Vida e obra de Antero de Quental - Apresentação crítica, notas e sugestões para a análise literária da lírica anteriana.

Vida e obra de Antero de Quental


Antero Tarquínio de Quental nasceu em Ponta Delgada em 18-04-1842, suicidando-se na mesma cidade em 11-09-1891.

Procede de uma família ilustre ligada, desde longa data, à colonização de S. Miguel, Açores. Entre os seus antepassados contam-se o padre Bartolomeu de Quental (1626-1698), introdutor em Portugal da Congregação do Oratório. Tanto o avô como o pai militaram com bravura a favor da causa liberal. Aprendeu as primeiras letras em Ponta Delgada onde teve A. F. de Castilho como mestre. Em 1858, com dezasseis anos, matriculou-se em Direito na Universidade de Coimbra e aí obteve, em 1864, o diploma de bacharel, após frequência com aproveitamento bastante modesto. Depressa se notabilizou entre a juventude estudantil pela irreverência e espírito generoso, pelo fôlego poético e talento literário, pelas causas cívicas e políticas em que participava. De espírito inconformista, avesso à estagnação e ao conservadorismo, moviam-no convicções firmes quanto ao advento de um mundo novo governado por ideais de Justiça, Liberdade e Amor que era urgente preparar.

Se foi em Coimbra, no convívio com amigos, que se revelou a enorme riqueza e complexidade do coração e inteligência do jovem Antero, foi aí igualmente que se evidenciaram sinais de indecisão quanto ao projeto de vida. Começava assim uma via-sacra de propósitos generosos mas pouco consequentes: projeta combater em Itália integrado nas fileiras do exército de Garibaldi; aprende na Imprensa Nacional o ofício de tipógrafo e vai exercê-lo em Paris; frequenta o Colégio de França e visita Michelet, a quem oferece as Odes Modernas; pondera inscrever-se como voluntário no exército papal; viaja depois pelos Estados Unidos da América; fixa-se em Lisboa e passa a viver em casa de Jaime Batalha Reis, o local onde se reúne o grupo do Cenáculo. Para trás ficavam as pugnas da Questão Coimbrã (1865), os assomos iberistas proclamados no opúsculo Portugal perante a Revolução de Espanha (1868), e a criação em parceria com Eça de Queirós do «satânico» Carlos Fradique Mendes, o poeta da escola de Baudelaire, autor dos «Poemas de Macadam».

O apelo da intervenção social mobiliza-lhe as energias para se envolver, a partir de 1870, em iniciativas como a fundação de associações operárias, a organização dos trabalhadores portugueses e a sua filiação na Associação Internacional dos Trabalhadores, a direção e colaboração em jornais, como sucede com a República – Jornal da Democracia Portuguesa e O Pensamento Social. É ainda no decurso destes anos frenéticos que se ocupa do Programa para os Trabalhos da Geração Nova, chamando a si o estatuto de guia espiritual da geração a que pertence. Participa também nos trabalhos que levaram à fundação do Partido Socialista. Pertence a este bem preenchido ciclo de intervenções públicas a dinamização das Conferências Democráticas inauguradas no dia 22 de Maio de 1871, no Casino Lisbonense, e compulsivamente encerradas por uma portaria do Ministério do Reino, no mês seguinte, quando Salomão Sáragga ia pronunciar a sexta conferência subordinada ao tema «Os Historiadores Críticos de Jesus». As conferências tinham um programa ambicioso cujos objetivos eram «ligar Portugal com o movimento moderno», «agitar na opinião pública as grandes questões da filosofia e da ciência moderna», «estudar as condições da transformação política, económica e religiosa da sociedade portuguesa». Mesmo que no imediato este programa tenha ficado por cumprir, continua a ecoar até hoje como toque de alvorada de um Portugal novo. O mesmo se pode afirmar da segunda conferência intitulada «Causas da decadência dos povos peninsulares», um dos textos anterianos mais lidos e discutidos. Aí se escalpeliza, em âmbito peninsular, o trabalho inexorável da decadência, efeito de vícios históricos que urge corrigir. Propõe, por isso, que à rigidez monolítica do catolicismo inquisitorial e tridentino se contraponha a consciência livre esclarecida pela ciência e pela filosofia, à monarquia centralizada a federação republicana, à inércia industrial o trabalho e a livre iniciativa solidária e em prol da coletividade. Apesar de leitura esquemática e ideológica da história peninsular, são páginas que dão que pensar.

Com o ano de 1874 chegava a gravíssima doença nervosa para a qual procurou assistência nos cuidados médicos de Sousa Martins, Curry Cabral e Charcot. Por causa dela, foram abandonados vários projetos, ao mesmo tempo que se intensificavam as interrogações filosóficas sobre a existência, adensadas pelas sombras do pessimismo. Intermitentemente, o poeta, o prosador e o cidadão continuam ativos. A residir em Vila do Conde desde 1881, aí encontrou a calma propícia à meditação filosófica sobre questões morais e intelectuais que o ocupam insistentemente. O seu derradeiro acto de intervenção cívica foi aceitar a presidência da Liga Patriótica do Norte, função para a qual o propusera o amigo Luís de Magalhães. Participava assim na comoção patriótica que abalou o país após o Ultimatum inglês de 11 de Janeiro de 1890. E, igual a si mesmo, manifesta de modo lapidar a sua posição: «o nosso maior inimigo não é o inglês, somos nós mesmos».

Pensava, havia muito, regressar aos Açores e aí fixar residência. Embarca, efetivamente, em 5 de Junho de 1891, com destino a Ponta Delgada. Nesta cidade, junto ao muro do Convento da Esperança, suicidou-se com dois tiros, no dia 11 de Setembro. O suicídio de Antero coroa uma existência densa onde a luz e a sombra, a razão e o sentimento esculpiram uma esfinge de muitos e perturbadores enigmas. O suicídio tem o valor de resposta exorbitante a dois excessos mortais do seu intenso viver: a cândida entrega à vitória final do Bem e a radical angústia quanto ao seu ansiado advento. Sagrou-se assim como o menos retórico de quantos poetas e prosadores povoam a literatura portuguesa.

A consagração de Antero como poeta passa pela publicação de duas obras desiguais e únicas quanto à forma e quanto à temática. As Odes Modernas (1865) introduziram no panorama da poética nacional uma voz de inconformismo e revolta que encontra inspiração nos acontecimentos dramáticos da cena social e política. Ao desligar-se de tópicos rotineiramente glosados pelos versejadores dos salões literários, o livro não podia passar despercebido e acabou por se transformar num dos rastilhos da polémica Bom Senso e Bom Gosto. Não obstante a reposição da obra em segunda edição, em 1875, o autor assume em relação às Odes Modernas distanciamento crítico e reconhece que «além de declamatória e abstrata, por vezes aquela poesia é indistinta e não define bem e tipicamente o espírito que a produziu». Sem nunca enjeitar o vigor revolucionário da juventude, Antero tinha entretanto crescido em ponderação filosófica e agitação interior. Data de 1886 o volume de Sonetos Completos, com prefácio de Oliveira Martins. A organização estrófica de catorze versos oferecia o molde perfeito onde podia condensar os ímpetos metafísicos e místicos de uma sensibilidade dilacerada por tensões jamais resolvidas. A consciência inquieta e sofrida que se confessa nesses versos não cabe na experiência lírica do eu individual, porque nela pulsa a universalidade transcendente da própria condição humana. Se, nos Sonetos, Antero sente o que pensa, nos ensaios filosóficos em que trabalhou durante os últimos anos, ele pensa o que sente. Homem de debate interior, peregrino do Absoluto, pensador do social e do histórico, militante do Portugal moderno, a aventura pessoal de Antero, prisioneira de insuperadas contradições existenciais, perfila-se, pelos tempos fora, como um dos mais inquietantes desafios da consciência humana.

Obras Principais:

(1865), Odes Modernas. Coimbra, Imprensa da Universidade.

(1871), Causas da Decadência dos Povos Peninsulares nos Últimos Três Séculos: discurso pronunciado na noite de 27 de Maio, na sala do Casino Lisbonense. Porto, na Typ. Commercial. [(2001), Causas da Decadência dos Povos Peninsulares nos Últimos Três Séculos: discurso pronunciado na noite de 27 de Maio, na sala do Casino Lisbonense. 8.ª ed.. Lisboa, Ulmeiro].

(1872), Primaveras Românticas: Versos dos Vinte Anos (1861-1864). Porto, Imp. Portugueza.

(1875), Odes Modernas. 2.ª ed. contendo várias composições inéditas. Porto, Livraria Internacional de Ernesto Chardron. [(1996), Odes Modernas. 4.ª ed., Lisboa, Ulmeiro].

(1886), Os Sonetos Completos publicados por J. P. Oliveira Martins. Porto, Liv. Portuense. [(1984), Sonetos. Ed. organizada, prefaciada e anotada por A. Sérgio. 7.ª ed.. Lisboa, Livraria Sá da Costa Ed.].

(1892), Raios de Extincta Luz – Poesias Inéditas (1859-1863). Coligidos e com escorço biográfico de Teófilo Braga. Lisboa, M. Gomes.

(1894), A Philosophia da Natureza dos Naturalistas. Ponta Delgada, Typ. Ed. do Campeão Popular.

(1923, 1926, 1931), Prosas. Coimbra, Imp. da Universidade, 3 vols..

(1989), Cartas. Organização, introdução e notas de Ana Maria Almeida Martins. Lisboa, Universidade dos Açores / Ed. Comunicação, 2 vols.

(1991), Filosofia. Organização, introdução e notas de Joel Serrão. Lisboa, Universidade dos Açores / Ed. Comunicação.

(1991), Tendências Gerais da Filosofia na Segunda Metade do Século XIX. Estudo de Joel Serrão; leitura de A. M. Almeida Martins. Lisboa, Fundação Calouste Gulbenkian.

(1994) Política. Organização, introdução e notas de Joel Serrão. Lisboa, Universidade dos Açores / Ed. Comunicação.

(1996), Novas Cartas Inéditas de Antero de Quental. Introdução, organização e notas de L. Craveiro da Silva. Braga, Faculdade de Filosofia.

Bibl. Abreu, L. M.; Franco, J. E. (2005), Dois Exercícios de Ironia. Defesa da Carta Encíclica de Pio IX de Antero de Quental e Contra os Jesuítas de Sena Freitas. Lisboa, Prefácio Editora. Antero de Quental et l’Europe – Actes (1993). Paris, Fundação Calouste Gulbenkian / Centre Culturel Portugais. Antero de Quental e o Destino de um Geração – Actas (1994). Organização e coordenação de I. Pires de Lima. Porto, Asa. Anthero de Quental – In Memoriam (1993). 2.ª ed.. Prefácio de A. M. Almeida Martins. Lisboa, Presença / Casa dos Açores. Cabrita, M. J., (2002), A Ideia de Justiça em Antero de Quental. Almada, Ímanedições. Carreiro, J. B. (1991), Antero de Quental: Subsídios para a sua Biografia. 2.ª ed., Ponta Delgada, Instituto Cultural. Cento e Cinquenta Anos com Antero, Colóquio / Letras (1992), Lisboa, n.º 123/124. Congresso Anteriano Internacional – Actas (1993). Ponta Delgada, Universidade dos Açores. Carvalho, J. (1955), Estudos sobre a Cultura Portuguesa do Século XIX – Antheriana. Coimbra, Por Ordem da Universidade. Carvalho, M. C. (2006), A Natureza em Antero de Quental – O Projecto de uma Metafísica Positiva. Lisboa, Imprensa Nacional / Casa da Moeda. Catroga, F. (2001), Antero de Quental, História, Socialismo, Política. Lisboa, Notícias Ed.. Coimbra, L. (1991), O Pensamento Filosófico de Antero de Quental. Apresentação e notas de P. Samuel. 2.ª ed.. Lisboa, Guimarães Ed.. Lourenço, E. (2000), a Noite Intacta (I)recuperável Antero. Vila do Conde, Centro de Estudos Anterianos. Martins, A. M. A. (1986), Antero de Quental – Fotobiografia. Lisboa, Ponta Delgada, Imprensa Nacional / Casa da Moeda, Direcção Regional dos Assuntos Culturais. Santos, L. R. (2002), Antero de Quental – Uma Visão Moral do Mundo. Lisboa, Imprensa Nacional / Casa da Moeda. Saraiva, A. J. (1995), A Tertúlia Ocidental Estudos sobre Antero de Quental, Oliveira Martins, Eça de Queiroz e outros. 2.ª ed.. Lisboa, Gradiva. Serrão, J. (1988), Antero e a Ruína do seu Programa (1871-1875). Lisboa, Livros Horizonte.

“Quental, Antero Tarquínio de”, verbete de Luís Machado de Abreu para a ENCICLOPÉDIA AÇORIANA, Direção Regional da Cultura, Centro de Conhecimento dos Açores, 2011.



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Antero de Quental, um génio que morreu

Antero de Quental deixou por redigir os livros que prometera e destruiu muito daquilo que foi escrevendo. O que resta dele, em poesia e prosa, está, hoje em dia, irremediavelmente reduzido à condição de documento histórico. Para ele próprio, os seus versos eram apenas as notas pouco trabalhadas de um diário íntimo. Quem quiser conhecer o génio de Antero não deve ler a sua obra, mas aquilo que os seus amigos sobre ele escreveram. Não quer isto dizer que Antero tivesse posto o génio na vida em vez de numa obra, mas apenas que os génios também morrem.

Antero Tarquínio de Quental Câmara e Sousa nasceu na ilha de S. Miguel, em 1842. Os pais da geração de Antero tinham abolido o direito divino dos reis, tinham fechado os conventos, estabelecido que a sociedade era composta apenas de indivíduos e escrito poemas sobre paixões infinitas. Todavia, queriam que os filhos continuassem a ser monárquicos, devotos cidadãos e bons pais de família. Aos vinte anos, na Universidade de Coimbra, Antero tornou-se o chefe dos vinte rapazes que, contra os meios-termos, quiseram levar até às últimas consequências a Revolução deixada em metade pelos liberais românticos da geração anterior.

Com as despesas pagas pelas propriedades da família, Antero pôde viver a tempo inteiro a grande era revolucionária de 1865-75. Experimentou a luta social trabalhando como tipógrafo em França; visitou a Democracia na América do Norte; e leu o Fausto enquanto atravessava o Atlântico. Em Lisboa, insultou os velhos poetas em nome da filosofia alemã e organizou os operários segundo os ditames da Internacional marxista. Esteve por detrás de tudo o que, "moderno" e "científico", assustou os burgueses lisboetas. Com alguns camaradas, , conservou o bom humor das confrarias estudantis, embora o sentido de missão e a austeridade da sua pessoa emprestassem sempre um profundo ar de dignidade sacerdotal às suas provocações públicas. Era naturalmente o chefe dos jovens.

Estava precisamente a escrever o "Programa de Trabalhos para a Geração Nova", em 1874, aos 32 anos, quando uma corda se partiu e aquele moço grande e louro passou a ser um doente. Antero quisera, rasgando os últimos ecletismos, enfrentar o rosto hediondo da vida tal como a Revolução o descobrira. Viu apenas a eterna luta pela existência, a luta sem fim nem sentido, o Nada. Em Paris, o Dr. Charcot, com quem Freud haveria de aprender tanto, não o pôde ajudar. O Budismo também não lhe serviu para nada, exceto para dar um tom calmo às cartas que escreveu de Vila do Conde nos anos que se seguiram a 1880. Com as duas órfãs de um amigo, compôs uma pequena família. Considerava-se agora um "espírito naturalmente religioso, nascido para crer placidamente e obedecer sem esforço a uma regra reconhecida". No século XVI, teria sido um cavaleiro, um missionário. Mas o século XIX não era o século da fé e Antero nunca se convenceu de que uma qualquer solução individual, obtida misturando a Ciência com o Misticismo, pudesse compensar uma falta de crença que era coletiva. Sabia que não podia pôr o Talento no lugar da Vida. Continuou a dizer que iria escrever a sua Filosofia, mas apenas apontou uns versos sobre ilusões perdidas, e depois até disso se deixou. Confessava faltarem-lhe "método e paciência". Lia muito, pensava sempre, mas já não era ninguém. Preferia falar de maleitas intestinais e da educação das suas pupilas. Em 1890, pela primeira e última vez depois de muitos anos, manifestou-se publicamente durante a patrioteirada do Ultimatum, mas a retórica mal disfarçava a sua falta de convicção. O isolamento conservou a lenda de um homem em quem os velhos amigos reconheciam a permanência de um drama juvenil, de que o acomodamento e a passagem dos anos os tinham curado.

Às oito horas da noite do dia 11 de setembro de 1891, o doutor Antero de Quental, solteiro, 49 anos de idade, proprietário, natural da ilha de São Miguel, onde voltara a residir havia poucos meses, desfechou dois tiros de revólver na boca, tendo falecido uma hora depois, no hospital da Santa Casa da Misericórdia de Ponta Delgada. Os amigos revelaram depois que, sempre por desgostos amorosos, Antero já considerara a solução extrema noutras duas ocasiões. A sua vida sentimental confirmada reduz-se a umas doenças venéreas coimbrãs e, depois, a opacas paixões por senhoras misteriosas, entre as quais uma romanesca condessa, francesa e casada. Da última vez, no entanto, não se descortinaram vestígios de mulher. Os problemas que tinha não eram novos, nem maiores do que o costume. Brigara com uma irmã quezilenta. Em Ponta Delgada, o dia estava depressivamente nublado e morno. Aparentemente, nada de especial. E deve ter sido essa falta de qualidade das coisas que o decidiu a livrar-se da vida. Voluntariamente, como os heróis dos romances de Camilo, onde os génios morrem sempre.

Rui Monteiro Ramos, “Antero de Quental, um génio que morreu”, in PÚBLICO Magazine, 1991-02-24


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In memoriam



No 11 de Setembro da sua morte.

in memoriam

para o antero de quental

Para os lados do campo de s. francisco

Pelo entardecer em que tudo está quedo

Acontece ocorrer-me ao pensamento

Ideias vagas e longínquas de suicídio

(é bem certo que tudo na vida é literário

e não o sendo de pouco vale)

Há lugares em que o destino

Espera pacientemente pela hora

Derradeiros gestos e solitários assombros

Confusas ideias sobre o que na vida se reservou

Amigos d’além mar e amores de mais para lá

Sonhos de mudar tudo

E o que mais não se verá

Sonhos vãos e anseios de nada

Encantamentos d’infância

Em azuis d’olhar

Esfria o dia e num banco de jardim

A que só em pensamento ouso sentar

Aconchego-me em sonetos de meditar

E um arrepio de vento trespassa a folhagem

De árvores com olhos de tempo

Uma âncora sustém-me o pensamento

E como folha que o outono faz sua

Deixo-me levar como coisa sem rumo

Num sonho de esperança que não finda jamais

Nem dos anjos se diz tal coisa

É que soçobrar assim é real como

Coisa a que não falta nada

Nem da vida nem da morte

Que tudo sendo pouco é

Já a noite se aproxima

Num sopro frio que tudo invade

Uma tristeza sem fim Uma agrura

Uma dor de ser Um lamento

Uma impossibilidade Uma vertigem

Uma anulação e Um nada querer ser

Subtilíssimos deuses agrilhoados

Irrompem pelas raízes das árvores

Todos

Confluem para aquele banco de jardim

Fernando Martinho Guimarães, 2019-11-11

https://www.facebook.com/fernando.m.guimaraes/posts/10218351265247077

Influências recebidas


Hegel

A história universal é o progresso, por etapas, da consciência da liberdade, processo mediante o qual o Absoluto, unidade do pensamento e do ser, o Espírito, se consciencializa como livre. [...] A noção de progresso é, em Hegel, a explicitação do Espírito no tempo, o desenvolvimento necessário dos momentos da razão. Neste sentido, nada é acidental, fortuito, mas necessário, desenvolvendo-se de acordo com uma lógica dialética imanente (afirmação, negação e negação da negação), o que significa que tudo é recuperado e integrado na vida do pensamento. Esta perspetiva constitui a negação do providencialismo histórico, tal como o encontramos, quer na filosofia cristã, quer na kantiana.

O Espírito, ator principal da história, identifica-se com o divino, é a totalidade e os povos, diversos momentos da história: figuras do Espírito, são, afinal, manifestações finitas da infinitude. É no teatro da história universal que o Espírito atinge a sua realidade mais concreta. [...] Indivíduos e povos, quando julgam defender os seus interesses, realizam, inconscientemente, um destino que os ultrapassa. É com estes instrumentos que o Espírito vai tomando consciência de si, realizando-se, manifestando-se. É a Razão, não os homens, que governa o mundo [...] O particular, afirma Hegel, é demasiado pequeno face ao Universal e é por isso que os indivíduos são sacrificados e abandonados.

Positivismo

Como filosofia da história, opõe-se às filosofias que afirmam um Deus criador e Providência e às filosofias panteístas que identificam Deus com natureza. Opõe-se, também à filosofia kantiana que se caracteriza pela separação entre natureza e história. Pode considerar-se o positivismo como uma réplica ao idealismo hegeliano. A sua intenção era mostrar «a marcha fundamental do desenvolvimento humano», dado que a filosofia mais adequada ao tempo positivo (do conhecimento científico), teria de ser uma filosofia da história.

O positivismo situa-se na linha da revolução científica dos séculos XVI e XVII, que passa pelo iluminismo do século XVIII, e que se caracteriza pelo estudo dos fenómenos e determinação das suas leis. Estas permitem a previsão que, por sua vez, permite a ação («conhecer para prever, prever para prover»). A ciência torna-se, assim, um meio de domínio da realidade pelo homem. [...]

Sendo uma filo sofia do progresso, aponta para o futuro e, nesta perspetiva, a filosofia positivista abre horizontes para a utopia, na convicção de que a ciência, ao permitir a reorganização das sociedades, permitirá a construção da sociedade perfeita.

Influência proudhoniana

Nas Odes Modernas também se faz sentir a influência de Proudhon: crença no progresso, na transformação socia l e no «mito da Humanidade». O progresso, para Proudhon, é o caminho da liberdade, o único que pode conduzir ao aperfeiçoamento da humanidade, sob a condição de um movimento acelerado, manifestando-se preferencialmente através de revoluções sempre inacabadas. Progresso tem uma dimensão essencialmente moral pois significa que a humanidade se autojustifica sob a excitação de um ideal de natureza ética que vence o determinismo. Recorde-se que Antero afirma que a sua doutrina da Evolução é o resultado da combinação entre a doutrina hegeliana e a ideia de série proudhoniana. […] As sociedades eram definidas como momentos de objetivação da Ideia, inseridas numa humanidade entendida como um todo vivo e em que cada nação surgia, simultaneamente, como uma unidade espiritual autónoma, mas relacionada com as restantes. [...] Os termos Justiça, Moral, Movimento, Progresso, Humanidade, Revolução, repetem-se, com frequência, nas páginas das obras de Antero: A revolução é revolução pacífica, é ordem, liberdade, transformação das consciências e da sociedade no sentido da realização progressiva da ideia de Justiça. [...] Revolução é, nas palavras do próprio Antero, «verbo de paz, porque é o verbo humano por excelência.» Assim: «o Cristianismo foi a Revolução do mundo antigo», porque reafirmou a superioridade da consciência e criou a ideia de humanidade; «A Revolução não é mais do que o Cristianismo do mundo moderno», em que o sobrenatural cede lugar à consciência e à liberdade.

Influência de Michelet

Considera que aprendeu com ele «o segredo daquele espírito renovador da história, ao mesmo tempo crítico, filosófico e poético, e que às vezes com a luz do passado alumia tão profundamente o horizonte do futuro […] a ver e amar na Natureza uma existência espontânea, uma vida universal, e não uma sucessão de formas inertes, e na Humanidade, uma razão e uma consciência coletivas, uma alma, e não um mecanismo ou uma abstração [...] aquele critério supremo em que se combinam a filosofia e a experiência, e que consiste em marcar por limite ao espírito de sistema, [...] as afirmações espontâneas da consciência moral.»

TaI como Michelet, Antero perspetiva a história em termos filosóficos, críticos e poéticos; reconhece a Importância do passado para a compreensão do presente e do futuro; deteta na natureza uma força espontânea, raiz da evolução; estabelece a ligação entre a filosofia e a experiência (metafisica indutiva); reconhece que o homem é o fundamento de uma filosofia da história que aponta para uma valorização da consciência moral, contestando, assim, não só a visão naturalista-mecanicista, como o espírito sistemático da conceção hegeliana.

Influência de Alexandre Herculano

Herculano, o velho mestre, cujo exemplo cívico e poesia religiosa tinham entusiasmado Antero, está empenhado na compreensão do devir histórico, e, por isso, revela-se como filósofo da história. A sua atitude face à história de Portugal é valorativa, formula juízos de valor no plano político, social e moral. Segundo ele, o passado histórico português poder-se-ia dividir em dois grandes ciclos, sendo o primeiro a Idade Média, no qual se constitui a Nação e a sua virilidade moral; o segundo começaria com o Renascimento e seria o da sua rápida e profunda decadência, quer mora l, quer material.

Há, assim, em Herculano, que valorizou a Idade Média, a expressão de um sentimento de decadência que se fez sentir, posteriormente, em Antero e na própria "Geração de 70". A consciencialização da decadência aponta, em ambos, para a necessidade de uma regeneração, ainda que perspetivada em óticas diferentes.

Herculano ao referir-se à expansão ultramarina escreve: «A glória adquirida nessa época foi das maiores que o mundo tem visto; mas comprámo-la com a desgraça futura, com a morte de toda a esperança, com o tragar gole a gole, por séculos um cálix imundo de males e afrontas.»

[...] Em Antero, tal como em Herculano, faz-se sentir um pessimismo, «que não é um ponto de chegada, mas um caminho», e um otimismo, na medida em que a decadência supõe uma regeneração ‑ o que remete para a crença na ideia de progresso histórico. O poema que se transcreve reforça o otimismo anteriano:

Eu creio no destino das Nações:

Não se fez para a dor; para os desterros

Esta ânsia que nos leva os corações!

Hão de ter fim um dia tantos erros!

E do ninho das velhas ilusões,

Ver-se-á com pasmo erguer-se à imensidade

A águia esplendorosa e augusta da Verdade!

Por outro lado, tanto em Herculano como em Antero, parece existir a preocupação não pela história dos indivíduos, dos monarcas, dos acontecimentos, mas pelas transformações essenciais da sociedade: «a biografia das famílias ou dos indivíduos nunca pode caracterizar qualquer época; antes, pelo contrário, a história dos costumes, das instituições, das ideias, é que há de caracterizar a vida destes, em vez de estudar a vida do grande indivíduo moral, chamado povo ou nação.»

O pensamento de Antero de Quental: as ideias-força do pensamento anteriano, enquadramento histórico, obra poética e obra filosófica, sínteses e propostas de trabalho, Manuel Tavares e Mário Ferro; apoio científico de Fernando Catroga. Lisboa: Editorial Presença, 1995.

A 3.ª geração romântica


Antero, mentor da Geração de 70


A QUESTÃO COIMBRÃ


(polémica cultural e ideológica desencadeada pela geração de 70)

Características do terceiro Romantismo


O terceiro romantismo assume as seguintes características:

  • Retoma os grandes temas do Primeiro Romantismo;

  • Critica abertamente o segundo Romantismo;

  • Orienta-se por um Romantismo filosófico

  • Assume preocupações humanistas e universalistas;

  • Busca, de forma racional, o ideal transcendente.


Características românticas em Antero de Quental

Os poemas extensos (odes ou alegorias) oscilam entre um romantismo humanitarista polémico e um romantismo de negrume pessimista e noturno. [...] [Há, a nível estilístico,] um importante lastro romântico, mesmo nos sonetos, que são uma forma de tradição clássica [em Antero com algumas raízes camonianas]. [...] É ainda virtualmente «elmanista» [um Bocage que Antero repudiou] todo o lançamento grandiloquentemente visionário de alguns sonetos [...], certos grandes rasgos sentimentais, os cenários fantasmagóricos do terror crepuscular ou noturno, a obsessão da morte, a multiplicidade de personificações, ou mitificações, de maiúscula inicial ‑ bem como o alegorismo a que dão ensejo. [...]

Mas há ainda talvez mais evidentes estigmas de um romantismo visionário, como o claro-escuro [...] do vocabulário predileto.

Óscar Lopes, Antero de Quental ‑ Vida e legado de uma utopia.

Lisboa, Editorial Caminho, 1993

Predileção de Antero pelo soneto, apesar do seu pendor acentuadamente romântico


Antero de Quental teve um grande apreço pelo soneto.

Em 1861, o poeta escreveu um artigo dedicado a João de Deus, exaltando esta «forma de lirismo puro». Segundo Maria M. Gonçalves (in Poesia de Antero de Quental), a relacionação de conteúdo e forma não é, neste poeta, alheia ao pensamento hegeliano. Assim como «a Ideia (enquanto movimento geral do universo) se exterioriza no Homem, primeiro através do espírito subjetivo (nível dos instintos), depois, através do espírito objetivo (nível social) e, por fim, do espírito absoluto (que a arte, religião e ciência e filosofia encarnam), também Antero propõe uma evolução gradual no interior do poeta (no fundo da sua alma), por intermédio de uma forma privilegiada, o soneto». A forma do soneto adapta-se admiravelmente à expressão sintética da evolução dialética da Ideia: o soneto é a miniatura artística de um universo em que a Ideia, como um astro, se desenvolve em forma de órbita. Com efeito, no soneto, o desenvolvimento do assunto faz-se geralmente assim: nas duas quadras e no primeiro terceto apresentam-se os factos e desenvolvem-se as ideias de maneira a que, no último terceto, surja com naturalidade uma conclusão intensamente emotiva. Só assim se poderá afirmar, como é de regra, que o bom soneto termina com chave de ouro.

Como escreve a autora atrás citada (ibidem), o soneto «é o modo de expressão do lirismo puro, o modo como Dante, Miguel Ângelo, Shakespeare e Camões vazaram os sentimentos mais íntimos das suas almas, o que significa também que o soneto é, em função das particularidades da sua forma, um molde -lugar onde um sentido fica preso, gravado em epitáfio para sempre. Sem dúvida é o que melhor se coaduna com o seu pensar intensivo, simplificante, concentrado e clássico, no dizer de António Sérgio»

Os românticos abandonaram o soneto, certamente por esta forma poética lhes exigir uma disciplina formal que não estava de forma alguma nos seus hábitos. Mas o facto de Antero colaborar com as realistas na reabilitação do soneto não significa que o autor das Odes Modernas tenho sido realista na sua obra poética. São, pelo contrário, evidentes as marcas românticas da sua poesia; o seu «eu» lírico é continuamente atraído pela Morte: a morte é o motivo dominante dos seus poemas.

Se, para Antero, a ação, o movimento, a revolta são elogiados como sinal de vida, a verdade é que a Morte surge sempre como fim de tudo, a Morte é motivo dominante. Assim, para Maria M. Gonçalves (op. cit.), no poema Ad Amicos, revela-se a ambiguidade desse elogio. Este soneto, sendo uma apologia da vida (notem-se os lexemas e sintagmas: «vivo», «viver», «surgir à luz dourada», «no lábio a rir», «esperança infinda», «plenitude», «harmonia…», deixa claramente perceber, como pano de fundo, o espectro da morte («mortalha regelada», «pira vasta») e, a íntima atração que ela exerce sobre «eu» lírico (veja-se o último verso: «Mas melhor que tudo isto é sempre a morte»).

Tal como o cristianismo, Antero vê o Amor e a Justiça para lá da morte; só que, para o cristianismo essa redenção é operada não apenas pela. força e boa vontade do homem, mas também, e sobretudo, pelos méritos de Cristo crucificado, e, para Antero, é a evolução necessária e fatal da humanidade (o evoluir da Ideia idealista-racionalista) em direção a esse ideal de Justiça e Amor, pressupondo sempre a luta e a morte dos heróis.

Outro sinal de romantismo é o tema da Noite. Se a Morte surge em Antero ao estabelecer a relação horizontal «eu»/mundo, a Noite aparece sempre que o poeta estabelece a relação vertical «eu»/Deus («eu» e as «coisas tenebrosas»). «Nessa situação ‑ continua Maria M. Gonçalves (op. cit.) ‑ a Noite é sem dúvida o principal topos catalisador da relação. A função deste elemento na obra de Antero inscreve-se dentro do mais puro espírito romântico. A Noite é, acima de tudo, a presença do além (e, portanto, a possível formalização do espaço que as «coisas tenebrosas» ocupam) no aqui do «eu» que interroga. Não possuindo nem forma, nem espaço, nem tempo ‑ «Noite sem termo, Noite do não Ser» ‑ ela é a melhor maneira de designar o espaço das coisas sagradas (o inominável) face ao mundo das coisas naturais. A Noite é a própria sacralização do divino.» A autora que estamos citando, apoiando-se nos dois versos seguintes de Antero, estrutural e semanticamente análogos, «Noite, irmã da Razão» e «irmã da Morte» (in Lacrimae Rerum) e «Razão, irmã do Amor e da Justiça» (in Hino à Razão), esquematiza assim a problemática fundamental em que o «eu» lírico se debate:

Antero de Quental, poeta filósofo? Não há, a nosso ver, razão para responder afirmativamente a esta pergunta. Com efeito, o poeta só indiretamente conheceu a teoria de Hegel que explica a evolução histórica segundo a tese, antítese e síntese, não chegando a assimilá-la com perfeição. As Odes Modernas revelam-nos, no entanto, a grande paixão com que o poeta abraçou e cantou os ideais oriundos da filosofia de Hegel, da evolução histórica defendida por Michelet, da teorias socialistas exaltadas por Proudhon. O tom revolucionário de grande parte dos poemas das Odes tem origem nessa sua paixão e orienta-se à transformação radical da tradição portuguesa.

Há em Antero um revolucionário e um místico. E ele próprio que o confessa: «Penso como Proudhon e Michelet, como os ativos; sinto, imagino e sou como autor da Imitação de Cristo».

Por tudo isto e por muito mais que da sua vida e obra podemos deduzir, impõe-se-nos esta conclusão: a poesia de Antero é essencialmente romântica e o seu «eu» lírico, um herói romântico.

António Afonso Borregana, Antero de Quental. O Texto Em Análise - Ensino Secundário, Lisboa, Texto Editora, 1998

________________________

(*) Designação imperfeita [...] é antes o sentimento de que algo existe que é simultaneamente perfeito, difuso, superior, múltiplo e infinito. Pode ser Deus, mas não é necessariamente como tal que aparece designado nos poemas. A «quimera», a «febre de Ideal», as «nuvens» e as «coisas vagas», o «espírito», a «alma», a «outra vida», a «outra esfera», o «inconsciente», o «Não-Ser», a «ideia», etc., são outras tantas lexicalizações dessa realidade. (Maria Madalena Gonçalves, Poemas de Antero de Quental)





Sonetos: pontes clássicas para a modernidade

O que há no soneto? Uma unidade perfeita: desenha-se cada ideia parcial de per si, mas não tão independente das outras que não haja entre elas relação, até que afinal, juntando tudo num só se apresenta por todos os lados simultaneamente como em resumo, o fecho – chave de ouro! Dai, a unidade. E simplicidade? Toda: as partes conservam estreito laço entre si, é só um sentimento, só uma ideia; não são várias, mas vários lados: a unidade final funde-os num todo.

Antero de Quental, «Prefácio à Edição dos Sonetos de 1861».

In: Antero de Quental, Sonetos, Organização, introdução e notas de Nuno Júdice,

Lisboa: Imprensa National-Casa da Moeda, 2002, p. 230.

*

Há mais de 20 anos que faço Sonetos, e todavia nunca escolhi esse género nem estudei nos mestres os segredos especiais daquela forma; levou-me para ali uma predileção impensada e singular (pois, quando comecei, ninguém entre nós os fazia já, sepultados como estavam, com todas as outras formas clássicas, debaixo da reprovação dos românticos) e talvez a influência dos nossos poetas do século XVI, que foram os primeiros que conheci. O fundo de idealismo que há naqueles poetas apossou-se então de mim e os seus Sonetos, especialmente os de Camões, tornaram-se para mim como um Evangelho do sentimento. Tais são as minhas raízes, se assim posso dizer. Depois li muitos poetas, e naturalmente muitos Sonetos (como os de Miguel Ângelo, os de Filicaia, os de G. de Nerval, e alguns de Milton e Shakespeare), mas sem preocupação alguma de género ou escola, nem sobretudo de estudo. Lia porque precisava de ler, voilà tout... Nos mesmos poetas era o fundo mais do que a forma que me atraía. Mas, na minha impaciência, na minha impetuosidade, saltava de ali a linguagem abstrusa, o formalismo, a extraordinária abstração de Hegel não me assustavam nem me repeliam; pelo contrário: internava-me com a audácia aventureira pelos meandros e sombras daquela floresta formidável de ideias, como um cavaleiro-andante por alguma selva encantada à procura do grande segredo, do grande fetiche, do Santo Graal, que para mim era a Verdade, a verdade pura, extrema, absoluta...

(Cfr. «[Carta XLI] A Carolina Michaëlis [Vila do Conde, 7 de agosto de 1885]», in: Antero de Quental, Cartas de Vila do Conde, Introdução, organização e notas de Ana Maria de Almeida Martins, Porto: Lello & Irmão Editores, 1981).

*

Na definição de Oliveira Martins, Antero é o poeta que sente, mas um raciocínio que pensa, e sendo assim, pensa o que sente e sente o que pensa, ou o ―pensador em poeta, na expressão de Fernando Pessoa, fazendo do ‘exercício‘ poético uma consciente e moderna metalinguagem. Não esquecendo ou confundindo o homem que escreve, com o eu lírico dos versos, ainda que no açoriano tal margem seja deveras delicada e, como coloca António Sérgio: (...) nem sempre as poesias do autor dos Sonetos representam atitudes ou modos-de-ser-do-espírito a que Antero dá adesão intelectual e objetiva, isto é, que ele adota e converte em opiniões bem suas” (QUENTAL, Antero de. Sonetos. (org.) António Sérgio. 3ª ed. Lisboa: Livraria Sá da Costa Editora, 1968, p. 12.), importando o labor estético e artístico das vivências ou imaginações poéticas dele, e não somente sua biografia, por demais fundamental, é claro, o que nos leva a registrar e contextualizar seus escritos, pensar e viver.

Neilton Lima, ”Sonetos: pontes clássicas para a Modernidade”

in Diálogo poético entre Antero de Quental e Augusto dos Anjos: a modernidade luso-brasileira.

Recife, Universidade Federal de Pernambuco, 2007, pp. 11-13

‘Ideia poética’ e ‘ideia filosófica’. Sobre a relação entre poesia e filosofia na obra de Antero de Quental



A abordagem do problema complica-se devido ao facto de os intérpretes não se entenderem quanto à caracterização da obra e personalidade de Antero. As questões de desentendimento podem reduzir-se às seguintes:

1) Qual o valor, respetivamente, da obra poética e da obra filosófica de Antero? Dependem uma da outra? São autónomas, ou intercomunicantes?

2) Na história literária portuguesa, Antero seria ainda Antero sem a sua obra filosófica? Sê-lo-ia sem a sua obra poética?

3) É a poesia de Antero uma "poesia filosófica" ou "metafísica"? É a prosa filosófica anteriana uma prosa poética? O que é o poético? E, no caso de haver poesia na prosa ou metafísica na poesia, há nisso defeito ou virtude?

4) Se há uma cesura na obra de Antero entre o poeta e o filósofo, passa ela pela biografia do autor ou pela natureza mesma da sua obra e escrita?

Leonel Ribeiro dos Santos, Philosophica 9, Lisboa, 1997, pp. 95-121.

A inquietação existencial em Antero de Quental


[…] são inúmeros os exemplos que podemos colher de contaminação da poesia pela filosofia:

1) O tema filosófico, fundamental na economia do seu pensamento, e sempre recorrente -se quisermos o seu ex libris ‑ da liberdade encontra larga expressão nos Sonetos:

Interrogo o infinito e às vezes choro...

Mas, estendendo as mãos no vácuo, adoro

E aspiro unicamente à liberdade,

Ou então,

Filhos do amor, nossa alma é como um hino

À Luz, à liberdade, ao bem fecundo,

Prece e clamor dum pressentir divino.

2) A problemática, também do horizonte da filosofia, da Ideia ou Absoluto ‑ de inegável registo hegeliano, e que conduz José Marinho a considerá-lo o nosso primeiro pensador do Absoluto. Pensemos, por exemplo, nos sonetos Tese e Antítese e Ideia.

3) Angústia existencial, nessa tensão entre desespero e desejo de harmonia, onde as razões do coração e as da razão se entrecruzam, geradoras de contradição, mas em que a busca de um sentido para a existência está sempre patente. Assim:

Noite, vão para ti meus pensamentos,

Quando olho e vejo, à luz cruel do dia,

Tanto estéril lutar, tanta agonia,

E inúteis tantos ásperos tormentos...

a que responde contrapolarmente:

Não duvido que o Mundo no seu eixo

Gire suspenso e volva em harmonia;

Que o homem suba e vá da noite ao dia

E a homem vá subindo inseto e seixo.

A angústia que assinala um movimento de reconversão do desespero à esperança, feito de quedas, de vaivéns, mas não pura negatividade, pois o seu pessimismo é um ponto de partida, facto que o próprio autor reconhece numa carta a Batalha Reis: «extrair do pessimismo o otimismo, por um processo racional, tem sido afinal o trabalho da minha vida» e que o soneto Solemnia Verba tão bem evidencia:

[...] Desta altura vejo o Amor!

Viver não foi em vão, se é isto a vida,

Nem foi de mais o desengano e a dor.

4) A preocupação pelo Bem, Verdade e Justiça, enquanto valores estruturais do eu, fundamentais mesmo, portanto, fins a perseguir e que também os sonetos expressam:

A ti confio o sonho em que me leva

Um instinto de luz, rompendo a treva,

Buscando entre visões, o eterno Bem.

e ainda:

Lá, no seio da eterna claridade,

Aonde Deus à humana voz responde,

É que te havemos de abraçar, Verdade!

ou então:

Há mais alta missão, mais alta glória:

O combater, à grande luz da história,

Os combates eternos da justiça.

Maria de Lourdes Sirgado Ganho, Congresso Anteriano Internacional – Actas [14-18 outubro 1991].

Ponta Delgada, Universidade dos Açores, 1993, pp. 239-240.

Antero de Quental, personalidade patológica ou conflito existencial?



Perante a riqueza e multiplicidade de facetas de Antero qualquer análise psicossociológica se arrisca a ser reducionista e parcial. De qualquer forma, aprece-me legítimo destacar um certo número de temas particularmente significativos, em Antero:

a) O espírito de missão, «missão titânica ou mesmo demoníaca» (Eduardo Lourenço) a que se impusera e o papel reformador que atribui aos poetas, bem patente no soneto «A um Poeta»:

A UM POETA

Tu que dormes, espírito sereno,

…………………………………………………………..

Acorda! é tempo! O sol já alto e pleno,

…………………………………………………………..

Escuta! é a grande voz das multidões!

São teus irmãos, que se erguem! são canções...

Mas de guerra… e são vozes de rebate!


Ergue-te, pois, soldado do Futuro,

E dos raios de luz do sonho puro,

Sonhador, faze espada de combate!

Antero de Quental (1864-74)

b) O sentimento da coexistência, em si, da luz e das trevas, do reformador e do conservador, da ação e do desalento, da pureza e do pecado, de Deus e de Satanás, evidente no soneto «Homo», 1874-80.

c) A permanente sublimação das suas tendências satânicas através da realização artística, da missão apostólica e social, da sede de pureza e do amor puro, bem patente no soneto «A Alberto Sampaio», 1860-62, nomeadamente através das ideias de se confundir na essência do amor puro e «nesse fogo consumir-me» ou seja, purificar-se:

A ALBERTO SAMPAIO

Não me fales de glória; é outro o altar

Onde queimo piedoso o meu incenso,

…………………………………………………………..

…………………………………………………………..

Há outro mais perfeito, único eterno,

Farol entre ondas tormentosas firme,

…………………………………………………………..

Só esse hei de buscar, e confundir-me

Na essência do amor puro, sempiterno...

Quero só nesse fogo consumir-me!

Antero de Quental (1860-62)

d) O desalento e o profundo pessimismo associados à ideia de estar subjugado aos «fados» e traído. Traído por quem? Por um pai Deus que o abandonou ao calvário e crucifixo da vida, numa clara sublimação divina identificando-se a Cristo?

Na sua obra Antero parece utilizar três formas predominantes de lutar contra o pessimismo:

1. Pela ação.

2. Pelo sonho (e sono), o regresso à infância e à Mãe.

3. Pela ascese e libertação do sensível e do que chamou a apatia estoica, («Transcendentalismo», 1880-84):

TRANSCENDENTALISMO

A J. P. Oliveira Martins

Já sossega, depois de tanta luta,

Já me descansa em paz o coração.

Caí na conta, enfim, de quanto é vão

O bem que ao Mundo e à Sorte se disputa.


Penetrando, com fronte não enxuta,

No sacrário do templo da ilusão,

Só encontrei, com dor e confusão,

Trevas e pó, uma matéria bruta...


Não é no vasto Mundo por imenso

Que ele pareça à nossa mocidade ‑

Que a alma sacia o seu desejo intenso...


Na esfera do invisível, do intangível,

Sobre desertos, vácuo, soledade,

Voa e paira o espírito impassível.

e) As conhecidas dificuldades afetivas e sexuais com as mulheres, que o levam por um lado à total inexistência de relações amorosas estáveis, às poucas deceções amorosas, ao repugnado recurso a profissionais do amor e à sublimação do amor, reduzindo-o aos aspetos espirituais e puros bem patentes, por exemplo, no soneto «Beatrice».

BEATRICE

…………………………………………………………..

Depois que vi descer, baixar no céu da vida

Cada estrela e fiquei nas trevas laborando:


Depois que sobre o peito os braços apertando

Achei o vácuo só, e tive a luz sumida

Sem ver já onde olhar, e em todo vi perdida

A flor do meu jardim, que eu mais andei regando:


…………………………………………………………..

Virei-me a outro céu, nem ergo já meus olhos

Senão à estrela ideal, que a luz do amor contém...


Não temas pois -‑Oh vem! o Céu é puro, e calma

E silenciosa a terra, e doce o mar, e a alma...

A alma! não a vês tu! mulher, mulher! oh vem!

Antero de Quental (1860-62)

f) O peso panteísta de uma mãe idealizada e divina, confundida com a Virgem Santíssima, a natureza, a terra; («A Virgem Santíssima», 1874-80):

À VIRGEM SANTÍSSIMA

Num sonho todo feito de incerteza,

…………………………………………………………..

É que eu vi teu olhar de piedade

…………………………………………………………..

Não era o vulgar brilho da beleza,

Nem o ardor banal da mocidade...

…………………………………………………………..

…………………………………………………………..

Ó visão, visão triste e piedosa!

Fita-me assim calada, assim chorosa...

E deixa-me sonhar a vida inteira!

Antero de Quental (1874-80)

g) A evasão para o sonho num colo materno protetor é uma constante em Antero, por exemplo no soneto «Mãe»:

MÃE

Mãe que adormente este viver dorido,

…………………………………………………………..

Que me leve consigo, adormecido,

…………………………………………………………..

Eu dava o meu orgulho de homem dava

Minha estéril ciência, sem receio,

E em débil criancinha me tornava,


Descuidada, feliz, dócil também,

Se eu pudesse dormir sobre o teu seio,

Se tu fosses, querida, a minha mãe!

Antero de Quental (1862-66)


Esta mãe espiritual é apenas um dos aspetos do sentir, já que é claro o seu desejo de fusão filho-mãe:

-‑Transforma-se o amador na coisa amada ‑

Dois são... e um só, também...

Anda uma alma com outra tão liada!...

São como filho e mãe.

(P.R., p. 26)

Como também é muito evidente a visão incestuosa da mãe em:

É mãe, e irmã, e amante! é este o seio amigo,

Eu quero inda viver!


Esta mãe, irmã e amante parece significar que se Antero tivesse conseguido separar-se das figuras femininas incestuosas e tivesse uma mulher amante, Eras teria vencido Thanatos. E o instinto de vida teria vencido a tendência para o Nirvana romântico e a morte. Esta mãe simultaneamente fonte de Eras e Thanatos ou seja, de vida e de morte, aparece indelevelmente ligada à tragédia de Antero subjugado ao fado de amar a mãe. Corresponderá a traição do Pai-Deus à ideia que o pai o traiu não lhe interditando, pelo tabu do incesto, o amor à mãe e não lhe abrindo assim a via do amor total e da vida? Não existe uma clara referência ao local onde se suicidou, no fragmento «A Pátria?»:

«Na Pátria tudo nos ama, tudo nos ri: conhecemos o amigo que nos aperta a mão; amamos o beijo da mãe que nos acaricia... Tudo tem recordações, ‑ aqui a velha árvore, onde todas as tardes uma mãe boa e carinhosa se vinha sentar rodeada de seus filhinhos, e apontando para o sol moribundo nas orlas do horizonte, e meio mergulhado no oceano, lhes dizia de amar a Deus e aos homens».

h) O sentido trágico deste homem é patente nas repetidas identificações a Cristo, numa tentativa panteísta de se divinizar e a seus pais, mas também no sentimento dilacerante de conter em si Jeová e Satanás, («Homo»):

HOMO

…………………………………………………………………

Ninguém sabe quem sou... e mais, parece

Que há dez mil anos já, neste degredo,

Me vê passar o mar, vê-me o rochedo

E me contempla a aurora que alvorece...


Sou um parto da Terra monstruoso;

Do húmus primitivo e tenebroso


Geração casual, sem pai nem mãe...

Misto infeliz de trevas e de brilho,

Sou talvez Satanás talvez um filho

Bastardo de Jeová talvez ninguém!

Antero de Quental (1874-80)


José Dias Cordeiro, Antero de Quental, personalidade patológica ou conflito existencial?
in
Congresso Anteriano Internacional – Actas [14-18 outubro 1991].
Ponta Delgada, Universidade dos Açores, 1993, pp. 146-151.

Evolução ideológica da poesia de Antero de Quental


Ao longo da sua vida, o posicionamento ideológico do autor sofre transformações. Costuma assinalar-se diacronicamente a evolução da sua ideologia do modo seguinte:

Abandono do catolicismo /Dúvida e incerteza

A crença no catolicismo é completamente abalada nos primeiros anos da vida universitária. Cai, assim, num estado de dúvida e incerteza que o faz sentir uma angustiante aspiração pelo Absoluto.

Idealismo hegeliano

As suas leituras levam-no a imbuir-se no hegelianismo e a preencher a sua produção poética com meditações metafísicas radicadas no evolucionismo idealista de Hegel.

Segundo o idealismo, as coisas só se entendem como manifestações da ideia. Ora, os seres não têm existência inteligível fora da ideia, que é a única realidade inteligível e da qual o mundo é produto, evolução e manifestação.

Hegel diz que a Ideia é movida por uma necessidade intrínseca para a sua determinação, para a sua manifestação. Mas, ao determinar-se, cada manifestação da Ideia (Tese) esbarra na sua contrária (Antítese) e logo se transforma numa nova (Síntese). Esta tríade não pára até se consciencializar no indivíduo e no estado.

Socialismo utópico

Se o hegelianismo explica a origem e a realidade do Universo em Evolução, não resolveu o problema do homem na terra, por isso surge a questão «Para que nos criastes?». Antero vai agora à procura do sentido prático da vida que lhe será indicado por Michelet e Proudhon.

Apostolado social

Antero lançou-se na ação social e labutou afincadamente pela implantação de uma ordem na sociedade portuguesa. O seu socialismo nada teve de revolucionário ou de anárquico. O bem-estar social devia provir não de uma revolta armada mas da evolução pacífica, baseada na moralidade, na instrução e na autopromoção da classe trabalhadora.

Pessimismo e budismo

Gorada a ação social, vitimado pela doença e outras contrariedades, encheu-se-Ihe a alma de pessimismo, sob influência de Schopenhauer para quem tudo no mundo é impulso (vontade) que ao agir só encontra obstáculos. Assim, na terra, tudo é obstáculos, tudo é dor.

Antero convenceu-se que o Universo era um sofrimento sem finalidade e que tudo caminhava inevitavelmente para o nada. Só a consciência não fazia esse percurso porque devia esforçar-se para atingir o Nirvana, onde havia um repouso completo, o impulso não depararia com obstáculos, e vigoraria o desejo do não-ser, posição a que chegou por leituras de Hartmann que, em A Religião do Futuro, combate o catolicismo e o protestantismo, propondo uma religião que seria uma síntese de panteísmo hindu e de maometismo judeo-cristão.

Dossier Exame ‑ Português A, 12º ano,

Maria José Peixoto, Célia Fonseca, Edições ASA, 2003

ISBN: 972-41-3415-6

Os sonetos completos de Anthero de Quental / publicados por J. P. Oliveira Martins. - [1ª ed.]. - Porto : Livr. Portuense de Lopes, 1886. - [2], 48, 126 p. ; 18 cm https://purl.pt/122

TÓPICOS, TEMAS, PALAVRAS-CHAVE:

Amor (amor espiritual, divinização da mulher)

Sonho (forma racional de ser consciente)

Morte (libertação da dor; Noite; negação do individual/afirmação do universal ‑ Hegel)

Dor, Tédio, Desenganos, Pesares… (personificados)

Sentimento vs. Razão («irmã do Amor e da Justiça»)

Liberdade («mola do mundo espiritual» ‑ Hegel ‑ ; e do «querer»)

Angústia existencial (tensão desespero/ desejo de harmonia; procura do sagrado, do mistério)

Bem, Verdade, Justiça (valores estruturais do eu)

Ideia (problemática do Absoluto ‑ Hegel)

Deus (procura de um Deus pessoal*)

Ser em Português 12ºA (coord. A. Veríssimo, Areal Ed.,1999).


Linhas temáticas dos sonetos de Antero de Quental



A expressão do lirismo amoroso


O "filho abandonado" jamais poderá restabelecer o equilíbrio afetivo perdido tão prematuramente. Por causa da polarização negativa da mãe, afastar-se-á não só das mulheres, mas também do próprio corpo e dos seus aspetos sensuais. Passada a época dos amores juvenis, a sexualidade de Antero é separada da vida e dos sentimentos poéticos. […]

Segundo J. Bruno Carreiro, há a mencionar quatro ou cinco mulheres na vida do poeta. Aquela que é designada nos Sonetos como "M. C.", "Beatrice", mulher casada, vivendo nos arredores de Coimbra e cuja morte parece ter fortemente abalado Antero; Peppa, amor fugaz, uma andaluza; Maria, jovem de quinze anos, que nos Sonetos é nomeada "Pequenina", que foi identificada como sendo uma senhora ainda aparentada com a família de Antero e residindo em Tomar: casou com um médico, amigo de Antero, em 1868; finalmente, uma aristocrata francesa, que conheceu em 1877 na casa de saúde de Bellevue e por quem se apaixonou violentamente, segundo testemunhos dos seus contemporâneos. Destas mulheres, uma das primeiras foi ceifada pela morte; e as outras ou eram casadas ou estavam votadas a estabelecer em breve um lar. Antero, solitário e desligado de qualquer ocupação, não concebe o casamento ou a família como alternativa para si próprio.

Pedro Luzez, Colóquio Letras, nº 123/124

Sabendo que Eros é "uma virtude atrativa que leva as coisas a se juntarem, criando vida" (Dicionário de Mitologia, p. 64), o poeta, para negar essa mesma vida, vai-se cercar de todos os mecanismos de defesa que o possam ajudar a evitar Eros. Para não ir muito longe, observarei apenas a relação homem-mulher, na qual a interdição erótica é de uma evidência inegável:


a) quando constrói toda uma linha metafórica que corta qualquer possibilidade de produzir vida, porquanto a mulher será sempre "virgem", "anjo", “criança”, “pomba”, que vive "numa alcova" onde ele faz questão absoluta de não entrar;


b) quando reforça alinha metafórica disseminada, trabalhando um contraste de paradigmas cuja funcionalidade também é inegável. De um lado, Sulamita e Beatrice, representando a castidade; de outro, Vénus, Circe e Amazona, representando a atração voluptuosa, os feitiços perigosos e as ambiguidades perturbadoras.

Dulce M. Viana Mindlin, Colóquio Letras, nº 123/124

A expressão do apostolado social


Este livro é uma tentativa, em muitos pontos imperfeita, seguramente, mas sempre sincera, para dar à poesia contemporânea a cor moral, a feição espiritual da sociedade moderna, fazendo-a assim corresponder à alta missão que foi sempre a da Poesia em todos os tempos, no Rigg-Védda ou n’ Os Lusíadas, em Tirteu como em Rouget de L'lsle ‑ isto é, a forma mais pura daquelas partes soberanas da alma coletiva de uma época, a crença e a aspiração. ‑ Partindo deste princípio ‑ a Poesia é a confissão sincera do pensamento mais íntimo de uma idade ‑ o autor, na retidão imparcial da sua lógica, havia de necessariamente concluir com esta outra afirmação ‑ a Poesia moderna é a voz da Revolução ‑ porque Revolução é o nome que o sacerdote da história, o tempo, deixou cair sobre a fronte fatídica do nosso século... A poesia que quiser corresponder ao sentir mais fundo do seu tempo hoje, tem forçosamente de ser uma poesia revolucionária. Que importa que a palavra não pareça poética, às vestais literárias do culto da "arte pela arte"? No ruído espantoso do desabar dos Impérios e das Religiões há ainda uma harmonia grave e profunda para quem a escutar com a alma penetrada do terror santo deste mistério que é o destino das Sociedades!"

Antero de Quental, Odes Modernas

O Povo há-de inda um dia entrar dentro do Templo,

E há-de essa rude mão erguer sobre o altar; [...]

O Povo há-de fazer-se, então, bispo e levita;

E será missa nova a missa que disser: […]

O Evangelho novo é a bíblia da Igualdade:

Justiça, é esse o tema imenso do sermão:

A missa nova, essa é a missa da Liberdade:

E órgão acompanhar... a voz da Revolução!

Antero de Quental, Odes Modernas

A expressão do pessimismo e da angústia


Isto, porque não estou em estado de nada dizer de pensado e que mereça ler-se, porque tenho passado mal de corpo e de espírito o suficiente para não prestar para nada há dois meses. De corpo, com os meus desarranjos nervosos, insónias, etc., de espírito, atacado por um daqueles períodos de abatimento e indiferença de budista que são próprios do meu temperamento. Já vê que pouco tenho aproveitado para o meu livro: algumas leituras distraídas, nada mais. Sinto o desejo do Nirvana, se não como um grande contemplativo, pelo menos como um doente. A doença, dum modo ou de outro, é o meu estado normal. Há organizações assim. Tenho um horror instintivo, e como que inato, a todas as ideias que representam a atividade da vida, como plenitude, felicidade, esperança, e outras deste teor. Não ando senão por intermitências, e aos empurrões. Para tudo dizer numa palavra, nasci monge. Entenda, para seu governo, que não pode contar comigo senão por acidente. Sou, ou posso ser, um auxiliar: soldado ativo, não. A minha cabeça conserva-se lúcida, mas o resto insurge-se: ora o resto, em toda a gente, é alguma coisa: em mim, é muitíssimo, é tanto que não lhe posso resistir e deixo-me ir levado. Isto é deplorável, dirá você. Mas é assim, respondo-lho eu. Fatum. Penso como Proudhon, Michelet, como os ativos: sinto, imagino e sou como o autor da Immitatio Christi. Você é forte porque tudo o puxa no mesmo sentido. Não se orgulhe da sua força, porque é um fenómeno de temperamento, como a fraqueza doutros. Em ambos, perfeita irresponsabilidade. Simplesmente, uma é boa, outra é má.


Como que eu ande, se sou ao mesmo tempo solicitado, com intensidade igual, em dois sentidos contrários? Pensa que renego as nossas grandes verdades, filosóficas e morais? Engana-se. Vejo-as tão bem como nunca. Simplesmente, vejo-as: nada mais. Ora a gente não é segundo o que vê, somente, mas ao mesmo tempo segundo o que sente, segundo a direção para que vai por uma tendência que é a expressão exata do eu de cada qual. Percebe esta trapalhada? Creio que é imoralíssima. Em todo o caso, moral ou imoral, é isto o que se dá em mim: ora, segundo Hegel, tout ce qui est, est raisonnable. Seja como for, o que é certo é que neste momento estou atacado da náusea da realidade. Não sei quanto tempo durará o ataque. Não é o primeiro: é uma das minhas alternativas, conforme predomina um ou outro dos dois fatores da minha vida mora.

Antero de Quental, Carta a Oliveira Martins (12 de Janeiro de 1872)

A reação ao pessimismo


Passaram anos em que não vi Antero, instalado então em Vila do Conde. Sabia que o meu amigo estava quase são, quase sereno. Mas foi uma preciosa surpresa, quando, ao fim dessa separação, chegando ao Porto e correndo com Oliveira Martins a Vila do Conde, avistei na estação um Antero gordo, róseo, reflorido, com as lapelas do casaco de alpaca atiradas para trás galhardamente, e meneando na mão a grossa bengala da índia que em Lisboa eu lhe dera para amparar a tristeza e a fadiga. Era uma regressão, quase o antigo Antero coimbrão, mais amadurecido, mais doce: ‑ apenas, no lugar da fulva grenha flamejante e romântica, alvejava um sereno começo de calva socrática. Era sobretudo uma restauração moral, à velha maneira de Lázaro uma miraculosa saída do túmulo pessimista e das sombras da negação. Findara a luta implacável, o seu grande coração, enfim, descansava em paz!


Como chegara Antero a esse repouso apetecido? Escutando com uma atenção mais grave, mais crente, aquela voz da Consciência, que tanto tempo desconhecera, e que apesar de todos os desenganos e sempre em segredo protesta e afirma o Bem.


Fora atendendo reverentemente essa doce voz; e conseguindo, por um desesperado esforço do pensamento, penetrar a sua significação; e refazendo, guiado por ela, a sua educação filosófica; e procurando depois a sua confirmação na história, nas doutrinas dos moralistas, nas confissões dos místicos, que ele chegara a descobrir, a compreender bem o fim último e verdadeiro de tudo, não só do homem moral, mas de toda a Natureza, mesmo na sua modalidade física. E essa descoberta é de inefável beleza e contentamento ‑ pois que o fim de tudo é o Bem! O Universo tem por fim o supremo Bem ‑ o Bem é o momento final e augusto de toda a evolução do Universo.


Possuía pois Antero, enfim, a "sua filosofia ", essa filosofia que ele tantos anos perseguira como deusa esquiva entre selvas duvidosas. […] E a lei moral dessa filosofia […] consistia em renunciar a tudo quanto limita e escraviza o espírito - egoísmo, paixões, vaidades, ambições, contingências, materialidades do mundo, ‑ e em procurar a união do espírito, assim libertado e limpo de todo o pesado lodo terreno, com o seu tipo de perfeição que usualmente se chama "Deus".

Eça de Queirós, "Um Génio Que Era Um Santo", em Notas Contemporâneas, pp. 273-274, Edição "Livros do Brasil "

A superação do pessimismo: o refúgio na Morte


Quanto aos Sonetos, que publiquei na Revista, devo dizer-te que os escrevi sem a menor tristeza ou desalento, antes com paz íntima e profunda confiança. Se a doença foi ocasião de refletir com mais madureza no símbolo misterioso que é a Morte, é isso muito natural, porque em tal estado a Morte apresenta-se ao nosso pensamento com mais insistência ou mais autoridade: mas dessas reflexões concluí coisas que nada têm de tristes, antes são muito confortativas, uma espécie de Filosofia idealista da Morte, e foi isso o que eu quis exprimir naquela composição, mostrando como o pensamento se eleva gradualmente desde uma impressão toda negativa até à mais alta idealidade, compreensiva e plácida. Fui pois teólogo e não romântico ‑ pelo menos, tal foi a minha intenção.

Antero de Quental, Carta a António de Azevedo Castelo Branco (Março/Abril de 1875)

Durante muito tempo a ideia da morte passou despercebida para o meu espírito. Lembra-me que quando era rapaz […] evitava sistematicamente pensar na morte, porque, dizia eu, como era coisa que nunca tinha experimentado não podia ter ideia dela.


A ideia da Morte é a base da vida moral. Os seres que a não têm não são morais ‑ […] Se o homem fosse imortal estaria exatamente no mesmo caso, por muito que a sua razão progredisse. Porquê? porque, sendo imortal, adorava-se, considerava-se absoluto. Mas a consciência da sua finitude é que lhe faz sentir que o eu pessoal sendo nada, não é, para esse que deve viver, mas para algo que é eterno […].


Mas a Morte tem uma razão metafísica, por conseguinte é necessária. Os seres são necessariamente relativos, limitados e imperfeitos, por isso é que são seres reais, visto que a realidade exclui o absoluto e a perfeição: absoluto e perfeição não se podem conceber senão como tipo ideal e não como atualidade e realidade. […] A Morte não é mais do que a manifestação física dessa necessidade metafísica.

Antero de Quental, Filosofia (excertos citados por Manuel Tavares e Mário Ferro em O Pensamento de Antero de Quental, p. 125. Editorial Presença, 1995)

A superação do pessimismo: o refúgio em Deus

Havemos de convir em que os mitos, as lendas, os símbolos, numa palavra os sonhos do velho Credo, envolvem em si um sentir humano, um elemento psicológico, uma expressão moral que falta em grande medida, senão totalmente, aos nossos naturalismos, determinismos, positivismos e outros. Pois, se não faltasse, como resistiria ainda o velho Credo? Todo o seu segredo, o segredo da sua ainda fortíssima atração e da espécie de cega obstinação com que tantos e tantos seguem em despeito das evidências contrárias, esse segredo está nisso, nesse poder de falar ao coração e à imaginação e, por aí, comunicar uma eficácia e uma segurança incomparáveis para a ação. Esse poder, confessemo-lo, não o temos nós ainda.

O homem, minha nobre Amiga, esse famoso "animal racional ", aquilo de que justamente tem menos é de racional, e enquanto se lhe falar só à inteligência consegue-se pouco dele. Veremos se uma filosofia mais profunda, que está incubando e apenas por ora se denuncia por certos sintomas esporádicos, é capaz de descobrir o caminho secreto das suas simpatias e da sua confiança.

O Transcendentalismo tem de ser restaurado, de um feitio ou de outro. Só ele pode satisfazer, ou, pelo menos, iludir e entreter as desmedidas aspirações, as ambições e esperanças incorrigíveis do coração humano. Sem isso receio que, apesar de toda a ciência que já há, e da muita que se há-de ir ainda produzindo e acumulando (coisa aliás excelente e até indispensável), o bípede singular que inventou Deus e pôs a virtude, que se não vê nem palpa, acima de todos os bens visíveis e palpáveis deste mundo, o bípede capaz destes sublimes paradoxos não tenha outra alternativa, para não cair numa soez mediocridade, senão a de uma maldade diabólica.

Antero de Quental, Carta a Maria Amália de Carvalho (23 de Fevereiro de 1889)

Síntese das linhas temáticas dos sonetos de Antero de Quental

Interessa ter em conta as linhas temáticas dos sonetos de Antero que, segundo António Sérgio, se agrupam em oito ciclos, os quais, na esteira de Vasco Moreira e Hilário Pimenta, em Dimensão Literária, Português A-12º ano, se podem reduzir a quatro:

1. A expressão do amor: o amor espiritual

Nestes, Antero canta os seus amores, espiritualizados, à semelhança de Petrarca. Há nestes poemas a adoração abnegada do Eterno Feminino.

Os textos poéticos «Abnegação», «Ideal», «Idílio» inscrevem-se nesta linha temática.

2. As preocupações sociais, as ideias revolucionárias

A degeneração da burguesia num capitalismo de especulação que nada produzia faz com que Antero apele para: a Justiça, o Pensamento, a Ideia (que será a luz do mundo), a revolta e a luta (até tudo estar no seu lugar), o trabalho (de que alguma coisa ficará), o Cristo (avô da plebe), a liberdade (sob o império da Razão).

Sob esta égide encontram-se os sonetos «A um poeta», «Evolução», «Hino à Razão», «Tese e Antítese», «A Ideia» e muitos outros.

3. O pessimismo e a evasão

O pessimismo manifesta-se em 1874 e desenvolve-se desde 1876 a 1882; extingue-se nos anos imediatos e em 1886 deixava o poeta, sem nostalgia, numa região espiritual já percorrida.

Nos sonetos deste ciclo vê-se a dor em todo o lado e ouve-se continuamente dizer que é preferível o «não ser» ao «ser como é».

Vêem-se já influências de Hartmann e do budismo.

É o pessimismo que leva Antero a evadir-se, a fugir para-além de tudo o que existe e o faz sofrer. Procura refugiar-se num mundo indefinido, longínquo e vago, na ação material, absorvente e enérgica, num sono no colo da mãe, no desprendimento do sensível, na aspiração a um Deus clemente, que o leve para o Céu.

Estes conteúdos são visíveis nas composições poéticas «O Palácio da Ventura», «Mãe», «Despondency», «Nox», entre outras.

4. A metafísica, Deus e a morte

A leitura de Proudhon e Hegel, o falecimento de pessoas queridas e a sua enfermidade levaram-no a meditar na morte, que é considerada sob vários aspetos: morte ‑ liberdade; morte ‑ fim de todos os sofrimentos; morte ‑ irmã do amor e da verdade; morte ‑ consoladora das tribulações; morte ‑ berço onde se pode dormir; morte ‑ paz santa e inefável.

Reportados a esta quarta linha temática encontram-se, por exemplo, os sonetos «A um crucifixo», «Na mão de Deus», «À Virgem Santíssima», «Solemnia Verba».

Maria José Peixoto, Célia Fonseca,

Dossier Exame ‑ Português A, 12º ano, Edições ASA, 2003

Observação: António Sérgio na sua edição dos Sonetos de Antero de Quental alterou completamente a ordenação que o próprio autor lhe tinha dado nos Sonetos Completos, categorizando-os por ciclos. Cometeu, por isso, um atentado a um direito de autor, tendo sido essa edição que serviu durante décadas aos programas de ensino.

Para uma síntese de conhecimentos sobre Antero de Quental


  1. Antero exprime a revolta e o inconformismo da sua geração perante uma situação social, política e cultural conservadora e retrógrada, fomentada por um romantismo que não conseguiu concretizar os ideais que defendera.

  2. Mestre e mentor, inspirador e símbolo da Geração de 70, a sua personalidade está intimamente ligada à vida cultural e social em que, ativamente, participou.

  3. A poesia de Antero exprime as preocupações do ser humano que reconhece a sua condição e a sua fragilidade, que sente esperanças e sofre os desalentos, que duvida perante os mistérios da criação, da morte e de Deus.

  4. António Sérgio considera a existência de dois Anteros: o apolíneo e o noturno. O primeiro exprime a Luz, a Razão e o Amor; o segundo canta a noite, a morte e o pessimismo.

  5. Pode dividir-se a obra anteriana em quatro fases: a lírica ou de expressão do amor; a do apostolado social e das ideias revolucionárias; a do pessimismo; e a da metafísica e regresso a Deus.

  6. Para Antero, "a poesia é a voz da revolução". Ele foi um verdadeiro apóstolo social, solidário e defensor da justiça, da fraternidade e da liberdade.

  7. As dúvidas, as deceções e a doença conduziram-no a um estado de pessimismo.

  8. Antero nunca conseguiu separar a poesia da vida, da sua ânsia de transformar o mundo, da sua angústia perante a dificuldade de explicar Deus, a vida e a morte.

  9. Antero luta por ideais feitos de amor, de justiça e de liberdade. Esperança e desilusão são duas forças constantes no seu pensamento e na sua vida, entre as quais tudo oscila.

  10. Idealista, acaba por considerar empobrecedoras as concretizações da Ideia. Daí as deceções constantes, sentindo que a sua luta não está a conseguir os resultados projetados.

  11. Com dificuldade em libertar-se das adversidades, Antero dirige o seu pensamento para o divino, embora sem abandonar o seu racionalismo.

  12. O pensamento de Deus surge, frequentemente, associado à morte, considerada como a verdadeira libertação.

Português A e B: acesso ao ensino superior 2000, Vasco Moreira, Hilário Pimenta. Porto, Porto Editora, 2000.
(Coleção: Acesso ao ensino superior: preparação para a prova de exame nacional - 12.º ano)

Aferição de conhecimentos


Registe a verdade (V) ou a falsidade (F) das seguintes afirmações:


  1. Em Portugal, é a chamada Geração de 70 que se assume como consciência de uma época e da necessidade de mudança para um novo século e uma nova mentalidade.

  2. A Geração de 70 englobava apenas um grupo de poetas conscientes da necessidade de construir uma síntese e de efetuar uma mudança a nível nacional.

  3. Os jovens académicos da Geração de 70 opõem-se ao ultrarromantismo de Feliciano de Castilho e dos seus seguidores, mas também à política da Regeneração. Reagem, simultaneamente, contra o atraso cultural do País e contra a degenerescência romântica.

  4. O realismo, feito de idealismo, de exaltação, de sentimentalidade, de sensibilidade, de reflexão, de desconfiança na razão e de revolta, marcou a primeira parte do século XIX.

  5. Antero é o mais importante «líder» desta Geração de 70 e são dele os principais textos contra a geração ultrarromântica.

  6. Bom Senso e Bom Gosto, de Antero, é um libelo contra Castilho e todos aqueles que em vez da Ideia adoram a palavra e desconhecem «o grande espírito filosófico do nosso tempo, a grande criação original, imensa, da nossa idade».

  7. Enquanto o realismo faz a captação e análise da realidade com precisão objetiva, o naturalismo analisa as circunstâncias sociais que envolvem as personagens.

  8. A mudança pretendida pela Geração de 70 tinha essencialmente a ver com uma nova visão de Portugal, uma regeneração que se pretendia alargada e não apenas no sentido social e económico.

  9. Antero de Quental assumiu forte oposição à literatura oficial, na famosa Questão Coimbrã.

  10. Bom Senso e Bom Gosto, de Antero, é um documento de apoio a Castilho e a todos aqueles que em vez da Ideia adoram a palavra e desconhecem «o grande espírito filosófico do nosso tempo, a grande criação original, imensa, da nossa idade».

  11. A carta Bom Senso e Bom Gosto, de Antero, continuava, nos domínios do pensamento, a mesma luta e a mesma guerra por ele encetada contra todos aqueles que o impediam de ser um homem livre, no mundo que queria livre.

  12. As palavras de ordem e a polémica literária e cultural adquirem um novo sentido com o «Grupo do Cenáculo», a funcionar próximo do Chiado, em Lisboa, liderado por António Feliciano de Castilho (1800-1875).

  13. O grande impulsionador das Conferências do Casino foi Antero de Quental, que chegara a Lisboa em 1868 e que influenciou decisivamente os gostos e os interesses de todos os que com ele conviviam, divulgando as novas ideias.

  14. Os organizadores das chamadas «Conferências Democráticas» sentiam-se no dever de alertar a opinião pública para as grandes questões da filosofia e da ciência modernas.

  15. António Feliciano de Castilho (1800-1875) apoiou dois escritores moços (Antero de Quental e Teófilo Braga), paladinos de uma ideia nova e de uma expressão diferente.

  16. Antero de Quental (1842-1891), o poeta-filósofo, foi também autor, na prosa polemista, de Causas da Decadência dos Povos Peninsulares e da carta Bom Senso e Bom Gosto (que desencadeou a polémica da Questão Coimbrã).

  17. De acordo com Antero de Quental (1842-1891), a poesia e o poeta têm por missão divertir e distrair da vida; poesia é divertimento.

  18. Enquanto a vida de Antero de Quental avançava, mais as contradições ganhavam forma: a uma hora de paz correspondiam muitas horas de dúvida; a uma natureza religiosa contrapunha-se um espírito racionalista (defensor do ateísmo); a uma natureza conservadora correspondia um espírito revolucionário; a uma natureza e educação românticas opunha-se um espírito realista.

  19. Em Antero de Quental (1842-1891) até a vida e a morte formaram uma antinomia que quisera resolver. Lutou por viver e contrariar a doença. recorrendo aos melhores especialistas, mas acabou por poupar à doença o trabalho de o conduzir à morte.

  20. Na obra de Antero de Quental (1842-1891) podemos encontrar as suas preocupações sociais, uma profunda reflexão filosófica e uma intenção poética.

  21. Os temas das Conferências do Casino orientam-se para o novo caminho que estes intelectuais se propõem trilhar, com o apoio do Governo.

  22. Na obra de Antero de Quental (1842-1891) podemos encontrar as suas preocupações sociais: em Causas da Decadência dos Povos Peninsulares e Bom Senso e Bom Gosto (sátira e censura ao velho romântico Castilho).

  23. Antero influenciou profundamente a geração estudantil coimbrã da segunda metade do século XIX.

  24. Causas da Decadência dos Povos Peninsulares de Antero de Quental (1842-1891) é um discurso argumentativo em que se defende a seguinte tese: a decadência da Península Ibérica e a desorganização da sociedade conduzem à necessidade da transformação moral, social e política.

  25. Antero de Quental (1842-1891) deixou-nos, na prosa polemista, Causas da Decadência dos Povos Peninsulares, e a carta Bom Senso e Bom Gosto (que desencadeou a polémica da Questão Coimbrã).

Soluções: 1-V, 2-F, 3-V, 4-F, 5-V, 6-V, 7-V, 8-V, 9-V, 10-F, 11-V, 12-F, 13-V, 14-V, 15-F, 16-V, 17-F, 18-V, 19-V, 20-V, 21-F, 22-V, 23-V, 24-V, 25-V


* * *


Assinale com F (falso) ou V (verdadeiro) as afirmações seguintes:

  1. Antero de Quental nasceu em Lisboa [V/F], em Coimbra [V/F], em Ponta Delgada [V/F].

  2. Teve uma ligação afetiva muito grande com o pai [V/F], com a mãe [V/F]

  3. Em Coimbra, formou-se em Medicina [V/F], em Letras [V/F], em Direito [V/F]

  4. A "Questão Coimbrã" aconteceu em 1860 [V/F], em 1871 [V/F], em 1865 [V/F]

  5. As "Conferências do Casino" realizaram-se em 1865 [V/F], em 1875 [V/F], em 1871 [V/F]

  6. As "Conferências do Casino" pretenderam reagir contra as ideias vindas da Europa mais avançada [V/F] derrubar a monarquia [V/F], propor um debate de ideias sobre a situação cultural do País [V/F]

  7. Antero não fez nenhuma conferência [V/F], pronunciou duas [V/F], fez apenas a apresentação [V/F]

  8. A sua poesia amorosa ocupa um lugar muito importante [V/F] um papel muito reduzido [V/F]

  9. Aceitou as ideias de Proudhon e Hegel com muita dificuldade [V/F], com muita facilidade [V/F]

  10. Hegel foi o seu mestre até ao fim [V/F], apenas o seu ponto de partida [V/F]

  11. Odes Modernas são a apologia do Romantismo [V/F], a afirmação da nova trindade: Razão, Justiça e Amor [V/F]

  12. Os Sonetos são a sua biografia espiritual [V/F], a confissão de arrependimento do abandono da fé da sua infância [V/F]

  13. Os Sonetos são a expressão das suas contradições [V/F], das suas ideias apenas sociais [V/F], das suas angústias metafísicas [V/F]

  14. “A um Poeta” é um soneto otimista [V/F], pessimista [V/F]; faz lembrar a "Questão Coimbrã" [V/F], é a expressão poética dessa "Questão" [V/F]

  15. “O Palácio da Ventura” é um soneto otimista [V/F], pessimista [V/F], de recusa do passado [V/F]

  16. “Na mão de Deus” é um soneto de desespero [V/F], de revolta contra Deus [V/F], de apaziguamento dos seus conflitos [V/F]

  17. Antero de Quental não foi bem aceite pela sua geração [V/F], foi estimado e considerado um génio [V/F]

  18. A "Geração de 70" foi constituída por velhos escritores ligados ao poder [V/F], novos escritores imbuídos da necessidade de reformar o País estagnado [V/F]

  19. Os sonetos foram escolhidos por Antero pela necessidade de imitar os clássicos [V/F], porque são a forma ideal para condensar ideias [V/F], para expor breves alegorizações [V/F]

  20. No fim da vida, Antero encontrou a total felicidade num lar familiar [V/F], viu-se doente e só [V/F], teve resistência para lutar contra sua doença e os seus problemas existenciais [V/F]

João Guerra e José Vieira, Aula Viva – Português A. 12º Ano, 1º vol, Porto Editora, 1999

Leitura orientada da lírica anteriana


A angústia existencial.

Figurações do poeta.

Diferentes configurações do Ideal.

Linguagem, estilo e estrutura:

o discurso conceptual;

o soneto;

recursos expressivos: a apóstrofe, a metáfora, a personificação.


(Programa e Metas Curriculares de Português. Ensino Secundário. Versão para discussão pública. Novembro de 2013.

Helena C. Buescu, Luís C. Maia, Maria Graciete Silva, Maria Regina Rocha. Governo de Portugal - Ministério da Educação e Ciência)

LUSOFONIA - PLATAFORMA DE APOIO AO ESTUDO A LÍNGUA PORTUGUESA NO MUNDO.

Projeto concebido por José Carreiro.

1.ª edição: http://literaturaacoriana.com.sapo.pt/antero.htm, 2012-10-12.

2.ª edição: http://lusofonia.x10.mx/acores/antero.htm, 2016.

3.ª edição: https://sites.google.com/site/ciberlusofonia/PT/Lit-Acoriana/antero-de-quental, 2021