Ásia: Timor e Macau

Relações históricas entre Macau e Timor-Leste

Trata-se de uma história com um cruzamento denso e complexo que aproximou progressivamente Timor, a sua economia e as suas gentes, do enclave de Macau que, ao longo de grande parte do período oitocentista, “governaria” mesmo os esparsos fragmentos da presença portuguesa na parte oriental da ilha.

A estrutura das relações históricas entre Macau e Timor estrutura-se em três domínios associativos principais:

  • As relações políticas, institucionais e administrativas, em que há uma progressiva ligação de Timor à estabilização de uma administração portuguesa em Macau.

  • As demoradas relações comerciais entre Timor e Macau, destacando-se o monopólio fundamental do comércio do sândalo apropriado pelos mercadores e instituições macaenses, complementado ainda com um muito ativo tráfico escravista, sobretudo de jovens mulheres timorenses, a que se somava ainda um lucrativo trato da cera insular negociado nos mercados javaneses de produção do batik.

  • As comunicações religiosas e, em especial, missionárias que, mais sentidamente ao longo do século XIX, foram difundindo a partir de Macau um catolicismo que lenta mas seguramente conseguiu invadir espaços, culturas e vetustas tradições culturais timorenses.


Ler mais: “Para a História das Relações Entre Macau e Timor (Séculos XVI-XX)”, Ivo Carneiro de Sousa. Revista de Cultura, n.º 18, abril 2006, pp. 13-22.

Literatura - do centro à periferia


1. No panorama mundial, a língua portuguesa começou por chegar com o português-colonizador e evangelizador numa lógica de superioridade. Hoje, em pleno século XXI, a dialética das imposições deixou de fazer sentido, por fatores de variada índole.

Atendendo às sinergias dos movimentos globais, e no quadro da lusofonia, o tempo do português imposto foi extinto; aos países falantes de português deverão ser dados os espaços e tempos necessários para que possam emergir como produtores e exportadores da sua própria cultura e do seu próprio folclore, assumindo uma dinâmica prevista por Chacon (2002), quando afirma que “os impérios culturais e civilizacionais continuam crescendo e diminuindo, nascendo e morrendo”. A língua portuguesa, sendo comum às partes, deve ter a sua divulgação e manutenção partilhada em diferentes zénites, tal qual o império anglosaxónico (EUA, Reino Unido, Austrália, Nova Zelândia, África do Sul). Assim se libertará da desconfiança de um novo projeto neocolonialista que visa recuperar as despropositadas influências antigas. Se o idioma português conseguir expressar os diferentes folclores dos países dos quais é língua oficial, poder-se-á assistir à vitalização de um espaço multicultural no qual a língua portuguesa se afirme como elemento transversal e descentralizado. Trata-se, principalmente, de enaltecer uma perspetiva otimista que permite, aos interessados, a apropriação da língua portuguesa como veículo de expressão em múltiplos contextos -comunicação quotidiana e contexto administrativo, académico, científico e estético.

2. Centrando o olhar nos países que compõem a Comunidade dos Países de Língua Portuguesa (CPLP) verificam-se algumas características transversais, com exceção de Portugal e do Brasil (Em Portugal e no Brasil, quase toda a população possui a língua portuguesa como língua materna. Nos restantes países da CPLP verificam-se contextos de diglossia ou pluriglossia). Em relação ao número de falantes pode constatar-se que a língua portuguesa ocupa uma posição minoritária no quadro das línguas faladas. Concomitantemente, não ocupa uma posição subalterna. Este aspeto espelha uma valorização da língua portuguesa que lhe confere um determinado prestígio político e relevo social. Por outro lado, transparece que a mesma língua não serve como veículo de comunicação quotidiana à maioria da população e trata-se, sobretudo, de uma língua de escolarização e de acesso a patamares sociais de maior prestígio.

No panorama sucintamente referido de diglossia ou poliglossia, é comum que o escritor se imiscua num universo multilinguístico, no qual a possibilidade de concretização literária se pode assumir mediante a utilização de diferentes línguas - desde a língua portuguesa às línguas autóctones. Aqui convergem dois aspetos que é conveniente distinguir: a diglossia resulta de uma situação social, enquanto o bilinguismo e o poliglotismo deve ser lido como uma prática individual. O primeiro ponto prende-se com uma partilha territorial entre duas línguas que serão alternadas de acordo com a situação em uso. É o exemplo de Moçambique ou de Timor em que o português é a língua de instrução, de administração, por vezes da religião, e também uma ponte de ligação para o mundo ocidental. Em contraste, a língua nativa é mantida na esfera familiar e informal. Por sua vez, o bilinguismo é um fenómeno individual na medida em que é possível ao sujeito permanecer monolingue em contexto de diglossia.

Inserido em tais contextos, o escritor fará uma escolha quanto à língua em que se expressará. Por exemplo, relativamente a Moçambique, Gonçalves observou que, para os casos de adoção da língua portuguesa como língua de expressão literária, existem diferentes possibilidades:

Há escritores que adoptam a norma europeia na sua escrita, outros que “salpicam” um discurso regido pelo modelo europeu de vocabulário em línguas locais, e outros ainda que parecem preferir deixar que as normas do Português produzidas por esta comunidade de locutores sejam parte do seu discurso literário (Gonçalves, 2000:3).

Sobre esta questão, Luís Cardoso referiu que a escolha dos timorenses para a invenção literária costuma oscilar entre o bahasa (língua) indonésio e o português. No caso do romancista timorense, este opta pela redação em língua portuguesa em desfavor do tétum e do indonésio. Desta forma, o autor entra no domínio da lusografia, isto é, o espaço escrito da língua portuguesa. De acordo com Cristóvão (2005: 656), é possível distinguir duas lusografias. Por um lado, a lusografia que é obrigatória, política, administrativa e, por outro lado, a lusografia que corresponde a uma escolha. A lusografia é imposta em Portugal e também no Brasil. Pelo contrário, em Timor, nação multilingue onde o português não é língua nacional, na aceção de ser a principal língua falada pelos habitantes de uma nação, a utilização da língua portuguesa é, muitas das vezes, uma escolha pessoal.

Para completar o périplo, importa perceber que a filiação linguística se cumpre com uma língua portuguesa reinventada e revitalizada. A realização dos enunciados deixa transparecer determinadas pistas culturais que desvinculam a escrita de Mia Couto ou de Luís Cardoso, entre outros, de um eurocentrismo e de uma língua-nação (Cf. Brugioni,2012). Este fenómeno abeira-se do conceito de ‘literatura homoglota’ que comporta os trabalhos literários em línguas semelhantes às europeias, mas que não são, rigorosamente, as mesmas línguas. Ou seja, são variedades diatópicas de idiomas como o inglês, francês, castelhano e português, difundidas pelo globo. Como síntese, leia-se o pensamento de Brugioni:

As formulações teóricas supõem uma equação unívoca entre língua e nação, subentendendo – deste modo - uma feição monológica ou “a raiz única” entre língua e configuração nacional. Por outro lado, é de se salientar que as chamadas literaturas homoglotas - parecem em rigor, desconstruir a univocidade desta correspondência unívoca uma língua / uma nação (Brugioni, 2012:28).

3. Atualmente, em Timor, a opção pela redação em língua portuguesa pode resultar num fenómeno de alteridade. A literatura timorense em língua portuguesa pode criar uma segregação através do próprio idioma. Por outras palavras, não é improvável que o timorense assuma a língua portuguesa como a língua do outro, uma língua com a qual não tem afinidade (cf. Laborinho, 1991). Recorde-se que, apesar de a língua portuguesa partilhar o estatuto de língua oficial em Portugal e em Timor, o contexto linguístico dos países é dissemelhante. Em Timor, para grande parte da população, a língua portuguesa será a segunda ou a terceira com a qual o falante tomará contacto (cf. Almeida, 2011).

Neste ponto, admite-se que a literatura de Luís Cardoso possui como grande vantagem a representação de universos e códigos próximos do timorense que fala(rá) a língua portuguesa. Tal facto poderá favorecer a identificação do timorense com a literatura redigida em língua portuguesa, existindo espaço para que este a assuma como também sua.

Se a opção pela redação numa língua segunda pode ser lida como um gesto individual, Luís Cardoso, ao escolher a língua transversal à CPLP, deve encontrar mecanismos que permitam a sua inclusão na comunidade desejada. Não se trata de um favorecimento infundado, mas antes de uma possibilidade efetiva de tornar visível outras culturas e formas de expressão com condão de criar efeito de estranhamento. De certa forma é cumprir um desejo, também expresso por José Carlos Venâncio, de valorizar uma perspetiva que é, sobretudo sociológica e que, nessa medida, tem a vantagem de envolver e legitimar esteticamente um número alargado e diverso de vivências e experiências de escrita em língua portuguesa, indexáveis a um denominador comum, para o qual muito contribuiu a literatura brasileira no seu processo de autonomização, que também foi de preservação de aspetos e dimensões da literatura-mãe. Esta aparente contradição entre autonomia e dependência (…) constitui, sobretudo quando se coloca em termos perfomativos, a riqueza da própria lusofonia (2012:86).

Caleidoscópio literário: A representação romanesca em Luís Cardoso. Pedro Albuquerque. Universidade Aberta, 2014, pp. 12-17.

Literatura de Timorense em Língua Portuguesa


Literatura de Macaense em Língua Portuguesa


Literatura de Goesa em Língua Portuguesa