of the human condition.

"(...) there is only the right culture. Indeed, culture in this sense is a group of stability factor. Every transgression of established symbols and belief system endangers the survival of the social group, as it exists (...). The rule is that individual ideas (whether arising from unconscious drives, through the exercise of critical reason) conflict with collective culture. (...) But culture is not born of ideas but from life. The whole problem is: how to change the life "(Saturn's Children, António José Saraiva)

The "Citation" exhibition of Joao Romão presents excerpts of the interview given by Julião Sarmento to Ana Soromenho (Text) and Tiago Miranda (Photos) to the “E Expresso” magazine, Edition 2255, 16 January 2016.

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