JOÃO ROMÃO
"A MORTE DO INDIVÍDUO"
12 de Janeiro a 8 de Fevereiro de 2019
12 de Janeiro a 8 de Fevereiro de 2019
PT
“O liberalismo funda-se no gosto pela independência: perante a Igreja, perante o Estado e perante o próximo. Na independência do crente, do cidadão e do homem económico. Ora os portugueses foram desde sempre educados para a dependência. Os católicos dependem dos padres; os estudantes dependem dos professores; os operários dependem dos patrões; os patrões dependem do Estado. E toda a gente depende com louvável cordura de infinitas autoridades: de polícias, de cabos do mar, de funcionários públicos, de ministros ou de chefes carismáticos; como toda a gente se deixa sem protesto identificar, classificar, interrogar, punir e mandar; ou acata mensalmente prodigiosas quantidades de regras e proibições; ou preenche papéis, espera em bichas e paga emolumentos com sumo respeito.” ("Retratos e Auto-Retratos", Vasco Pulido Valente, 1992)
Estou socialmente deslocado, politicamente enojado e culturalmente enganado. Neste país tudo é corrupção desde a administração local à administração central, dos partidos aos governos, dos “negócios” ao futebol. Em Portugal corrupção é sinónimo de cultura. Perante esta ordem nacional pouco ou nada os portugueses podem fazer, só mesmo tratarem de si e entre si da mesma maneira. Perante um Estado autoritário que abarca tudo e todos, estão reunidas as condições para albergar a corrupção aos mais diversos níveis. Este é o estado a que isto chegou. “Meus senhores, como todos sabem, há diversas modalidades de Estados. Os estados sociais, os corporativos e o estado a que isto chegou!” (25 de Abril de 1974, Salgueiro Maia)
A população submete-se ao Estado, para que a sua abjecta dependência seja paga: “com protecção, empregos, sinecuras, favores, cunhas, borlas, descontos, subsídios, ajudas, apoios, conivências e, no fim, evidentemente, com o perdão geral dos pecados. A ninguém ocorre tratar de si sozinho, dizer o que pensa, fazer o que lhe apetece e repelir as autoridades e as leis que interfiram ilicitamente com a sua liberdade.” ("Retratos e Auto-Retratos", Vasco Pulido Valente, 1992) É necessária uma cultura individualista, porque o corporativismo bolorento abafa o país. Portugal precisa de uma sociedade hostil ao Estado, mas neste país o “indivíduo”, morreu.
“Para a minha geração, que vai agora morrendo, o “25 de Abril” chegou a tempo. Andávamos pelos 30 anos, com uma profissão e uma longa vida à nossa frente. Íamos finalmente mudar Portugal. Fazer um novo cinema, um novo teatro, uma nova literatura, uma universidade exemplar e um Estado Democrático. (…) Mas ficou o sentimento da fragilidade das coisas, que só se consolidaram em 1989-1990. Nessa altura, a grande esperança da “revolução” já desaparecera. (…) Os partidos tomaram conta da política, com uma irreprimível irresponsabilidade e uma corrupção congénita, contra os quais o cidadão comum era impotente. (…) Infelizmente a nossa “sorte” incluía também uma certa esterilidade pessoal e a amargura de uma colectiva desilusão. E à nossa volta, sucessivos governos criavam as ruínas da nossa velhice.” ("De mal a pior", Vasco Pulido Valente, 2016)
A juventude vai herdar o “poder, a corrupção e as mentiras” dos sucessivos governos da suposta liberdade, sem vislumbre de futuro algum. Para aqueles que já chegaram à meia-idade, a ideia de futuro nunca existiu, muito menos agora; já estávamos mortos, mesmo antes de nascer. Tal como em 1877, Alexandre Herculano disse: “que isto (Portugal) dava-lhe vontade de morrer”.
“Tendo-se inscrito primeiro no PS, mudou para o PSD em 1979 quando percebeu que o PS estava a usar o Estado “para se sustentar e para através dele criar e manter uma pequena burguesia que se acha revolucionária e que é, pura e simplesmente, a raiz do fascismo possível”. O Estado que hoje existe, com os seus 400 mil funcionários, as suas infinitas empresas, a sua Reforma Agrária, o seu domínio da banca, do ensino, da comunicação social, não será nunca uma fonte de igualdade, (…) autoritário e explorador, prolonga e completa aquele que herdámos da tradição e de Salazar” (do prefácio à sua primeira recolha de crónicas, “O País das Maravilhas”, Vasco Pulido Valente, 1979)
A Exposição “A Morte do Indivíduo” de João Romão apresenta excertos do livro “De mal a pior” (2016) de Vasco Pulido Valente.
EN
"Liberalism is based on the taste for independence: before the Church, before the State and before the next one. In the independence of the believer, the citizen and the economic man. But the Portuguese have always been educated for dependence. The Catholics depend on their priests; students depend on teachers; the workers depend on the bosses; the bosses depend on the state. And everyone depends with praiseworthy sanity of infinite authorities: of policemen, of sailor corporals, of civil servants, of ministers or charismatic chiefs; as everyone is left without protest identify, classify, interrogate, punish and rule; or abides prodigiously of quantities of rules and prohibitions; or fill roles, wait in queues and pay emoluments with utmost respect." ("Retratos e Auto-Retratos", Vasco Pulido Valente, 1992)
I am socially dislocated, politically disgusted and culturally deceived. In this country everything is corruption from the local administration to the central administration, from the parties to the governments, from "businesses" to football. In Portugal corruption is synonymous of culture; towards this national order little or nothing the Portuguese can do, just to treat themselves and each other in the same way. Before an authoritarian state that encompasses everything and everyone is able to accommodate corruption at all levels. This is the state this has come to. "Gentlemen, as you all know, there are various types of states. The social states, the corporates and the state to which this has come!" (April 25, 1974, Salgueiro Maia)
The population submits itself to the State, so that its abject dependency is paid: "with protection, jobs, sinecures, favors, wedges, tassels, discounts, subsidies, aids, supports, connivances and, of course, forgiveness of sins. It does not occur to anyone to treat themselves, say what they think, do what they want and repel the authorities and laws that interfere unlawfully with their freedom." ("Retratos e Auto-Retratos2, Vasco Pulido Valente, 1992) It´s necessary an individualistic culture, because moldy corporatism stifles the country. Portugal needs a society hostile to the State, but in this country the "individual" is dead.
"For my generation, which is now dying, the" April 25 "arrived on time. We were in our thirties, with a profession and a long life ahead of us. We were finally going to change Portugal. Make a new cinema, a new theater, a new literature, an exemplary university and a Democratic State. (...) But there was the feeling of the fragility of things, which only consolidated in 1989-1990. By then the great hope of the "revolution" had disappeared. (...) The political parties took over the politics, with an irrepressible irresponsibility and a congenital corruption, against which the ordinary citizen was impotent. (...) Unfortunately our "luck" also included a certain personal sterility and the bitterness of a collective disillusionment. And around us, successive governments created the ruins of our old age." ("De mal a pior", Vasco Pulido Valente, 2016)
Youth will inherit the "power, corruption and lies" of the successive governments of supposed freedom, with no glimpse of any future and for those who have reached middle age, the idea of the future never existed, much less now, We were already dead, even before birth. As in 1877, Alexandre Herculano said, "that this (Portugal) made him want to die."
"Having first registered in the PS, he moved to the PSD in 1979 when he realized that the PS was using the State" to support itself and through it to create and maintain a small bourgeoisie that thing is revolutionary and is pure, and simply is the root of possible fascism. “The State that exists today, with its 400,000 employees, its infinite enterprises, its Agrarian Reform, its dominion of banking, education, and social communication, will never be a source of equality, (...) authoritarian and exploratory, prolongs and completes that which we inherited from tradition and from Salazar "(from the preface to his first collection of chronicles," O País das Maravilhas ", Vasco Pulido Valente, 1979)
The exhibition "The Death of the Individual" by João Romão presents excerpts from Vasco Pulido Valente's book "De mal a pior" (2016).