Física de Partículas: Uma Nova Esperança

Quando iniciou a sua operação há pouco mais de uma década, em 20 de novembro de 2009, o LHC enchia o coração de milhares de físiques ao redor do mundo com a esperança de se observar novos fenômenos que permitissem desvendar os mistérios do universo. Contudo, ao longo desses anos, nenhuma pista que nos permitisse entender a física além do modelo padrão foi encontrada. Nada de matéria escura. Nada de dimensões extras. Nada de supersimetria. Apenas o bóson de Higgs foi encontrado em 2012. Contudo, tratou-se de um resultado que não revelou nada além do que o modelo padrão previa. A física de partículas entrava numa crise de falta de ideias sem precedentes.

Mas, há uma nova esperança. No dia 23 de março de 2021 o experimento LHCb do CERN anunciou novos resultados que podem indicar possíveis violações do modelo padrão. Esses dados apontam para uma possível violação da universalidade leptônica.

Partículas elementares do modelo padrão.

Fonte: Wikipedia

O que é o modelo padrão?

O modelo padrão da física de partículas é uma teoria que se propõe a descrever a natureza em suas menores escalas. Ele unifica três das quatro interações fundamentais da natureza, o eletromagnetismo, a força fraca e a força forte em um único arcabouço teórico que explica como essas forças afetam a matéria. Essa é composta por dois tipos de partículas, os léptons, como o elétron, e os quarks, que formam partículas como os prótons e os nêutrons.

Apesar de seu indiscutível sucesso, o modelo padrão ainda é uma teoria incompleta. Para começar, existem fenômenos observados na natureza, como a gravidade, a existência de matéria e energia escura e a assimetria entre matéria e antimatéria, que não são explicados pelo modelo padrão. Além disso, ele apresenta alguns desafios do ponto de vista teórico relacionados com algumas hipóteses feitas em sua formulação, como as massas das partículas elementares e as constantes de acoplamento das interações. Tudo isso aponta para a existência de uma física além do modelo padrão que ainda não temos acesso do ponto de vista experimental.

O que é a universalidade leptônica?

Uma das características não explicadas do modelo padrão é que a matéria pode ser classificada em três gerações. Os léptons, que são as partículas elementares que não interagem através da força forte, aparecem em seis sabores separados nessas três gerações: elétron (e-) e neutrino do elétron (𝜈e), múon (μ-) e neutrino do múon (𝜈μ), tau (τ-) e neutrino do tau (𝜈τ). Uma simetria acidental do modelo padrão, conhecida como universalidade leptônica, é que o léptons interagem com a mesma intensidade com a força eletrofracafraca. Em outras palavras, exceto por suas massas, o modelo padrão trata os três léptons carregados (elétron, múon e tau) da mesma forma, exceto por suas massas: mτ > mμ > me.

Diagrama de Feynman mostrando o decaimento do méson B+ em um meson K+ e um par lépton-antilépton (l-,l+) mediado pelos bósons ɣ, W±, Z0.

Fonte: LHCb

O que o LHCb mediu?

Existem seis tipos de quarks, alguns dos quais são instáveis e decaem e outras partículas. O LHCb é um dos quatro grandes experimentos do LHC e foi desenvolvido com o intuito de estudar os decaimentos envolvendo o quark bottom (b). Em particular, o quark bottom (b) pode decair em um quark strange (s) produzindo um par elétron (e-) pósitron (e+) ou um par múon (μ-) antimúon (μ+).

Em virtude, da universalidade leptônica, esperaríamos que esses dois decaimentos ocorressem com as mesmas taxas.

Contudo, ao comparar as taxas de decaimento do méson B+, composto por um quark up (u) e um antiquark bottom (b), em um káon carregado (K+), composto por um quark up (u) e um antiquark strange (s), e um par elétron-pósitron ou um par múon-antimúon, o LHCb descobriu que esses decaimentos ocorrem com probabilidades diferentes. De uma forma mais concreta, para cada 100 decaimentos que produzem elétrons, apenas 85 produzem múons. Um resultado em clara contradição com a universalidade leptônica.

Comparação entre as medições da razão RK entre as taxas de decaimento do méson B+ em múons e em elétrons. Além dos resultados do LHCb, são exibidos os obtidos pelas colaborações BaBar e Belle.

Fonte: LHCb

Observamos realmente uma física nova?

A significância estatística do resultado é de 3,1 desvios padrão, o que permite afirmar que há uma probabilidade de aproximadamente apenas 0,1% do resultado medido ser compatível com as previsões do modelo padrão em função de variações estatísticas. No jargão da física, dizemos que um resultado com mais do que 3 desvios padrões é uma evidência. Contudo, só costumamos afirmar que se trata de uma descoberta genuína se a significância estatística for maior do que 5 desvios padrão.

Essa anomalia observada pelo LHCb é compatível com observações anteriores do próprio LHCb e de outras colaborações como a BaBar e a Belle, que datam desde 2014. Contudo, é a primeira vez que o desvio do modelo padrão foi detectado com tamanha precisão.

Consequências Teóricas

O decaimento do quark bottom no quark strange é um processo que é altamente suprimido no modelo padrão e pode ser diretamente afetado pela existência de novas partículas, cujas massas ainda são grandes demais para serem produzidas no LHC. Isso acontece, porque a teoria quântica de campos permite que tais processos sejam mediados por partículas virtuais que podem ter massas maiores do que a diferença de massa entre os estados inicial e final. No caso do modelo padrão, essas partículas virtuais incluem os bósons da força eletrofraca ɣ, W±, Z0 e o quark top (t).

Se verificado, esse resultado aponta que novos processos físicos são necessários para a descrição acurada da natureza, como a existência de novas partículas fundamentais ou interações. Físicos teóricos já mostraram ser possível explicar essa anomalia com a inclusão de novas partículas que contribuíram para o decaimento b → s, mas interagiriam de forma diferente com os diferentes léptons. Uma possibilidade, é a inclusão de uma nova partícula fundamental, denominada Z’, que seria responsável por uma nova interação fundamental. A força correspondente seria muito fraca e por isso ainda não teríamos sido capazes de observá-la diretamente. Uma outra opção seria a partícula hipotética denominada leptoquark, que teria a capacidade de decair em quarks e léptons simultaneamente.

Uma nova física?

Mas o que isso significa para o futuro da física? Estamos mesmo observando novas partículas fundamentais? É a revolução que tanto aguardamos?

Vamos com um pouco de calma. O modelo padrão é uma das teorias físicas mais robustas já concebidas pela humanidade. Desde sua proposição na década de 1960, vem resistindo a todos os testes experimentais. E olha que não foram poucos. Assim, para podermos afirmar que novos fenômenos estão, de fato, sendo observados, precisamos de evidências extraordinárias!

Referências

Texto por: Gabrielle Weber

Conjectura de Collatz

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