Vinicius de Moraes
O autor e a obra
Marcus Vinicius da Cruz de Mello Moraes (Rio de Janeiro, 19 de Outubro de 1913 – Rio de Janeiro, 9 de julho de 1980) foi um diplomata, jornalista, poeta e compositor brasileiro.
Poeta essencialmente lírico, o "poetinha" (como ficou conhecido) notabilizou-se pelos seus sonetos, forma poética que se tornou quase associada ao seu nome. Conhecido por também ser boémio inveterado, fumador e apreciador do uísque, Vinicius também era conhecido por ser um grande conquistador. O poetinha casou-se por nove vezes ao longo de sua vida.
A sua obra é vasta, passando pela literatura, teatro, cinema e música. Juntamente com o compositor António Carlos Jobim e o cantor João Gilberto, Vinicius tem um papel importante no movimento de renovação da música popular brasileira, a que se deu o nome de Bossa Nova. No campo musical, o poetinha teve como principais parceiros Tom Jobim, Toquinho, Baden Powell e Carlos Lyra.
Poesia: da transcendência espiritual ao amor sensual
Poeta espiritualista, desenvolve uma poesia intimista e reflexiva, de profunda sensibilidade feminina, reforça a tendência de sua geração. Contudo, a sua obra trilha caminhos próprios, caminha cada vez mais para uma percepção material da vida, do amor e da mulher. Partindo de uma poesia religiosa e idealizante, chega a ser um dos poetas mais sensuais da literatura brasileira.
Temas específicos: espiritualidade; amor platónico; amor real; a mulher; a sensualidade.
1.ª fase: simbolismo místico (fase místico-religiosa)
A exemplo de outros poetas de sus geração, a primeira fase da poesia de Vinícius é marcada pela preocupação religiosa, pela angústia existencial diante da condição humana e pelo desejo de superar, por meio da transcendência mística, as sensações de pecado, culpa e desconsolo que a vida terrena lhe oferecia. Os versos são tendencialmente longos e melancólicos.
Os livros da primeira fase:
O caminho para a distância (1933);
Forma e exegese (1935);
Ariana, a mulher (1936);
Novos poemas (1938);
Cinco elegias (1943) livro de transição.
Em O caminho para a distância, o poeta manifesta a sua preocupação religiosa e a sua angústia diante do mundo, revelando também o seu conflito entre o sensualismo e o sentimento religioso. O amor é tido como um elemento negativo que, ligando-o ao mundo terreno, impede a libertação do espírito. O livro guarda um tom adolescente e as imagens não têm o vigor que alcançariam mais tarde. Trata-se de uma obra imatura.
A partir de Forma e exegese, os versos ganham liberdade expressiva e tornam-se mais extensos. O poeta volta-se para o quotidiano, sem contudo abandonar o desejo de transcendência. A mulher torna-se figura central da sua poesia – mas ainda envolta por um forte misticismo, que contribui para a sua caracterização como um ser divinizado - ,o poeta procura harmonizar sensualismo e erotismo com os apelos espirituais.
O tom declamatório e os versos longos, que nos lembram versículos bíblicos, mantêm o poeta ainda distante das conquistas expressivas mais modernas. Essa primeira fase, segundo o próprio Vinicius, termina com Ariana, a mulher. Enquanto que Cinco elegias seria o livro de transição.
Os poemas dessa fase geralmente são longos, com versos igualmente longos, em linguagem abstracta, alegórica e declamatória. Observe:
No sangue e na lama
O corpo sem vida tombou.
Mas nos olhos do homem caído
Havia ainda a luz do sacrifício que redime
E no grande Espírito que adejava o mar e o monte
Mil vozes clamavam que a vitória do homem forte tombado na luta
Era o novo Evangelho para o homem da paz que lavra no campo.
2.ª fase: encontro com o mundo material e quotidiano
Cinco elegias (1943) é a obra que marca, na poesia de Vinicius, a passagem para uma fase de proximidade maior com o mundo material. O poeta passa a interessar-se por temas quotidianos, pelas coisas simples da vida e explora com sensualismo os temas do amor e da mulher. A linguagem também tende à simplicidade o verso livre passa a ser mais usado, a comunicação torna-se mais directa e dinâmica.
Pode-se dizer que pela primeira vez, Vinicius de Moraes adere às propostas dos modernistas de 22, apesar de sempre terem feito parte de sua poesia certa dicção clássica e o gosto pelo soneto. Contudo, nas suas mãos, o soneto ganha roupagem diferente, mais moderna e real, fazendo uso do vocábulo do quotidiano, pouco comum nesse tipo de composição. É o caso, por exemplo deste soneto, em que o erotismo é recriado a partir de uma forma clássica e de uma linguagem crua e directa:
SONETO DE DEVOÇÃO
Essa mulher que se arremessa, fria
E lúbrica em meus braços, e nos seios
Me arrebata e me beija e balbucia
Versos, votos de amor e nomes feios.
Essa mulher, flor de melancolia
Que se ri dos meus pálidos receios
A única entre todas a quem dei
Os carinhos que nunca a outra daria
Essa mulher que a cada amor proclama
A miséria e a grandeza de quem ama
E guarda a marca dos meus dentes nela.
Essa mulher é um mundo! - uma cadela
Talvez... - mas na moldura de uma cama
Nunca mulher nenhuma foi tão bela!
LINHAS DE LEITURA
Lúbrica: lasciva, sensual.
Repetição sistemática do fonema consonantico “b”– aliteração.
Houve pouca preocupação em obedecer às regras tradicionais de pontuação.
Versos decassílabos com esquema de rima ABAB, ABB CCD, DCD
Assim como Castro Alves, Vinicius canta o amor físico, o amor livre.
O termo “cadela”, bastante forte, pois normalmente funciona como palavrão, como ofensa, dirigida vulgarmente a mulher que “não se respeita”, que se entrega a qualquer um, tem aqui uma força e um gosto especial. Ao designar a mulher de cadela, dentro do contexto desses versos e da personalidade de seu criador, veste a palavra com novas roupas e novas cores.
O que se sente ao ler o poema é que ali esta é uma mulher que ama o amor, uma mulher que se entrega à relação sexual com força animal, sem os recatos de uma formação burguesa, cristã, repressora.
Perante a admiração e devoção do eu lírico, tal condição transforma-se em valor, em qualidade, conferindo à musa uma aura de beleza.
A partir de Poemas, sonetos e baladas, dá-se a superação da angústia e da melancolia; o poeta integra-se na realidade, e a sua poesia adquire um ritmo mais tranquilo e uma expressão mais coloquial, simples e directa. Nessa fase, a sua temática ganha novas características universalizantes e sociais. O poema “O operário em Construção” (1956) é o que melhor exemplifica essa preocupação; por meio de uma linguagem simples e directa, quase didáctica, o poeta manifesta solidariedade para com as classes oprimidas e almeja atingir a consciência daqueles que o lêem ou ouvem. Observe estes fragmentos:
O OPERÁRIO EM CONSTRUÇÃO
«Era ele que erguia casas
Onde antes só havia chão.
Como um pássaro sem asas
Ele subia com as casas
Que lhe brotavam da mão.
Mas tudo desconhecia
De sua grande missão:
Não sabia, por exemplo
Que a casa de um homem é um templo
Um templo sem religião
Como tampouco sabia
Que a casa que ele fazia
Sendo a sua liberdade
Era a sua escravidão.»
«Mas ele desconhecia
Esse fato extraordinário:
Que o operário faz a coisa
E a coisa faz o operário.
De forma que, certo dia
À mesa, ao cortar o pão
O operário foi tomado
De uma súbita emoção
Ao constatar assombrado
Que tudo naquela mesa
- Garrafa, prato, facão -
Era ele quem os fazia»
«De fato, como podia
Um operário em construção
Compreender por que um tijolo
Valia mais do que um pão?
Tijolos ele empilhava
Com pá, cimento e esquadria
Quanto ao pão, ele o comia...
Mas fosse comer tijolo!
E assim o operário ia
Com suor e com cimento
Erguendo uma casa aqui
Adiante um apartamento
Além uma igreja, à frente
Um quartel e uma prisão:
Prisão de que sofreria
Não fosse, eventualmente
Um operário em construção.»
São desse período a Antologia poética (1955), o Livro dos sonetos (1957) e Novos poemas II (1959), que traz o poema "Receita de mulher". Na década de 1960 publicou mais três livros: Procura-se uma rosa, Para viver um grande amor (ambos de 1962) e Para uma menina com uma flor (1966), de crónicas. A Arca de Noé (1970) é um livro de poesia para crianças.
Poeta lírico por excelência, na sua segunda fase, Vinicius alia temas modernos à mais apurada forma clássica de composição, o soneto, deixando-nos obras primas, como o poema abaixo:
SONETO DE FIDELIDADE
De tudo ao meu amor serei atento
Antes, e com tal zelo, e sempre, e tanto
Que mesmo em face do maior encanto
Dele se encante mais meu pensamento.
Quero vivê-lo em cada vão momento
E em seu louvor hei de espalhar meu canto
E rir meu riso e derramar meu pranto
Ao seu pesar ou seu contentamento
E assim, quando mais tarde me procure
Quem sabe a morte, angústia de quem vive
Quem sabe a solidão, fim de quem ama
Eu possa me dizer do amor (que tive) :
Que não seja imortal, posto que é chama
Mas que seja infinito enquanto dure.
LINHAS DE LEITURA:
Poema em que o “eu” lírico louva o amor na sua intensidade, colocando em plano de pouca importância a sua condição de finito, de efémero
O que importa é o seu fogo renovador e vivificador.
Um recurso técnico que vale a pena ser observado é o emprego de versos bimembres, compostos de duas partes “Quem sabe a morte / angústia de quem vive”, além de paralelismo sintáctico:
Quem sabe a morte, angústia de quem vive
Quem sabe a solidão, fim de quem ama
Deste último Vinicius, poeta sensual e social, para o cantor e compositor Vinicius é um passo. A partir dos anos 60 afasta-se da poesia e entrega-se de corpo alma à música.
Em síntese:
1.º Momento: simbolismo místico – uso do versículo bíblico; gosto do poema longo, de tom grave e exaltado, cheio de ressonâncias.
2.º Momento: adesão à modernidade – contenção formal; liberdade temática e de expressão; incorporação poética do quotidiano e da experiência directa da vida.
Lírico excepcional, Vinicius também versou sobre a temática social.
Nos seus sonetos é visível a influência camoniana, com uma linguagem clássica e grande intensidade da visão lírico-realista do amor.
Captação do sublime que impregna o prosaico quotidiano e o expressa em uma linguagem simultaneamente simples e magistral, prosaica e bela.
Destacam-se duas preocupações constantes: o desejo de seduzir e a admiração perante a beleza e a fragilidade.
(Adaptado de:www.coladaweb.com (Andressa Fiorio), http://pt.wikipedia.org/wiki/Vin%C3%ADcius_de_Moraes, http://www.objetivoitajuba.com.br/caro/downloads/resumosgilmar/Sonetos%20de%20Vinicius%20de%20Moraes.doc, consultado em Setembro de 2007)
Leitura metódica de poemas
1. Os dois sonetos que se seguem relacionam situações conflituosas do eu lírico perante uma separação. Comente acerca da ideia de separação nos dois textos, evidenciando elementos convergentes e divergentes.
SONETO DE SEPARAÇÃO
De repente do riso fez-se o pranto
Silencioso e branco como a bruma
E das bocas unidas fez-se a espuma
E das mãos espalmadas fez-se o espanto.
De repente da calma fez-se o vento
Que dos olhos desfez a última chama
E da paixão fez-se o pressentimento
E do momento imóvel fez-se o drama.
De repente, não mais que de repente
Fez-se de triste o que se fez amante
E de sozinho o que se fez contente.
Fez-se do amigo próximo o distante
Fez-se da vida uma aventura errante
De repente, não mais que de repente.
Vinicius de Moraes
ALMA MINHA GENTIL, QUE TE PARTISTE
Alma minha gentil, que te partiste
Tão cedo desta vida, descontente,
Repousa lá no Céu eternamente
E viva eu cá na terra sempre triste.
Se lá no assento etéreo, onde subiste,
Memória desta vida se consente,
Não te esqueças daquele amor ardente
Que já nos olhos meus tão puro viste.
E se vires que pode merecer-te
Algu~a cousa a dor que me ficou
Da mágoa, sem remédio, de perder-te,
Roga a Deus, que teus anos encurtou,
Que tão cedo de cá me leve a ver-te,
Quão cedo de meus olhos te levou.
Luís de Camões
2. Apesar de modernista, Vinicius apresenta, no texto seguinte, características da estética romântica.
PÁTRIA MINHA
A minha pátria é como se não fosse, é íntima
Doçura e vontade de chorar; uma criança dormindo
É minha pátria. Por isso, no exílio
Assistindo dormir meu filho
Choro de saudades de minha pátria.
Se me perguntarem o que é a minha pátria, direi:
Não sei. De fato, não sei (...)
Mas sei que a minha pátria é a luz, o sal e a água
Que elaboram e liquefazem a minha mágoa
Em longas lágrimas amargas.
Vontade de beijar os olhos de minha pátria
De niná-la, de passar-lhe a mão pelos cabelos...
Vontade de mudar as cores do vestido (auriverde!) tão feias
De minha pátria, de minha pátria sem sapatos
E sem meias, pátria minha
Tão pobrinha!
Porque te amo tanto, pátria minha, eu que não tenho
Pátria, eu semente que nasci do vento
Eu que não vou e não venho, eu que permaneço
Em contacto com a dor do tempo (...)
Ponho no vento o ouvido e escuto a brisa
Que brinca em teus cabelos e te alisa
Pátria minha, e perfuma o teu chão...
Que vontade me vem de adormecer-me
Entre teus doces montes, pátria minha
Atento à fome em tuas estranhas
E ao batuque em teu coração.
Teu nome é pátria amada, é patriazinha
Não rima com mãe gentil
Vives em mim como uma filha, que és
Uma ilha de ternura: a Ilha
Brasil, talvez.
Assinale a única característica romântica NÃO presente neste texto:
a) Preocupação com o eu-lírico, através da expressão de emoções pessoais.
b) Valoração de elementos da natureza, como forma de exaltação da terra brasileira.
c) Sentimentos de saudade e nostalgia, causados pela dor do exílio.
d) Preocupação social, através da menção a problemas brasileiros.
e) Abandono do ideal purista dos neoclássicos na prevalência do conteúdo sobre a forma.
3. Leia o poema e responda às questões.
DIALÉCTICA
É claro que a vida é boa.
E a alegria, a única indizível emoção
É claro que te acho linda
Em ti bendigo o amor das coisas simples
É claro que te amo
Mas acontece que sou triste.
3.1. O tema central do poema é:
A) a felicidade
B) a política
C) a tristeza
D) a alegria
3.2. Pode-se dizer que a poesia de Vinicius é:
A) realista
B) intimista
C) moralista
D) extremista
3.3. Em todo o poema está presente uma linguagem:
A) formal e melancólica
B) prolixa e melodiosa
C) direta e concisa
D) mística e triste
3.4. No trecho “...a única indizível emoção”, o significado da palavra em destaque é:
A) o que não se pensa
B) o que não se quer
C) o que não se diz
D) o que não se faz
3.5. Em “Mas acontece que sou triste”, o termo destacado indica ideia de:
A) dúvida
B) oposição
C) sensação
D) semelhança
3.6. Uma das características das obras de Vinicius de Moraes é um acentuado imediatismo. A opção que traz o significado do termo destacado é:
A) que as coisas fluem devagar
B) que as coisas nunca acontecem
C) que as coisas são ditas sem rodeios
D) que as coisas acontecem sem emoção
4. Assinale a(s) alternativa(s) em que os excertos poéticos correspondem à seguinte afirmação de Alfredo Bosi sobre Vinicius de Moraes: “A temática da sua poesia tem-se alargado nas últimas obras, abrindo-se, embora sem espírito de sistema, à valoração do trabalho humano e da consciência capaz de ver e denunciar”.
– A –
Não posso
Não é possível
Digam-lhe que é totalmente impossível
Agora não pode ser
É impossível
Não posso.
Digam-lhe que estou tristíssimo, mas não posso ir esta noite ao seu encontro.
Contem-lhe que há milhões de corpos a enterrar
Muitas cidades a reerguer, muita pobreza pelo mundo.
(“Mensagem à Poesia”)
– B –
Nas tardes da fazenda há muito azul demais.
Eu saio às vezes, sigo pelo pasto agora
Mastigando um capim, o peito nu de fora
No pijama irreal de há três anos atrás.
(“Soneto de Intimidade”)
– C –
Quando chegares e eu te vir chorando
De tanto te esperar, que te direi?
E da angústia de amar-te, te esperando,
Reencontrada, como te amarei?
(“Soneto de Véspera”)
– D –
Distante o meu amor, se me afigura
O amor como um patético tormento
Pensar nele é morrer de desventura
Não pensar é matar meu pensamento.
(“Soneto de Carnaval”)
– E –
E dentro da tarde mansa
Agigantou-se a razão
De um homem pobre e esquecido
Razão porém que fizera
Em operário construído
O operário em construção.
(“O Operário em Construção”)
5. A respeito da poesia de Vinicius, assinale verdadeira (V) ou falsa (F) em cada afirmação a seguir.
( ) Sob a forma de soneto, privilegia temáticas líricas, sobretudo o amor e suas múltiplas manifestações.
( ) Celebra a sensualidade com versos que apresentam imagens a respeito do sexo e do corpo.
( ) O cunho erótico dos poemas exclui a experiência mística do amor.
A sequência correcta é:
a) V - F - F.
b) V - V - F.
c) F - V - F.
d) V - F - V.
e) F - F - V.
6. Para responder às questões 6.1. e 6.2. leia os poemas abaixo.
PAISAGEM
Subi a alta colina
Para encontrar a tarde
Entre os rios cativos
A sombra sepultava o silêncio.
Assim entrei no pensamento
Da morte minha amiga
Ao pé de grande montanha
Do outro lado do poente.
Como tudo nesse momento
Me pareceu plácido e sem memória
Foi quando de repente uma menina
De vermelho surgiu no vale correndo, correndo...
***
IV
Apavorado acordo, em treva. O luar
É como o espectro do meu sonho em mim
E sem destino, e louco, sou o mar
Patético, sonâmbulo e sem fim.
Desço da noite, envolto em sono; e os braços
Como ímãs, atraio o firmamento
Enquanto os bruxos, velhos e devassos
Assoviam de mim na voz do vento.
Sou o mar! sou o mar! meu corpo informe
Sem dimensão e sem razão me leva
Para o silêncio onde o Silêncio dorme.
Enorme. E como o mar dentro da treva
Num constante arremesso largo e aflito
Eu me espedaço em vão contra o infinito.
6.1. Com base no poema “Paisagem” e no “IV” dos “Sonetos de Meditação”, de Vinicius de Moraes, assinale a(s) alternativa(s) procedente(s).
(A) Os dois textos discutem o tema da morte, embora apontem para conclusões completamente opostas.
(B) Em “Paisagem”, a representação da morte é feita através da alusão “a uma menina de vermelho”, que surge no “vale correndo”.
(C) A angustiante experiência da solidão está presente nos dois poemas, mas, no soneto “IV”, culmina com a alusão ao suicídio.
(D) Os dois poemas correspondem à fase mística e transcendental do poeta, cuja tônica é marcada pela religiosidade cristã.
(E) Apenas o soneto “IV” pertence à fase religiosa do autor, uma vez que resgata a necessidade de buscar o infinito.
(F) A estrutura formal do soneto “IV”, com rimas cruzadas nos quartetos e versos decassílabos, contrapõe-se à “Paisagem”, com versos livres e ritmo fluido.
(G) O poeta insere-se na terceira fase da poesia modernista brasileira, caracterizada pelo Concretismo, em parceria com Toquinho e Gilberto Gil.
6.2. Tendo em vista os poemas de Vinicius de Moraes, assinale a(s) alternativa(s) correcta(s).
(A) A fusão entre o sujeito lírico e o objeto é representada, no soneto “IV”, pela metonímia contida na palavra “luar” (v. 1).
(B) Nos dois últimos versos de “Paisagem”, a menina de vermelho é uma metáfora da esperança na vida.
(C) No soneto “IV”, a grafia de “Silêncio” (v. 11), em letra maiúscula, visa destacar a representação da morte.
(D) Nos versos 2, 4, e 6, do poema “Paisagem”, há linguagem figurada, constituída por personificações.
(E) No soneto “IV”, apesar de estar escrito na terceira pessoa, o sujeito lírico confunde-se com a pessoa do poeta.
(F) No poema “Paisagem”, a natureza simbólica da religião representa a morte das paixões adolescentes.
(G) No verso 4 de “Paisagem”, há uma figura de efeito sonoro conhecida como aliteração.
7. Leia, atentamente, o texto que se segue.
A MULHER QUE PASSA
Meu Deus, eu quero a mulher que passa.
Seu dorso frio é um campo de lírios
Tem sete cores nos seus cabelos
Sete esperanças na boca fresca!
Oh! Como és linda, mulher que passas
Que me sacias e suplicias
Dentro das noites, dentro dos dias!
Teus sentimentos são poesia
Teus sofrimentos, melancolia.
Teus pêlos leves são relva boa
Fresca e macia.
Teus belos braços são cisnes mansos
Longe das vozes da ventania.
Meu Deus, eu quero a mulher que passa!
Como te adoro, mulher que passas
Que vens e passas, que me sacias
Dentro das noites, dentro dos dias!
Por que me faltas, se te procuro?
Por que me odeias quando te juro
Que te perdia se me encontravas
E me encontrava se te perdias?
Por que não voltas, mulher que passas?
Por que não enches a minha vida?
Por que não voltas, mulher querida
Sempre perdida, nunca encontrada?
Por que não voltas à minha vida
Para o que sofro não ser desgraça?
Meu Deus, eu quero a mulher que passa!
Eu quero-a agora, sem mais demora
A minha amada mulher que passa!
No santo nome do teu martírio
Do teu martírio que nunca cessa
Meu Deus, eu quero, quero depressa
A minha amada mulher que passa!
Que fica e passa, que pacifica
Que é tanto pura como devassa
Que bóia leve como a cortiça
E tem raízes como a fumaça.
Vinicius de Moraes, Antologia poética
São Paulo, Companhia das Letras, 1992, pp.88-89.
Elabore um comentário literário do poema transcrito, tendo em conta os níveis formal, fónico, morfossintático e semântico, de modo a evidenciar, entre outros, os seguintes aspectos:
o tema e seu desenvolvimento lógico (estruturação do poema em partes lógicas);
modo(s) de construção da imagem da mulher;
relação entre a representação da mulher e o estado emocional do sujeito poético;
aspectos estilísticos relevantes (este item deve ser integrado nos restantes);
marcas individuais do autor.
- O tema e seu desenvolvimento lógico (estruturação do poema em partes lógicas):
- modo(s) de construção da imagem da mulher:
- Relação entre a representação da mulher e o estado emocional do sujeito poético:
- Marcas individuais do autor:
8. Apesar de grande parte de sua obra poética ter o amor como tema central, Vinicius de Moraes também se ocupou de questões contemporâneas em poemas como o citado abaixo, escrito sob o impacto das atrocidades cometidas durante a Segunda Guerra Mundial.
BALADA DOS MORTOS DOS CAMPOS DE CONCENTRAÇÃO
Cadáveres de Nordhausen Erla, Belsen e Buchenwald!
Ocos, flácidos cadáveres
Como espantalhos, largados
Na sementeira espectral
Dos ermos campos estéreis
De Buchenwald e Dachau.
Cadáveres necrosados
Amontoados no chão
Esquálidos enlaçados
Em beijos estupefatos
Como ascetas siderados
Em presença da visão.
Cadáveres putrefatos
Os magros braços em cruz
Em vossas faces hediondas
Há sorrisos de giocondas
E em vossos corpos, a luz
Que da treva cria a aurora.
Cadáveres fluorescentes
Desenraizados do pó
Que emoção não dá-me o ver-vos
Em vosso êxtase sem nervos
Em vossa prece tão-só
Grandes, góticos cadáveres!
Ah, doces mortos atônitos
Quebrados a torniquete
Vossas louras manicuras
Arrancaram-vos as unhas
No requinte de tortura
Da última toalete...
A vós vos tiraram a casa
A vós vos tiraram o nome
Fostes marcados a brasa
Depois voz mataram de fome!
Vossa peles afrouxadas
Sobre os esqueletos dão-me
A impressão que éreis tambores —
Os instrumentos do Monstro —
Desfibrados a pancada:
Ó mortos de percussão!
Cadáveres de Nordhausen Erla, Belsen e Buchenwald!
Vós sois o húmus da terra
De onde a árvore do castigo
Dará madeira ao patíbulo
E de onde os frutos da paz
Tombarão no chão da guerra!
MORAES, Vinicius de Moraes, Rio de Janeiro, 1954
Comente este poema, tendo em conta os seguintes aspectos, entre outros que considere pertinentes.
- integração do poema na poética do autor;
- justificação do vocábulo «balada» no título do poema;
- contextualização histórica do poema;
- caracterização das imagens de horror;
- valor semântico da antítese entre “sementeira” e “campos”, por um lado, e “espectral” e “estéreis”, por outro;
- uso da ironia como um recurso expressivo estruturante do poema;
- …
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