Literatura Guineense

Breve resenha sobre a literatura da Guiné-Bissau

Dentre as antigas colónias portuguesas, a Guiné-Bissau é o país onde mais tardiamente a literatura se desenvolveu devido ao atraso do aparecimento de condições socioculturais propícias ao surgimento de vocações literárias. Esse atraso deveu-se sobretudo ao facto da Guiné ser uma colónia de exploração e não de povoamento, tendo estado por um longo período sob a tutela do governo geral da colónia de Cabo Verde.

São vários os elementos que explicam essa situação, dos quais cito alguns. Primeiramente, uma política educativa colonial restritiva e tardia. Com efeito, o primeiro estabelecimento de ensino secundário só foi aberto em 1958, enquanto que, por exemplo, em Cabo Verde o primeiro liceu foi inaugurado na Praia em 1860[1] O acesso ao ensino era bastante restrito, estando dele excluída a maioria da população (99,7% em 1961) abrangida pelo Estatuto do Indigenato. A imprensa também chegou tardiamente à colónia, em 1879, enquanto que nas demais colónias ela foi instalada entre 1842 e 1857. Os Boletins Oficiais, que possuíam secções reservadas a colaborações literárias, só apareceram em 1880, na medida em que entre 1843 (data em que apareceram os boletins nas outras colónias) e 1879 havia um boletim comum à Guiné e Cabo Verde, editado na Praia. A primeira editora pública, a Editora Nimbo, só aprareceu depois da independência em 1987, tendo tido uma duração efémera, fechando alguns anos depois.

A estas causas remotas, associam-se outras mais recentes que têm a ver com o pouco (ou quase nenhum) apoio que as autoridades do país têm prestado à promoção da cultura nacional em geral e à literatura em particular. A inexistência de bibliotecas, de uma casa de edições, a falta de dinamismo da própria União Nacional de Artistas e Escritores são alguns dos factores que têm travado o desenvolvimento do movimento literário nacional. Abdulai Silá, o primeiro romancista contemporâneo do país, teve que fundar a sua própria casa de edições em 1994...

Poderemos distinguir quatro fases na literatura da Guiné em função do seu conteúdo: uma primeira fase anterior a 1945, uma segunda entre 1945 e 1970, uma outra entre 1970 e o fim dos anos 1980 e finalmente a fase iniciada na década de 1990.

I. A fase anterior a 1945

Autores marcados pelo cunho colonial

Os primeiros escritos no território guineense foram produzidos por escritores estabelecidos ou que viveram muitos anos na Guiné, muitos deles de origem cabo-verdiana. A maior parte das suas obras têm um carácter histórico, com a excepção da de Fausto Duarte (1903-1955), que se destacou como romancista[2], Juvenal Cabral e Fernando Pais Figueiredo, ambos ensaístas, Maria Archer, poetisa do exotismo, Fernanda de Castro, cuja obra dá conta das transformações sociais da colónia na época e João Augusto Silva, que recebeu o primeiro prémio de literatura colonial. Porém a maior parte destes autores caracterizam-se por uma abordagem paternalista e/ou próxima do discurso colonial.

Durante este período apenas uma figura guineense se destaca: o Cónego Marcelino Marques de Barros que deixou trabalhos no domínio da etnografia, nomeadamente A literatura dos negros e uma colaboração com carácter literário dispersa em obras diversas. A ele se deve a recolha e a tradução de contos e canções guineenses em diferentes publicações e numa obra editada em Lisboa em 1900, intitulada Contos, Canções e Parábolas.

II. O período entre 1945 e 1970

Uma poesia de combate

É neste período que surgem os primeiros poetas guineenses: Vasco Cabral e António Baticã Ferreira. Amílcar Cabral, com uma dupla ligação à Guiné e Cabo Verde, faz também parte desta geração de escritores nacionalistas. A literatura deste período caracteriza-se pelo surgimento da poesia de combate que denuncia a dominação, a miséria e o sofrimento, incitando à luta de libertação.

Embora os primeiros poemas de Amílcar Cabral revelem um autor cabo-verdiano, a maior parte da sua obra literária é dominada por um cunho universalista, marcada pela contestação e incitação à luta:

Ah meu grito de revolta que percorreu o mundo

que não transpôs o mundo

o Mundo que sou eu !

Ah ! meu grito de revolta que feneceu lá longe

Muito longe

Na minha garganta !

Na garganta mundo de todos os Homens[3]

Vasco Cabral é certamente o escritor desta geração com a maior produção poética e o poeta guineense que maior número de temas abordou. A sua pluma passa do oprimido à luta, da miséria à esperança, do amor à paz e à criança.... Inicialmente com uma abordagem universalista, a sua obra se orienta, a partir dos anos 1960 para a realidade guineense[4]. Em 1981, publicou o seu primeiro livro de poemas intitulado A luta é a minha primavera, obra que reúne 23 anos de criação poética entre 1951 e 1974. Esta obra foi ulteriormente publicada pela União Latina numa versão trilingue português, francês e romeno.

Mãe África

Vexada

Pisada

calcada até às lágrimas

confia e luta

e um dia a África será nossa…[5]

Ah ! Comme il me plairait

d’embrasser sur la bouche l’aurore

et de promener mes doigts

dans la chevelure de l’avenir

pour que paix et liberté

soient universelles.[6]

III. Dos anos 1970 ao fim dos anos 1980

Uma literatura exclusivamente poética: da poesia de combate à poesia intimista

Com a independência do país, surge uma vaga de jovens poetas, cujas obras impregnadas de um espírito revolucionário, manifestam um carácter social. Os autores mais representativos são: Agnelo Regalla, António Soares Lopes (Tony Tcheca), José Carlos Schwartz, Hélder Proença, Francisco Conduto de Pina, Félix Sigá.

O colonialismo, a escravatura e a repressão são denunciados por esses autores que, no pós-independência imediato apelam para a construção da Nação e invocam a liberdade e a esperança num futuro melhor. O tema da identidade é abordado através de diferentes situações: a humilhação do colonizado, a alienação ou assimilação e a necessidade de afirmação da identidade nacional.

Note-se porém que a questão de identidade não é apresentada como um factor de oposição entre o indivíduo e a sociedade na qual este evolui. Ela é analisada como um conflito pessoal do indivíduo, que consciente do seu desfasamento cultural em relação à sociedade de origem, procura identificar-se com as suas raízes, da qual foi afastado pela assimilação colonial. Por conseguinte, nesta abordagem não se põe em causa a pertença do indivíduo à sociedade em questão.

Embora o recurso ao crioulo seja marginal, os autores afirmam-se como cidadãos africanos

Vejamos :

Agnelo Regalla (tema do assimilado)

Fui levado

a conhecer a nona sinfonia

Beethoven e Mozart

na música

Dante, Petrarca e Bocácio

na literatura

…Mas de ti mãe África?

Que conheço eu de ti?

a não ser o que me impingiram

o tribalismo, o subdesenvolvimento

e a fome e a miséria como complementos…/[7]

Hélder Proença (temas: reconstrução e esperança)

É assim que vamos tecendo as nossas manhãs

de ferro e terra batida

são as cores da nossa vida

onde a juventude se forja

- ardente e gloriosa no peito palpitante do futuro - …[8]

As primeiras publicações poéticas surgem em 1977 com a edição da primeira antologia Mantenhas para quem luta, editada pelo Conselho Nacional da Cultura. No ano seguinte, é publicada a Antologia dos novos poetas / primeiros momentos da construção. Estas duas obras consagram uma poesia que instiga à reconstrução do jovem país.

Ainda em 1978, Francisco Conduto de Pina publicou o seu primeiro livro de poemas Garandessa di nô tchon e Pascoal D’Artagnan Aurigema editou Djarama.

Hélder Proença publicou em 1982 Não posso adiar a palavra com duas obras poéticas.

Em 1990, surgiu uma nova colectânea poética, a Antologia Poética da Guiné-Bissau editada em Lisboa pela Editorial Inquérito, reunindo obras de quinze poetas, dos quais a maioria produz ainda uma poesia característica desta época.

IV. A partir da década de 1990

Uma poesia mais intimista.

O desencantamento dos sonhos do pós-independência imediato fez com que a euforia revolucionária desse lugar a uma poesia que se tornou mais pessoal, mais intimista, com a deslocação dos temas Povo-Nação para o Indivíduo. Outros temas passaram a inspirar a criação literária, tais como o amor. De entre os seus autores citemos: Hélder Proença, Tony Tcheca, Félix Sigá, Carlos Vieira, Odete Semedo.

Quisera

nesta vida

… afagar teus cabelos

sugar o doce dos teus olhos

transportar em arco-íris

o néctar da tua boca

e juntos caminharmos

ante a ânsia e o sonho[9]

A vida

nasce de gotas de Amor

- a morte

acontece no tempo

entre mim e a vida

paira um vácuo

- com sorriso

aguardo o destino[10].

Embora o português continue a ser a língua dominante na poesia guineense, o recurso ao crioulo tornou-se mais frequente, quer pela escrita em crioulo, quer pela utilização de termos e expressões crioulas em textos em português. Empregando o crioulo, os autores põem em evidencia a riqueza metafórica dessa língua, profundamente enraizada na cultura popular.

Odete Semedo, que utiliza tanto o português como o crioulo, reivindica pertencer a duas culturas:

Em que língua escrever

as declarações de amor?

em que língua contar as histórias que ouvi contar?

…Falarei em crioulo?

Falarei em crioulo!

mas que sinais deixar aos netos deste século?

ou terei que falar nesta língua lusa

e eu sem arte nem musa

mas assim terei palavras para deixar[11]

Várias são as publicações que dão conta destas inovações na literatura bissau – guineense: O Eco do Pranto de Tony Tcheca, em 1992, uma antologia temática sobre a criança, editada pela Editorial Inquérito em Lisboa; O silêncio das gaivotas, em 1996, o segundo livro de poemas de Francisco Conduto de Pina; Kebur – Barkafon di poesia na kriol, uma recolha de poemas em crioulo, editada pelo Instituto Nacional de Estudos e Pesquisa (INEP) em 1996; Entre o Ser e o Amar, uma recolha bilingue português-crioulo de poemas de Odete Semedo, publicada também pelo INEP em 1996 Noites de insónia em terra adormecida, um outro livro de poemas de Tony Tcheka publicado também em 1996 e Um Cabaz de Amores - Une corbeille d’amours, recolha bilingue português-francês de poemas de Carlos Edmilson Vieira, publiacada em 1998 pelas Editions Nouvelles du Sud em Paris.

As primeiras bandas desenhadas de Fernando Júlio, exclusivamente em crioulo, apareceram na década de oitenta. Trata-se essencialmente de sátiras sociais que tiveram um grande sucesso. A música, onde a poesia crioula tem quase a exclusividade, foi também marcada pela exultação da reconstrução nacional.

Finalmente a prosa!

Foi apenas em 1993 que a prosa aparece na literatura contemporânea bissau-guineense. Foi Domingas Sami que inaugurou este estilo com uma recolha de contos « A escola » sobre a condição feminina na sociedade nacional.

Em 1994, surge o primeiro romance de Abdulai Silá, Eterna Paixão, que publicou outros dois romances: A última tragédia, traduzido para francês e Mistida em 1997. Na sua obra Silá põe em destaque a coabitação na sociedade colonial das duas comunidades presentes, a colonizadora e a colonizada. A transição para uma sociedade pós-colonial onde uma nova elite saída da luta de libertação se instala no poder, fazendo contrastar o seu discurso revolucionário com uma prática desastrosa na governação do país, é visitada pela pluma atenta do escritor. O seu romance Mistida publicado um ano antes do início da guerra civil de 1998/1999 é considerada pelos críticos literários como uma obra profética.

Em 1997, Carlos Lopes, autor de numerosas obras de carácter histórico, sociológico e político, inaugura a sua incursão na literatura nacional com a publicação de Corte Geral, uma recolha de crónicas, na qual, com muito humor, descreve situações reveladoras do surrealismo que caracteriza a sociedade guineense de todos os tempos.

Um outro escritor se impõe em 1998 na cena literária: Filinto Barros, com o seu primeiro romance Kikia Matcho, que mergulha o leitor no mundo mágico e místico africano, abordando a vida decadente da capital nos anos 1990 e o sonho falhado que representa a emigração.

Em 1999, Filomena Embaló publicou também o seu primeiro romance, Tiara, que levanta o véu do delicado tema da integração familiar e social no seio da própria sociedade africana.

Carlos Edmilson Vieira, em 2000, editou Contos de N’Nori, uma recolha de contos que evocam lendas e costumes populares, recordações de brincadeiras da juventude e as vicissitudes sociais e políticas da sociedade guineense.

Constata-se que a literatura contemporânea bissau-guineense, nas suas diversas formas, tem uma constante: pela pluma dos seus escritores, ela retrata as desilusões, os medos e as aspirações da população perante a situação política, social e económica que prevalece no país.

Filomena Embaló, http://www.didinho.org/Arquivo/resenhaliteratura.html, novembro de 2004.

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1 Aristides Pereira, Guiné-Bissau e Cabo Verde – Uma Luta, um Partido, Dois Países, Editorial Notícias, Lisboa, 2002[2]Aua, 1934; O negro uma alma, 1935; Rumo ao degredo, 1939 e A revolta, 1945.[3]Poema: «Poema», Antologia Poética da Guiné-Bissau, Editorial Inquérito, 1990, pág. 39[4] Fernando J. B. Martinho, no Prefácio da primeira edição de A luta é a minha primavera[5] Poema: «África! Ergue-te e caminha» Antologia Poética da Guiné-Bissau, Lisboa, op. cit. pág. 49.[6] Poema «Desabafo» (Confidence), extraído de A luta é a minha primavera, versão trilingue, pág. 236[7] Poema: «Poema de um assimilado», Antolologia poética da Guiné-Bissau, op. cit., pág. 118[8] Poema: «Assim respira a minha Pátria» Antologia Poética da Guiné-Bissau, op. cit., pág. 84[9] Tony Tcheca, «Ânsia e sonho», 1981, Antologia poética da Guiné-Bissau, op.cit. pág. 151 [10] Francisco Conduto de Pina, «A vida», 1996, O Silêncio das Gaivotas, Bissau, Centro Cultural Português, 1996[11][ Odete Semedo, «Em que Língua Escrever?», Entre o Ser e o Amar, INEP, Bissau 1996, pág. 11

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Ligações externas

A Literatura Colonial Guineense”, Leopoldo Amado. Revista ICALP, vol. 20 e 21, julho - outubro de 1990, 160-178.

Sol na Iardi – perspectivas otimistas para a literatura guineense”, Moema Augel. Via Atlântica, Universidade de São Paulo, dezembro 1999

Projecto Guiné-Bissau Contributo, http://www.didinho.org/Arquivo/estudosepesquisas.html, 10.05.2003

A Poesia Crioula Bissau-Guineense”, Hildo Couto. PAPIA: Revista Brasileira de Estudos do Contato Linguístico, v. 18, 2008

Literatura, língua e cultura na Guiné-Bissau”, Hildo Couto e Filomena Embaló. PAPIA: Revista Brasileira de Estudos do Contato Linguístico, v. 20, 2010

“TCHON DI PAPEL - Endotismo e exotismo na literatura bissau-guineense”, Maria Estela Guedes. https://www.academia.edu/9350697/Literatura_na_Guin%C3%A9-Bissau

Disponível também em: REVISTA TRIPLOV de Artes, Religiões e Ciências. Nova Série | 2010 | Número 06

https://www.triplov.com/novaserie.revista/numero_06/maria_estela_guedes/index.html

“A criança na Literatura Guineense Percursos, Problemas e Desafios”, Leopoldo Amado. Literatura e Lusofonia, 2012 - Anais do III Encontro de Escritores de Língua Portuguesa, pp. 26-32.

Uma radiografia do processo literário guineense”, Rui Semedo. REALIS | Revista de Estudos AntiUtilitaristas e PosColoniais, v. 2, n. 2, 2012

A Literatura Guineense: Contribuição para a Identidade da Nação, Joaquim Leite. Faculdade de Letras da Universidade de Coimbra, 2014

Trilhas e rumos das letras guineenses”, Erica Cristina Bispo. Revista Signótica, v. 26 n. 1, 2014

Poesia e revolução: a formação literária da Guiné-Bissau, Rosa Oliveira. Instituto de Letras da Universidade de Brasília, 2015

A Guiné-Bissau nos textos dos seus escritores

Fausto Duarte (1903 – 1953)


Fausto Castilho Duarte é um escritor caboverdiano que viveu muitos anos na Guiné, considerado um dos mais importantes representantes da literatura de língua portuguesa de temática guineense, faz parte desse grupo de autores. Na sua obra destaca-se o volume de contos Foram estes os vencidos1 e os romances A revolta, O negro sem alma3 e Auá, Novela Negra.

A ambição de Fausto Duarte era descrever a psicologia dos povos da Guiné sem fazer uso de estereótipos universalizados, pois, até então, o que se descrevia era a floresta virgem e as cruéis fadigas da jornada. Para tal, foi necessário antes o contacto directo com a mentalidade dos povos. Em primeira pessoa o autor diria: “é necessário antes perguntar-lhe a vida e compreender-lhe as superstições.” (1934).

Ler mais sobre Fausto Duarte em:


Fausto Duarte e suas representações em Auá: novela negra, Tatiana Jesus. Faculdade de Letras da Universidade de Lisboa, 2010

«- Matei Issilda porque assim estava escrito no livro do Destino.

- Ouviste, Abdu? Interrogou Braima.

- Ouvi.

- Ouviste, Djadja?

- ouvi.

- Ouviram todos?

- Ouvimos, sim.» (Auá, pp. 215-216)

«O Alcorão aconselha os homens a amar as esposas e a respeitar-lhes as fraquezas, recomendando sobretudo a hospitalidade para com aquele que passa à nossa porta seja qual for a sua condição […] O teu dever era perdoar, meu filho, e esquecer o que julgas uma afronta, porque o corpo nem sempre conserva os vestígios da sensualidade satisfeita. A indulgência é uma virtude, e o paraíso é do que sabe refrear a cólera e do que esquece as ofensas.» (Auá, p. 216)


Helder Proença (1956-2009)

Poeta guineense que se estreou em 1977 na obra Antologia dos Jovens Poetas, onde surge reunida poesia de vários autores guineenses. Nesta época, a poesia da Guiné-Bissau dava os primeiros passos. Nas palavras do próprio Proença, "emerge da aurora crepitante da reconstrução nacional como uma das pedras do perfil sociocultural da Guiné-Bissau, e inscreve-se profundamente na vida do seu povo". Proença foi o primeiro dos poetas da Antologia a publicar um livro. Trata-se de Não Posso Adiar a Palavra, publicado em 1982, em Lisboa. As temáticas abordadas são a libertação e a reconstrução nacionais.


Helder Proença in Infopédia [em linha]. Porto: Porto Editora, 2003-2020. [consult. 2020-10-18 19:20:58]. Disponível na Internet: https://www.infopedia.pt/$helder-proenca

Linhas de leitura da obra Não posso adiar a palavra (1981), de Helder Proença. >>>

Filinto de Barros (1942-2011)


Filinto de Barros nasceu no dia 28 de dezembro de 1942 em Bissau, República da Guiné-Bissau, e faleceu na mesma cidade no dia 21 de Novembro de 2011. Ingressou no PAIGC em 1963, em Bissau. Durante os onze anos da luta para a independência, Filinto de Barros, na qualidade de jovem dinâmico na altura, levou a cabo várias atividades em Bissau e em Portugal ao serviço do partido. Em Portugal fez seus estudos secundários no Colégio Nun’ Álvares, em Tomar, e estudos superiores pela Faculdade de Ciências da Universidade de Coimbra e no Instituto Superior Técnico da Universidade Técnica de Lisboa, em Engenharia. Ali, Filinto de Barros foi membro e dirigente desse partido na clandestinidade. Aquando da independência da Guiné-Bissau, Filinto de Barros como ativo participante dos destinos políticos do país, foi:

  • Membro do Comité Organizador do Partido e do Comité do Sector Autónomo de Bissau

  • Secretário Geral e Secretário de Estado da Presidência

  • Embaixador da Guiné-Bissau Em Portugal entre 1978 e 1981

  • Ministro da Informação e Cultura (1981-1983)

  • Ministro dos Recursos Naturais e Indústria (1984-1992)

  • Ministro das Finanças (1992-1994)

  • Ministro da Justiça

Com o início da democracia no País, após as eleições multipartidárias de 1994, Filinto de Barros deixou a vida política assumida até 1998, quando se deu a guerra civil, e desempenhou, em Bissau, um cargo de conselheiro técnico na USAID, uma entidade de cooperação das Nações Unidas.

Foi autor de ensaios de essência política, filosófica e técnica e autor de duas obras: Kikia Matcho e a póstuma “Testemunho” publicada um mês depois do desaparecimento físico do autor.


Ler mais em: O passado no presente e a literatura guineense do século XXI a partir do romance Kikia Matcho – ‘O desalento do combatente’, Fernando Nhaga Cumba. Lisboa, FCSH da Universidade de Lisboa, 2017


Crítica da razão cultural guineense: um estudo sobre a representação da cultura em Kikia Matcho, texto ficcional de Filinto de Barros”, Sebastião Cardoso. VIA ATLÂNTICA, São Paulo, N. 32, 357-375, dezembro de 2017


Filinto de Barros e a resistência intelectual na construção literária do estado-nação guineense”, Ricardo Cá. Revista África e Africanidades - Ano XI - n. 28, out. 2018

Abdulai Sila (1958-)


Abdulai Silá nasceu em Catió, pequena cidade do sul da Guiné Bissau e viveu parte da sua vida sob o regime colonial. Presenciou os momentos difíceis da luta armada de libertação nacional e participou nas brigadas de alfabetização do país. De 1979 a 85 frequentou a Universidade Técnica de Dresden, na Alemanha de Leste e formou-se em Engenharia Eletrotécnica. Seguiu depois para os Estados Unidos da América onde obteve pós-graduações ao nível das Telecomunicações e da Informática. Foi o fundador da SITEC e da EGUITEL, empresas guineenses de Telecomunicações que desempenham um papel pioneiro no desenvolvimento tecnológico do país.

Ao mesmo tempo que exerce funções de engenheiro, Abdulai integra várias organizações filantrópicas, em particular no que diz respeito à alfabetização da população. O seu reconhecimento sobressai na escrita e Silá é tido como uma das mais importantes vozes da literatura lusófona contemporânea, com uma obra ficcional original e pioneira. Abdulai Silá foi o autor do primeiro romance guineense publicado – ‘Eterna Paixão’, editado em 1994. O último livro, escrito em 2013, tem como título ‘Dois tiros e uma gargalhada’. Foi também em 2013 que foi nomeado Cavaleiro da Ordem das Artes e das Letras pelo Estado francês.


"Grandes Africanos - Abdulai Silá, engenheiro das palavras", Milene Silva. Companhia de Ideias para a RTP, 2014

Sobre Abdulai Sila:

Novos espaços pós-coloniais em Mistida do guineense Abdulai Sila (1958-)”, Joseph Levi. Atas do Colóquio Internacional Cabo Verde e Guiné-Bissau: Percursos do Saber e da Ciência. Lisboa, 21-23 de junho de 2012

Eternos descompassos... Faces do trágico em Abdulai Sila, Erica Bispo. Universidade Federal do Rio de Janeiro, 2013

Tradição e modernidade em Abdulai Silá Mistida e o diálogo político-cultural, Maria Filomena Umabano. Faculdade de Letras da Universidade de Lisboa, 2014

Abdulai Sila no contexto das literaturas bissau-guineenses”, Suely Santana. ContraCorrente: revista de estudos literários e da cultura, n.º 7, 2015.2, p. 158-177

Odete Semedo (1959-)


EU

Na poesia liberto-me

Sou poeta

Sou livre

Enquanto poeta

A natureza leva-me embalada

Apodera-se do meu ser

E da minha alma

Enquanto poeta

Sou apenas eu


(SEMEDO, Maria Odete da Costa Semedo. In GARCÍA, Xosé Lois.Antologia da poesia feminina dos PALOP.Santiago de Compostela: Edicións Laiovento, 1998, s. 194)

Nascida na capital do país, a cidade de Bissau, em 7 de novembro de 1959, ainda nos tempos da Guiné Portuguesa, Odete Semedo concluiu os estudos secundários em seu país, vindo a licenciar-se em Línguas e Literaturas Modernas pela Faculdade de Ciências Sociais e Humanas da Universidade de Lisboa, no ano letivo de 1989/1990. Voltando a Bissau em 1990, foi a coordenadora nacional do Projeto de Língua Portuguesa do ensino secundário, financiada pela Fundação Calouste Gulbenkian. Também dirigiu uma escola normal superior em sua cidade, nela exercendo, ao mesmo tempo, a função de professora. Em 1995, foi diretora-geral do Ensino da Guiné, presidente da Comissão Nacional para a Unesco-Bissau, ministra da Educação de seu país entre 1997 e 1999 e Ministra da Saúde, entre 2004 e 2005.

Fundadora da Revista de Letras, Artes e Cultura, mudou-se para o Brasil em 2006, para fazer seu curso de doutorado em Letras na PUC Minas, sendo orientada pela professora doutora Nazareth Soares Fonseca. Sua tese de Doutorado se chamou As Mandjuandadi - Cantigas de Mulher na Guiné Bissau – da tradição oral à Literatura. Odete também foi fundadora e secretária Geral da Associação dos Escritores de Guiné Bissau. Em 2013, tornou-se reitora da Universidade Amílcar Cabral, de seu país.

A geração literária anterior à de Odete surgiu a partir de 1945 e se estendeu até os anos 1970. Formada por um grupo de poetas que se engajou na luta pela independência da Guiné e cuja atuação resultou na chamada ‘poesia de combate’, sua temática principal era a exaltação do sentimento nacionalista e a denúncia da miséria e do sofrimento decorrente da colonização. O objetivo maior de tal grupo foi o de contribuir para a libertação do país e para a construção de uma Guiné livre e independente.

Odete Semedo é da nova geração. Seu primeiro livro, “Entre o Ser e o amar”, uma reunião de poemas, foi publicado em 1996. Nele, encontram-se dois grandes temas comuns a esses novos autores: as desilusões vinculadas à pós-independência e todo o sofrimento vivido pelo país recentemente livre; e a busca de uma identidade nacional.

Para muitos críticos, os versos de Odete Semedo revelam não só a tensão que permeia o período de mudanças, mas também a inquietude própria do indivíduo diante da existência.

Outro tema também muito explorado pela poesia de Odete é o questionamento e are􀃖exão acerca da língua. Diz a autora: “no meu país, além das línguas utilizadas porcada um dos vinte e sete grupos étnicos que compõem a nacionalidade, há o crioulo, língua franca falada por cerca de setenta por cento da população do país, o crioulo de base portuguesa, e há a língua portuguesa, língua oficial utilizada na administração e no ensino, dominado por cerca de doze por cento da população”.

Em sua obra literária, Odete Semedo expõe tal situação e o quanto ela pode expressar um conflito de identidade. Em um de seus textos, a autora diz que a língua testemunha a nossa relação com a vida: “A língua nasceu virada para fora de si, irmanada com os lábios, os dentes e as cordas vocais que lhe deram a fala, a música, o grito e o silêncio. A língua não se importa que a façam voar em vozes e falas, que a enrolem em pergaminhos, folhas simples ou papel reciclado. O certo é que em silencio ela grita e mesmo quando, inseguros, nela deitamos a mão, a língua é sempre testemunha”.

Rogério Tavares, “A literatura de Odete Semedo, da Guiné Bissau”, Diário do Comércio, 2019-06-07


Sobre Odete Semedo:


Os olhos desmesurados de Odete Costa Semedo”, Inocência Mata. Portugal, Público, 2015-01-04


Memórias da guerra: um diálogo entre poemas de Odete Semedo e o registro fotográfico do conflito armado de 1998-1999, na Guiné-Bissau”, Karina Calado. Scripta. 20. 117. 10.5752/P.2358-3428.2016v20n39p117, 2016


A “Falescrita” de Odete Semedo, Lilian Deus. Revista Ecos vol.26, Ano 16, n° 01, 2019


A poesia de Odete Semedo: uma introdução”, Érica Bispo. Mulemba. Rio de Janeiro: UFRJ | Volume 11 | Número 21 | p. 90-106 | jul.-dez. 2019. ISSN:2176-381X


Literatura e tradição em Sonéá de Odete Semedo”, Roclaudelo Nanque. Revista África e Africanidades -Ano XI - n. 29, fev. 2019

LUSOFONIA - PLATAFORMA DE APOIO AO ESTUDO A LÍNGUA PORTUGUESA NO MUNDOProjeto concebido por José Carreiro (Portugal)
1.ª edição: http://lusofonia.com.sapo.pt/guine.htm, 2008 (com atualização em 2012-01-08)2.ª edição: http://lusofonia.x10.mx/guine.htm, 20163.ª edição: https://sites.google.com/site/ciberlusofonia/Lit-Afric-de-Ling-Port/Lit-Guineense, 2020