Vinicius de Moraes






O autor e a obra


Marcus Vinicius da Cruz de Mello Moraes (Rio de Janeiro, 19 de Outubro de 1913 – Rio de Janeiro, 9 de julho de 1980) foi um diplomata, jornalista, poeta e compositor brasileiro.

Poeta essencialmente lírico, o "poetinha" (como ficou conhecido) notabilizou-se pelos seus sonetos, forma poética que se tornou quase associada ao seu nome. Conhecido por também ser boémio inveterado, fumador e apreciador do uísque, Vinicius também era conhecido por ser um grande conquistador. O poetinha casou-se por nove vezes ao longo de sua vida.

A sua obra é vasta, passando pela literatura, teatro, cinema e música. Juntamente com o compositor António Carlos Jobim e o cantor João Gilberto, Vinicius tem um papel importante no movimento de renovação da música popular brasileira, a que se deu o nome de Bossa Nova. No campo musical, o poetinha teve como principais parceiros Tom Jobim, Toquinho, Baden Powell e Carlos Lyra.

Poesia: da transcendência espiritual ao amor sensual


Poeta espiritualista, desenvolve uma poesia intimista e reflexiva, de profunda sensibilidade feminina, reforça a tendência de sua geração. Contudo, a sua obra trilha caminhos próprios, caminha cada vez mais para uma percepção material da vida, do amor e da mulher. Partindo de uma poesia religiosa e idealizante, chega a ser um dos poetas mais sensuais da literatura brasileira.

Temas específicos: espiritualidade; amor platónico; amor real; a mulher; a sensualidade.

1.ª fase: simbolismo místico (fase místico-religiosa)

A exemplo de outros poetas de sus geração, a primeira fase da poesia de Vinícius é marcada pela preocupação religiosa, pela angústia existencial diante da condição humana e pelo desejo de superar, por meio da transcendência mística, as sensações de pecado, culpa e desconsolo que a vida terrena lhe oferecia. Os versos são tendencialmente longos e melancólicos.

Os livros da primeira fase:

O caminho para a distância (1933);

Forma e exegese (1935);

Ariana, a mulher (1936);

Novos poemas (1938);

Cinco elegias (1943) livro de transição.

Em O caminho para a distância, o poeta manifesta a sua preocupação religiosa e a sua angústia diante do mundo, revelando também o seu conflito entre o sensualismo e o sentimento religioso. O amor é tido como um elemento negativo que, ligando-o ao mundo terreno, impede a libertação do espírito. O livro guarda um tom adolescente e as imagens não têm o vigor que alcançariam mais tarde. Trata-se de uma obra imatura.

A partir de Forma e exegese, os versos ganham liberdade expressiva e tornam-se mais extensos. O poeta volta-se para o quotidiano, sem contudo abandonar o desejo de transcendência. A mulher torna-se figura central da sua poesia – mas ainda envolta por um forte misticismo, que contribui para a sua caracterização como um ser divinizado - ,o poeta procura harmonizar sensualismo e erotismo com os apelos espirituais.

O tom declamatório e os versos longos, que nos lembram versículos bíblicos, mantêm o poeta ainda distante das conquistas expressivas mais modernas. Essa primeira fase, segundo o próprio Vinicius, termina com Ariana, a mulher. Enquanto que Cinco elegias seria o livro de transição.

Os poemas dessa fase geralmente são longos, com versos igualmente longos, em linguagem abstracta, alegórica e declamatória. Observe:

No sangue e na lama

O corpo sem vida tombou.

Mas nos olhos do homem caído

Havia ainda a luz do sacrifício que redime

E no grande Espírito que adejava o mar e o monte

Mil vozes clamavam que a vitória do homem forte tombado na luta

Era o novo Evangelho para o homem da paz que lavra no campo.

2.ª fase: encontro com o mundo material e quotidiano

Cinco elegias (1943) é a obra que marca, na poesia de Vinicius, a passagem para uma fase de proximidade maior com o mundo material. O poeta passa a interessar-se por temas quotidianos, pelas coisas simples da vida e explora com sensualismo os temas do amor e da mulher. A linguagem também tende à simplicidade o verso livre passa a ser mais usado, a comunicação torna-se mais directa e dinâmica.

Pode-se dizer que pela primeira vez, Vinicius de Moraes adere às propostas dos modernistas de 22, apesar de sempre terem feito parte de sua poesia certa dicção clássica e o gosto pelo soneto. Contudo, nas suas mãos, o soneto ganha roupagem diferente, mais moderna e real, fazendo uso do vocábulo do quotidiano, pouco comum nesse tipo de composição. É o caso, por exemplo deste soneto, em que o erotismo é recriado a partir de uma forma clássica e de uma linguagem crua e directa:

SONETO DE DEVOÇÃO

Essa mulher que se arremessa, fria

E lúbrica em meus braços, e nos seios

Me arrebata e me beija e balbucia

Versos, votos de amor e nomes feios.

Essa mulher, flor de melancolia

Que se ri dos meus pálidos receios

A única entre todas a quem dei

Os carinhos que nunca a outra daria

Essa mulher que a cada amor proclama

A miséria e a grandeza de quem ama

E guarda a marca dos meus dentes nela.

Essa mulher é um mundo! - uma cadela

Talvez... - mas na moldura de uma cama

Nunca mulher nenhuma foi tão bela!

LINHAS DE LEITURA

  • Lúbrica: lasciva, sensual.

  • Repetição sistemática do fonema consonantico “b”– aliteração.

  • Houve pouca preocupação em obedecer às regras tradicionais de pontuação.

  • Versos decassílabos com esquema de rima ABAB, ABB CCD, DCD

  • Assim como Castro Alves, Vinicius canta o amor físico, o amor livre.

  • O termo “cadela”, bastante forte, pois normalmente funciona como palavrão, como ofensa, dirigida vulgarmente a mulher que “não se respeita”, que se entrega a qualquer um, tem aqui uma força e um gosto especial. Ao designar a mulher de cadela, dentro do contexto desses versos e da personalidade de seu criador, veste a palavra com novas roupas e novas cores.

  • O que se sente ao ler o poema é que ali esta é uma mulher que ama o amor, uma mulher que se entrega à relação sexual com força animal, sem os recatos de uma formação burguesa, cristã, repressora.

  • Perante a admiração e devoção do eu lírico, tal condição transforma-se em valor, em qualidade, conferindo à musa uma aura de beleza.

A partir de Poemas, sonetos e baladas, dá-se a superação da angústia e da melancolia; o poeta integra-se na realidade, e a sua poesia adquire um ritmo mais tranquilo e uma expressão mais coloquial, simples e directa. Nessa fase, a sua temática ganha novas características universalizantes e sociais. O poema “O operário em Construção” (1956) é o que melhor exemplifica essa preocupação; por meio de uma linguagem simples e directa, quase didáctica, o poeta manifesta solidariedade para com as classes oprimidas e almeja atingir a consciência daqueles que o lêem ou ouvem. Observe estes fragmentos:


O OPERÁRIO EM CONSTRUÇÃO


«Era ele que erguia casas

Onde antes só havia chão.

Como um pássaro sem asas

Ele subia com as casas

Que lhe brotavam da mão.

Mas tudo desconhecia

De sua grande missão:

Não sabia, por exemplo

Que a casa de um homem é um templo

Um templo sem religião

Como tampouco sabia

Que a casa que ele fazia

Sendo a sua liberdade

Era a sua escravidão.»

«Mas ele desconhecia

Esse fato extraordinário:

Que o operário faz a coisa

E a coisa faz o operário.

De forma que, certo dia

À mesa, ao cortar o pão

O operário foi tomado

De uma súbita emoção

Ao constatar assombrado

Que tudo naquela mesa

- Garrafa, prato, facão -

Era ele quem os fazia»


«De fato, como podia

Um operário em construção

Compreender por que um tijolo

Valia mais do que um pão?

Tijolos ele empilhava

Com pá, cimento e esquadria

Quanto ao pão, ele o comia...

Mas fosse comer tijolo!

E assim o operário ia

Com suor e com cimento

Erguendo uma casa aqui

Adiante um apartamento

Além uma igreja, à frente

Um quartel e uma prisão:

Prisão de que sofreria

Não fosse, eventualmente

Um operário em construção.»

São desse período a Antologia poética (1955), o Livro dos sonetos (1957) e Novos poemas II (1959), que traz o poema "Receita de mulher". Na década de 1960 publicou mais três livros: Procura-se uma rosa, Para viver um grande amor (ambos de 1962) e Para uma menina com uma flor (1966), de crónicas. A Arca de Noé (1970) é um livro de poesia para crianças.

Poeta lírico por excelência, na sua segunda fase, Vinicius alia temas modernos à mais apurada forma clássica de composição, o soneto, deixando-nos obras primas, como o poema abaixo:

SONETO DE FIDELIDADE

De tudo ao meu amor serei atento

Antes, e com tal zelo, e sempre, e tanto

Que mesmo em face do maior encanto

Dele se encante mais meu pensamento.

Quero vivê-lo em cada vão momento

E em seu louvor hei de espalhar meu canto

E rir meu riso e derramar meu pranto

Ao seu pesar ou seu contentamento

E assim, quando mais tarde me procure

Quem sabe a morte, angústia de quem vive

Quem sabe a solidão, fim de quem ama

Eu possa me dizer do amor (que tive) :

Que não seja imortal, posto que é chama

Mas que seja infinito enquanto dure.

LINHAS DE LEITURA:

  • Poema em que o “eu” lírico louva o amor na sua intensidade, colocando em plano de pouca importância a sua condição de finito, de efémero

  • O que importa é o seu fogo renovador e vivificador.

  • Um recurso técnico que vale a pena ser observado é o emprego de versos bimembres, compostos de duas partes “Quem sabe a morte / angústia de quem vive”, além de paralelismo sintáctico:

Quem sabe a morte, angústia de quem vive

Quem sabe a solidão, fim de quem ama

Deste último Vinicius, poeta sensual e social, para o cantor e compositor Vinicius é um passo. A partir dos anos 60 afasta-se da poesia e entrega-se de corpo alma à música.

Em síntese:

1.º Momento: simbolismo místico – uso do versículo bíblico; gosto do poema longo, de tom grave e exaltado, cheio de ressonâncias.

2.º Momento: adesão à modernidade – contenção formal; liberdade temática e de expressão; incorporação poética do quotidiano e da experiência directa da vida.

Lírico excepcional, Vinicius também versou sobre a temática social.

Nos seus sonetos é visível a influência camoniana, com uma linguagem clássica e grande intensidade da visão lírico-realista do amor.

Captação do sublime que impregna o prosaico quotidiano e o expressa em uma linguagem simultaneamente simples e magistral, prosaica e bela.

Destacam-se duas preocupações constantes: o desejo de seduzir e a admiração perante a beleza e a fragilidade.

(Adaptado de:www.coladaweb.com (Andressa Fiorio), http://pt.wikipedia.org/wiki/Vin%C3%ADcius_de_Moraes, http://www.objetivoitajuba.com.br/caro/downloads/resumosgilmar/Sonetos%20de%20Vinicius%20de%20Moraes.doc, consultado em Setembro de 2007)

Leitura metódica de poemas


1. Os dois sonetos que se seguem relacionam situações conflituosas do eu lírico perante uma separação. Comente acerca da ideia de separação nos dois textos, evidenciando elementos convergentes e divergentes.


SONETO DE SEPARAÇÃO

De repente do riso fez-se o pranto

Silencioso e branco como a bruma

E das bocas unidas fez-se a espuma

E das mãos espalmadas fez-se o espanto.

De repente da calma fez-se o vento

Que dos olhos desfez a última chama

E da paixão fez-se o pressentimento

E do momento imóvel fez-se o drama.

De repente, não mais que de repente

Fez-se de triste o que se fez amante

E de sozinho o que se fez contente.

Fez-se do amigo próximo o distante

Fez-se da vida uma aventura errante

De repente, não mais que de repente.

Vinicius de Moraes


ALMA MINHA GENTIL, QUE TE PARTISTE

Alma minha gentil, que te partiste

Tão cedo desta vida, descontente,

Repousa lá no Céu eternamente

E viva eu cá na terra sempre triste.

Se lá no assento etéreo, onde subiste,

Memória desta vida se consente,

Não te esqueças daquele amor ardente

Que já nos olhos meus tão puro viste.

E se vires que pode merecer-te

Algu~a cousa a dor que me ficou

Da mágoa, sem remédio, de perder-te,

Roga a Deus, que teus anos encurtou,

Que tão cedo de cá me leve a ver-te,

Quão cedo de meus olhos te levou.

Luís de Camões

RESPOSTA:Os dois poemas têm, por tema, a separação amorosa. Mas, em cada poema, a separação ocorre por motivos diferentes, e de maneiras diferentes:No soneto de Vinícius, a separação equivale ao desmanche de uma relação vivida pelo eu lírico, fruto de uma paixão que simplesmente acabou. A paixão, tanto intensa quanto curta, repentinamente (“de repente”) acaba.No soneto de Camões, a separação é provocada pela morte precoce da amada.A atmosfera sentimental dos dois sonetos é convergente. Tanto em Vinícius com em Camões, o eu lírico atormenta-se, impotentemente, diante do fato consumado. O caráter pasmado e o tom de lamento estão presentes nos textos dos dois poetas.http://www.moderna.com.br/moderna/didaticos/em/literatura/litbrasil/vestibular/index_html

2. Apesar de modernista, Vinicius apresenta, no texto seguinte, características da estética romântica.

PÁTRIA MINHA

A minha pátria é como se não fosse, é íntima

Doçura e vontade de chorar; uma criança dormindo

É minha pátria. Por isso, no exílio

Assistindo dormir meu filho

Choro de saudades de minha pátria.

Se me perguntarem o que é a minha pátria, direi:

Não sei. De fato, não sei (...)

Mas sei que a minha pátria é a luz, o sal e a água

Que elaboram e liquefazem a minha mágoa

Em longas lágrimas amargas.

Vontade de beijar os olhos de minha pátria

De niná-la, de passar-lhe a mão pelos cabelos...

Vontade de mudar as cores do vestido (auriverde!) tão feias

De minha pátria, de minha pátria sem sapatos

E sem meias, pátria minha

Tão pobrinha!

Porque te amo tanto, pátria minha, eu que não tenho

Pátria, eu semente que nasci do vento

Eu que não vou e não venho, eu que permaneço

Em contacto com a dor do tempo (...)

Ponho no vento o ouvido e escuto a brisa

Que brinca em teus cabelos e te alisa

Pátria minha, e perfuma o teu chão...

Que vontade me vem de adormecer-me

Entre teus doces montes, pátria minha

Atento à fome em tuas estranhas

E ao batuque em teu coração.

Teu nome é pátria amada, é patriazinha

Não rima com mãe gentil

Vives em mim como uma filha, que és

Uma ilha de ternura: a Ilha

Brasil, talvez.

Assinale a única característica romântica NÃO presente neste texto:

a) Preocupação com o eu-lírico, através da expressão de emoções pessoais.

b) Valoração de elementos da natureza, como forma de exaltação da terra brasileira.

c) Sentimentos de saudade e nostalgia, causados pela dor do exílio.

d) Preocupação social, através da menção a problemas brasileiros.

e) Abandono do ideal purista dos neoclássicos na prevalência do conteúdo sobre a forma.

RESPOSTA: Alínea e).

3. Leia o poema e responda às questões.

DIALÉCTICA

É claro que a vida é boa.

E a alegria, a única indizível emoção

É claro que te acho linda

Em ti bendigo o amor das coisas simples

É claro que te amo

Mas acontece que sou triste.

3.1. O tema central do poema é:

A) a felicidade

B) a política

C) a tristeza

D) a alegria

3.2. Pode-se dizer que a poesia de Vinicius é:

A) realista

B) intimista

C) moralista

D) extremista

3.3. Em todo o poema está presente uma linguagem:

A) formal e melancólica

B) prolixa e melodiosa

C) direta e concisa

D) mística e triste

3.4. No trecho “...a única indizível emoção”, o significado da palavra em destaque é:

A) o que não se pensa

B) o que não se quer

C) o que não se diz

D) o que não se faz

3.5. Em “Mas acontece que sou triste”, o termo destacado indica ideia de:

A) dúvida

B) oposição

C) sensação

D) semelhança

3.6. Uma das características das obras de Vinicius de Moraes é um acentuado imediatismo. A opção que traz o significado do termo destacado é:

A) que as coisas fluem devagar

B) que as coisas nunca acontecem

C) que as coisas são ditas sem rodeios

D) que as coisas acontecem sem emoção

RESPOSTAS:3.1 C3.2. B3.3. C3.4. C3.5.B3.6. C

4. Assinale a(s) alternativa(s) em que os excertos poéticos correspondem à seguinte afirmação de Alfredo Bosi sobre Vinicius de Moraes: “A temática da sua poesia tem-se alargado nas últimas obras, abrindo-se, embora sem espírito de sistema, à valoração do trabalho humano e da consciência capaz de ver e denunciar”.

– A –

Não posso

Não é possível

Digam-lhe que é totalmente impossível

Agora não pode ser

É impossível

Não posso.

Digam-lhe que estou tristíssimo, mas não posso ir esta noite ao seu encontro.

Contem-lhe que há milhões de corpos a enterrar

Muitas cidades a reerguer, muita pobreza pelo mundo.

(“Mensagem à Poesia”)

– B –

Nas tardes da fazenda há muito azul demais.

Eu saio às vezes, sigo pelo pasto agora

Mastigando um capim, o peito nu de fora

No pijama irreal de há três anos atrás.

(“Soneto de Intimidade”)

– C –

Quando chegares e eu te vir chorando

De tanto te esperar, que te direi?

E da angústia de amar-te, te esperando,

Reencontrada, como te amarei?

(“Soneto de Véspera”)

– D –

Distante o meu amor, se me afigura

O amor como um patético tormento

Pensar nele é morrer de desventura

Não pensar é matar meu pensamento.

(“Soneto de Carnaval”)

– E –

E dentro da tarde mansa

Agigantou-se a razão

De um homem pobre e esquecido

Razão porém que fizera

Em operário construído

O operário em construção.

(“O Operário em Construção”)

RESPOSTA:Fragmentos A e E.

5. A respeito da poesia de Vinicius, assinale verdadeira (V) ou falsa (F) em cada afirmação a seguir.

( ) Sob a forma de soneto, privilegia temáticas líricas, sobretudo o amor e suas múltiplas manifestações.

( ) Celebra a sensualidade com versos que apresentam imagens a respeito do sexo e do corpo.

( ) O cunho erótico dos poemas exclui a experiência mística do amor.

A sequência correcta é:

a) V - F - F.

b) V - V - F.

c) F - V - F.

d) V - F - V.

e) F - F - V.

RESPOSTA:b) V - V - F.

6. Para responder às questões 6.1. e 6.2. leia os poemas abaixo.

PAISAGEM

Subi a alta colina

Para encontrar a tarde

Entre os rios cativos

A sombra sepultava o silêncio.

Assim entrei no pensamento

Da morte minha amiga

Ao pé de grande montanha

Do outro lado do poente.

Como tudo nesse momento

Me pareceu plácido e sem memória

Foi quando de repente uma menina

De vermelho surgiu no vale correndo, correndo...


***

IV

Apavorado acordo, em treva. O luar

É como o espectro do meu sonho em mim

E sem destino, e louco, sou o mar

Patético, sonâmbulo e sem fim.

Desço da noite, envolto em sono; e os braços

Como ímãs, atraio o firmamento

Enquanto os bruxos, velhos e devassos

Assoviam de mim na voz do vento.

Sou o mar! sou o mar! meu corpo informe

Sem dimensão e sem razão me leva

Para o silêncio onde o Silêncio dorme.

Enorme. E como o mar dentro da treva

Num constante arremesso largo e aflito

Eu me espedaço em vão contra o infinito.


6.1. Com base no poema “Paisagem” e no “IV” dos “Sonetos de Meditação”, de Vinicius de Moraes, assinale a(s) alternativa(s) procedente(s).

(A) Os dois textos discutem o tema da morte, embora apontem para conclusões completamente opostas.

(B) Em “Paisagem”, a representação da morte é feita através da alusão “a uma menina de vermelho”, que surge no “vale correndo”.

(C) A angustiante experiência da solidão está presente nos dois poemas, mas, no soneto “IV”, culmina com a alusão ao suicídio.

(D) Os dois poemas correspondem à fase mística e transcendental do poeta, cuja tônica é marcada pela religiosidade cristã.

(E) Apenas o soneto “IV” pertence à fase religiosa do autor, uma vez que resgata a necessidade de buscar o infinito.

(F) A estrutura formal do soneto “IV”, com rimas cruzadas nos quartetos e versos decassílabos, contrapõe-se à “Paisagem”, com versos livres e ritmo fluido.

(G) O poeta insere-se na terceira fase da poesia modernista brasileira, caracterizada pelo Concretismo, em parceria com Toquinho e Gilberto Gil.

6.2. Tendo em vista os poemas de Vinicius de Moraes, assinale a(s) alternativa(s) correcta(s).

(A) A fusão entre o sujeito lírico e o objeto é representada, no soneto “IV”, pela metonímia contida na palavra “luar” (v. 1).

(B) Nos dois últimos versos de “Paisagem”, a menina de vermelho é uma metáfora da esperança na vida.

(C) No soneto “IV”, a grafia de “Silêncio” (v. 11), em letra maiúscula, visa destacar a representação da morte.

(D) Nos versos 2, 4, e 6, do poema “Paisagem”, há linguagem figurada, constituída por personificações.

(E) No soneto “IV”, apesar de estar escrito na terceira pessoa, o sujeito lírico confunde-se com a pessoa do poeta.

(F) No poema “Paisagem”, a natureza simbólica da religião representa a morte das paixões adolescentes.

(G) No verso 4 de “Paisagem”, há uma figura de efeito sonoro conhecida como aliteração.

RESPOSTAS:6.1.) A, C + F6.2.) B + C + D + Ghttp://cac-php.unioeste.br/vestibular/media/2005/literatura.pdfhttp://cac-php.unioeste.br/vestibular/media/2005/gabarito_02.pdf

7. Leia, atentamente, o texto que se segue.


A MULHER QUE PASSA

Meu Deus, eu quero a mulher que passa.

Seu dorso frio é um campo de lírios

Tem sete cores nos seus cabelos

Sete esperanças na boca fresca!

Oh! Como és linda, mulher que passas

Que me sacias e suplicias

Dentro das noites, dentro dos dias!

Teus sentimentos são poesia

Teus sofrimentos, melancolia.

Teus pêlos leves são relva boa

Fresca e macia.

Teus belos braços são cisnes mansos

Longe das vozes da ventania.

Meu Deus, eu quero a mulher que passa!

Como te adoro, mulher que passas

Que vens e passas, que me sacias

Dentro das noites, dentro dos dias!

Por que me faltas, se te procuro?

Por que me odeias quando te juro

Que te perdia se me encontravas

E me encontrava se te perdias?


Por que não voltas, mulher que passas?

Por que não enches a minha vida?

Por que não voltas, mulher querida

Sempre perdida, nunca encontrada?

Por que não voltas à minha vida

Para o que sofro não ser desgraça?

Meu Deus, eu quero a mulher que passa!

Eu quero-a agora, sem mais demora

A minha amada mulher que passa!

No santo nome do teu martírio

Do teu martírio que nunca cessa

Meu Deus, eu quero, quero depressa

A minha amada mulher que passa!

Que fica e passa, que pacifica

Que é tanto pura como devassa

Que bóia leve como a cortiça

E tem raízes como a fumaça.


Vinicius de Moraes, Antologia poética

São Paulo, Companhia das Letras, 1992, pp.88-89.


Elabore um comentário literário do poema transcrito, tendo em conta os níveis formal, fónico, morfossintático e semântico, de modo a evidenciar, entre outros, os seguintes aspectos:

  • o tema e seu desenvolvimento lógico (estruturação do poema em partes lógicas);

  • modo(s) de construção da imagem da mulher;

  • relação entre a representação da mulher e o estado emocional do sujeito poético;

  • aspectos estilísticos relevantes (este item deve ser integrado nos restantes);

  • marcas individuais do autor.

EXPLICITAÇÃO DE CENÁRIOS DE RESPOSTA:
  • O tema e seu desenvolvimento lógico (estruturação do poema em partes lógicas):
Tema recorrente: sofrimento por amor e sublimação da imagem da mulher. Divisão to texto em partes:1.ª parte – vv. 1-34, apelo constante ora a Deus ora à “Mulher que passa” no sentido de reatar uma relação.2.ª parte – vv. 35-38, síntese descritiva do tipo de mulher invocado ao longo do texto.
  • modo(s) de construção da imagem da mulher:
1. Modo tradicional/ imagem lírica da mulher: . vocabulário recorrente - invocação a Deus ou à Mulher endeusada – apóstrofe - distante/intocável: “dorso frio” - perfeita: “sete cores”, “sete esperanças” – numerologia tradicional - sugestão erótica: “campo de lírios” (2), “cisnes mansos” (12) - ambivalente: causadora do mal (“suplícios”) e do bem (“sacias”) – v.6 . pontuação expressiva: ! . anáforas (vv. 8-11) . interjeição: “Oh!” (v.5) 2. Modo moderno: imagem prosaica da mulher: . vocabulário prosaico/não convencional do discurso lírico tradicional: - “pelos”, “devassa” (36) - “sacias” - “boia (…) como a cortiça” - “fumaça” . comparações invulgares (vv. 37-38) . relação entre a representação da mulher e o estado emocional do sujeito:
  • Relação entre a representação da mulher e o estado emocional do sujeito poético:
. obsessão compulsiva pela mulher: “sacias” (6); uso da antítese “Dentro das noites, dentro dos dias!” (6-7); pontuação expressiva: “?” + anáfora (18-19, 22-24); juras (19-21) absurdas (jogo de palavras – obsessão caricatural de si próprio). . sofrimento amoroso (desnorteamento do sujeito) como se pode observar:- pela invocação a Deus e à Mulher no sentido de rogar para acabar com o seu sofrimento (“Meu Deus, eu quero a mulher que passa”; “Por que não voltas, mulher que passa?”);- pelo uso do vocabulário “suplícios” (6), “sofro” (27).
  • Marcas individuais do autor:
. adesão à modernidade . visão lírica interpretada como uma paródia do amor . paródia temática da representação sublimada da mulher (?) e respetiva obsessão caricatural do sujeito. . linguagem prosaica e simultaneamente bela . desejo de seduzir . admiração perante a beleza e erotismo do corpo da mulher

8. Apesar de grande parte de sua obra poética ter o amor como tema central, Vinicius de Moraes também se ocupou de questões contemporâneas em poemas como o citado abaixo, escrito sob o impacto das atrocidades cometidas durante a Segunda Guerra Mundial.

BALADA DOS MORTOS DOS CAMPOS DE CONCENTRAÇÃO

Cadáveres de Nordhausen Erla, Belsen e Buchenwald!

Ocos, flácidos cadáveres

Como espantalhos, largados

Na sementeira espectral

Dos ermos campos estéreis

De Buchenwald e Dachau.

Cadáveres necrosados

Amontoados no chão

Esquálidos enlaçados

Em beijos estupefatos

Como ascetas siderados

Em presença da visão.

Cadáveres putrefatos

Os magros braços em cruz

Em vossas faces hediondas

Há sorrisos de giocondas

E em vossos corpos, a luz

Que da treva cria a aurora.

Cadáveres fluorescentes

Desenraizados do pó

Que emoção não dá-me o ver-vos

Em vosso êxtase sem nervos

Em vossa prece tão-só

Grandes, góticos cadáveres!

Ah, doces mortos atônitos

Quebrados a torniquete

Vossas louras manicuras

Arrancaram-vos as unhas

No requinte de tortura

Da última toalete...

A vós vos tiraram a casa

A vós vos tiraram o nome

Fostes marcados a brasa

Depois voz mataram de fome!

Vossa peles afrouxadas

Sobre os esqueletos dão-me

A impressão que éreis tambores —

Os instrumentos do Monstro —

Desfibrados a pancada:

Ó mortos de percussão!

Cadáveres de Nordhausen Erla, Belsen e Buchenwald!

Vós sois o húmus da terra

De onde a árvore do castigo

Dará madeira ao patíbulo

E de onde os frutos da paz

Tombarão no chão da guerra!

MORAES, Vinicius de Moraes, Rio de Janeiro, 1954

Comente este poema, tendo em conta os seguintes aspectos, entre outros que considere pertinentes.

- integração do poema na poética do autor;

- justificação do vocábulo «balada» no título do poema;

- contextualização histórica do poema;

- caracterização das imagens de horror;

- valor semântico da antítese entre “sementeira” e “campos”, por um lado, e “espectral” e “estéreis”, por outro;

- uso da ironia como um recurso expressivo estruturante do poema;

- …

Sugestão de leitura para informação e estudo:A poesia social de Vinicius de Moraes, Cristina Valença. Maceió, Universidade Federal de Alagoas, 2019.

Lusofonia - plataforma de apoio ao estudo da língua portuguesa no mundo, José Carreiro, 2020https://sites.google.com/site/ciberlusofonia/Literatura-Brasileira/Vinicius