Link do episódio: #S2E06 - Antropologias Trans com Gabi e Silvana!
Salve, salve Mamutada! Aqui é a Gabi. E como vocês sabem janeiro é o mês da visibilidade trans e para falar um pouco sobre a causa trans e os famigerados estudos trans, trouxemos Silvana de Souza Nascimento. Elu tem graduação, mestrado e doutorado em Ciências Sociais pela USP com foco em antropologia social. Atualmente, é docente no departamento de Antropologia na USP e coordenadora do Programa (Interdisciplinar) de Pós-Graduação em Humanidades, Direitos e Outras Legitimidades da USP, que faz parte do núcleo Diversitas. Também coordena o Grupo de Pesquisa Cóccix - Estudos interdisciplinares do corpo e do território. Olá Silvana!
Silvana, você é a primeira pessoa de humanas que o Mamucast recebe e temos muitas dúvidas e curiosidades. Para começar o que são ciências sociais e, mais especificamente, antropologia social? Quais são as perguntas que a área se propõe a responder?
Sil: Bom, Gabi, a gente poderia ficar aqui e passar a manhã toda respondendo essa pergunta “O que são Ciências Sociais?” e, realmente, é uma pergunta que a gente não sabe responder. Na verdade, as Ciências Sociais são uma área muito ampla das humanas, que no Brasil se divide em três áreas: a antropologia, a sociologia e a ciência política. Na USP, a gente tem esse curso que oferece essas três formações na graduação e, apenas na pós-graduação que a pessoa vai decidir se vai para a sociologia, ciência política ou antropologia, em alguns cursos em outras universidades do Brasil você tem graduações em antropologia e sociologia, graduação em ciência política ou apenas graduação em antropologia especificamente, mas na Universidade de São Paulo esse curso é bastante amplo.
As Ciências Sociais, primeiramente, são um curso que fornece uma formação de pensamento crítico em relação a sociedade em que vivemos, tanto a sociedade presente como a passada, então também há um diálogo com a história, trabalha, como a própria palavra fala, com as diferentes sociedades, instrumentaliza e prepara para ser ume pesquisadorie ou professorie, tanto do ensino médio quanto da universidade, que vai poder trabalhar também em organizações não governamentais, atuando com comunidades tradicionais, comunidades indígenas, populações vulneráveis na periferia, por exemplo, em situação de moradia precária.
É um curso que no início a gente fica um pouco perdide porque oferece muita matéria, desde o século XVIII e XIX com os primeiros pensadores que trabalharam que eram homens, brancos, cisgênero - 90% desses pesquisadores eram homens europeus, brancos -, então, a gente trabalha bastante com formação histórica no primeiro momento, nessa formação da primeira etapa de pensamento crítico em relação às sociedades e, quando eu falo em sociedade eu estou pensando em sociedades tanto ocidentais quanto não ocidentais. Pensando na antropologia, que é o campo que eu domino mais - que sou formade -, é uma ciência humana que começa as suas primeiras preocupações com populações não ocidentais. O que significa?
No final do século XIX e começo do XX, os primeiros antropólogos vão fazer pesquisas com populações africanas, da Melanésia, naquelas ilhas no noroeste da Austrália, Nova Guiné, - tem uma famosa primeira pesquisa em antropologia que fica nas ilhas Trobriand, na região da Melanésia. Todos esses lugares que naquele momento eram considerados remotos para os homens europeus, que estavam desbravando a terra para colonizar, e antropologia nasce nesse momento e depois só nos anos 40 e 50 do século XX que antropologia começa a se preocupar com a sociedade onde os antropólogos estavam vivendo. Temos aqui no Brasil, por exemplo, nos anos 50, as primeiras antropólogas mulheres que começaram a fazer pesquisa em São Paulo com migração japonesa, com migrantes nordestinos em São Paulo, depois com populações periféricas das grandes cidades, no Rio de Janeiro e no nordeste e em São Paulo.
A antropologia nasce com objetivo de compreender sociedades diferentes do mundo ocidental. Então, a palavra diferente é muito importante para a gente e a alteridade também. O que é alteridade? É a compreensão do outro, o outro que é diferente de nós. A gente começa as principais pesquisas fazendo excursões, expedições nesses lugares remotos do planeta no final do século 19 e aos poucos os antropólogos vão começando a se aproximar da sociedade em que vivem.
Para ser ume antropólogue, primeira coisa, tem que gostar de ler para caramba, significa que você vai ler muito a sua vida inteira, vai estudar sua vida inteira, que goste de fazer pesquisa, tem que ter aquele pensamento crítico de produzir problemas. O que a antropologia faz? Constrói problemas e questões. Às vezes a gente responde as perguntas com outras perguntas. Eu sou completamente ignorante nas ciências exatas, estou aprendendo agora com a Gabi alguma coisa, mas na verdade as nossas respostas são sempre outras perguntas, a partir daquelas experiências que a gente está vivendo. Uma coisa importante na antropologia: qual é a matéria-prima de pesquisa em antropologia? São as pessoas, tem que gostar de gente e, como a gente faz pesquisa com gente? Fazemos pesquisa de campo.
Gabi: Gostaria de fazer alguns contrapontos. O curso de Ciências Sociais da USP é bem contraponto do curso que eu fiz de ciências moleculares. Tem uma formação muito parecida no sentido de ser interdisciplinar, só que misturando exatas com biológicas enquanto que Ciências Sociais está focado nas humanidades. Seria muito legal ter um curso que juntasse tudo porque a gente poderia conversar um pouco mais fácil e essa troca seria muito mais trivial, não só porque eu tenho que ensinar minha linguagem e você me ensinar sua para a gente poder conversar. Isso eu acho muito interessante, porque você comentou que você não sabe como é feita pesquisa em exatas e você falou “muitas vezes nossos resultados uma pergunta” mas, de uma certa maneira, a ciência funciona assim, a ciência é sobre perguntas e a gente nunca vai chegar numa resposta - ainda bem, porque senão a gente ia ficar desempregade.
Sil: Que bom que você está falando isso! Às vezes os alunes chegam muito novinhes nos primeiros anos com o desejo de querer ter uma única resposta e uma única verdade sobre as coisas: “é assim”, não… “é assim e assim”. Então, sempre tem aquele “e”. O “ou” também pode ser, mas é “e/ou”.
Primeiro, eu acho importante pensar que antropologia, em comparação com as outras ciências sociais, é aquela ciência que menos busca uma verdade única, porque sempre há no mínimo duas verdades. Há muitas verdades, digamos assim, se é que dá para a gente pensar na verdade como uma categoria, primeiro d do pesquisadore, a própria biografia de pesquisadore, a formação de pesquisadore na graduação e na pós-graduação, quando elu vai falar com as pessoas elas também tem as suas próprias verdades em relação às suas vidas, que também são verdades para elas. Então, a antropologia tem a preocupação em construir o diálogo entre o ponto de vista das pessoas com as quais você faz pesquisa, o que elas pensam sobre as suas próprias vidas. Logo, é muito importante o conhecimento vivido, que é fundamental para a antropologia, o reconhecimento das pessoas no dia a dia, que mesmo que não tenham escolaridade, que falem uma outra língua, que tenham uma outra cosmologia, uma outra religiosidade.
Esse ponto de vista das outras pessoas com as quais a gente faz pesquisa, que são nossos interlocutores de pesquisa - não são nossos objetos -, é fundamental e esse conhecimento vivido que a gente aprende fazendo pesquisa de campo, muitas vezes contesta as nossas perguntas porque às vezes a gente vai com perguntas para pesquisa. Qual é o “laboratório” de antropólogue? É a vida como ela, é o cotidiano das pessoas. O que é fazer pesquisa de campo em antropologia? Acho isso muito importante, a pesquisa de campo em antropologia é uma pesquisa densa, qualitativa, em profundidade, artesanal e detalhista no sentido de que a gente vai buscar descrever essas experiências de vida das pessoas com muitos detalhes. O que significa isso? Você vai ter que conviver com as pessoas, você não pode ficar, por exemplo, só tomando café e depois ir embora, você vai ter que ir e tentar conviver com aquelas pessoas. Antigamente, e claro que tem muites antropólogues que ainda fazem isso, principalmente os etinólogues - que são os antropólogues que estudam etnias diferentes, como os povos indígenas, por exemplo, os povos ameríndios -, eles ficavam lá morando, para tentar entender minimamente como aquelas pessoas viviam e o que é importante para aquelas pessoas que estavam lá. É muito sensível a pesquisa, você tem que entender como as pessoas vivem, o que elas estão sentindo e, para isso eu tenho que ficar convivendo com elas, não adianta só fazer entrevista.
Gabi: Você tem que fazer parte, de uma certa forma.
Sil: Você tem que tentar fazer parte. Claro que uma pessoa que é branca e vai fazer uma pesquisa com povos ameríndios na floresta amazônica para fazer parte teria que ser uma pessoa indígena, certo? Temos hoje antropólogos indígenas que fazem pesquisas nas suas próprias aldeias, o que é maravilhoso. O tentar fazer parte é sempre com muito respeito pelos outros: muito respeito, muito diálogo e muita escuta, o antropólogo tem que saber escutar muito bem, antes de perguntar ele tem que escutar.
E como funciona o método de pesquisa nessa área? Como são feitos os experimentos? Como você entra e depois sai?
Sil: Eu acho importante diferenciar pessoal de subjetivo porque na antropologia o pessoal não deixa de ser objetivo, a gente tem técnicas e formas de fazer pesquisa de campo. O que a gente entende é que a biografia de antropólogue, da pessoa que vai fazer pesquisa de campo, nunca é abandonada.
Por exemplo: uma pessoa que é negra, trans e antropólogue que vai fazer pesquisa numa certa cultura em que a cisheteronormatividade é fundante e grande parte das pessoas são brancas, não vai ter como jogar fora o corpo dela, não tem como! O é que faz? A idade, por exemplo, é uma coisa importante, eu que tenho 48 anos vou fazer pesquisa com jovens, mesmo que eu queira fazer parte de uma cultura juvenil do hip hop, eu sou uma pessoa que vai fazer quase 50 anos, para as pessoas que estão lá eu não sou jovem mesmo que eu queira ser, mesmo que a minha alma seja jovem, que eu me sinta jovem, eu não sou mais jovem como eles.
Essa biografia, a história e o corpo de antropólogue em campo nunca são abandonados porque eu não sou uma invisível. Quando vamos fazer pesquisas de campo, eu não sou invisível, eu estou sendo viste e estou vendo e esse corpo em campo é fundamental para condução da pesquisa, já que a maneira pela qual as pessoas vão me ver vai influenciar. Se eu vou perguntar para elas alguma coisa, elas vão me responder a partir do que eu sou também, do meu sotaque - se sou de São Paulo de Recife -, se eu sou ume gringue ou brasileire, se eu sou de esquerda ou direita, toda essa biografia não é abandonada e, quando você vai escrever sobre a sua experiência em campo, sua biografia é fundamental, você tem que ter consciência dela - se a pessoa é cis ou trans, se ela é de uma certa orientação sexual, de um certo corpo, se ela é baixinha ou alta, se ela é rica, de que classe social ela é, que cor da pele ela tem. Tudo isso influencia na pesquisa, mas isso não significa que você vai abandonar essa objetividade na hora da observação, da escrita, da reflexão e na hora de produzir o relatório ou artigo.
Como entrar e sair? Entrar é difícil e sair ainda mais, por exemplo, eu sou uma pessoa que entrou e nunca mais saiu da pesquisa e dos estudos trans. Eu entrei em 2007 e nunca mais (acho que) vou sair mas a pesquisa termina, acaba. Eu sou uma pessoa muito difícil de responder a pergunta de como sair, acho que eu não sei. Cada campo vai determinar também como sair dele e aí a coisa do experimento, que eu não sei se é a mesma coisa que nas exatas, a própria pesquisa de campo é o experimento porque você não sabe o que vai encontrar.
Eu fiz meu mestrado doutorado numa região de Goiás, no centro-oeste, com famílias rurais que trabalham com pecuária leiteira. Durante esse período do doutorado, eu fui tentando descobrir como fazer pesquisa de campo e, naquele momento, eu era reconhecide como uma mulher, não havia nem a categoria cisgênero naquela época, eu era conhecida uma mulher entra mulheres e eu fui tentando entender como poderia fazer pesquisa de campo ali sem incomodar aquelas pessoas que estavam trabalhando com pecuária, tirando leite, pessoas agriculturas.
O que eu fiz? Me ofereci para trabalhar com as mulheres na cozinha, eu entendi que o trabalho era um valor fundamental da cultura camponesa e que para eu ser aceite ali dentro, eu não poderia falar assim: “não, gente, eu sou não-binárie”. Não tinha como, ou era homem ou mulher, ou estava na pecuária com os bois ou na cozinha com as mulheres e, como era lide como mulher, eu fui trabalhar com as mulheres e fiquei na cozinha a maior parte do tempo, ariando panela, ralando mandioca, fazendo faxina com as mulheres. Isso foi muito importante e eu comecei a perceber coisas que se eu estivesse só ali sentadinha com meu caderninho no meu canto anotando fazendo anotações e entrevista, estaria achando que estava incomodando. Então, eu comecei a fazer parte e trabalhar e o fato de trabalhar com elas me abriu uma pesquisa de 10 anos nessa região: foi mestrado e doutorado.
Eu aprendi muito, é uma experiência incrível para entender um pouco como essas famílias heteronormativas viviam, como as mulheres construíam a sua autonomia em relação aos homens, foi uma experiência muito rica!
Isso foi experimento: eu fui tentando e aí não deu para ficar só assim sentadinhe, então eu perguntei: “posso ajudar?”. Aprendi muitas coisas, aprendi a rezar - eu sou de uma família agnóstica e nunca tive formação religiosa -, eles são católicos e eu aprendi o catolicismo com eles, todo um aprendizado que foi todo tentativa e erro. Também não queria me aproximar muito dos homens porque não queria ser confundida como alguém que queria ter uma relação com eles, então eu respeitava porque era todo aquele universo mais conservador. Eu acho que o experimento é isso mesmo: por tentativa e erro, o que dá certo e o que não dá, e na antropologia também, a gente vai tentando, a gente também é um experimento.
Gabi: Do jeito que você está falando, parece muito o paradoxo experimental na mecânica quântica: como é que você vai separar o sistema que você está observando do sistema que observa. Quando a gente fala isso na mecânica quântica, em geral a gente tenta tratar o experimentador como um objeto clássico, mas não dá certo porque tem essa questão de você pegar os seus sistemas, emaranhar-los para eles interagirem, que é basicamente isso que você estava tentando, na minha leitura de pessoa de exatas. Todas as suas tentativas de “Ah não, vou ficar sentadinha” = Não, você não vai se emaranhar com o sistema. “Ah, vou participar da cozinha” = Você já está emaranhando um pouco melhor para então você poder escolher seus observáveis lá dentro e depois sair. Esse processo de desemaranhar, que seria o colapso da função de onda, é traumático!
Sil: O desemaranhar que a gente fala na antropologia: o trabalho da escrita também é um experimento. O (??????????) 18:56, que também é um antropólogo dos anos 80, que foi muito importante na construção dessa perspectiva mais contemporânea que a gente tem, falava que o próprio texto antropológico é uma ficção, um experimento. Ficção não de que é inventado, ficção de que ele é construído. O desempenhar da antropologia é feito na escrita. O que a gente faz, pensando numa pesquisa mais clássica que eu gosto muito e é uma técnica que funciona? É você ir para campo pesquisar em qualquer área, você tem sempre um caderno de campo, que é o diário no qual você escreve tudo o que acontece com você lá.
Tem pessoas que gostam de ficar com gravador ligado direto, eu não gosto muito de ficar gravando direto porque às vezes constrange quem está alí. Em Goiás, eram pessoas que faziam trabalho rural, um trabalho árduo e eu era uma pessoa muito diferente deles: paulistane, universitárie. Eu preferia ficar ouvindo tudo que eles diziam e no final do dia eu anotava tudo no caderno o que tinha acontecido. Memória boa né?! Hoje já tem celular, tem gente que faz áudio para não esquecer. Hoje é mais fácil, na minha época não tinha celular, o que era melhor, porque você não se dispersava também. Então, você foi para campo e voltou para casa, no retorno para casa você vai reler esse caderno de campo e vai desemaranhando no processo da escrita, quando você vai passar a limpo e fazer um relatório depois da pesquisa. O trabalho da escrita é fundamental, ali na escrita quando você está sozinhe, na sua mesa, na sua casa, com seus livros, pensando naquela sua pesquisa, você vai escrever e pensar sobre aquilo e vai desemaranhar aquilo que foi fundido no primeiro momento, o que a gente chama na antropologia de fusão de horizontes - que é horizonte de antropólogue e o horizonte das pessoas com as quais você está fazendo pesquisa. Quando você vai para campo, esse horizonte é fundido no outro, e depois você vai desemaranhar no processo da escrita e da reflexão que vem posterior.
Como você se interessou por essa área? Você teve alguma pergunta fundamental que norteou a sua carreira?
Sil: Na verdade, eu queria ser jornalista. Na graduação eu fiz jornalismo, então sempre tive esse desejo de reportagem, investigação, de saber como estava acontecendo, só que eu via que no jornalismo você não podia parar muito para pensar porque você tinha que fazer a matéria e era muito rápido, não era como uma pesquisa acadêmica que você tem um tempo. Me dava uma angústia da velocidade do jornalismo, que é fundamental na mídia, tem um papel importantíssimo, mas eu precisava desse momento de decantação. E aí, tinha um professor, que é o José de Souza Martins, que é sociólogo, uma pessoa muito importante nessa área de estudos rurais nos anos 90, que escreveu muitos livros e que era nosso professor na época. Ele era da sociologia e a gente tinha um grupo de amigues, todos que queriam fazer pesquisa, e ele mandou todo mundo para antropologia, falou: “Vai para antropologia que é mais legal” Por que? Porque lá na antropologia tinha incentivo a fazer pesquisa de campo - naquela época dos anos 90 - mais do que nas outras áreas.
O que me encantou pela antropologia foi a pesquisa com gente. Claro que os números podem ser importantes, pesquisa quantitativa é importante, entrevista é importante, mas você conviver com as pessoas, escutar o que elas têm para te dizer é para mim não tem preço. Foi assim, um incentivo de um professor que me encaminhou lá para Goiás, também tive muitos felizes encontros nessa primeira ida a campo, em que eu fui fazer uma experiência de campo em umas férias para ver se eu queria fazer mesmo ou não, meio que experimentar fazer pesquisa de campo. Eu fui sozinhe, me joguei em Mossâmedes, município rural onde eles moram, e me apaixonei e fiquei “É isso mesmo que eu quero fazer, pesquisa de campo para ficar aqui com as pessoas, quero escrever sobre isso”.
As pessoas da pesquisa mesmo, que estavam comigo em Goiás, a Sônia, a Sandra, seu Tota, dona Ivone que me encantaram e eu me encantei pela vida que era tão diferente da minha. Eu era muito pastel, eu nunca tinha visto uma vaca, sabe? Aquela coisa, galinha, mundo rural, eu não tinha noção do que era aquilo e o quanto era potente para pensar antropologicamente e as relações que essas mulheres têm entre elas. Eu tinha aquela visão bem estereotipada de que eram mulheres sujeitadas, elas são muito autônomas, muito independentes e estão aí fazendo muitas coisas importantes. Essas Mulheres foram ao ensino superior, algumas são diretoras de escola, professoras universitárias, são muito guerreiras! Acho que com elas que me tornei feminista e a questão trans vem depois na Paraíba.
De 2007 a 2013, você atuou como docente na Universidade Federal da Paraíba, onde estudou a dinâmica urbana e rural do litoral norte da Paraíba sob o ponto de vista da sexualidade e identidades de gênero. Pode nos contar um pouco sobre esse trabalho, seus aprendizados e desdobramentos?
Sil: Eu fiquei como professora na Federal da Paraíba, no campus litoral norte, que fica na região metropolitana de João Pessoa, a 50 km da capital. É uma das regiões mais vulneráveis em termos econômicos e sociais e nessa região, que é na cidade de Mamanguape, onde tem um campus da UFPB, que fui trabalhar como professore de antropologia. A cidade é cortada pela br-101, que é aquela rodovia que atravessa o Brasil inteiro, que vai margeando a costa. Na BR, sempre que eu ia dar aula, tinha meninas travestis na beira da rodovia fazendo pesquisa. O discurso que colegas universitários tinham em relação a essas meninas, sempre quando a gente chegava para entrar na cidade para trabalhar, era “essa cidade é muito degradada, muito feia, tem prostituição, tem travesti e etc”, o discurso todo dessa decadência, digamos, dessa área, que era uma área periférica, incluia as travestis e eu fiquei “então, se eles estão pensando isso é com elas que eu quero falar”.
Então, a gente começou um projeto pequeno, com duas alunas de graduação em antropologia porque lá é um curso de graduação em antropologia, um projeto que depois foi financiado pelo CNPQ, para entender como é que se dava a relação entre sexualidade e cidade, em cidades de pequeno e médio porte, porque não são cidades grandes, são cidades médias e pequenas, mas que vivem de uma dinâmica urbana metropolitana, pois como é uma BR, circula muita gente, é uma região que circula gente do Brasil inteiro, caminhoneiros, e elas estão lá nessas áreas.
A gente começou a pesquisa com essas travestis primeiro entendendo essa dinâmica urbana em cidade menores e foi aí que começou a minha relação de amor com as travestis -não posso dizer de outra maneira - e naquele momento que a gente começa a fazer pesquisa com elas e muitas pesquisas se desdobraram a partir dessa primeira experiência que foi em 2007 e 2008, muitas outras vieram depois. Eu acho muito importante que, a partir dessa pesquisa inicial, uma das nossas interlocutoras, que era a Márcia, uma menina jovem, travesti, negra, originária de uma zona rural, foi assassinada aos 19 anos, em Recife, na cidade capital de Pernambuco. Foi muito difícil lidar com essa perda e com essa esse assassinato, e a partir daí a gente começou a se aproximar do movimento trans na Paraíba, que foi a Fernanda Benvenutty - falecida em 2020 - uma das lideranças.
Eu conversei com a Fernanda e falei: “Fernanda, quero fazer projeto com a Astrapa (Associação das Travestis e Transexuais da Paraíba) - ONG delas lá na época -”. Foi um choque de realidade, como se eu tivesse na minha bolha universitária, vindo de São Paulo, fazendo pesquisa, e aí de repente comecei a perceber que era uma realidade corriqueira na vida dessa jovens e, a gente sabe que o Brasil é o país que mais mata travestis e mulheres trans no mundo, a idade média de uma travesti é 35 anos. Começamos a fazer projetos de extensão junto com a Astrapa e com o MEL (Movimento Espírito Lilás), que é o movimento LGBT lá e, desde então, fazemos pesquisas com elas. Acho importante dizer que a partir dessa convivência com as travestis jovens e depois com Fernanda e com todas elas, que a gente foi fazendo ainda ao longo desse tempo até hoje, eu fui me revendo como pessoa. Isso foi muito importante para mim, a pesquisa influenciou no pessoal, e não tem como, eu não consigo pensar nessa questão como pesquisa e como pessoa, então tá em mim, tá no meu corpo, na minha vida…
Gabi: Eu acho isso muito lindo, apesar do meu espaço amostral de antropólogues ser bem reduzido,conheço apenas dues, mas essus dues antropologues que conheço foram profundamente influenciades em suas trajetórias de vida pelo grupo que estudavam. Eu acho isso muito bonito porque entra em você e você fala “tá, faz parte de mim” e é uma história muito bonita a sua.
Como foi essa experiência estudando a prostituição de mulheres jovens? O que você aprendeu?
Sil: Aprendi muitas coisas, mas, primeiro em relação a prostituição: ela é um trabalho que deve ser conhecido. A gente sabe também, em relação aos números, que a maioria das travestis e mulheres trans que vivem no Brasil e estão vivas hoje vivem da prostituição, não tem números exatos mas a mais de 90%. Por que elas estão na prostituição? É um trabalho não valorizado, precarizado…
Muito importante todo esse papel dos movimentos sociais, a Rede Brasileira de Prostitutas, por exemplo, da CUTS - Central Única de Trabalhadoras do Sexo -, de se mobilizar pela regulamentação da prostituição. Regulamentação significa não necessariamente ter uma CLT, mas que elas tenham seus direitos reconhecidos, que elas possam pagar sua aposentadoria, que possam ser reconhecidas como trabalhadoras. Acho que isso é importantíssimo! Não sou abolicionista, não sou favor da abolição da prostituição porque não há como abolir, sexo também é trabalho.
Gabi: É o primeiro grande trabalho da humanidade e você tem que regulamentar exatamente para protegê-las.
Sil: É! E o que eu aprendi com elas também: elas não estão vendendo elas mesmas, elas estão vendendo um serviço sexual. Isso é importante dizer, tem esse discurso de “Ah, você está se vendendo”, elas não estão se vendendo! Elas estão vendendo um serviço sexual, que pode ser bem remunerado, às vezes é bem remunerado e reconhecido, outras vezes não. O que é necessário: por que que a prostituição é um trabalho tão mal visto, tão estereotipado? E que tem tantos riscos, porque é nas ruas elas correm os riscos, violências que ocorrem na prostituição. É muito controverso, mas eu acho que não ajuda a gente falar para abolir a prostituição, não acho que é por aí, temos primeiro que humanizar o trabalho, reconhecer os direitos delas como trabalhadoras e como uma pessoa.
Gabi: Porque uma coisa que a gente aprendeu sobre proibições é que elas são só para inglês ver, a gente não vai ver no mainstream mas vai continuar acontecendo no submundo de uma forma ainda mais precarizada e pior para as meninas que precisam disso para sobreviver.
Sil: O importante em relação a prostituição cis - tem a prostituição masculina, cisgênera de meninos, a prostituição trans e a prostituição cis - é muito diferente, no caso da prostituição trans é interessante que ela não é exatamente um fim mas é um meio para conseguir renda, para conseguir transformação corporal, para sobreviver e para os hormônios. É um meio mais rápido de obter renda do que, por exemplo, trabalhar como diarista.
Gabi: E tem outra coisa: hoje em dia, ainda, quem vai contratar uma travesti para fazer serviços domésticos na sua casa? Tem toda essa segregação transgênera…
Sil: É um estigma, e o que é muito cruel: quem são os clientes da travesti? São homens cisgênero que se dizem heterossexuais, essa é a identidade de gênero que eles têm, talvez alguém alguns tenham diarista em casa e eles desejam as travestis mas também não podem assumir que as desejam. Eu acho isso muito triste, o quanto cisheteronormatividade é transversal a todos os corpos, por que esses homens não podem manifestar desejo por pessoas trans e ser feliz? Por que tem que ser escondido? A gente vê que há uma relação muito forte entre desejo e repulsa, aquele mesmo cliente que pagou o programa mata travesti. Por que ele mata travesti? Porque ele está matando o próprio desejo dele. É muito represado…
Essa cisheteronormatividade represa desejos e o desejo a gente sabe que não é fixo, é um fluxo, e não tem como fixar, é impossível, isso que é maravilhoso.
Gabi: Não só fixar como reprimir, porque em algum momento o desejo transborda.
Muito se fala sobre a violência que mulheres trans e travestis sofrem no Brasil, em geral, em contraponto ao consumo de pornografia trans, como entender essa dualidade? E mais importante, como quebrar esse ciclo?
Sil: Eu estava escrevendo um texto justamente sobre isso, dessa hipocrisia e transfobia brasileira. Lélia Gonzalez fala de um racismo à brasileira, que é um racismo neurótico, que ao mesmo tempo repudia e mata pessoas negras, mas em algumas situações exalta. Por exemplo: a figura da mulata. A mulata, digamos, um termo bem pejorativo, a mulher negra que é sambista, que mostra o corpo… Você pode pensar na globeleza, que é o cartão postal do Brasil para o para turista gringo ver e querer, mas o que acontece? Essa mulher é exaltada em um dia - no carnaval - e no outro dia ela é uma mulher negra com trabalho precarizado, que vai ser totalmente invisível e não vai ser reconhecida. Esse é o racismo à brasileira, que exalta e repudia. Em relação as pessoas trans é a mesma coisa, transfobia à brasileira, que é aquela que mais consome pornografia travesti no mundo e aquela que mais mata travsti no mundo. É uma forma de racismo também, então a transfobia e o racismo à brasileira são essas duas facas que matam esses corpos que teimam em continuar vivos e vão continuar vivos e cada vez mais.
Gabi: Ainda mais se você pensar que 90% das assassinadas são mulheres trans ou travestis negras que trabalham na prostituição, então não tem como ignorar esse recorte.
Sil: Exato! Mas é neurótico. Lélia Gonzalez fala sobre essa neurose: é uma coisa neurótica, que você quer mas não quer, que deseja mas não deseja, que você ama mas você me mata. A pergunta para mim como um antropólogue hoje, para colaborar e quebrar o ciclo: como vamos fazer para quebrar o ciclo? A gente, como professories na universidade pública, como cidadãs.
Gabi: Eu acho que a única coisa que a gente sabe de como quebrar esse ciclo, na minha ignorância do assunto, é desconstruir cisheteronormatividade. Como a gente vai fazer isso são outros 500, mas acho que esse é o caminho.
Sil: O que é uma meta diária, que tá na sala de aula, na padaria quando a gente vai comprar pão, que tá no filme que a gente está assistindo e conversando com ume amigue, está em todos os espaços da nossa vida… precisa estar!
O que são estudos trans e qual é a sua relação com a teoria queer? Ouvi falar que existem algumas querelas entre esses campos, é verdade?
Sil: Essa é uma pergunta muito difícil que inclusive eu não sei se eu sei responder porque eu acho que preciso estudar muito a teoria queer para entender no início como é que se deu. Os estudos trans têm papel fundamental lá no início dos anos 90 nos Estados Unidos e nos anos 2000 no Brasil, justamente de dar visibilidade à letra T, que tanto aqui como no exterior eram pessoas que estavam militando nos movimentos LGBT’s, nos movimentos homossexuais mas eram totalmente insensíveis, não tinham voz dentro dos movimentos gays e lésbico, especialmente no movimento gay. O movimento trans e os estudos trans vêm justamente para mostrar que há temas e questões que são específicas, que as outras letras não dão conta, e aí nesse momento os estudos queer, digamos, há uma atenção que tem a ver com a questão da identidade, da política identitária ou não, porque os estudos queer, na origem e até hoje, nos Estados Unidos especialmente, são movimentos e pesquisas que querem desconstruir a identidade. Então, não há identidade para queer. A nossa LGBTQ, que temos no Brasil, é controversa porque se você for pensar na raiz das questões queer, a questão da identidade não pode aparecer, justamente a questão de borrar a fronteira, não ter uma única identidade, poder viver esse fluxo transitório/transitivo do corpo e do sexo sem moralismos, porém, uma coisa uma ideia, outra coisa é você viver classe média, podendo fazer sexo público, sem ser preso porque você tem dinheiro para pagar o advogado.
Gabi: Se você for um garoto branco cis e hétero não vai acontecer nada com você.
Sil: Exato, agora se você for uma pessoa preta, travesti, que quer ter experiências dissidentes de sexo e gênero em público no Brasi,l essa pessoa vai ser presa e provavelmente nunca mais vai ser solta, vai ficar numa CDP não sei quanto tempo, se é que ela continue viva… então, é uma discussão importante que os estudos trans trazem, e que vem junto com a questão do movimento negro, que é “E aí, cara pálida, é super bonito você experienciar, ter uma experiência queer, mas você sendo preto e periférico, como é que você vai?” Eu acho que tem uma treta, que eu tenho entendido, que aparece um pouco por aí na briga e, eu lembro que, por exemplo, a Fernanda Benvenutty- posso falar porque ela conversava comigo - tinha um incômodo no queer com essa bolha, é muito interessante na ideia, mas prática no Brasil, na situação que a gente vive hoje, nesse mundo conservador para caramba, racista e transfóbico não é possível. Os estudos queer têm uma provocação importante, que é o limite que a política identitária pode ter, até onde podemos ir com ela.
Gabi: Até onde a gente consegue colocar todo mundo para uma caixinha hermética, bonitinha e bem definida…
Sil: Acho interessante fazer o diálogo entre queer e trans, mas eu sou ume acadêmique que está na universidade pensando sobre, isso é uma coisa, outra coisa é você experienciar e propor práticas queer no Brasil, mas eu acho incrível quando ocorre. Existem artistas no Brasil que não se dizem queer mas que estão fazendo experiências queer, como a Jota Mombaça, que trabalha com temática trans, preta, artística, com violência, música e poesia. É uma experiência queer também, mas não é nada elitista, então é outra coisa: marginal, periférico, mas talvez a gente precise criar outros nomes para as nossas experiências diversas no Brasil.
Gabi: Sair um pouco do colonialismo. Em parte, é uma das grandes críticas do movimento trans brasileiro contra a própria palavra trans, que não se gosta da palavra trans porque tem essa visão que veio de fora para apagar a identidade travesti. Não é minha visão, mas a gente tem que respeitar a visão de quem está aqui também. Às vezes é muito difícil ter esse diálogo, falar trans, transgênero, as pessoas pensam como se você estivesse colonizando elas.
Sil: Com a palavra transexual, que também é controversa para caramba porque tem a questão médica patologizante, então é complicado.
Gabi: Ultimamente eu não tenho usado tantos essas palavras, tenho usado “domesticação das nossas vivências” porque realmente é uma violência a palavra transexual, ainda mais se você for olhar para história, na escala do Benjamin do true transexual (41:33), não é nem humano o que faziam com as meninas - com as meninas porque o homem trans não existia naquela época.
Alguém me contou que você recentemente aprovou um projeto para compreender as vivências de estudantes, funcionáries e professories trans e travestis na USP para embasar a proposição de ações de enfrentamento à transfobia. O que você pode contar sobre a situação das pessoas trans e travestis na USP? Quais são as maiores dificuldades que elas encontram? Como se dará esse estudo?
Sil: Esse nosso estudo vai ser lançado no dia 29 de Janeiro e a gente vai mapear pessoas trans e travestis na Universidade de São Paulo, a ideia é fazer um primeiro mapeamento. O estudo é coordenado por mim e Gabrielle Weber, uma professora travesti que eu tive o prazer de conhecer o ano passado, é um estudo que está sendo apoiado pela pró-reitoria de cultura e extensão e nós temos vários bolsistas de graduação e pós, todes trans. Somos quatro (ou cinco) alunos de graduação e duas de pós e, no primeiro momento, nós vamos lançar uma pesquisa quantitativa, um formulário que todes as pessoas que quiserem - professores, servidores e discentes - vão responder e a partir desse momento mapeamento inicial - que a Gabrielle está coordenando -, nós vamos fazer entrevistas com algumes pessoas que queiram participar da pesquisa para entendermos como é que se dão essas vivências trans na USP. A gente sabe que a Universidade de São Paulo é a única universidade pública no estado de São Paulo que não tem portaria, nenhuma regulamentação, entorno de regulamentação de nome social e uma das poucas no Brasil que não têm nenhuma portaria para nome social. O primeiro problema que as pessoas enfrentam é em relação ao nome social e ao uso do pronome correto e múltiplas formas de transfobia: na sala de aula, nos banheiros, nos espaços de convivência. Um primeiro mapeamento, que é importante, que foi feito pela coletiva Xica Manicongo, que é uma coletiva de estudantes trans que surgiu no início da pandemia e que também participou do início dos estudos conosco e foi quem juntou eu e Gabi - fez a mediação des professories.
Quais dicas você dá para quem pretende seguir na sua área do conhecimento? Algume autore ou texto para começar?
Sil: Eu acho que para começar na Ciências Sociais eu recomendaria a Lélia Gonzalez, uma autora que faleceu jovem nos anos 80 e que começou o doutorado em antropologia e não terminou porque morreu antes vítima de um infarto fulminante. A Lélla é uma pessoa muito importante para entender a questão racial e de gênero no Brasil.
Se você é mais nerd Cabeção e quer entrar no mundo da Melanésia, que são as primeiras pesquisas, há um livro belíssimo da Margaret Mead, que é uma antropóloga inglesa e sapatão que nos anos 30 - 1932 - escreveu um belo texto que chama “Sexo e Temperamento” que é um livro para mostrar que na Melanésia essa questão de gênero e sexo já era transitiva desde o início. Esse livro é uma monografia clássica em antropologia, fácil de ler.
[0] Link para o estudo sobre a vivência das pessoas trans na USP http://www.corpastrans.org/
[1] CV Lattes de Silvana: http://lattes.cnpq.br/0383359382532310 ou ID Lattes:0383359382532310
[2] Livros da Lélia Gonzalez!
[3] https://www.themarginalian.org/2014/02/06/margaret-mead-homosexuality/
[4] Margaret Mead - Sexo e temperamento
Pra aprender: Livros da Lélia Gonzalez, documentário da Marsha P. Johnson
Pra descontrair: Pose (Netflix) e Paris is Burning (Netflix)
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