Link do episódio: #S3E05 - Faraday e a chama da esperança científica!
Salve Mamutinhes! Aqui é a Rebeca e hoje vamos falar sobre a história e obra de um dos cientistas mais incríveis que já existiu. Michael Faraday foi um cientista inglês que nunca se formou na universidade, mas tornou-se o pai do eletromagnetismo. Algumas de suas descobertas principais são a indução eletromagnética, estudo com gases, descoberta do benzeno, estudos sobre diamagnetismo e paramagnetismo, capacitância elétrica e a eletroquímica. Vamos passear pela revolução da química, da física e da ciência do século 19. A história por trás do interesse de Faraday pela ciência é o motivo de estarmos aqui: a divulgação científica! E como ela foi capaz de mudar a vida do Faraday e de muitos outros cientistas como eu e a Gabi!
Na noite de 29 de fevereiro de 1812, na rua Albemarle, número 21 na região do West End de Londres, no prédio da Instituição Real da Grã Bretanha, filas de pessoas se formavam para entrar no teatro. A Instituição Real (Royal Institution, que traduzi livremente) foi proposta e fundada em 1799 por Benjamin Thomson, também conhecido por Conde Rumford. O Instituto tinha objetivo de oferecer exposições permanentes de novas tecnologias, proporcionar conferências sobre ciência aplicada e manter um laboratório para a realização de experiências científicas.
O Teatro da Palestra era um anfiteatro semicircular que podia acomodar até 900 pessoas, todas tinham visão perfeita da mesa ao centro, onde se podia ver vários aparatos científicos curiosos. A palestra era muito esperada e transformou-se numa ocasião social, sendo atendida até por oficiais reais, mas o interesse era no orador, nas experiências, no que aconteceria. Nessa noite, o orador seria Sir Humphry Davy, um químico e membro da Sociedade Real que sempre fazia experimentos arriscados, como dar choque elétrico nos espectadores, fazer reações químicas (em local fechado) e recitar poemas nas suas palestras. Davy era muito famoso por ser jovem, bonito, fazer um espetáculo científico e além disso, falar como a ciência era importante e como ela mudaria nossa vida como sociedade.
Figura 1: Hoje, o prédio da Instituição Real da Grã Bretanha chama-se Museu do Faraday, fica no mesmo endereço (Google maps).
Apesar de parecer que o acesso ao salão era para todes, infelizmente nessa época as classes mais pobres não tinham acesso à educação e esse acesso era sistematicamente negado. Havia um estímulo inicial sobre ciência da agricultura, mas à medida que as palestras foram ficando famosas, os acentos para as classes baixas foram pouco a pouco retirados. Mas nessa noite, essa exclusão não atingiu o jovem e pobre Faraday, que conseguiu ingressos para as 4 palestras sobre “Matéria Radiante”, o tema de inverno de 1812. Um cliente do chefe de Faraday era membro da Sociedade Filarmônica Real e presenteou-o com os ingressos. Faraday assistiu às 4 palestras e anotou tudo que viu com a maior quantidade de detalhes possível. Ele escreveu cartas aos amigos contando que essa oportunidade foi uma das coisas mais incríveis que lhe aconteceu! Atender às palestras fez com que ele escrevesse ao presidente da Instituição Real na época, Sir Joseph Banks, que infelizmente sequer respondeu a Faraday.
Faraday nasceu de uma família muito simples de uma denominação presbiteriana escocesa conhecida como Glassitas (também conhecidos como Sandemanianos). James e Margaret casaram-se em 1786 e tiveram 4 filhos: Elizabeth, em 1787, Robert em 1788, Michael em 1791 e Margaret em 1802. James era ferreiro e antes de Michael nascer, mudaram para a região de Surrey, no sul de Londres. Numa carta ao seu irmão, o pai de Faraday conta: "Sinto-lhe dizer que não tenho tido um dia de tranquilidade e saúde por muito tempo. Apesar de não faltar nunca ao trabalho e passar a maior parte do dia atarefado, faço isso com dor…”. Nessa época houve várias crises de abastecimento alimentar, que afetaram muito as classes mais pobres. Aos 9 anos Michael recebia de seu pai um pão para comer durante toda a semana. Em suas cartas, Faraday conta que passou a maioria da sua infância cuidando da irmã mais nova e na rua. “Minha educação foi a da mais ordinária, rudimentos de leitura e escrita, aritmética simples do dia a dia escolar. Minhas horas fora da escola ficava em casa ou na rua.”
Lembrando que, no século 18 a educação não era obrigatória, gratuita e universal. Através do Movimento da Escola Dominical de Robert Raikes, crianças passaram a aprender a ler e escrever através de estudos bíblicos. Somente depois de 1837 o governo deu verbas específicas para a criação de escolas públicas e laicas, mas ainda assim a educação era voluntária. A partir de 1890 o governo britânico sancionou a lei de obrigatoriedade do ensino básico e acesso à escola pública, gratuita e laica (apesar de ainda existirem muitas escolas fundadas e mantidas pela Igreja Anglicana). E é por isso que não sabemos nada sobre a escolaridade de Faraday, onde ele estudou, até quando estudou. Nessa época era mais “rentável” ter os filhos trabalhando para ajudar a família.
Aos 13 anos Faraday passou a ser aprendiz do Sr. George Riebau como um teste, entregando documentos e jornais. Faraday se divertia tanto lendo os jornais que impressionou seu chefe. Ele ficava bem triste quando não podia ir trabalhar, e com um ano como aprendiz, já passou a trabalhar no ofício de encadernação de livros e outros documentos. “Como aprendiz eu amava ler livros científicos que tinha que encadernar. Gostava do ‘Conversas em Química’ da Jane Marcet, os ensaios de eletricidade da Enciclopédia Britânica. Fiz muitos experimentos de química através dos livros e construí uma máquina elétrica e outros aparatos experimentais.”. Faraday também assistiu palestras de outros professores de história natural, aulas pagas com seu trabalho e presente do seu irmão mais velho, Robert. Faraday também gostava de ilustrar e copiar desenhos dos livros, criando o seu próprio caderno de ciências, chamado “A Miscelânea Filosófica”, com nomes de livros, cientistas, eventos e colagens de jornal, revistas e notícias de seu interesse.
O primeiro grande interesse de Faraday foi sobre eletroquímica, após ler o anúncio de Davy, para a Sociedade Real, na época chamada de “Galvanismo”. Em 1800, Alessandro Volta fez um experimento empilhando discos de cobre e zinco alternadamente, separados por pedaços de tecido embebidos em solução de ácido sulfúrico. Ao conectar fios condutores e observar a formação de uma corrente elétrica, o Volta fez a primeira “pilha”. Esse modelo de pilha foi baseado na célula galvânica (ou célula voltaica), feita com dois pedaços de metais diferentes mergulhados em soluções com sais metálicos conectados por uma ponte salina ou uma membrana porosa. A corrente elétrica é gerada através de uma reação química de óxido-redução espontânea. Na época o fenômeno era muito novo e muito comentado…
Em 1809 a família Faraday mudou-se novamente para ter melhores condições de vida, com ajuda da igreja Glassita/Sandemaniana. Infelizmente a saúde do pai de Faraday só piorou e ele morreu no mesmo ano. Em 1810, Faraday entrou no seu último ano de aprendiz, tendo mais dois ajudantes sob sua supervisão. Seu trabalho era meticuloso, dedicado e organizado. Nessa época os livros eram feitos para durar muitos anos, certeza que existem livros até hoje que foram encadernados por Faraday, mas mesmo assim ele estava bem insatisfeito. Através da leitura do livro Aperfeiçoamento da Mente de Isaac Watts, Faraday começou um plano de ação para atingir o seu objetivo de se tornar um cientista e estudar a natureza. O livro tem várias recomendações de organização, como estudar, ler, se inscrever em cursos e ir nas aulas, ter um caderno, se corresponder com amigos que têm os mesmos interesses que você, formar grupos de discussão de textos e livros. Estou falando com você, aluno que não tem caderno de laboratório, que não anota as coisas, que não vai na aula, viu? Hoje esse texto pode parecer uma obviedade besta, mas sem estudo formal, foi através desse livro que Faraday se organizou. O livro The improvement of the mind o ensinou a pensar, o livro Conversations on Chemistry da Jane Marcet e os verbetes da Enciclopédia Britânica direcionaram sua atenção para a ciência. Existe um romantismo em como Faraday é um autodidata, mas ele assistiu muitas aulas, leu muitos livros, se correspondeu com diversos amigos sobre ciência! Foi assim que ele começou o seu caderno “A Miscelânea Filosófica” e seu interesse por eletricidade.
As primeiras aulas de ciência que Faraday assistiu foram de um membro da Sociedade Filosófica da Cidade, um grupo criado pelo John Tatum, pagas pelo seu irmão mais velho. Faraday tinha completa noção que não teve educação e foi atrás de tentar absorver tudo ao máximo, tomou notas e desenhou todas as aulas do Sr. Tatum. Ele tomava notas durante a aula e passava a limpo ao chegar em casa e depois fazia uma versão final, para incluir desenhos e outras notas dos livros. Ele até deu uma palestra no curso sobre eletricidade, dando suas visões sobre o comportamento da corrente elétrica. Ele procurou o secretariado da Sociedade Filosófica da Cidade para ter aulas de escrita e se correspondia com o Sr. Abbott e Sr. Huxtable, colegas de seu professor, Sr. Tatum e do seu chefe. Inclusive, o Sr. Abbott guardou essas cartas, que viraram um livro e elas são uma das fontes desse episódio!
Figura 2 - A Miscelânea Filosófica, o caderno de anotações do Faraday.
Figura 3: Final da carta ao Benjamin Abbott compilado por Sr. Henry Bence Jones (1870). The Life and Letters of Faraday.
Numa dessas cartas ele conta a Abbott que refez o experimento do Volta, da pilha, com pedaços de zinco metálico e cobre, alternadas entre pedaços de papelão embebido com uma solução de sal de cozinha. Faraday conta muito empolgado: “Não ria, caro A—. pois penso sobre o efeito do pó produzido pela pilha. Foi suficiente para decompor sulfato de magnésia - um efeito que me surpreendeu, não imaginei que esse efeito fosse possível. Um pensamento me veio à cabeça, vou lhe dizer. Conectei o topo, a base da pilha e a solução com fios de cobre. Você consegue conceber que essa conexão decompôs o sulfato - essa parte, claro, imersa em solução? solução”. Faraday segue contando nessa carta que ele repetiu os experimentos com uma nova pilha, com mais camadas, sendo capaz de separar sulfato de magnésia novamente, o sulfato de cobre, acetato de chumbo e ele acredita que também teria separado a água em hidrogênio e oxigênio. Ele também observou a oxidação dos metais utilizados na pilha, no final da carta ele se desculpa pelas elucubrações. E assim Faraday começa a criar as bases da eletroquímica!
Aos 21 anos Faraday entrava no seu último ano como aprendiz do Sr. Riebau e considerando fortemente não procurar emprego na área de encadernação de livros, ele queria seguir carreira de cientista. Por mais que na época, essa “carreira” não era acessível para as classes mais pobres. Se ainda hoje a carreira não é consolidada como profissão regulamentada, imagine o Faraday, que mal uma escola frequentou? Isaac Newton, por exemplo, conseguiu apoio de seus professores e parte da família para ir para a faculdade em Cambridge, por mais que tivesse que trabalhar durante o curso. Aliás, se vocês têm dúvidas sobre a vida acadêmica atual, temos um episódio só falando sobre graduação, iniciação científica, mestrado e doutorado (S012E12 - Vida acadêmica, A Universidade e Tudo Mais). No século 19 o caminho da carreira acadêmica era bem diferente, mais elitista, mais individualista. Depois de ter assistido às aulas de Davy, e não ter uma resposta do presidente da Instituição Real, Faraday estava muito desanimado. Ele não só trabalhava, estudava por conta mas ainda ajudava sua mãe com a casa e ensinava sua irmã mais nova a ler e escrever.
Mas Faraday não sabia que seu caderno lhe renderia seu emprego tão sonhado na Instituição Real. Seu chefe mostrou seus cadernos com seus desenhos meticulosos e estudos de eletroquímica a um cliente, que mostrou ao seu pai o Sr. Willian Dance, um músico que era membro da Sociedade Filarmônica Real. O Sr. Dance não foi só o responsável por ajudar Faraday a comparecer às palestras na Instituição Real, mas também entregar o manuscrito de 396 páginas que Faraday fez das aulas a Davy. A resposta foi positiva imediatamente, Davy gostou muito das notas de Faraday e o chamou para vir trabalhar com ele alguns dias da semana. Davy tinha recém sofrido um acidente no laboratório com gases nitrogenados e quase perdeu um dos olhos, precisando apenas de alguém para escrever detalhes de experimentos temporariamente. Davy contou a Faraday que a carreira científica não era fácil, que ele não deveria abandonar seu ofício totalmente ainda.
Faraday não queria voltar ao ofício de encadernador e escreveu novamente a Davy, segundo ele, num ato de coragem, pedindo que ele lhe ajudasse a concluir suas notas feitas durante suas palestras. Faraday se sentia muito mal em fazer isso, pois se achava egoísta, ele sempre valorizou muito o seu trabalho, de seu pai e irmão, mas o seu talento era para ciência. Imagino que a humildade e encantamento absoluto de Faraday atravessou o ego do jovem e cobiçado Davy, pois ele respondeu sua carta, dizendo que teria um tempo fora de Londres, mas lhe daria uma resposta. Semanas depois, uma carruagem chega a sua casa à noite, trazendo um recado: Sir Davy pedia sua presença na Instituição Real no dia seguinte!
Davy demitiu seu assistente anterior e contratou Faraday por um salário de 25 shillings por semana e acomodação com dois quartos na Instituição Real, o que hoje seria convertido em cerca de £100/semana. Faraday também se filiou à Sociedade Filosófica da Cidade, eles se reuniam todas as quartas feiras à noite para discutir os mais variados assuntos. Faraday expressa felicidade nas suas cartas, mas também parecia completamente incrédulo e não se achava merecedor. A gente te entende Faraday!
Faraday imediatamente começou a refazer os experimentos com tricloreto de nitrogênio (também conhecido como tricloramina), quase sofrendo o mesmo acidente que ocorreu com Davy, mas felizmente Faraday usou uma máscara de vidro e não se machucou gravemente. Nesses experimentos ele constatou a formação de gases a base de nitrogênio (ou azoto) e ácido muriático, ou ácido clorídrico. O que ele não esperava é que Davy queria muito mais do que ficar em Londres, ele queria estender sua influência e dar palestras em outros países, depois de virar Professor Honorário de Química.
Em outubro de 1813 eles partiram para uma turnê na França, Itália, Suíça (e na região do Tirol), retornando a Londres em 1815. Faraday foi “convidado” a participar da viagem como parte do seu serviço à Davy (quando nosso orientador pergunta se a gente vai fazer tal tarefa e a gente responde que sim). Faraday nunca nem tinha saído da sua cidade, partiu para uma viagem de 1 ano e meio… Ele escreveu à família com imensa vontade de voltar para casa, misturado com o maravilhamento de tudo que viu. Mesmo escrevendo ao amigo Abbott que se sentiu obrigado a ir, sendo que o funcionário pessoal de Davy desistiu da viagem. Ele ficou abismado com os modos dos franceses, chamando-os de sujos e desorganizados, mas se encantou com vagalumes e o quão rápidos são os porcos… Mas Faraday mesmo entende que não aproveitou muito da França por não entender o idioma, sendo ajudado por um americano para tirar seu visto de passagem no governo francês em Paris.
O auge da viagem em Paris foi o encontro de Davy, Faraday e Ampère, em que o francês mostrou aos ingleses uma nova substância encontrada na época, descrevendo uma série de experimentos e reações químicas que essa substância sofria, mas ainda sem entender nada de francês (a substância era algum composto de iodo). Ele também assistiu aulas de Gay-Lussac, sobre a termodinâmica e química de vapores, ele diz que sem a parte experimental, ele não entenderia absolutamente nada. Por mais que ele reclamasse da astúcia dos comerciantes lhe tirando mais dinheiro e da bagunça da cidade, ele ficou maravilhado com o luxo das acomodações, da carruagem do “Imperador” dos Franceses (Napoleão III) e das paisagens das cidades do interior francês.
Nos estados italianos, lembrando que o país estava passando por sua unificação, Faraday viu o carnaval de Turim, assistiu à ópera e viu o telescópio original do Galileu em Florença. Ele pode visitar os laboratórios da Accademia del Cimento, fundada por Galileu e financiada pela família Médici. Eles seguiram fazendo os experimentos com o gás violeta (composto de iodo) e com outras substâncias.
Em Roma, Faraday tenta comprar um dicionário Inglês-Italiano, mas sem sucesso. Aí ele já começa a entrar em contato com o eletromagnetismo, fazendo experimentos com magnetização de uma agulha metálica e seu alinhamento sempre na mesma direção (ou como funciona a bússola). Faraday observou o vapor sulfuroso do Monte Vesúvio e, em Milão, conheceu Alessandro Volta. Mas à medida que o tempo vai passando, Faraday vai tomando conta de como a natureza é linda, mas de como as relações sociais de seu trabalho acontecem. Ele envia uma carta a seu amigo Abbott criticando a avareza humana e pensando que o que ele imaginava ser cientista é bem diferente do que realmente é. Ele até pensa se vai mesmo continuar na Instituição Real e diz que nunca mais pretende sair de Londres.
No final das contas, ele ficou muito incomodado em alguns serviços que tinha que fazer a Davy, de ser perseguido e amedrontado pela esposa dele. Faraday também achava que estava sendo excluído das apresentações de ciência. Eu acredito que pessoas que estão ouvindo esse episódio agora já devem ter pensado em desistir da academia por serem maltratados por seus professories e orientadories, infelizmente isso quase aconteceu com Faraday. A viagem foi árdua, mas Faraday fez amigos, como com o professor de física Auguste de la Rive, que disse a Davy, que: “se Faraday não viesse ao jantar, ele faria uma outra festa só pra ele”. A ideia era ir para Constantinopla e Grécia, mas com complicações de visto, a fuga de Napoleão, um surto de doença em Malta acabou encurtando a viagem científica de Sir H. Davy.
Em maio de 1815, depois de estar de volta à Inglaterra, Faraday foi contratado para ser assistente e superintendente dos aparatos experimentais do laboratório e da coleção de minerais. Toda a tristeza e as dúvidas profissionais passaram, com um salário um pouco maior do que o anterior. A Instituição Real então seria o local de trabalho de Faraday pelos próximos 40 anos! No porão do prédio ele dispunha de duas salas, um laboratório de química onde era a antiga cozinha e outra sala que ele utilizou para seus experimentos com eletricidade, como era muito escura, essa sala era chamada de “Sala escura do Faraday”.
O rápido progresso que Faraday fez na sua educação durante os primeiros 5 anos na Instituição Real foi observado através das primeiras aulas que ministrou, seus cadernos de laboratório, nos artigos que publicou e nas cartas que escreveu! Suas primeiras aulas foram na Sociedade Filosófica da Cidade, sobre: atração e coesão, afinidade química, matéria “radiante”, terminando sobre os elementos químicos: oxigênio, hidrogênio, nitrogênio, cloro, iodo e flúor; esses últimos estudados durante a viagem pela Europa.
Faraday preparou suas aulas com muito carinho, cuidado e atenção, ao escrever ao Abbott ele deixa claro que uma boa aula é preparada quando o assunto se adequa à audiência e não o contrário. Ele começa uma de suas primeiras aulas assim: “Com muita modéstia eu me apresento a vocês essa noite como palestrante da difícil ciência da química. Uma ciência que requer uma mente afiada para seguir seu progresso, mas eu confio que meu esforço em completar essa tarefa como membro dessa Sociedade será favorável, ou talvez eu falhe. Química é um conhecimento dos poderes e propriedades da matéria e sobre os efeitos produzidos por esses poderes, mas é evidente que podemos nos familiarizar com esses conhecimentos quando nos familiarizarmos com a matéria. Só conseguimos entender a matéria se conhecemos suas propriedades. Então é comum que falemos disso de maneira conectada, mas nosso conhecimento vai ser mais claro se separarmos em duas partes: uma sobre as propriedades e outra sobre a própria matéria, ou suas variedades. Todos nós somos capazes, em algum grau, de formar algumas ideias das propriedades da matéria como o fenômeno da atração e repulsão, por exemplo, sem incluir a ideia de nenhuma substância em particular; mas a matéria não pode ser descrita, exceto por suas propriedades, nem distinguida, exceto porque estas diferem das propriedades de outras matérias, seja em espécie ou grau. Seria impossível para mim descrever o enxofre ou o carvão se eu me recusasse a mencionar suas propriedades, ou a distingui-los um do outro, a menos que dissesse em quais propriedades eles diferem. Vou, portanto, primeiro me esforçar para enumerar e ilustrar as propriedades da matéria”.
Nas suas cartas fica claro que a dúvida sobre a sua profissão se esvaiu no momento que ele começa a lecionar. Faraday também tinha dúvidas se queria casar, depois de viajar com um casal que se detestava, como os Davys. Mas ele começou a gostar muito de uma moça que participava da mesma congregação religiosa que ele, a Sarah Bernard. Em 1821, depois do casamento, ele também se filia formalmente à igreja sandemaniana.
A química em 1815 era um assunto em um estado de mudança considerável, nos últimos 40 anos, ela passou não por uma, mas por duas grandes revoluções. A primeira, conhecida tradicionalmente como "a revolução química", foi associada ao trabalho de Antoine Lavoisier na França e redefiniu aquelas unidades da ciência chamadas elementos químicos. Pouco depois, John Dalton propôs sua teoria de que cada um desses elementos consistem de átomos do mesmo peso e eram todos idênticos entre si, mas diferentes dos átomos de qualquer outra substância (embora Faraday a princípio compartilhasse o ceticismo de Davy sobre essa teoria). Dada uma nova clareza sobre os blocos básicos de construção da química, muito progresso pode ser esperado na identificação dos constituintes de uma ampla variedade de substâncias familiares, do giz ao açúcar. Isso se provou na viagem pela Europa, por exemplo, em que todos os lugares foram oferecidos materiais a Faraday e Davy, para que eles simplesmente entendessem sobre o que é, desde retirar açúcar da beterraba até pigmentos para tinta.
Lavoisier via muitos dos novos gases descobertos na época como compostos de outros elementos com oxigênio — ou óxidos. Se esses compostos fossem derivados de não-metais (como enxofre, nitrogênio e fósforo), eles tendiam a “ser ácidos” na sua concepção e, de fato, a palavra que Lavoisier escolhe para o oxigênio significa "produtor de ácido". Sua lista desses gases estava longe de ser completa e deixava em aberto a possibilidade de que vários corpos ainda não separados pudessem um dia ser decompostos em seus elementos.
Em 1807, Humphry Davy usou a eletrólise para isolar os elementos metálicos altamente reativos como sódio e potássio, outras descobertas de elementos logo se seguiram, tanto no laboratório de Davy quanto na Suécia, pelas mãos de J. J. Berzelius. Nos primeiros 15 anos do século XIX, todos foram isolados e reconhecidos como novos elementos: paládio, cério, ósmio, ródio, irídio, potássio, sódio, bário, estrôncio, cálcio, magnésio, boro e iodo (13 do total de cerca de 50 elementos então conhecidos). Dalton ofereceu a primeira teoria atômica química, que propunha que cada elemento químico consistia em minúsculas partículas individuais chamadas átomos, todas iguais entre si, mas diferentes dos átomos de todos os outros elementos. Se os pesos relativos dos diferentes átomos fossem conhecidos (os pesos atômicos, em outras palavras), seria possível analisar um composto e, a partir das proporções em peso de cada elemento, determinar as proporções de átomos individuais (por exemplo, dois átomos de carbono a quatro de hidrogênio para formar uma molécula de metano).
O problema em tudo isso era que ninguém sabia ao certo quais eram realmente os pesos atômicos relativos. Assim, a água contém uma parte em peso de hidrogênio e oito partes em peso de oxigênio. Se houver um átomo de cada um na água, então os pesos atômicos são respectivamente 1 e 8. Mas se houver dois átomos de hidrogênio e um de oxigênio (dando H2O), seus pesos relativos serão 1 e 16. Como faz? Somente depois que um trabalho muito mais detalhado foi realizado, um consenso surgiu por volta de 1860 (que deu ao oxigênio um valor de 16) e os pesos atômicos relativos puderam ser definidos com confiança. Veja como era difícil fazer ciência enquanto os tijolos essenciais das teorias ainda estão sendo colocados na construção da química e da física.
Embora não fosse mais professor de química na instituição, Davy continuou a servir como mentor de Faraday durante esses primeiros anos na RI. Faraday recebeu a tarefa de ajudá-lo em sua pesquisa sobre uma lâmpada de segurança para mineiros de carvão. O carvão era o combustível da Revolução Industrial e de muita importância. Naquela época, os mineiros costumavam usar velas para permitir que eles enxergassem enquanto estavam no subsolo. Mas dentro das minas de carvão, existem bolsões de metano, um gás inflamável, que forma uma mistura com o ar que explode em contato com uma chama. Essa combustibilidade causou muitos acidentes trágicos e muitas vezes fatais. Para resolver esse problema, Davy e Faraday fizeram uma pesquisa intensa sobre combustão de gases e propagação de chamas no final de 1815. Eles mostraram que cobrir uma chama com tela de arame permitia a entrada de ar, mas não permitia que a chama se expandisse. Outras experiências seguiram em 1816, enquanto Davy sabia muito de química, Faraday desenvolveu a metodologia experimental da pesquisa.
Faraday foi chamado para trabalhar com William Brande, sucessor de Davy como professor de química na Instituição Real. Brande deu uma série anual de palestras sobre química para estudantes de medicina, e Faraday o ajudou na preparação de experimentos de demonstração, uma das melhores maneiras de aprender o que realmente funciona em química e o que não funciona. Brande também foi o editor fundador do “Journal of Science and the Arts”, no qual a química era um tema bem importante. Faraday o ajudou a editar este jornal e se viu lendo muitos trabalhos de pesquisa de químicos em todo o mundo. Faraday virou editor e revisor por pares! O trabalho editorial e de revisão exige uma leitura minuciosa e crítica dos trabalhos, e a compreensão teórica de Faraday foi auxiliada tanto quanto sua técnica prática.
Em 1819, Faraday ganhou reputação como o principal químico do Reino Unido. Ele analisou argilas, ligas metálicas e outras substâncias, muitas vezes como consultor científico. Ele também foi convidado a dar testemunho especializado em processos judiciais. Mesmo que nessa época a profissão não era reconhecida (no mesmo patamar que médicos, ferreiros, etc). A primeira instância ocorreu em 1820, quando ele, junto com Davy, Brande, Thomas Thomson e outros químicos, foram obrigados a testemunhar no Tribunal de Apelações Comuns, um tribunal civil em Londres. O caso era sobre um incêndio numa fábrica de açúcar. Ao fazer um experimento queimando óleo e açúcar separadamente, Faraday descobriu que o óleo entra em combustão em torno de 304 ºC, numa temperatura muito mais baixa que a combustão do açúcar, ou seja, os donos da fábrica poderiam sim ter causado o incêndio por fraude ou mau uso das lâmpadas.
Entre 1818 e 1822, Faraday auxiliou James Stodart, um dos membros da Instituição, na pesquisa de ligas de aço. Seu objetivo era analisar aços de altíssima qualidade e reproduzi-los em laboratório, mas obtiveram sucesso limitado - até a visita de Faraday à usina galesa de cobre. Lá ele observou que a adição de um metal nobre como ouro, prata ou platina podem endurecer o cobre. Ele teorizou que o mesmo poderia valer para o ferro também.
Desde o início da filosofia natural, os estudiosos da natureza defendiam um universo no qual algumas leis simples explicariam todos os eventos. No final do século 17, Sir Isaac Newton mostrou que um tipo de força (a gravidade) poderia ser responsável não apenas por um objeto caindo de uma mesa no chão, mas também pelos movimentos de planetas e estrelas no céu. Essa noção na época foi revolucionária! Já os ímãs naturais são conhecidos desde a antiguidade, e os chineses construíram a bússola há mais de 3000 anos atrás. Mas o estudo científico do magnetismo realmente começou com o médico inglês William Gilbert, que escreveu “De Magnete” (Dos ímãs), “Magnetidsque Corporibus, et de Magno Magnete Tellure” (Sobre o ímã, corpos magnéticos e o grande ímã da Terra), o primeiro tratado sobre magnetismo, em 1600. Entre muitas outras coisas, ele estudou magnetitas (minerais magnéticos naturais) e concluiu que a própria Terra era um ímã. A maneira como o magnetismo da Terra variava em sua superfície foi examinada por muitos outros cientistas, o que resultou no início da ciência do geomagnetismo. No século 18, uma série de experimentos quantitativos culminou no trabalho do físico francês Charles-Augustin de Coulomb, que mostrou que a força entre as cargas elétricas era inversamente proporcional à raiz quadrada da distância entre elas.
O dinamarquês Hans Christian Ørsted, que desde 1806 era professor de física na Universidade de Copenhague, tentou provar a unidade das forças magnética e elétrica em uma palestra com demonstrações experimentais em abril de 1820. Colocando uma bússola magnética (ainda em sua caixa de vidro) imediatamente abaixo de um fino fio de platina e passando uma corrente elétrica através do fio, ele observou uma pequena mas definida deflexão da agulha da bússola. Ele publicou o resultado dessa experiência três meses depois, incluindo observações sobre a direção da deflexão, a insignificância do material do fio ou a presença de objetos intermediários e uma especulação um tanto confusa de que a causa poderia ser algum tipo de força circular “ao redor do fio”. Seu artigo criou um rebuliço em toda a Europa. Outros cientistas tentaram reproduzir o experimento, incluindo André-Marie Ampère, que mostrou que se uma corrente passa por dois fios elétricos paralelos próximos um do outro, eles não permanecem paralelos por muito tempo. Se as correntes estiverem fluindo na mesma direção, os fios se atraem; e se as correntes estiverem fluindo em direções opostas, no entanto, os fios se repelem.
Um colega de Davy, ficou muito interessado no novo conceito de eletromagnetismo e sugeriu a ele que, na verdade, a corrente elétrica deve passar pelo fio em forma de espiral como um saca-rolhas, sugerindo que tal fio, se estivesse livremente suspenso, deveria realmente girar na presença de um ímã. Mas, ele falhou repetidamente em alcançar esse efeito.
Faraday, no entanto, estava chegando à conclusão de que o efeito do ímã não giraria o fio, mas o moveria de um lado para o outro. Isso decorreu de sua conclusão de que havia quatro posições nas quais cada polo de uma agulha magnetizada poderia responder à corrente no fio, duas por atração e duas por repulsão. Faraday começou a estudar o assunto e provou essa teoria das posições através de um experimento engenhoso.
Em 1821, Faraday desenvolveu um aparato experimental simples no qual um fio vertical, preso no topo e com cada ponta mergulhada em uma pequena quantidade de mercúrio, conectados a uma bateria elétrica, o mercúrio funciona como contato entre os fios. Quando um ímã era colocado perto do meio do fio, ele tentava se aproximar ou se afastar do ímã, dependendo de qual pólo era aproximado ao fio. E o fio não girava em torno de seu eixo como o colega de Davy havia previsto. Se Faraday alterasse os pólos do ímã rapidamente e de maneira constante, ele obtinha um movimento contínuo do fio dobrado.
Figura 3 - Aparato experimental para observar o efeito da força magnética no fio que passa corrente.
Faraday continuou a explorar o assunto, mas de maneira mais individual, numa maneira de tentar entender o que estava acontecendo. Não fica claro se ele leu o artigo do Ørsted, mas Davy fica muito empolgado e quer repetir o experimento do físico dinamarquês. Para Faraday foi fácil repetir os efeitos do experimento, difícil era tentar explicar a conexão entre força elétrica e magnética, nesse momento eram efeitos separados e não compreendidos. Faraday queria continuar com seu trabalho no gás cloro, mas outro químico, Richard Phillips o chamou para uma colaboração num artigo chamado "A Historical Sketch of Electromagnetism" (Um ensaio histórico do eletromagnetismo) na revista “Annals of Philosophy” (Anais da Filosofia) em que eles repetiriam todos os experimentos vigentes e trazer suas visões da física que estava ocorrendo ali. Faraday tinha ideias diferentes sobre eletricidade do que se tinha na época, ele não acreditava que a eletricidade era uma substância material, ou que era formada por dois fluidos de sinais diferentes (positivo e negativo). O que ele achava é que a passagem da eletricidade cria um estado no fio que, de alguma forma, afeta a agulha magnética.
Durante a ceia de natal daquele ano, Faraday fez a demonstração aos familiares de que mesmo só o campo magnético da Terra seria capaz de girar um fio quando se passa corrente elétrica através dele. Ele ainda enviou versões simplificadas do seu aparato experimental para outros cientistas repetirem o experimento. Depois da publicação desses resultados, o colega de Davy ficou completamente revoltado, dizendo que Faraday roubou a ideia do experimento e sua explicação. Isso arrasou muito Faraday, que tentou várias vezes falar com ele sem sucesso. Só depois de muitas tentativas Faraday mostrou os resultados do experimento, que de fato o fio não giraria sobre seu próprio eixo, então não teve plágio. Pra piorar, Davy entrou na briga contra Faraday, dizendo que ele também estava plagiando seu trabalho. Nessa época Davy era presidente da Associação Real e recusou que Faraday se tornasse membro, mesmo depois de 28 indicações de outros cientistas para que Faraday se filiasse.
Davy esbravejou muito, querendo que Faraday tirasse sua candidatura, mas ele só respondeu que como presidente, Davy escolheria o que era melhor para a instituição. A muita revelia Davy teve que aceitar a membresia de Faraday. Ao se defender, Faraday disse que, ao ouvir Davy estava bravo por não ter sido incluído como autor em um dos experimentos que Faraday fez com gases a base de cloro, ele só respondeu que enviou o artigo à revista “Philosophical Transactions of the Royal Society”, que o Davy era editor chefe, e que se o artigo tinha problemas, era só ter negado. A única coisa que chateou Faraday foi ter cometido alguma gafe científica e uma comunicação deficiente com seus pares, o que ele corrigiu em cartas para todos os envolvidos.
De forma meio inesperada, Faraday teve que substituir Brande nas aulas de química para estudantes de medicina em 1823. Ele teve alguma experiência nas aulas que ministrou na Sociedade Filosófica da Cidade, na ajuda que deu a Brande com experimentos e talvez não tenha se tocado do seu impacto como professor, mas certamente seu sucesso foi claro ao ter seu nome colocado ao lado de Brande no ano seguinte como professor de química oficial da disciplina. Ele seguiu dando aula por bastante tempo, eventualmente se embrenhando em outras aulas ele começou a aperfeiçoar suas demonstrações e dar palestras em outros horários.
Enquanto isso, Faraday voltou a estudar a decomposição de gases e iluminação, um tema que estava em alta na época, não só para mineração, mas também para iluminação das ruas de Londres. As novas “lâmpadas fluídas” e ao estudar a decomposição do óleo de baleia que era queimado nas lâmpadas, ele descobriu o benzeno! Com poucos instrumentos ele isolou o benzeno e estudou outros compostos orgânicos. Em 1825 ele se torna diretor dos laboratórios e logo convida os membros para discussões e experimentos científicos. Mas a carreira de consultor científico seguia forte, a Sociedade comissionou o trabalho de Faraday ao governo para analisar a fabricação dos vidros utilizados em telescópios. Os problemas principais eram que o vidro produzido tinha baixa qualidade e era opaco. Junto do astrônomo John Herschel e o especialista em óptica George Dolland estudaram o problema por quatro anos e muitos experimentos depois, ele conseguiu compreender as limitações experimentais de produção dos vidros. Mudanças nos materiais e temperatura, além do material dos cadinhos utilizados na produção. A pesquisa foi tão interessante que não só solidificou a reputação do Faraday, como também aumentaram os recursos para a pesquisa na Instituição Real pelo governo.
Nos anos seguintes, além da pesquisa e consultoria, Faraday queria estender suas aulas para outros locais, como na Instituição de Londres, um local frequentado por pessoas de classes mais baixas, para atingir mais pessoas. Em 1825, na Instituição Real, um curso de 22 palestras durante o Natal, Páscoa e Pentecostes foi anunciado, mas somente em 1827, quando Faraday deu sua primeira série, as palestras foram reduzidas a uma curta série de seis palestras de demonstração no Natal, às 3 da tarde, para crianças e jovens! A tradição das Christmas Lectures ocorre até hoje, tendo uma pausa durante dois anos durante a Segunda Guerra Mundial.
A mais famosa Palestra de Natal de Faraday, "A História Química de uma Vela", é um exemplo magnífico de exposição científica imaginativa. Ele parte do familiar, uma vela, e levou a conceitos como capilarização, as causas da luminosidade, a natureza da combustão e até mesmo os modos de fabricação de velas. Essa palestra foi publicada em 1861 e foi reimpressa várias vezes ao longo dos anos. Continua sendo uma grande influência sobre os químicos até os dias atuais. Faraday engajava com a audiência, fazia pequenas piadas, mas nunca sendo condescendente com sua audiência! Ele usava das demonstrações e seus resultados para que as pessoas tirassem suas próprias conclusões. Ele criou uma gaiola de metal, entrou dentro e pediu que seu assistente o atingisse com uma descarga elétrica altíssima, para mostrar os efeitos da blindagem eletrostática, que hoje chamamos de gaiola de Faraday!
Figura 5 - Panfleto das aulas de Faraday ministradas no feriado de Natal para audiência jovem.
Faraday só voltou a trabalhar com magnetismo depois que seus dois “inimigos” científicos faleceram, ele também virou membro do Conselho da Instituição Real em 1828. O trauma de ser acusado de plágio e da tentativa de desmoralização afastaram Faraday da área mais a fundo. Fora que ele não concordava com as explicações de Ampère. Ele achava que magnetismo e eletricidade eram iguais em importância e queria fazer o experimento inverso de Ørsted, será que ele conseguiria converter magnetismo em eletricidade?
Ele montou um aparelho simples: dois fios separados foram enrolados em torno de um anel de ferro macio com cerca de 15 cm de diâmetro externo. Um desses fios estava ligado em cada extremidade a uma bateria, enquanto as extremidades do outro eram unidas; no entanto, em um ponto do circuito, uma agulha magnetizada giratória foi colocada embaixo e paralela a um pequeno comprimento do fio. Quando o circuito que continha a bateria estava fechado ou aberto, a agulha perto do outro circuito estremeceu e então se acomodou. Segue-se, portanto, que uma mudança na corrente elétrica no primeiro circuito afetou o magnetismo do anel de ferro. Esse fato já era bem conhecido; a novidade, porém, foi a mudança no segundo circuito. Se a agulha se moveu, uma corrente elétrica deve ter passado pelo fio acima dela. Nesse caso, não apenas a eletricidade produziu um efeito magnético, mas também o magnetismo produziu eletricidade!
Esse foi o primeiro caso documentado de indução magnética, apesar de Faraday não achar isso ainda, ele fez muitos outros experimentos para comprovar o fato, tomando pausas para tomar notas e formular outros experimentos. Depois de muitas tentativas ele propôs girar um disco de cobre entre os pólos de um ímã e ver se uma corrente poderia ser detectada em um circuito conectado ao disco. Depois de algumas decepções, ele fez um arranjo simples com uma extremidade do circuito conectada ao eixo de latão no qual o disco girava e a outra tocando a borda da roda em movimento. Nas palavras do próprio Faraday, ele havia obtido "a produção de uma corrente permanente de eletricidade por ímãs comuns". Ele havia inventado o dínamo. Ele publicou esses resultados sem muito alarde, pois só relatou os efeitos experimentais observados. Ele deu pouca importância para a visita do Primeiro Ministro para saber dos seus experimentos com eletricidade. O que lhe interessava agora era a explicação de como a eletricidade e o magnetismo estão interligados.
Figura 6 - Gerador de eletricidade via indução eletromagnética feito por Faraday em 1831. O ímã em forma de ferradura (A), disco de indução de cobre (D), em (B), o parafuso de ligação para corrente entrando ou saindo do eixo do disco (B') parafuso de ligação para corrente entrando ou saindo circunferência do disco e (m) borracha (contato) da borda do disco.
Mas sua expertise com circuitos elétricos se estendeu na parte da eletroquímica, ao obter um novo galvanômetro, Faraday descobriu que a quantidade do elemento químico produzido pela passagem de uma corrente elétrica é proporcional à quantidade de eletricidade que passa no circuito, ou seja, a massa de uma substância liberada em qualquer um dos eletrodos, assim como a massa da substância decomposta, é diretamente proporcional à quantidade de eletricidade que passa pela solução, chamada a Primeira Lei de Faraday da Eletrólise. Já a Segunda Lei, quando uma mesma quantidade de eletricidade atravessa diversos eletrólitos, as massas das espécies químicas liberadas nos eletrodos, assim como as massas das espécies químicas decompostas, são diretamente proporcionais aos seus equivalentes químicos (equivalente químico é a razão da massa molar com a valência do composto). É daí que vem a constante de Faraday (símbolo: F) é uma constante física fundamental que representa a carga molar elementar. E esses termos como eletrólise, eletrólito, eletrodos, íon, cátion, cátodo e ânodo foram propostos por Faraday.
Voltando ao eletromagnetismo, na época de Faraday havia duas explicações comuns para a transmissão de influências elétricas e magnéticas, e ele rejeitou ambas as teorias. Uma delas era a dos “átomos materiais” como os propostos pelo Dalton. A outra era a doutrina da “ação fantasmagórica à distância”, ou seja, que os corpos são atraídos uns pelos outros sem nenhum corpo intermediário para transmitir os efeitos. Essa foi uma das razões pelas quais Faraday chegou à sua teoria dos "campos", que eram agentes “mecânicos” para transportar energia à distância. A partir de inúmeros experimentos ele concluiu que haveria alguma "força'' entre o espaço vazio, então ele começou a falar sobre curvas magnéticas, depois linhas de força e eventualmente, campo magnético. As linhas de campo magnético podem ser observadas ao colocar um ímã em cima de uma superfície cheia de um pó de material magnético, como limalha de ferro. Ao observar essas linhas ele sugeriu que as Auroras Boreais pudessem ter relação com o campo magnético terrestre. Faraday também seguiu fazendo outros experimentos de eletricidade estática e carga elétrica com diversos tipos de materiais, tanto condutores quanto isolantes, criando os primeiros capacitores. É por isso que a unidade de capacitância, chamada pelo Faraday de “capacidade específica indutiva”, tem o nome de Farad, em homenagem a ele.
Infelizmente entre 1838 e 1840 a saúde de Faraday começou a se deteriorar, ele tinha crises de vertigem e problemas de memória, essa última o preocupou muito. Por isso foi colocado de férias por quase um ano. Mais afastado do laboratório, Faraday deu algumas palestras e auxiliou como testemunha em outro júri e se tornou um ancião da sua comunidade religiosa. Em 1845, depois de recuperado, voltou seus estudos a materiais não magnéticos, depois de trocar cartas com nada mais nada menos que o futuro Lord Kelvin, o físico escocês William Thomson. Através de um eletroímã muito forte e lentes polarizadas, Faraday conseguiu descobrir que existia uma relação entre luz e magnetismo… O “Efeito Faraday” é um fenômeno de polarização da luz através de um campo magnético. Ao incidir a luz através de um pedaço de vidro grosso e esse sistema estar sob um campo magnético, a luz tem seu plano de polarização modificado pelo efeito do campo magnético. Creio que se Faraday tivesse vivido mais, ele mesmo escreveria todas as leis do eletromagnetismo!
Usando o mesmo eletroímã do efeito Faraday, ele descobriu que materiais que não eram magnéticos eram movidos pelo campo magnético. Ele suspendeu uma pequena barra de seu vidro de borosilicato entre os pólos de seu grande eletroímã e viu que, quando tinha passagem de corrente, o ímã fazia o vidro girar até ficar perpendicular ao campo magnético. Substâncias que se comportaram dessa maneira ele chamou de materiais diamagnéticos, pois eles se estabeleceram através do campo (o prefixo dia significa "através"). Em contraste, materiais paramagnéticos, como ferro, cobalto e níquel, assentaram-se paralelamente ao campo magnético. Ele experimentou um grande número de materiais diamagnéticos, incluindo metais, dos quais o bismuto era o mais fortemente diamagnético. Esse resultado deixou Faraday muito feliz, aplicando esse experimento para líquidos e gases, descobriu que o oxigênio também era paramagnético. Faraday também se embrenhou na pesquisa de espectros de elementos e quase descobriu o efeito Zeeman também… Além disso, nessa época ele também procurou entender sobre o ouro coloidal e porque colóides de ouro são vermelhos. Faraday também é tataravô da nanotecnologia! (Mais detalhes no Mamucast! S02E10).
Infelizmente Faraday nunca mais se recuperou totalmente das crises de vertigem e esquecimento, algo que ele passou a fazer piada em suas cartas. Apesar de suas faculdades mentais começarem a ter declínio cedo (a primeira crise foi aos 48 anos), ele continuou a trabalhar. Ele e Sarah não tiveram filhos, mas ele cuidou das sobrinhas como se fossem suas filhas. Ele tinha um assistente, o Anderson, que era o único que podia conduzir o laboratório dele. Seus trabalhos de consultoria científica também aumentaram nessa época, ele trocou muitas cartas sobre física e química com outros cientistas no mundo todo. Ele também se preocupava com a poluição de Londres e assessorou a limpeza de obras de arte da poeira causada pela queima de óleo e carvão nos museus.
A essa altura, a fama de Faraday se estendia muito além da Instituição Real, do estabelecimento científico de Londres e até mesmo da costa da Grã-Bretanha. Ele foi eleito membro de quase 70 sociedades científicas de Boston a Moscou, de Uppsala às Ilhas Maurício. No entanto, ele recusou muitas ofertas, preferindo viver com simplicidade e manteve sua indiferença para com a riqueza mundana. Isso tudo tem relação com a fé da comunidade sandemaniana, da qual Faraday seguia à risca. No final da década de 1850, ele se recusou a aprovar uma publicação lucrativa de suas palestras sobre metais, dizendo: "Não desejo dedicar tempo a elas, pois o dinheiro não é uma tentação para mim. Na verdade, sempre amei mais a ciência do que o dinheiro; e porque minha ocupação é quase inteiramente pessoal, não posso me dar ao luxo de ficar rico". Se tivesse o prêmio Nobel, Faraday teria ganhado uns 4 e se recusado a receber. Em 1857, Faraday não aceitou ser presidente da Instituição Real, ele não atendia os bailes reais, apesar do Príncipe Albert ser muito fã dele, e ele também não aceitou o título de Sir. A única coisa que aceitou foi uma casa fora do prédio da Instituição Real, no térreo, para ajudar na sua mobilidade.
Em 1861 ele deu sua última palestra de Natal, um discurso sobre os fornos a gás do engenheiro Charles William Siemens. Três anos depois ele finalmente se aposentou da posição de superintendente da Casa da Instituição Real, mantendo a posição vitalícia de Titular da cátedra Fullerton de química mesmo não tendo se formado no ensino superior. O colega cientista suíço de la Rive recebeu sua última carta, dizendo que a paz que sentia era algo que deus lhe proporcionou. No dia 25 de agosto de 1867, aos 75 anos, Faraday faleceu sentado em sua cadeira de estudo. De acordo com a sua fé, não teve pompa em seu funeral e seu corpo foi enterrado sem nenhuma cerimônia, em silêncio. Assim faleceu "o maior filósofo experimental que o mundo já viu" (nas palavras do físico irlandês John Tyndall), alguém que mudou a face da ciência moderna e, portanto, da própria sociedade. Ele foi descrito por Maxwell como "o pai da ciência do eletromagnetismo" e por Lord Kelvin como "a influência inspiradora de meu amor inicial pela eletricidade". Ele foi o tema de mais biografias do que Newton e Einstein.
Faraday emergiu como um dos melhores comunicadores de ciência do Reino Unido, nos seus escritos e palestras que levaram a ciência a novos patamares de popularidade. Ano após ano, ele enchia o famoso teatro da RI com apresentações surpreendentes de experimentos científicos, acompanhados de comentários que mantinham o público fascinado. Durante todo o tempo, Faraday voltou suas atenções para o que via como outro dever social: aplicar a ciência aos assuntos práticos de seus concidadãos, aconselhando sobre a produção de metais, vidro e muitos outros materiais, além de aconselhar como melhorar vários aspectos tecnológicos e dar sua opinião de especialista quando necessário. Sua humildade e perseverança o transformou no que conhecemos hoje, um pai para a química e para a física, um exemplo de professor e aluno, um cientista.
[1] Bence Jones, Henry (1870). The Life and Letters of Faraday. Philadelphia: J.B. Lippincott and Company. Faraday.
[2] Colin A. Russell, (Ed. Owen Gingerich) (2000). Michael Faraday: Physics and Faith (Oxford Portraits in Science Series). New York: Oxford University Press. ISBN 978-0-19-511763-9.
[3] Michael Faraday, (2011). A história química de uma vela: curso de seis lições, Imprensa da Universidade de Coimbra, DOI:http://dx.doi.org/10.14195/978-989-26-0211-0
[4] José Otavio Baldinato, A química segundo Michael Faraday, Um caso de divulgação científica no século XIX, Mestrado Interunidades em Ensino de Ciências: Modalidade Química, Universidade de São Paulo, SP (2009), https://www.teses.usp.br/teses/disponiveis/81/81132/tde-22022011-115911/publico/Jose_Otavio_Baldinato.pdf
[5] https://www.sciencehistory.org/distillations/magazine/left-behind
[6] Museu do Faraday, Londres https://www.google.com/maps/place/Faraday+Museum+at+The+Royal+Institution+of+GB/@51.5091657,-0.1601426,15z/data=!4m5!3m4!1s0x4876052a21a2f1cd:0xc0aa3a8a03bc2e42!8m2!3d51.5098213!4d-0.1425231
[7] https://circulodeculturabiblica.org/2021/08/05/glassitas/
[8] https://en.wikipedia.org/wiki/History_of_education_in_England#Eighteenth_century
[9] https://archive.org/details/b24869880/page/n3/mode/2up
[10] https://www.gutenberg.org/files/1225/1225-h/1225-h.htm
[11] https://www.rigb.org/christmas-lectures/history-christmas-lectures
[12] https://www.in2013dollars.com/uk/inflation/1812?amount=1.25
[13] Al-Khalili, J. 2015 The birth of the electric machines: a commentary on Faraday (1832) ‘Experimental researches in electricity’.Phil. Trans. R. Soc. A 373: 20140208. http://dx.doi.org/10.1098/rsta.2014.0208
[14] Obras do John Tyndall sobre o Faraday https://www.gutenberg.org/ebooks/1225
[15] The Genius of Michael Faraday, https://royalsocietypublishing.org/doi/pdf/10.1098/rsnr.1992.0031?casa_token=NHLc5gGxZpcAAAAA:KYs2zk6JQNtGQfYYzpBqC2lvlJRFB-1ijPTnZlmRv_XrLAm6XTUOz3OXhNbRMZ5mXpgrou4tNX7e3Zbn
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Pra aprender:
Livro: Michael Faraday, (2011). A história química de uma vela: curso de seis lições, Tradução da Imprensa da Universidade de Coimbra, disponível em: https://digitalis-dsp.uc.pt/bitstream/10316.2/2907/7/HistoriaQuimicaVela.pdf
Dissertação de mestrado: José Otavio Baldinato, A química segundo Michael Faraday, Um caso de divulgação científica no século XIX, Mestrado Interunidades em Ensino de Ciências: Modalidade Química, Universidade de São Paulo, SP (2009).
Pra descontrair:
Série: Gabinete de Curiosidades do Guillermo del Toro, em especial o último episódio, O Murmúrio, de um casal de cientistas, disponível na Netflix.
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