utilização e utilidades

Liquenes


Os líquenes são associações estáveis autosuficientes entre um fungo (micobionte) e um ou mais organismos fotossintéticos (fotobionte), que pode ser tanto uma alga unicelular como uma cianobactéria. A simbiose resultante da associação entre os dois organismos forma um talo liquénico, que é diferente da forma que assume cada um dos biontes quando se desenvolve isoladamente.

O micobionte é composto por filamentos entrelaçados, chamados hifas, que não apresentam diferenças fundamentais, a nível citológico, aos encontrados nos fungos não liquenizados (Honegger, 1996a). O fungo é heterotrófico e obtém os compostos orgânicos carbonatados de que precisa a partir dos produtos fotossintéticos sintetizados pelo fotobionte. Esta estratégia para a obtenção de compostos orgânicos é bastante comum no reino Fungi, pois 19% das suas espécies são liquenizadas (Hawksworth et al., 1995). O contacto entre o fungo e o fotobionte pode estabelecer-se por aposição parede a parede ou através de ramificações especiais do fungo (haustoria), que podem ser intraparietais (penetrando apenas em algumas camadas da parede celular da alga) ou, raramente, intracelulares (quando entram totalmente no interior da alga) (Honegger, 1996b).


O nome dado a cada um dos simbiontes da associação liquénica é diferente, sendo o nome da espécie de líquene dado pelo fungo. Assim, a mesma alga pode existir em diferentes espécies de líquenes, enquanto que o fungo é sempre diferente entre espécies. Os líquenes são considerados como um grupo nutricional, ao invés de grupo taxonómico, pelo que a sua classificação foi integrada dentro do Reino Fungi (Hawksworth et al., 1995). A grande maioria dos fungos liquenizados (98%) pertence aos ascomicetes, cujos esporos são produzidos em estruturas específicas denominadas por ascus.


O fotobionte está localizado no interior do talo, normalmente como células isoladas rodeadas por hifas. Pode ser uma alga, contendo clorofila ou uma cianobactéria com um pigmento fotossintético. O número de espécies de algas que existem nos líquenes é próximo das 40, sendo as mais frequentes dos géneros Trebouxia, Trentepohlia e das cianobactérias Nostoc (Friedl e Büdel, 1996).


A grande maioria das espécies liquénicas apresenta grande capacidade para resistir a condições ambientais extremas (temperatura, humidade , insolação, etc) possuindo geralmente uma grande longevidade e baixa taxa de crescimento (Silva et all 2004)


Os liquenes produzem uma ampla variedade de compostos orgânicos. Alguns desses compostos são insolúveis em água como por exemplo as depsinas e depsidonas, derivadas do ácido orsélico, que são relevantes para o tingimento dos tecidos (Ferreira et all 1999), e outros são omponentes hidrossolúveis , como por exemplo o ácido oxálico, intervindo directamente no processo de decomposição biogeoquimica das rochas (Silva et all 2004)


Aplicação em tinturaria

Foi à cerca de 30 000 anos com as primeiras manifestações de arte rupestre que os ocres (compostos de óxido de ferro), terão sido um dos primeiros pigmentos naturais utilizados pel homem

A importância de colorir os texteis afirma-se à cerca de 5000 anos na Grécia, India e China dando lugar à categoria de oficio de tintureiro

No sec I na China, Egipto e India começam a usar-se mordentes (substancia associada ao tingimento com a função de manter a durabilidade da cor) e no sec IV comercializam-se na Europa corantes naturais obtidos na região e outros a partir de produtos importados, tornando-se a industria tintureira um relevante factor económico que faz prosperar algumas regiões em França e Itália.

Em 1429 é publicado em Itália o primeiro livro de tinturaria "Mariegola Dell'Arte de Tentori". Mais tarde no sec XVII com as trocas comercias regulares com a India, cresce o conhecimento sobre a forma de tingir os têxteis

A partir do séc XIX na Europa esta utilização de corantes naturais foi praticamente abandonada com o desenvolvimento da industria quimica, que permitia a produção em grande escala de corantes sintéticos mais acessíveis e eficientes.

Nos anos 60 do sec XX, cresce o ressurgimento das antigas técnicas de tingimento, nomeadamente na produção de tinturas para têxteis com a utilização de liquenes e cogumelos.


Urzela História do uso

A urzela (Roccella tinctoria DC.), é uma “planta tintureira” cujo conhecimento na arte do tingimento é muito antigo (possivelmente desde a civilização mesopotâmica) sendo referido por Theophrastus, filósofo e naturalista grego (371-287 a. C.) como originando uma cor muito mais bela do que a púrpura. A partir deste líquen preparava-se uma tintura cuja cor era de um vermelho-violáceo. Desde muito cedo, foi referida nas viagens atlânticas do séc. XV, tendo sido colhida desde aquela época, em rochas e penedos nos arquipélagos atlânticos e, particularmente, nos Açores e Cabo Verde. A sua exploração económica foi uma importante fonte de rendimento para os Açores, tendo atingido o seu apogeu no século XVI (Faria, 1991).

A urzela é um líquen que apresenta a cor verde-acinzentada. O espaço geográfico de localização deste líquen foi muito ampliado desde aquela época, sendo a Roccella tinctoria a que se pode encontrar nas ilhas Canárias, nos Açores, Madeira, Marrocos, e nas ilhas de Cabo Verde, nas costas África Ocidental e do Sul.

Listagem de cores obtidas a partir de líquenes existentes na região . A nomenclatura adoptada é a seguida por Clauzade & Ozenda

vermelho

Aspicilia calcarea (L.) Mudd

Cladonia spp.

Ochrolechia tartarea (L.) Massal.

Parmelia centrifuga (L.) Ach.

Parmelia omphalodes (L.) Ach.

Parmelia saxatilis (L.) Ach.

Peltigera canina (L.) Willd.


laranja (ou castanho)

Lassalia pustula (L.) Mérat

Lobaria scrobiculata (Scop.) DC.

Parmelia olivacea (L.) Ach.

Parmelia stygia (L.) Ach.

Pseudocyphellaria crocata (L.) Vain.

Ramalina cuspidata (Ach.) Nyl.

Ramalina farinacea (L.) Ach.


amarelo

Lobaria pulmonaria Hoffm.

Parmelia acetabulum (Neck.) Duby

Parmelia caperata (L.) Ach.

Physconia pulverulacea Moberg

Platismatia glauca (L.) W.Culb. et C.Culb.


verde

Cladonia gracilis (L.) Willd.


azul

Nephroma parile (Ach.) Ach.


anilado

Ochrolechia parella (L.) Massal

Pertusaria dealbescens Erichs.

Rocella spp.


violeta

Cetraria nivalis (L.) Ach.

Ochrolechia tartarea (L.) Massal.

Parmelia glabratula (Lamy) Nyl.


COMO TINGIR FIBRAS COM FUNGOS

Para tingir fibras (lã, algodão ou sintéticos) devem seguir-se determinadas etapas que em seguida se descrevem:

1. Lavagem – lavar a fibra com água muito quente, inferior a 90 ºC, com um pouco de detergente suave, passar várias vezes por água limpa;

2. Hidratação – mergulhar a fibra em água com um pouco de detergente suave, deixar repousar durante uma noite;

3. Mordente – colocar a fibra num recipiente com água e o mordente a aplicar, aquecer em lume brando com o recipiente coberto, durante uma hora. Desligar a fonte de calor e deixar arrefecer até ao dia seguinte;

4. Banho corante – esmagar os fungos (cogumelos ou líquenes) e colocá-los num recipiente com muita água, aquecer até 90 ºC, deixar repousar durante 60 minutos;

5. Tingimento – adicionar a fibra ao banho preparado anteriormente, aquecer em lume brando durante 30 a 60 minutos. Desligar a fonte de calor e deixar arrefecer até ao dia seguinte;

6. Lavar e enxaguar - lavar a fibra com água tépida com um pouco de detergente suave e efectuar várias passagens por água limpa;

7. Secagem – retirar o excesso de água da fibra com uma toalha e colocar a fibra a secar.

Conselhos e informações úteis:

Recipientes – usar materiais inertes como vidro, aço ou esmalte.

Fibras – geralmente, as fibras à base de celulose e sintéticos não coram uniformemente e a coloração tende a desvanecer.

Corante – A quantidade (peso seco) de fungos (cogumelos ou líquenes) usada para corar fibras é geralmente de 1:4 (1g de fungos para 4 g de fibra), sendo necessário ensaiar o processo para determinar as quantidades adequadas.

A qualidade da água usada no processo de tingimento influencia as cores obtidas.

Mordente – substância usada para fixar a cor, também são usados para tornar a cor mais brilhante ou mate, mais clara ou escura. Mordentes mais comuns são o alúmen (sulfato de alumínio e potássio), o crómio (dicromato de potássio), o estanho (cloreto de estanho), o cobre (sulfato de cobre), o ferro (sulfato ferroso), a amónia (solução aquosa de amoníaco), o vinagre (ácido acético), o cremor tártaro (bitartarato de potássio) e o sal de Glauber (sulfato de sódio). Os dois últimos são usados para abrilhantar e assegurar uma distribuição uniforme da cor. Geralmente o mordente aplica-se antes do corante, mas também pode ser aplicado simultaneamente ou depois. As quantidades de mordente a aplicar variam com o tipo de mordente e o efeito que se pretende obter.


Importância dos compostos liquénicos na farmacologia

O interesse na química de polissacarídeos de líquenes está na possibilidade da sua atividade antitumoral. Esses estudos tiveram início no final da década de 60. Recentemente, Hirabayashi et al. relataram a atividade inibitória de um polissacarídeo sulfatado, GE-3-S, contra a replicação de HIV in vitro.

Burkholder et al. publicaram os primeiros estudos qualitativos das propriedades antibióticas dos líquenes. Foram testadas 100 espécies liquénicas em relação à Staphylococcus aureus e Bacillus subtilis. 52% das espécies inibiram o crescimento de um, de outro, ou de ambos microrganismos. Os compostos liquénicos exercem sua ação antibiótica preferencialmente sobre bactérias gram-positivas

A atividade antibiótica está relacionada à presença de derivados fenólicos nos extratos liquénicos. Os mecanismos da ação antibiótica de ácidos liquénicos, mais precisamente do ácido úsnico e seus derivados, sugerem que esses compostos modificam a estrutura das proteínas.

Sabe-se, também que esse ácido atua sobre o metabolismo do DNA em células animais inibindo a fusão nuclear. O ácido úsnico atua também como agente antitumor.

Os ácidos úsnicos apresentam também atividade antiistamínica, espasmolítica e antiviral. São usados em cremes antissépticos encontrados no comércio europeu como “Usno” e “Evosin”


Utilização como veneno

O ácido vulpínico é o princípio tóxico de Letharia vulpina e foi usado tradicionalmente no norte da Europa como veneno para lobos. É um metabólito não somente venenoso para carnívoros, mas também para insetos e moluscos


Utilização na industria de perfumes

Um dos importantes usos de líquenes, hoje, é na indústria de perfumes. Duas espécies: Evernia prunastri e Pseudevernia

furfuraceae, são colhidas no sul da França, Marrocos e Países Balcãs, em grandes quantidades, na faixa de 8.000 a 10.000 toneladas/

ano. No processo , o líquen é misturado com a casca das árvores, subsequentemente extraído com um solvente orgânico e tratado com etanol.

O concentrado dessa solução contém uma mistura de óleos essenciais e derivados de depsídeos (produtos de degradação). O extrato

final com seu odor característico de musgo é usado como fixador de alguns perfumes. A maior parte é constituída de borneol, cineol,

geraniol, citronelol, derivados da cânfora, naftaleno, orcinol, ésteres do orselinato e seus homólogos