Literatura Portuguesa
A crise de 1383 – 1385 e os seus efeitos.
O desenvolvimento da prosa cavaleiresca e didática.
A Historiografia.
Fernão Lopes
1. A crise de 1383 – 1385 e os seus efeitos
Dom Fernando tem três guerras com Castilha porque quer ser rei destes territórios, ademais reclama a Galiza por considerar que tinha a mesma identidade que Portugal. Foi prometido de Leonor de Aragão e de Leonor de Castilha, mas acabará casando com Leonor de Teles, mulher muito ambiciosa mal vista pelo povo. Leonor de Teles casará à sua filha Beatriz quando tinha oito anos com o rei Dom Juan I de Castilha para assegurar a sucessão da sua filha e a sua própria regência. Ademais é ela quem faz cavaleiro a Nuno Álvares Pereira, que será um dos protagonistas da Revolução de Setembro de 1383.
Dom Fernando morre em 1383 deixando como herdeira do trono a Dona Beatriz, casada pouco antes com o rei de Castilha, mas mentes não tivesse um filho com 14 anos Leonor Teles seria a regente. Então há uma divisão entre os que apoiam a:
1) a regência de Leonor Teles: a nobreza e o rei de Castilha.
2) o infante Dom João (Mestre da Ordem Militar de Avis), filho de Pedro I e Inês de Castro (filho bastardo): a burguesia.
Desde então e até a coroação definitiva de Dom João I acontecem diferentes factos:
- Em Lisboa produz-se uma rebelião em favor de Dom João e apoiada pelos burgueses. As notícias desta rebelião vão chegar alentar às cidades e vilas que acatavam a autoridade de Leonor Teles.
- O rei de Castilha, a petição da regente, envia tropas a Portugal para parar os partidários de Dom João, mas sofre diferentes derrotas:
. Em Maio de 1384 tem de voltar a Castilha por causa duma peste.
. É derrotado no Alentejo por Nuno Álvares Pereira.
- Em Abril de 1385 reúnem-se as Cortes em Coimbra e aclama-se a Dom João como rei. Nestas Cortes decide-se formar um conselho do rei que tenha dois representantes de cada um dos grupos sociais: clero, nobreza, letrados e cidadãos.
- O rei de Castilha volta invadir Portugal apoiado pela nobreza portuguesa, mas é derrotado na Batalha de Aljubarrota (14 de Agosto de 1385), destacando de novo a acção de Nuno Álvares. Desde este momento a independência de Portugal e o reconhecimento do rei Dom João I são já factos irrefutáveis.
Para além disto, nesta altura começa também a expansão marítima.
*GENEALOGIA DOS REIS DE PORTUGAL (Dinastia de Borgonha)
1. Fernão Lopes (± 138? – 1459/60): a sua época e a sua obra
1.1. Vida
Temos muito poucos dados da sua vida. Sabemos que foi tabelião (escrivão) e que procedia duma família humilde. Sabemos também que desde 1418 foi guardador do Arquivo da Torre do Tombo e escrivão particular dos infantes Dom Fernando e Dom Duarte, quem lhe mandou escrever uma História de Portugal em 1434. Conheceu também a personagens como João I ou Nuno Álvares, ligados à Revolução de Setembro de 1383.
1.2. Obra
Conservamos só três “partes” da sua História de Portugal:
1) Crónica de el-rei Dom Pedro (a mais breve).
2) Crónica de el-rei Dom Fernando.
3) Crónica de el-rei Dom João I (a mais extensa e perfeita). Gomes Eanes de Zuara fechará a saga de Dom João I com a Crónica da tomada de Ceuta.
É possível que escrevesse a crónica de todos os reis de Portugal desde Afonso I, já que foi o que lhe encarregaram, como mínimo as de Sancho II, Afonso III e Afonso IV, hoje perdidas. Há teorias que dizem que Rui de Pina as teria redifundido e assinado com o seu nome.
2. As fontes e a concepção da História em Fernão Lopes
A) O método de Fernão Lopes baseia-se na imparcialidade e na procura da verdade. Assim, contrasta as fontes e quando não está seguro da certeza dum facto aporta as diferentes versões. Ademais tampouco descreve os acontecimentos influído pela pessoa para a que trabalha. Mas não sempre consegue ser imparcial, já que por exemplo na descrição da Batalha de Aljubarrota deixa-se levar pelo patriotismo. Com tudo, Fernão Lopes supõe o passo da crónica à História, adiantando-se vários séculos à historiografia moderna.
B) Tem uma visão de conjunto da História (ver António José Saraiva).
C) O povo é o grande protagonista da sua obra, um povo visto positivamente, opondo-se à nobreza, do mesmo modo que Nuno Álvares é o símbolo da revolução ideal e Dom João da revolução imperfeita (ver José Hermano Saraiva e Meria Ema Tarracha). Com tudo, também lamenta as vinganças exageradas do povo. As possíveis razões dadas para esta visão positiva do povo são:
- Origem plebeia, é a mais citada.
- Buscar a valorização dos acontecimentos passados que tornaram possível a nova dinastia, apoiada na vontade popular.
- Buscar a simpatia do povo.
3. A visão da realidade e a matéria literária nas Crónicas de Fernão Lopes
A) Mistura a realidade, a história real, com a recriação literária da história. Com isto consegue compreender os factos políticos e sociais e hierarquiza-os atendendo a critérios acertados.
B) O protagonista da sua obra é o povo português dos século XIV e XV:
- Recolhe os aspectos contraditórios da história e mesmo do rei que lhe paga (intrigas de palácio).
- Leva-o a considerar aspectos como a economia e a quebra da moeda, dos que só temos os dados aportados por ele.
- Descreve o comportamento da massa da cidade (representa a Lisboa como uma dama assediada pelos castelhanos).
- Aparecem cidadãos que falam em nome de todos.
- A mudança de dinastia foi uma revolução popular.
- Faz uma descrição diferente das guerras[1] dando-lhes grandeza quando o povo luta pela liberdade (Nuno Álvares Pereira) e criticando-as quando são um simples pretextos para que o rei ganhe títulos.
O método que usa Fernão Lopes é um método inovador, que não será usado de novo pela historiografia até o século XIX.
“Do alvoroço que foi na cidade cuidando que matavam o Mestre, e como ala foi Álvaro Pais e muitas gentes com ele” (capítulo 11)
Traços gerais
- Verbos de movimento.
- Discurso directo.
- Personagens:
● Individuais (Mestre, simbólico; Álvaro Pais, agente activo).
● Colectivo: povo
- Visualização cinematográfica.
4. Aproximação estilística à obra de Fernão Lopes
A) É quem de construir uma narração com o estilo[2] duma novela ou um filme, como se fosse um escritor, já que usa recursos literários:
- Diálogos
- Flash-back
- Planos múltiplos...
B) Começa a domesticar o português, influído por:
- Novelas de cavalaria.
- Prosificação dos cantares de gesta.
- Sermões religiosos.
- Contos populares.
C) Provoca muito interesse em escritores posteriores, já que descreve muito bem esta época. Mesmo conhecemos da sua mão a psicologia do rei (a quem descreve como duvidoso e violento) e de Leonor Teles (a quem descreve como forte e decidida na Crónica de el-rei Dom Fernando e na Crónica de el-rei Dom João)
5. O sentido epopeico e aspectos relevantes na Crónica de el-rei Dom João I
A obra começa com o assassinato de João Fernandes de Andeiro, amante galego da rainha Leonor Teles (da que se diz que foi metida num convento). Isto é o que leva ao Mestre de Avís ao poder, cuja importância não será sempre positiva, já que o protagonista é Nuno Álvares Pereira. Divide-se em duas partes:
1) Primeira parte: há dois centros narrativos:
- O cerco de Lisboa e a peste como vencedora perante os castelhanos.
- O capítulo 182, no que as Cortes de Coimbra investem a Nuno Álvares Pereira Condestável.
2) Segunda parte:
- Panegírico do rei, prólogo no que se descrevem as suas qualidades (católico, fiel à mulher...).
- 30 capítulos dedicados à Batalha de Aljubarrota e a a aliança anglo-portuguesa entre Dom João e do Duque de Lancáster (casamento entre Dom João e Filipa de Lancáster).
6. Os continuadores de Fernão Lopes
6.1. Gomes Eanes de Zurara
É o substituto de Fernão Lopes como guardador da Torre do Tombo, mas também é o continuador da sua obra.
a) Obras:
- Crónica da Tomada de Ceuta ou Terceira parte da crónica de D. João I.
- Crónica do descobrimento e da conquista da Guiné.
- Feitos do Infante D. Henrique.
b) Características que do diferençam de Fernão Lopes:
- Baseia-se nos testemunhos orais sem questiona-los, de jeito que a sua obra tem uma dimensão retórica que se afasta da dimensão científica da de Fernão Lopes.
- Tem uma visão elitista e reduzida que faz que elabore uma história das classes altas (faz crónicas de linhagens), não do povo português. É dizer, loa aos poderosos (em especial a D. Henrique), facto que lhe dá fama e prestígio. Assim, o seu objectivo era justificar a expansão portuguesa (africana).
- Estilo: a prosa de Zurara e mais erudita, domina a expressão escrita sobre a oral. Assim, foi considerado um estilo primoroso por uns, e um estilo “insufrível” por outros.
6.2. Rui de Pina
a) Obra: escreveu as crónicas de D. João II, de D. Duarte e de Afonso V. E possível que também escrevesse a de D. Sancho I e a de Afonso IV.
b) Características da sua obra:
- Diz-se que plagiou ou actualizou as obras de Fernão Lopes.
- Estilo superior ao de Zurara.
c) Opiniões dos estudiosos:
- Alguns consideram-no o melhor cronista medieval depois de Fernão Lopes.
- Outros consideram que a sua qualidade não é tal, senão que é resultado do plágio de Fernão Lopes.
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[1] Faz referência às guerras Irmandinhas.
[2] O estilo é o modo no que o autor utiliza os recursos disponíveis na língua.
Fonte: Introdução à Literatura Portuguesa, USC, 2006/2007 < http://apuntamentos.iespana.es/introlitpt/04.doc >