Literatura Açoriana

[O rumo da literatura açoriana desde 1975 até 2011]


Onésimo Teotónio Almeida, 2011



O presente estado do mundo foi motivo de conversa entre Onésimo Teotónio Almeida, professor da Brown University, nos EUA, e Eduardo Brum: o fim das utopias, a Internet, a insegurança da informação, o capitalismo, as forças obscuras do mercado, os Açores e a sua literatura…

[…]

Eduardo Jorge Brum – Não me perdoaria se deixasse terminar esta conversa sem te falar da literatura açoriana e do seu rumo nas últimas três décadas. Reconheces presentemente nas nossas ilhas a existência de uma escrita literária em coerência decorrente da que se afirmou ao longo dos anos que se seguiram ao 25 de Abril de 1974? Podemos esperar que os novos suportes tecnológicos (hoje rotineiros) venham a contribuir para um incremento da produção literária na Região e para uma melhoria da sua divulgação?

Onésimo Teotónio Almeida – Aproveitarei a deixa para, em poucas palavras, resumir o que tenho a dizer acerca da literatura açoriana. Sim, escrevi muito e perdi muito tempo com a questão. Não tenho ouvido argumentos que me façam alterar o que escrevi nos meus livros, nomeadamente no Açores, Açorianos, Açorianidade (1989) que vai ser reeditado em breve pelo Instituto Açoriano de Cultura.

Opiniões contrárias à minha têm sido repetidas sem o apoio de qualquer argumento. Pelo menos sem qualquer argumento que mereça esse nome. Estou felizmente ao lado de outros que, como eu, lecionaram ou têm lecionado a cadeira: os professores José Martins Garcia e Urbano Bettencourt e, no Brasil, Assis Brasil.

Bem ainda como de outros que têm dedicado muito da sua vida ao estudo dela, a literatura açoriana: Eduíno de Jesus e Vamberto Freitas, por exemplo. Esses sabem do que falam. Por esse mundo fora, cada vez mais vão aparecendo outros estudiosos interessados nela, sem problemas nem complexos. Têm surgido na Alemanha, Irlanda, Inglaterra, Estados Unidos, Brasil, França (ainda há pouco uma tese sobre a literatura açoriana foi defendida na Sorbonne, em Paris). Caso para dizer: E pur si muove. Adiante, pois, que quando a cegueira dá é pela vista. Sim, há excelente literatura produzida nos Açores que, infelizmente, continua com circulação limitada ao arquipélago. Quando é conhecida fora dele, as pessoas espantam-se e interrogam-se sobre como é possível ela não ser devidamente reconhecida. Foi assim com a obra de Roberto de Mesquita, de Garcia Monteiro (só falo de falecidos), por exemplo, entre os mais distantes no tempo e, ainda, hoje com Emanuel Félix, José Martins Garcia, Fernando Aires e Dias de Melo. Dou um exemplo que tem poucas semanas: falei no diário de Fernando Aires a um amigo filósofo, João Maurício Brás (discípulo do falecido Fernando Gil), que dos Açores só conhece aquilo que às vezes aparece nos média do Continente. Como os três volumes do diário editados pela Salamandra estão esgotados, tentei obter exemplares junto do Instituto Cultural de Ponta Delgada, editor dos primeiros dois. Consegui e enviei-lhos. O meu amigo leu e ficou imensamente entusiasmado, a ponto de, de imediato, escrever um texto para o volume de homenagem ao autor que está em preparação e que será lançado no primeiro aniversário da sua morte. De seguida, e quase por acaso, enviei-lhe um ensaio meu sobre a poesia do “exílio americano” de Martins Garcia. Reacção dele: “Martins Garcia é um grande, grande escritor”.

Este exemplo tem-se multiplicado por muitos ao longo da minha vida.

E, no entanto, esses autores são pouco conhecidos no Continente (para não falar no mundo lusófono). Claro que seria possível alterar pelo menos um pouco este estado de coisas. Há planos nesse sentido que são eternamente adiados. Quer-se sempre achar a solução ideal e, como ela nunca chega, nada se faz. Há, por exemplo, um editor em Guimarães que foi aluno da Universidade dos Açores e que não vai descansar enquanto não criar na sua editora, a jovem e dinâmica Operaomnia, uma colecção açoriana, porque ficou completamente apanhado pela literatura açoriana quando estudou em Ponta Delgada nos anos 80. Diz que é um acto de justiça, uma espécie de pagamento que sente obrigação de fazer aos Açores. Bem que tem tentado apoio, mas até aqui nada aconteceu.

Muitas vezes a nossa insularidade empequenece-nos. Reduz-nos à circunscrição das ilhas. E ficamos também mesquinhos, incapazes de reconhecer a grandeza dos outros, de reconhecer que ela merece ser divulgada.

Acrescentarei que isso até poderia ser feito a nível privado. Com o potencial da Internet, alguém poderia atirar-se a ganhar uns trocos servindo-se dela para divulgar e montar uma livraria online de distribuição de livros açorianos pelo mundo inteiro (e não me refiro apenas à diáspora açoriana, que por si seria já um razoável mercado). Falo mesmo em termos de globo. Não produzirá milhões de euros, mas haverá compradores. Tudo isso dá trabalho. Todavia, enquanto houver subsídios à borla, para quê incomodar-nos com isso, não é?

Quanto à pergunta sobre a escrita actual: a diversidade é imensa, como acontece em qualquer cultura dinâmica e detentora de uma boa literatura. Nunca imaginei que devesse existir um programa colectivo, porque a literatura deve ser completamente livre. Se um autor açoriano quiser situar um romance seu em Marte, está no seu direito. O que se nota é que é ainda a mesma geração que já vinha de antes do 25 de Abril que continua a marcar presença, com algumas excepções. Está na hora de estas se multiplicarem e afirmarem. Estamos todos à espera de as ver despontar e em força.

ONÉSIMO TEOTÓNIO ALMEIDA

Professor da Brown University, EUA

Residente em Providence, RI, natural de S. Miguel

Excerto da entrevista “O crime organizado está a pôr em causa a ordem democrática”

Entrevistador: Eduardo Jorge Brum

Entrevistado: Onésimo Teotónio Almeida

Jornal Mundo Açoriano, 2011-09-20

Disponível em http://www.mundoacoriano.com/index.php?mode=noticias&action=show&id=170 [Consultado em 2013-05-27]

Mundo-Acoriano_2011-09-20.pdf

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