ANTIGRAVIDADE!


Será que a antimatéria cai para cima?



A teoria da relatividade geral, proposta por Albert Einstein em 1915, continua como a descrição mais precisa que temos da gravidade. Apesar de sabermos há bastante tempo de suas limitações, como exemplificado pelo nosso completo desconhecimento sobre o que ocorre nas singularidades ou pela brutal incompatibilidade com a mecânica quântica, ela vem passando em teste experimental atrás de teste experimental, há mais de um século: do eclipse solar de 1919 à primeira observação das ondas gravitacionais em 2015.


O seu desenvolvimento decorre da observação crucial feita por Einstein de que a gravidade é localmente indistinguível de uma força de inércia. Esse é o conteúdo do Princípio da Equivalência que, de uma forma mais precisa, postula a equivalência entre as massas gravitacional e inercial. Em outras palavras, o Princípio da Equivalência (em sua versão fraca) requer que todos os corpos reajam à força gravitacional, isto é, caiam, exatamente da mesma forma, independentemente de sua estrutura interna. Em particular, sua validade foi testada com uma precisão absurda, da ordem de 10-15, em experimentos recentes usando massas colocadas a bordo de satélites (em queda livre) que orbitam a Terra.


Contudo, a antimatéria, prevista em 1928 por Dirac e observada (com a primeira detecção de um pósitron) apenas em 1932, era naturalmente desconhecida por Einstein no momento da formulação de sua teoria para a gravitação. Consequentemente, desde então tem havido muita especulação sobre a interação da gravidade com a antimatéria. Apesar de o consenso teórico ser de que qualquer massa em um laboratório, ou seja, incluindo a de objetos feitos por antimatéria, devesse ser atraída pela Terra, algumes cientistas exploraram a possibilidade cosmológica de que a antimatéria fosse repelida pela matéria comum.


Testar se a antimatéria cai como a matéria comum é muito mais complicado do que parece, em grande parte devido à interação eletromagnética. Para comparação, a força gravitacional atuando sobre um próton na superfície da Terra é equivalente à gerada por um campo elétrico de aproximadamente 10-7 V/m. Por outro lado, basta um campo magnético da ordem de 10-10 T para contrabalancear a força gravitacional sentida por um antipróton mantido a uma temperatura de 10 K. Assim, controlar as condições experimentais de modo a permitir uma detecção dos efeitos do campo gravitacional é uma tarefa formidável, que só se tornou possível com a capacidade de se produzir e confinar átomos de anti-hidrogênio.


O CERN, atualmente, é o único laboratório no mundo capaz de produzir anti-hidrogênio. Para tanto, ele conta com um acelerador de partículas capaz de produzir antiprótons a partir da colisão de prótons a altíssimas velocidades e um "desacelerador", chamado ELENA (Extra Low ENergy Antiproton) capaz de desacelerá-los o suficiente para permitir a sua manipulação. Dentre os diversos experimentos que utilizam os antiprótons produzidos pelo ELENA está a colaboração internacional ALPHA (Antihydrogen Laser PHysics Apparatus) que os combina com pósitrons coletados de uma fonte radioativa para estudar as propriedades do anti-hidrogênio. Elus esperam com isso entender melhor as simetrias fundamentais entre matéria e antimatéria.


Mais especificamente, o experimento ALPHA-g tem como objetivo estudar a ação da força gravitacional na antimatéria. Para tanto, o time de cientistas liderado por Jeffrey Hangst construiu um eixo vertical de 3 metros de altura rodeado por bobinas supercondutoras. O campo magnético gerado por essas bobinas pode ser utilizado para aprisionar milhares de átomos de anti-hidrogênio em compartimentos magnéticos localizados no topo e na base do eixo. Assim, ao abrir esses compartimentos deixando os anti-átomos, que estavam termalizados a 0,5 K, escaparem e se aniquilarem nas paredes do tubo, o time de pesquisadories esperava verificar se a gravidade tinha algum efeito observável em seu movimento.


Comparando o número de anti-hidrogênios que escapava da armadilha de cima (caindo) com a quantidade que saia da armadilha de baixo (subindo), es cientistas calcularam a probabilidade de um anti-átomo escapar para baixo (Pdn) em função do campo magnético de referência. Qualitativamente, os dados experimentais exibidos na Figura 1 exibem o comportamento esperado para uma atração gravitacional entre a Terra e os átomos de anti-hidrogênio. Se o campo magnético de referência for ajustado para aproximadamente +3g (-3g), os anti-átomos saem predominantemente do compartimento de cima (baixo), já que a contribuição magnética é suficientemente maior do que a gravitacional. A fração dos anti-hidrogênios que escapa para baixo cresce monotonicamente conforme o campo magnético aumenta de -3g para 3g. O ponto de equilíbrio (Pdn = 0,5) corresponde a um campo magnético de referência de aproximadamente -1g, corroborando a hipótese de que a antimatéria cai para baixo da mesma forma que a matéria comum.