O 'charm' intrínseco do próton

Certamente, você já leu por aí que o próton é constituído por 3 quarks: 2 ups e 1 down.

Mas, por que essa composição?

São conhecidos 6 tipos, ou em fisiquês, sabores de quarks. Do menos para o mais massivo, temos: up (2,3 MeV), down (4,8 MeV), strange (95 MeV), charm (1275 MeV), bottom (4,18 GeV) e top (173,1 GeV). Além da massa, eles são caracterizados pelo spin, pela carga de sabor, pela carga de cor e pela carga elétrica. Em particular, com respeito a essa última, temos que os quarks positivos: up, charm e top, carregam ⅔ da carga de um pósitron, enquanto que os quarks negativos: down, strange e bottom, ⅓ da carga do elétron.

Figura 1: Tabela periódica das partículas elementares do Modelo Padrão.

O modelo mais simples que podemos imaginar para o próton é o de uma sacola em que colocamos três quarks, chamados quarks de valência, até completarmos os seus números quânticos. Sabendo que a carga do próton é igual a do pósitron, concluímos que precisamos de dois quarks positivos e um negativo. Sabendo que a massa do próton é de 938 MeV, já podemos, a princípio, descartar os chamados quarks pesados: o charm, o bottom e o top de sua composição. Portanto, restam duas opções: uma com 2 ups e 1 down e a outra com 2 ups e 1 strange. Ambas, contudo, possuem menos massa do que o próton. A primeira totaliza 9,4 Mev, apenas 1% da massa do próton, enquanto que a segunda chega a incríveis 99,6 MeV, cerca de 10% da massa do próton.

Figura 2: Massas atuais dos quarks de todos sabores. As bolinhas mostram a proporção da massa em volume. O próton em cinza e o elétron em vermelho são mostrados no canto como escala.

Alguma coisa errada não está certa, né?

Neste caso é o nosso modelo que não leva em conta a natureza quântica da interação entre os quarks. Essa interação, descrita teoricamente pela Cromodinâmica Quântica (QCD), envolve a troca de glúons, a partícula que media a interação forte da mesma forma que o fóton, a eletromagnética. Dessa forma, os quarks de valência ficam envolvidos em um mar de pares quark-antiquark virtuais gerados pelos glúons que os mantém coesos dentro do próton. Contudo, a QCD é complicada demais para podermos calcular exatamente as diversas contribuições para a massa do próton. Restam, então, as abordagens fenomenológicas e experimentais.

Em um artigo de 2018, Yang e colaboradories empregaram a QCD na rede para estimar tais contribuições e concluíram que aproximadamente 9% da massa do próton é devida aos condensados de quarks (up, down e strange), aproximadamente 32% à energia dos quarks, aproximadamente 37% à energia do campo de glúons e aproximadamente 23% à anomalia de traço. Somente essa primeira e menor contribuição, usualmente denominada contribuição intrínseca, envolve as massas dos quarks up, down e strange, bem como a das partículas virtuais que os envolvem. As demais estão relacionadas com a dinâmica dos quarks e glúons envolvida em seu confinamento dentro do próton, com a última sendo uma contribuição puramente quântica relacionada com a escala de massa da QCD e envolve a massa de todos os quarks.

Figura 3: Contribuição anômala dos glúons e das energias cinéticas dos quarks para formar a massa do próton.

https://physics.aps.org/articles/v11/118

Mas, qual é a diferença entre o 'charm' e o funk?

Por outro lado, sabemos que em colisões com energia suficientemente altas, todos os sabores de quark podem ser excitados e observados dentro do próton. Assim, uma das questões mais controversas da física nuclear versa sobre a possível contribuição intrínseca dos quarks pesados, em particular do charm, para a massa do próton.

Para elucidar essa questão a colaboração NNPDF (Neural Networks Parton Distribution Functions) usou técnicas inovadoras de aprendizado de máquina para analisar um grande conjunto de dados experimentais obtido por diversos aceleradores de partículas e separar as contribuições intrínsecas das radiativas do charm para a massa do próton. A conclusão é que, com uma confiança estatística de 3 desvios padrões, existe uma pequena contribuição do charm para a massa de um próton em repouso.

Esse resultado, publicado em agosto de 2022 na Nature, constitui um avanço considerável na compreensão da estrutura do próton, cuja resolução a partir da QCD continua extremamente difícil. Além disso, ele terá um impacto imediato na simulação de processos físicos envolvendo prótons que ocorrem em aceleradores de partículas, como o LHC, permitindo resultados cada vez mais precisos para os parâmetros do modelo padrão!

Referências

Y.-B. Yang, J. Liang, Y.-J. Bi, Y. Chen, T. Draper, K.-F. Liu, and Z. Liu, “Proton mass decomposition from the QCD energy momentum tensor,” Phys. Rev. Lett. 121, 212001 (2018).
The NNPDF Collaboration. Evidence for intrinsic charm quarks in the proton. Nature 608, 483–487 (2022). https://doi.org/10.1038/s41586-022-04998-2
André Walker-Loud, Dissecting the Mass of the Proton, https://physics.aps.org/articles/v11/118

Texto por: Gabrielle Weber

O que raios é o arXiv?

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