Literatura Açoriana

VITORINO NEMÉSIO
E A
TIPOLOGIA DO AÇORIANO


Onésimo Teotónio Almeida (1989)

Um dos escritos de Vitorino Nemésio menos estudados parece-me ser «O Açoriano e os Açores», conferência proferida em Coimbra em 1928 e publicada no ano seguinte pela Renascença Portuguesa. Segundo indica o próprio Nemésio, ela integrava-se, por sinal, «num plano de reabilitações regionais», de iniciativa da Associação Académica de Coimbra e que visava «acordar na alma dos estudantes um inteligente amor às suas terras de origem»[1].

No entanto, algumas passagens desse escrito, nomeadamente os parágrafos onde Nemésio esboça a caracterização de uma tipologia do povo açoriano, têm sido citadas com alguma frequência, sobretudo em dois trabalhos fundamentais: nos Subsídios para um Ensaio sobre a Açorianidade, de Luís Ribeiro[2], e na antologia Os Açores, organizada por Armando Côrtes-Rodrigues[3]. Foi precisamente através destas duas obras que tomei conhecimento desse texto de Nemésio, que eu viria muito mais tarde, após ter finalmente obtido fotocópia do opúsculo completo, a utilizar como modelo fundamental na minha tentativa de esboço do perfil açoriano[4].

São várias, no entanto, as razões por que esse breve ensaio de Nemésio constitui um texto valioso. Proponho-me sugerir nas páginas que se seguem algumas dessas razões. Elas serão agrupadas em três conjuntos: 1) as que dizem respeito à personalidade de Nemésio, como espírito atento ao mundo que o rodeava; 2) as que se referem às implicações que esse texto tem na sua obra literária, sobretudo a prosa; e 3) as que têm a ver exactamente com a informação antropológica contida no próprio texto.

1. — Nemésio e a atenção ao seu mundo

O texto «O Açoriano e os Açores» constitui um documento extraordinário revelador de um espírito profundamente atento ao meio que o rodeava. Em Vitorino Nemésio, a cultura nasce-lhe do chão. Nada do que o rodeia é alheio à curiosidade e ao interesse do seu espírito. Tudo observa, tudo regista. Habitua-se desde cedo a inquirir sobre tudo e a inter-relacionar. A açorianidade de que ele fala não é mais do que a afectividade natural que se tem à terra onde se agarram as nossas raízes. Nemésio é do mundo onde nasce e cresce nele incessantemente compelido a desvendá-lo mais e mais. O processo envolve-o e desenvolve nele uma intensa corrente afectiva que amadurece ao longo dos anos. Quer dizer: Nemésio é um homem do mundo e o seu mundo é a Praia da Vitória, primeiro, depois a Terceira, ainda depois os Açores, e só então Portugal e o mundo inteiro no círculo mais vasto.

Evidentemente que Nemésio nunca se circunscreve a nenhum deles. Move-se de um círculo para o outro com um à-vontade impressionante. (É vê-lo comportar-se com idêntico espírito quando andou pelo Brasil ou pela França). Em Nemésio, pois, a açorianidade (um termo complexo e problemático, como adiante se demonstrará)[5] não é um bairrismo doentio, mas sim o gostar de ser donde é, não por ser de uma vila ou ilha melhor do que outra, mas porque a afectividade humana desenvolve, em circunstâncias normais, relações positivas com o meio que penetra o nosso cérebro nos anos marcantes da nossa infância e adolescência. Quer dizer, pois, que Vitorino Nemésio é um exemplo do indivíduo psicologicamente sadio e ajustado ao mundo da sua infância e adolescência e, porque possuidor de uma curiosidade invulgar, cresce alargando os seus horizontes em extensão (o em todas as direcções) e em profundidade — que tanto significa penetração no pormenor como «penetração nas linhas de fundo» que estruturam e demarcam o exterior fenoménico da realidade. Nemésio é, assim, um homem para quem «cultura» significa o cultivo do espírito através da busca de entender melhor tudo o que o rodeia. Se a realização de tal projecto é inacabável, espíritos particularmente dotados, como o de Nemésio, conseguem penetrar mais fundo no entendimento da realidade sobre que se debruçam porque são criativos e atrevidos bastante para arriscarem correlações, hipóteses, interligações, sem contudo caírem em superficialidades. Deste modo, vemos Nemésio saltar do pormenor psicológico para o dado antropológico ou histórico, passar pelo linguístico e aventurar-se na proposta de caracterizações de tipos comportamentais. A este assunto se voltará adiante para se responder à acusação de «impressionismo» que o eventual leitor preocupado com o suposto rigor das ciências sociais apontará a dedo neste Nemésio antropólogo amador.

Resumindo, entretanto, nesta primeira lista de razões justificativas do valor desse texto «O Açoriano :e os Açores», teríamos: um testemunho revelador do carácter de Nemésio, como um homem de raízes e simultaneamente um homem empenhado em entender-se e a entender o mundo de que faz parte.

Mas há ainda uma outra faceta a apontar nesta primeira série de razões: a percepção da «diferença» açoriana.

O antropólogo micaelense Arruda Furtado havia iniciado esse trabalho com uma entrada fulgurante[6], mas a morte levara-o cedo e não se chega a deslindar o que tencionava fazer após o seu ambiciosíssimo projecto de investigação antropológica do povo açoriano[7]. É Vitorino Nemésio quem, quase meio século mais tarde, vem materializar em intelecção verbalizada as linhas de fundo que definem a(s) personalidade(s) dos açorianos das diversas ilhas dos Açores.

Pedro da Silveira levantou já a hipótese de Nemésio ter aprendido os Açores com Raul Brandão. Ele escreve:

«Realmente, foi Raul Brandão com As llhas Desconhecidas quem me proporcionou a chave mágica para os mistérios da paisagem da pátria minha [...] E, anterior embora O Paço do Milhafre à publicação e mesmo redacção d’As llhas Desconhecidas (dois anos) não excluo que Nemésio deve muito da sua visão dos Açores a Raul Brandão, parecendo-me mesmo que tal influxo lhe foi decisivo, sobretudo como poeta, d’O Bicho Harmonioso em diante»[8].

Pedro da Silveira parece-me ter razão. Das oito notas de Vitorino Nemésio na sua conferência, quatro são citações de Raul Brandão ou indicações de que Raul Brandão também já realçara esse aspecto ou característica açoriana. Brandão é, aliás, o único autor citado nestes termos. Silveira prossegue comentando que não deve estranhar-se «que seja alguém de fora, desde que feito a penetrar no que vê, quem dê de uma terra a imagem depois já sem segredo para os que dela são»[9]. Não será essa, talvez, a correcta explicação para o facto de serem muitas vezes os de fora quem capta melhor os elementos distintivos de um grupo cultural. De fora vê-se diferentemente — desde que se tenha espírito capaz — precisamente porque se vê de fora, do outro círculo. Juízos deste género são sempre juízos de valor comparativos, e é necessário ter-se um termo de comparação. Nemésio, porém, dado o seu espírito perspicacíssimo e a sua intuição rápida e subtil, ter-se-á naturalmente iniciado nas diferenciações entre a Praia da Vitória e o resto da ilha, entre a gente da sua ilha e a gente que foi conhecendo das outras ilhas. Mas deve ter sido a sua ida para o Continente que lhe terá possibilitado um termo de comparação para os Açores no seu conjunto. É bem compreensível que a leitura do livro de Raul Brandão lhe tenha permitido o aprofundamento da sua penetração na realidade açoriana, aprofundamento esse que amadureceu teoricamente com a descoberta de Roberto de Mesquita e ficou consignado no ensaio que sobre o poeta florentino escreveu Nemésio[10].

2. — «O Açoriano e os Açores» como chave importante da obra literária de Nemésio

Nemésio revela nesse texto uma concepção dos Açores e da sua gente bastante precisa. É desses Açores que lhe bailavam na mente e no coração dessa forma em 1928 que vai falar toda a sua obra de ficção, como se poderá comprovar pela leitura de duas obras fundamentais da crítica nemesiana, A Açorianidade na Prosa de Vitorino Nemésio, de Heraldo G. da Silva[11] e Vitorino Nemésio — A Obra e o Homem, de José Martins Garcia[12].

Nemésio arrastava os Açores às costas (ou arrastava-se, por ter os Açores no coração?) e falava deles sempre que podia. Na conferência de que vimos falando ele revela já essa experiência de contactar com continentais completamente ignorantes de tudo o que aos Açores dizia respeito[13].

Vitorino Nemésio expressou-se em ficção, em poesia e em prosa escrevendo sempre sobre as mesmas realidades, apenas em graus diferentes de abstracção intelectual e estilização estética. Significa isto que na sua prosa ficcional, por exemplo, as personagens criadas pelo escritor são composições a partir da gente que ele procurou compreender. As realidades, o mundo em que elas se movem, são as realidades, o mundo que Nemésio procurou investigar e conhecer e de que começou tão cedo a dar conta, como o demonstra esse texto já de 1928.

3. — A caracterização tipológica dos açorianos

Finalmente, o texto de Nemésio em consideração aqui vale por si mesmo, pela informação que contém. Nemésio arrisca um esboço de caracterização tipológica dos açorianos dividindo-os em dois grupos — «o micaelense» e «o das ilhas-de-baixo» — e alguns subgrupos, o mais importante dos quais sendo o picaroto. Nemésio caracteriza sucinta mas claramente a idiossincrasia de cada grupo.

É neste tema que as limitações de espaço se fazem sentir. Com efeito, as afirmações de Nemésio são provocadoras bastante (no bom sentido do termo) para nos envolverem em longos comentários críticos (também no sentido positivo da palavra).

Esse comentário mais longo ficará para outro lugar. Aqui, registarei apenas alguns pontos a desenvolver:


a) O problema do clima e da geografia

Nemésio insiste na geografia e no clima de um modo que a grande maioria dos antropólogos, geógrafos e cientistas sociais em geral rejeitaria. O seu quase determinismo geográfico é susceptível de interpretações inaceitáveis. Creio no entanto que se trata mais de força de expressão poética do que afirmações categóricas. A obra de Nemésio está cheia de passagens onde o escritor revela deixar largo espaço ao espírito humano[14].

Gastaria de frisar aqui que, se disse que antropólogos e geógrafos objectariam às teses de Nemésio, não pretendia de modo nenhum insinuar que Nemésio seja quem está errado. No caso específico açoriano, há muito de verdade na afirmação bela e lapidar de Nemésio: «A geografia, para nós, vale tanto como a história»[15]. Apesar das sucessivas investidas contra o papel do factor geográfico no processo cultural a ponto de quase terem arrumado o assunto, alterou-se sensivelmente o paradigma dominante nos últimos anos. J. W. Berry, a título de exemplo, abre um ensaio num volume colectivo sobre Cultura e Conhecimento com a seguinte afirmação:

«É outra vez um legítimo empreendimento para os cientistas sociais investigar o possível papel da ecologia na modelação do comportamento humano. Longe vai o determinismo de ambiente que tão facilmente foi refutado; investigadores quer em psicologia como em antropologia voltaram-se agora para uma perspectiva ecológica, tendo o cuidado, porém, de pormenorizar a sua investigação e evitar generalizações fáceis».[16]

Mas a justificação do que aí vai dito ficará para outra oportunidade.


b) Os açorianos e as suas diferenças

Uma das críticas mais frequentemente expressas à tipologia de Nemésio é que ela nem sequer vai até onde deveria ir. Isso porque as caracterizações que ele elaborou são demasiado genéricas. Há diferenças importantes nas ilhas que ele não menciona, mas há também diferenças substanciais mesmo dentro das ilhas que ele analisa mais pormenorizadamente.

Esta crítica é gratuita. Evidentemente que as diferenças se multiplicam e vão até à freguesia, à rua e ao indivíduo.

Responder cabalmente a esta objecção exigiria que entrássemos na problemática das generalizações em ciências sociais e, mais especificamente, em grupos culturais. Elas só são válidas até um certo ponto e sob determinados ângulos. Além disso, elas não se aplicam a toda a gente. São indicações de tendência, como as estatísticas. A caracterização de tipos culturais isola elementos distintivos que ou são mais comuns num grupo populacional x, ou surgem nele com maior intensidade. Não se estendem aos membros do grupo 100%, nem afectam no mesmo grau. Às vezes trata-se apenas de elementos distintivos só porque os outros não os possuem. De qualquer modo, não se podem prolongar exaustivamente as subdivisões, porque depois deparamos com características individuais que podem ter as mais variadas origens.

O meu ensaio sobre o perfil do açoriano abre exactamente com a afirmação paradoxal de que não existe o açoriano, mas depois acrescento que isso é pela mesma razão que não existe o americano. O curioso, porém, é que muitas pessoas que negam a legitimidade de se falar dessa composição abstracta de «o açoriano», não têm rebuço nenhum em descrever as características idiossincráticas do americano, do japonês, ou do francês.

Ora é exactamente aqui que se situa um dos nós da questão: quando se vê de dentro, apercebemo-nos das diferenças ad infinitum, que o mesmo é dizer, até ao indivíduo. Quando estamos de fora, olhamos para um grupo cultural no seu todo e notamos-lhe facilmente as características salientes em relação a nós ou a outros grupos com quem o comparamos. As descrições podem ser mais correctas ou menos correctas, mas se essas abstracções não se podem fazer para «o nosso grupo», também não se podem fazer para nenhum. E isso não só não corresponde à realidade — porque essas generalizações se fazem com frequência — como está ainda por provar-se que elas não têm fundamento. Este tipo de estudos ressuscitou nos últimos anos como tema legítimo nas comunidades investigadoras de ciências sociais, a que não são isentas as modas. Estudos sérios como os de Bartolomé Bennassar[17] ou de Dean Peabody[18], entre tantos outros, provam haver mais do que fumo nesta velha questão dos sistemas culturais e dos traços comuns predominantes mais num grupo do que noutro.[19]

c) O impressionismo

É um perigo. De impressões ligeiras e sem amostras suficientes até aos preconceitos de efeitos perniciosos vai um passo. Generalizações apressadas houve-as e há-as bastantes. Mas Nemésio é muito cuidadoso. Não faz inquéritos nem elabora estatísticas, mas isso não significa que as suas observações sejam menos correctas. Cometem-se erros enormes de régua e esquadro ou de calculador. Há cientistas sociais que, após anos de trabalho de campo, ainda ficaram longe de algumas intuições geniais de espíritos superiores. E são tantos os casos em que anos de investigação segundo os mais modernos métodos de medição de fenómenos sociais apenas confirmam e especificam em pormenor o que já se sabia em traços gerais. O método não é garantia de verdade. Dá uma certa segurança. Mas não se pense que os processos de observação de gente como Nemésio não tenham método. Poderá dar-se o caso de o problema ser o de não se lhe detectar qual tenha sido exactamente esse método. O que é outra questão.


d) Os juízos de valor

Nemésio tem preferências. Todos nós as temos. Ele emite-as sem receio e fá-lo conscientemente as mais das vezes. Mas nem sempre. Quando, ao elaborar os tipos de açorianos, considera o picaroto «a nata do açoriano», essa é a expressão inconsciente de uma preferência pessoal. Não dá razões. Descreve-o e, evidentemente, sente-se atraído por esse tipo de personalidade. No entanto, o que o picaroto bem pode constituir é um grupo especial dentro do tipo açoriano, mas não é nem representativo da maioria, nem possuidor em maior profundidade dos traços idiossincráticos dos açorianos em geral.[20]

Isso é, todavia, perfeitamente compreensível e desculpável, e há é que admirar um espírito que, tão jovem, penetrou tão profundamente no micro-mundo açoriano.

De qualquer modo, a pergunta a fazer-se séria: há alternativas? Ao que parece, não. Os mais respeitados etnógrafos açorianos — ou ao menos, os estudiosos que fizeram etnografia — corroboram e citam até as opiniões de Vitorino Nemésio. Entre eles, contam-se Luís Ribeiro e José Agostinho[21].

Sessenta anos depois, o texto «O Açoriano e os Açores» continua de pé, a necessitar talvez de uma longa série de notas e comentários críticas, mas nem por isso abalado nos seus fundamentos. E se tivermos em conta que desde 1928 a sociologia e a antropologia percorreram léguas acrescentadas, não regatearemos a Vitorino Nemésio o mérito de nos ter proporcionado duas dezenas de páginas tão preciosas sobre um tema que, apesar de à espera de investigação pormenorizada, ainda hoje nos surge como num conjunto de traves mestras para a compreensão dos Açores e do(s) açoriano(s).

Onésimo Teotónio Almeida

“Vitorino Nemésio e a tipologia do açoriano”

in Açores, Açorianos, Açorianidade – Um Espaço Cultural

Ponta Delgada, Signo, 1989



___________________

[1] Vitorino Nemésio, «0 Açoriano e os Açores» (Porto: Renascença Portuguesa, 1929), p. 18. Há um erro de paginação no opúsculo. A última página numerada tem o número 18, mas os números 17 e 18 vêm repetidos uma vez. O texto original tem, assim, vinte páginas e não dezoito.

[2] Luís Ribeiro, Subsídios para um Ensaio sobre a Açorianidade. Informação preambular, Notas e Bibliografia por João Afonso (Angra do Heroísmo: Instituto Açoriano de Cultura, 1964).

[3] (Lisboa: Livraria Bertrand, S. d.), pp. 175-178 O prefácio de Côrtes-Rodrigues é datado de Janeiro de 1964.

[4] «A Profile of the Azorean», in Donaldo Macedo, ed., Issues in Portuguese Bilingual Education (Cambridge, MA: National Assessment and Dissemination Center for Bilinguial/Bicultural Education, 1980), pp. 113-164.

[5] Abordei também esta questão em «Açorianidade: Equívocos estéticos e éticos», no volume por mim organizado Da Literatura Açoriana— Subsídios para um Balanço (Angra do Heroísmo: Secretaria Regional da Educação e Cultura, 1986, pp. 303-314.

[6] Ver Arruda Furtado, Materiaes para o Estudo Anthropológico dos Povos Açorianos. Observações Sobre o Povo Michaelense, Ponta Delgada, Tipografia Popular, 1884.

[7] Noutros lugares anotei algumas reservas que há a fazer aos estudos de Arruda Furtado por se enquadrarem num paradigma hoje questionável. Mas acentuei sempre, e repito aqui, que é de facto impressionante o seu espírito científico patente em qualquer dos seus trabalhos. A esse respeito, o Prof. G. F. Sacarrão publicou há pouco tempo um interessantíssimo estudo, «Sobre o Método em Darwin e a episódica relação com Arruda Furtado» (Prelo, nº 11 Abril/Junho 1986, pp. 81-88). O artigo precede um outro com preciosa informação de Manuel Cadafaz de Matos, «Arruda Furtado correspondente de Darwin» (ld., pp. 89-106). Cadafaz de Matos dá notícia do espólio de Arruda Furtado existente na Biblioteca da Faculdade de Ciências de Lisboa. Recentemente tive oportunidade de consultar a n.° 15 das 25 partes que compõem os «Papéis de Arruda Furtado». Sob esse número estão «8 pastas e um maço de manuscritos soltos com copiosas notas sobre etnologia e etnografia dos Açores (o meio social, condições sociais de existência, psicologia dos Açorianos, notas antropológicas, estudos geográficos, vistas e panoramas, etc.» (M. C. Matos, pp. 91-92). O material que a bibliotecária me forneceu continha apenas esboços do que foi depois incorporado no volume de antropologia sobre o povo micaelense, atrás citado. A bibliotecária disse-me ser tudo o que encontrara sob o número 15. Segundo a nota de M. C. de Matos, isso seria apenas o maço de manuscritos e faltariam ainda as «8 pastas», possivelmente com notas relativas ao resto dos Açores que o autor, falecido tão precocemente, não terá tido tempo de completar. Mas essa é apenas uma conjectura, pois no futuro, precavido com mais tempo disponível, tenciono fazer outra tentativa de descobrir essas pastas. (Mas aí fica a sugestão para qualquer outra pessoa interessada).

Ainda sobre o surpreendente nível científico de Arruda Furtado, refira-se esse cusiosíssimo panfleto O Homem e o Macaco (Ponta Delgada, 1881, pp. 31) escrito para defender o evolucionismo, contra um religioso continental que fora a Ponta Delgada pregar uma missão. (Tomei conhecimento desse texto precioso através da fotocópia de um exemplar original cedida pelo meu amigo Miguel Côrte-Real, micaelense residente em New Bedford, Massachusetts).

[8] Pedro da Silveira, Prefácio à mais recente edição de As Ilhas Desconhecidas, da Raul Brandão (Lisboa: Perspectivas & Realidades, s. d.), p. 8.

[9] Ibid.

[10] Cfr. «O Poeta e o Isolamento: Roberto de Mesquita», in Vitorino Nemésio, Conhecimento de Poesia (Salvador, Bahia: Livraria Progresso Editora, 1958), pp. 167-191.

[11] (Lisboa: Imprensa Nacional-Casa da Moeda / Secretaria Regional da Educação e Cultura, 1985).

[12] (Lisboa: Arcádia, 1978).

[13] Nemésio conta a conhecida história do Ministro da Guerra que, informado de que não havia vapor de Angra para o Faial e tendo de mandar um destacamento com urgência daquela cidade para a dita ilha, telegrafou: «Siga via ordinária». (Pág. 6) Em nota, Vitorino Nemésio acrescenta que Manuel Bento de Sousa atribui ao compêndio de História de Portugal de Bonifácio Minerva a afirmação de que «o Prior de Crato fugiu da Terceira para os Açores.» (Ibid.)

[14] Curiosamente uma generalização geográfica deste tipo parece ter sido feita por Torga a propósito de Nemésio, como adiante se verá.

[15] «Açorianidade», in Insula, n. 7-8 (Julho-Agosto 1932).

[16] J. W. Berry, «EcoT’ogical and cultural factors in spat’ial perceptual development», in J, W. Berry and P. R. Dasen eds., Cullture and Cognition. Readings in Cross-Cultural Psychology (London: Methuen Co., 1974), p. 129.

Mas ver também Douglas A. Feldman, «The history of the relationship between environment and culture in ethnological thought: An overview» (Journal of the History of the Behavioral Sciences, 9, 1975), pp. 67-81), e sobretudo Jayantanuja Bandyopadhyaya, Climate and World Order (Atlantic Highlands, N. J.; Humanities Press, 1983).

[17] Bartolomé Bennassar, L’Homme Espagnol (Paris: Librairie Hachete, 1975).

[18] Dean Peabody, National Characteristics (Cambridge and Paris: Cambridge University Press and Éditions de la Maison d’es Sciences de l’Homme, 1985).

[19] No norte da Europa (Alemanha Ocidental, Bélgica e Holanda) um grupo de cientistas sociais juntou-se para recentemente estudar os diversos sistemas de valores das culturas europeias. De entre as publicações do grupo veja-se, por exemplo: R. Rezsohazy, J. Kerkhofs, L’Univers des Belges (Louvain-la-Neuve: CIACO SC, 1984), M. Fogarty, L. Lyan, J. Lee, Irish Valuas & Attitudes (Dublin: Dominical Publications 1984), ou ainda S. Harding and D. Phillips with M. Fogarty, Contrasting Values in Western Europe (London: MacMillan, 1986).

[20] Confio em que o leitor não veja aqui qualquer espécie de bairrismo. O que pretendo muito fria e simplesmente dizer é que Nemésio parece ter identificado correctamente um subtipo açoriano especial — o picaroto. Que ele, Nemésio, tenha sentida uma afeição singular por esse tipo de personalidade, é perfeitamente legítimo. O que não é igualmente legítimo é arvorar a sua preferência subjectiva em afirmação com carácter de identificação objectiva — «o picaroto é a nata do açoriano». (Faço questão de frisar cue adoro o Pico e conto alguns picarotos entre os meus melhores amigos.)

[21] Luís Ribeiro, Subsídios..., op. cit. e José Agostinho, «Dominantes Histórico-Sociais do Povo Açoriano», in Livro da II Semana de Estudos dos Açores. Angra do Heroísmo: Instituto Açoriano de Cultura/Fundação Calouste Gubenkian, 1963, pp. 139-163.

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Projeto concebido por José Carreiro.

1.ª edição: http://lusofonia.com.sapo.pt/acores/acorianidade_almeida_1989a.htm, 2008.

2.ª edição: http://lusofonia.x10.mx/acores/acorianidade_almeida_1989a.htm, 2016.

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