Link do episódio: #S01E04 - E o grafeno heim?
Olá, mamutinhes! Aqui é a Gabi! E hoje trago para vocês um tema de física teórica que faz parte de uma das minhas linhas de pesquisa. Para conversar com vocês sobre o grafeno e suas propriedades, trouxe o Antonio Manesco que é o meu aluno de doutorado que trabalha com esse sistema em particular. Então já deu para entender que hoje é dia de explodir a cabeça! Olá Antonio!
Antonio se apresenta!
Oi gente, como a Gabi falou, eu sou engenheiro físico formado pela Escola de Engenharia de Lorena da USP e depois que eu terminei a graduação eu continuei na escola de Engenharia de Lorena e agora eu faço doutorado direto em engenharia de materiais, mas com bastante fronteira com a física teórica.
Antes de começarmos a falar de física propriamente, gostaria de saber de você Antonio, qual é exatamente a sua área de trabalho e por que você se interessou por ela?
Antonio responde:
Definir minha área de trabalho tem ficado cada vez mais complicado, mas de forma geral, eu trabalho com física da matéria condensada. Um ramo mais específico da matéria condensada é a física do estado sólido, como o próprio nome diz é a física que estuda o comportamento dos sólidos. Eu trabalho com propriedades eletrônicas dos sólidos mas daí são várias áreas diferentes. Meu trabalho é principalmente voltado para área de nano eletrônica ,mas eu também tenho começado aprender uma coisa ou outra de spintrônica e sobre magnetismo. Então,cada dia que passa a gente vai se envolvendo em trabalhos novos e acaba ampliando um pouco a área.
Como eu me interessei por essa área remonta desde o começo da minha graduação. Eu sempre tive interesse em trabalhar com física teórica, mas logo que eu comecei a trabalhar com pesquisa na forma de iniciação científica o meu primeiro contato com pesquisa foi na física experimental. Eu comecei a trabalhar com o professor Durval Rodrigues Júnior, que é professor na ELL. Ele é meu orientador de doutorado direto junto com a Gabi e, na época eu estava trabalhando com caracterização de materiais supercondutores, e, é normal a gente começar na graduação trabalhando com áreas experimentais, porque é muito difícil você colocar um aluno para pôr a mão na massa trabalhando com física teórica, geralmente envolve muita revisão de literatura. Mas, como eu sempre tive interesse, eu sempre busquei entender um pouco mais sobre a teoria por trás de tudo que eu estava fazendo.
Depois do meu primeiro ano de iniciação científica, o Durval propôs que a gente começasse a trabalhar com grafeno na ELL e por conta disso ao longo do projeto eu acabei aprendendo tanta coisa sobre teoria, que eu acabei me especializando mais na área de teoria. Eu comecei aprendendo a fazer cálculos de estrutura eletrônica, depois uma coisinha ou outra voltada para nanoeletrônica, comecei a me envolver mais com a área de simulação computacional de sistemas sólidos e isso foi durante a graduação. Eu fui me aprimorando cada vez mais com física teórica e depois no meu doutorado ficou bem natural de que eu queria fazer alguma coisa que tivesse interface boa com a física teórica e computacional.
Então no meu doutorado eu continuo trabalhando com grafeno.Eu trabalho com fases topológicas em grafeno,mas não só em grafeno, em outros materiais também, mas principalmente voltado para o grafeno, esse é o ponto principal do que vai ser minha tese e acho que é isso, eu já falei um pouco sobre minha área de pesquisa não vou repetir.
1) Efeito Hall
Para podermos compreender alguns dos fenômenos que tornam o grafeno um material tão interessante, precisamos primeiramente relembrar como os campos magnéticos ensinam os elétrons a fazerem curvas.
Força de Lorentz
Um dos assuntos mais complicados de Física no Ensino Médio é o eletromagnetismo. E um dos motivos disso é que se trata da primeira teoria da Física com que nos deparamos para qual não existem exemplos em menos de 3 dimensões. Deixe-me esclarecer: na cinemática, na eletrostática e na óptica, por exemplo, existem muitos problemas interessantes que podem ser resolvidos pensando em corpos/raios de luz se movendo num plano, ou as vezes até em uma única linha reta. Nesse último caso, fazendo com que um tratamento explicitamente vetorial não seja sequer necessário. O eletromagnetismo não é tão simples exatamente porque logo em seus exemplos mais simples já requer tal tratamento vetorial tridimensional explícito. Talvez a fórmula que ilustra melhor isso é a da força de Lorentz, também conhecida como força magnética (aquela "q v B sin 𝛩") que descreve a força que atua sobre uma partícula de carga q que se move com uma velocidade v sob a ação de um campo magnético B. Calcular a intensidade da força é relativamente simples, mas encontrar a direção e o sentido dessa força já é consideravelmente mais complicado: envolve o conceito de produto vetorial, que leva à famosa regra da mão direita - o terror de qualquer estudante, até os que têm alguma afinidade com ciências exatas.
Tavez pra infelicidade de todos, essa é exatamente a força que vamos explorar hoje. Quando submetemos elétrons a essa força de Lorentz, a regra da mão direita ou produto vetorial, nos diz que elétrons podem fazer curvas quando são submetidos a um campo magnético. Um exemplo simples de um sistema com vários elétrons se movendo de um lado para o outro é um metal. A seguir o Antonio, vai nos explicar sobre um experimento bastante interessante explorando a força de Lorentz.
O efeito Hall clássico
Suponha que você tenha um paralelepípedo metálico, e que passe uma corrente elétrica na direção de maior comprimento desse paraleleípedo. Perpendicularmente a essa direção, você aplica um campo magnético. O que acontece? Não é tão complicado de prever aplicando a força de Lorentz: os elétrons que caminhavam na direção da corrente elétrica agora são defletidos para uma das paredes do paralelepípedo. O resultado é que, perto dessa parede do metal, surge um acúmulo de elétrons. Uma forma simples de notar isso é medindo a diferença de potencial, vulga voltagem, entre essa parede e a parede do lado oposto gerada pela diferença de carga entre os dois lados. A esse fenômeno, damos o nome de efeito Hall, em homenagem a Edwin Hall que reportou os resultados do experimento em 1879, enquanto trabalhava em sua tese de doutoramento na Universidade de Johns Hopkins em Baltimore.
Efeito Hall Quântico
Confinamento bidimensional
Dentro de um material tridimensional qualquer, as curvas que a força de Lorentz causa são, em geral, bastante complicadas. Os elétrons podem girar ao redor de diferentes eixos, seguir trajetórias espirais, etc. Logo, foi entendido que se fossemos capazes de fazer filmes muito finos de materiais, seria possível confinar os elétrons em um plano para que, ao submetê-los a um campo magnético externo, eles pudessem seguir apenas órbitas circulares (chamadas órbitas ciclotrônicas), ao redor de um único eixo.
Os primeiros experimentos com sucesso foram feitos combinando dois materiais diferentes que não conduzem eletricidade. A interface entre os dois, por outro lado, é capaz de conduzir, e assim criamos um gás de elétrons bidimensional. No trabalho que vamos explicar mais para frente, a ideia é um pouco diferente: pegamos um material que já é uma única camada de átomos - o grafeno. Vamos conversar sobre ele mais tarde.
Níveis de Landau (órbitas de Bohr)
Nesse ponto, é importante lembrar que hoje entendemos que elétrons não se comportam unicamente como partículas, mas também podem ser descritos como uma onda dependendo de como os observamos. Logo, os elétrons possuem um comprimento de onda característico. Dentro de um material, esse comprimento é chamado de comprimento de onda de Fermi.
Novamente, quando confinamos elétrons a duas dimensões, os elétrons giram em órbitas ciclotrônicas. Quando aumentamos o campo magnético, o raio dessas órbitas ciclotrônicas diminui cada vez mais. Até que, para um certo valor do campo magnético, o raio dessas órbitas passa a ser mais ou menos do mesmo tamanho do comprimento de onda de Fermi, e nós somos capazes de observar um fenômeno quântico.
Aqui vale uma lembrança bastante útil: existe um sistema bem famoso na natureza que podemos entender intuitivamente como elétrons seguindo órbitas circulares - o átomo de hidrogênio. Nós aprendemos aquela visão pictórica (átomo de Bohr-Sommerfeld) de que quando está preso pelo potencial eletrostático, o elétron, que intuitivamente giraria em torno do núcleo da mesma forma que a Terra gira em torno do sol, não poderia seguir qualquer órbita, mas apenas algumas. De fato, as órbitas permitidas são aquelas cujo comprimento é igual a um número inteiro vezes o comprimento de onda do elétron. Isso faz com que os elétrons apresentem vários níveis de energia muito bem definidos, que chamamos de "camadas". Os elétrons num campo magnético também poderão ocupar apenas algumas "camadas", que recebem o nome de níveis de Landau.
Uma analogia que ajuda a entender essa "competição" entre o comprimento de onda e o raio da órbita é quando estamos em um balanço. Quando estamos brincando de balanço num parquinho, se não tiver ninguém para nos empurrar, a única alternativa é movimentar nossas pernas corretamente. E o que significa "corretamente"? Significa acompanhar o movimento do balanço. Se nos movimentarmos sem acompanhar o movimento do balanço, vamos acabar parando. Ou seja, para que a trajetória no balanço seja estável, precisamos fazer o nosso movimento "concordar" com o movimento do próprio balanço.
Quantização da condutância
Existe um fenômeno muito interessante que surge em decorrência do efeito Hall quântico. Se todos os elétrons estão percorrendo órbitas circulares, eles não geram nenhuma corrente elétrica: vão ficar presos pra sempre em torno do centro das órbitas, sem se movimentar. Essa é na verdade a mesma ideia que explica um material isolante não conduzir eletricidade: os elétrons de um material isolante estão presos na vizinhança dos núcleos atômicos.
Mas o efeito Hall quântico é um pouco diferente: nós não podemos colocar uma parede no meio do caminho das trajetórias que um elétron faz ao redor de um átomo; por outro lado, se cortarmos um material, vamos criar uma parede onde não podem existir órbitas ciclotrônicas. E bem na parede acontece um fenômeno muito interessante:
Pense que um elétron está circulando no sentido horário numa órbita ciclotrônica.
Agora coloque uma parede sobre essa órbita, e imagine que o elétron está do lado esquerdo dessa parede. Se ele não pode passar pela parede, ele naturalmente vai bater e voltar.
Por outro lado, a força magnética vai fazer com que ele continue girando no sentido horário. Então ele não vai voltar na direção contrária, mas sim "subir" pela parede.
Repare que mesmo que você deixe essa parede cheia de imperfeições, a força magnética vai sempre fazer com que o elétron rode no sentido horário (quebra de simetria de inversão temporal), e mesmo que ele demore um pouco mais, sempre vai subir pela parede.
Isso faz com que a condutância elétrica (o inverso da resistência elétrica) seja constante, desde que você não aumente a energia do elétron para que ele acesse o próximo nível de Landau.
O valor dessa condutância vai ser um número inteiro vezes e²/h. Esse número inteiro corresponde ao nível de Landau em que esse elétron se encontra. Como eu disse, esse valor é constante, por pior que seja a qualidade do seu material. É sério! Esse valor é tão, mas tão, constante, que vai ser usado na nova atualização no Sistema Internacional de unidades!
Agora vamos parar de falar um pouco do lado físico, e falar um pouco sobre o material. Como disse, nossa estratégia (ou melhor, a estratégia do experimento que tentamos explicar) foi usar um material que já é muito fino por natureza: o grafeno. Mas, Antonio, o que é o grafeno?
2) O que é o grafeno?
Alótropos do carbono
Antes de falar propriamente sobre o grafeno, talvez seja interessante falar sobre os alótropos naturais do carbono. São dois: o grafite e o diamante.
Começando pelo diamante, trata-se de um material em que todos os átomos de carbono fazem quatro ligações, levando ao que os químicos chamam de hibridização sp³. A geometria dessas ligações faz com que os átomos de carbono possam se mover pouco em relação aos outros, tornando o diamante um dos materiais mais duros que conhecemos (usado inclusive em serras industriais, etc).
No grafite, por outro lado, os elétrons fazem apenas 3 ligações, a chamada hibridização sp². Fazendo com que todas as ligações estejam sobre um único plano. Por isso, o grafite consiste em várias folhas de carbono, uma em cima da outra. Entre essas folhas, existe uma ligação muito fraca, que recebe o nome de ligação de van der Waals. Isso faz com que essas folhas não estejam tão bem grudadas umas nas outras, e o torna um material bem interessante para ser usado na escrita: quando passamos um lápis numa folha, estamos deixando as folhas de grafite da ponta do lápis no papel, enquanto o resto continua preso ao lápis. Assim, ao contrário do que muitos de nós achamos, não é o grafite que arranha o papel, mas sim o contrário. Talvez você já tenha usado pó grafite também para lubrificar a entrada da chave numa fechadura: como essas folhas deslizam umas sobre as outras, o grafite é um lubrificante sólido.
Por fim, chegamos ao grafeno. Imagine que você seja capaz de separar uma dessas únicas folhas do carbono. Por muito tempo, imaginava-se que isso não era possível. O Landau (sim, o mesmo dos níveis de Landau), elaborou um teorema que dizia que seria impossível isolar folhas muito finas de materiais. E na verdade, você já deve ter notado isso alguma vez na sua vida: tente pegar papel celofane e deixá-lo perfeitamente liso em cima de uma superfície. Você vai notar que não é muito fácil, e que se formam várias rugosidades. A ideia é a mesma.
Mas isso não impediu Andre Geim e Konstantin Novoselov de tentar. E a ideia é tão simples que dá pra fazer em casa!
Um parênteses aqui: o Andre Geim foi a única pessoa na história, pelo menos até a data de gravação deste episódio, a ganhar um prêmio Nobel e um Ig Nobel. O primeiro eu imagino que todo mundo conheça. O segundo, é um prêmio bem explicado pelo *slogan*: "descobertas que primeiro fazem rir, e depois fazem pensar". Inclusive, o nosso atual presidente foi agraciado, juntamente com vários outros líderes políticos de competência comparável, com o Ig Nobel na área de Educação Médica por terem um “efeito mais imediato sobre a vida e sobre a morte do que cientistas e médicos”. O prêmio do Geim foi na área de Física, por mostrar a resposta diamagnética da água fazendo um sapo flutuar com um eletroímã!
Por aí já dá pra imaginar que o prêmio Nobel também surgiu de uma forma inusitada. A ideia que eu disse que dá pra reproduzir em casa é separar as folhas do grafite grudando-as numa fita adesiva! E pasmem, o procedimento que foi reportado em 2004 e rendeu o prêmio Nobel de Física em 2010 ainda é usada até hoje por vários grupos de pesquisa ao redor do mundo por ser ainda a técnica mais eficiente para produzir grafeno de alta qualidade. É de se imaginar que isso seja um problema, inclusive (significa que não existe ainda uma técnica decente em larga escala). Vamos falar mais sobre isso daqui a pouco. Mas, Gabi, o que o grafeno tem de interessante?
O que o grafeno tem de interessante?
Bom, e o que tem de tão interessante numa folha de carbono? Como o Antonio explicou, essa folhas são fracamentes ligadas umas com as outras. Mas os átomos de carbono numa única folha são fortemente ligados entre si, o que faz com que o grafeno seja muito resistente! Ao mesmo tempo, o grafeno é ainda uma folha muito fina, que significa que é muito fácil de dobrar. Talvez isso já seja legal o suficiente, mas tem mais.
Para explicar um pouco sobre o que o grafeno tem de tão interessante, é importante discutirmos sobre um conceito chamado massa efetiva. Os elétrons dentro de um material não estão completamente livres: eles sentem outros elétrons e os núcleos atômicos nas vizinhanças. Esse ambiente que os elétrons presenciam pode facilitar ou dificultar seu movimento, e podemos pensar de forma intuitiva como uma massa efetiva dos elétrons. Ou seja, se um elétron tem mais facilidade de ser acelerado dentro do que fora do material, dizemos que esse elétron é "mais leve". Por outro lado, se for mais difícil tirar os elétrons do lugar quando estão dentro de um material, dizemos que é um "elétron pesado". No grafeno, essa massa é zero! Ou seja, é muito fácil mover elétrons dentro do grafeno. Isso faz com que a condutividade elétrica e térmica dele também sejam muito altas.
Temos então um material flexível, porém resistente, com ótimas propriedades térmicas e elétricas. Por isso, muita gente afirmou que o grafeno levaria a uma revolução da eletrônica.
De um ponto de vista um pouco mais abstrato, o grafeno possui mais uma característica extremamente interessante. Talvez você já tenha ouvido falar de spin: aquela quantidade que descreve, pensando num elétron como uma pequena bolinha, a intensidade com que o elétron gira em torno do seu próprio eixo - o único problema é que o elétron não é uma bolinha e não gira. Mas o que importa é que é uma quantidade com dois valores ±(ℏ /2), que carinhosamente chamamos de "spin para cima" e "spin para baixo". Acontece que o grafeno tem mais duas características que são tipo o spin, chamados de subrede e vale. Eu sei, é muito abstrato. Mas resumindo: os elétrons no grafeno tem "3 tipos de spin". E spin tem dois "valores": "para cima" e "para baixo". Já explicamos algumas consequências disso.
Níveis de Landau em grafeno e magnetismo
Um tópico que eu já estudo há alguns anos é a formação de níveis de Landau no grafeno. Não convém entrar em muitos detalhes, mas os níveis de Landau no grafeno tem uma separação energética bem diferente dos materiais convencionais. Inclusive, essa separação energética foi usada pelo Geim e pelo Novoselov como uma das formas de mostrar que o que eles produziram no laboratório era realmente grafeno.
Uma das coisas interessantes sobre os níveis de Landau é que nós podemos colocar muitos elétrons em cada um desses níveis. E quando colocamos muitos elétrons juntos eles costumam se "socializar": esses elétrons tomam decisões juntas. Para explicar o que acontece, deixe-me fazer uma analogia com o ferro. Se você já ouviu falar em orbitais eletrônicos, você deve saber que a camada de valência do ferro inclui um orbital d (se você nunca ouviu falar de orbitais eletrônicos, o orbital d é uma "subcamada" daquelas "camadas" que citei anteriormente, em que podemos colocar muitos elétrons juntos - até 10 deles). Esses elétrons se comportam de forma coletiva: abaixo de uma determinada temperatura, chamada temperatura de Curie, os spins dos elétrons se alinham todos em uma única direção, resultando no que chamamos de ferromagnetismo - aquela propriedade magnética dos ímãs. A título de curiosidade, existem mais alguns tipos de magnetismo: o antiferromagnetismo (quando os vizinhos de um dos elétrons apontam na direção contrária) e o ferrimagnetismo (quando os vizinhos apontam na direção contrária, mas são mais fracos).
Pois é, mas lembra que a Gabi disse que o grafeno tem 3 tipos diferentes de spins. Então existem 3 decisões diferentes que os elétrons precisam tomar juntos quando estão todos no mesmo nível de Landau. Essas três decisões juntas levam ao antiferromagnetismo no grafeno. Mas parece muito complicado sempre precisar de uma fonte de campo magnético pra fazer o grafeno se transformar em um material antiferromagnético. Vamos discutir agora sobre uma rota alternativa.
3) Como substituir o campo magnético?
Semelhança entre deformações e campos magnéticos
Voltando lá pro começo da nossa discussão, eu comentei que um campo magnético é capaz de defletir os elétrons. Um outro jeito de curvar as trajetórias dos elétrons é curvar a própria folha de grafeno! Por incrível que pareça, deformar uma folha de grafeno é praticamente a mesma coisa que aplicar um campo magnético. Dá inclusive pra medir os níveis de Landau. O único ponto negativo é que a condutância não é constante. Isso acontece porque as órbitas ciclotrônicas não giram mais em um único sentido. Ou seja, se num campo magnético os elétrons giravam apenas no sentido horário, agora eles podem girar tanto no horário quanto no anti-horário. Mas nem sempre isso é um problema.
O nosso trabalho
Então vamos à cereja do bolo que é o nosso último artigo que saiu na 2D Materials no final de setembro. O trabalho foi inspirado em um resultado experimental recente, que foi publicado na Nature no começo de agosto. A ideia desse experimento é a seguinte:
Pegue uma folha e apoie ela sobre a mesa;
Coloque uma mão em cima de cada extremidade dessa folha;
Aproxime suas mãos, pressionando a folha.
Quando você faz isso, a folha naturalmente se curvará para cima, por conta da compressão que você aplicou nela. Esse é um fenômeno chamado de flambagem. Acontece que o pessoal que fez esse experimento conseguiu flambar uma folha de grafeno. Mas de uma forma que criaram não só uma ondulação na folha, mas várias, e de forma periódica.
Como eu disse para vocês, se deformarmos uma folha de grafeno, nós podemos gerar um campo magnético artificial. Mas se fizermos isso de forma periódica, esse campo também será periódico: inclusive, ele vai ser zero em algumas regiões e não-nulo em outras. E esse grupo não fez só isso, mas também conseguiu mostrar a formação dos níveis de Landau usando uma técnica chamada espectroscopia de tunelamento.
A primeira vez que esse experimento foi reportado foi no arXiv, uma plataforma de preprints (basicamente, um lugar para você colocar um artigo finalizado, mas que ainda não foi aceito por uma revista), em abril de 2019. E, como nós tínhamos acabado de publicar um artigo sobre efeito Hall quântico no grafeno à época, todo o conhecimento que eu compartilhei até agora pra explicar estava fresco e recente na minha cabeça. E eu fui atrás das pessoas para começarmos a trabalhar, pois eu acreditava que esse sistema poderia ter uma fase magnética bem interessante. Foi aí que contatei meus orientadores (Gabi e Durval) e um colaborador que hoje trabalha na Aalto University (Finlândia) para estudarmos o problema. No meio do caminho, um aluno de graduação (Du) estava interessado em entender um pouco sobre a relação entre relatividade geral e grafeno deformado (a relatividade geral estuda deformações no espaço-tempo) e começou a trabalhar com a gente também.
De fato, nós mostramos que o sistema apresenta uma fase (ferri)magnética, e colocamos o nosso resultado no arXiv em março de 2020 (sim, quase um ano depois). Tivemos uma grande felicidade de ver que aquele resultado experimental de março de 2019 foi atualizado em junho de 2020, mostrando evidências de que os elétrons se comportam de forma coletiva nesse sistema, em total acordo com nossas previsões teóricas!
4) Como é o dia a dia de trabalho?
Agora que explicamos um pouco da física do grafeno, vamos fazer uma outra coisa que os cientistas são bons: fofocar. Antonio, como é o seu dia a dia de trabalho?
Antonio responde:
Bom, então, eu acho que já acabei meio comentando sobre isso na última fala minha. Meu dia, na verdade, começa checando o ArXiv, primeira coisa que faço é abrir o ArXiv, dar uma olhada em tudo que tem de novo. Para vocês terem uma idéia, eu imagino que por dia o ArXiv tenha cerca de cinquenta (50) a cem (100) artigos novos, pelos menos na minha área que é de matéria condensado, mas tem várias outras áreas, então eu imagino que esse número seja bem maior se pega o ArXiv inteiro. Eu costumo dar uma olhada, é claro que não leio esses cinquenta (50) ou cem (100) artigos, porque tenho mais coisa para fazer, mas pelo menos tento dar uma olhada no título dele, no assunto e quando me interessa, eu leio o resumo, e as vezes, quando me interessa ainda mais, eu sigo em frente e leio o artigo inteiro. Isso, geralmente, costuma dar ideias muito boas, como resolver problemas que estão em andamentos ou às vezes dar ideias para problemas novos, como por exemplo, o que comentei acabou surgindo em um dia desses, quando estava checando ArXiv, vi um artigo e achei que valia a pena investir pouco estudo em cima dele.
Depois de chegar o ArXiv, bom, depende muito do meu dia, mais ainda em período de pandemia, eu tenho reunião quase o tempo todo, eu não comentei isso no começo do podcast, mas eu acabei de passar na Nova Holanda, trabalhando com um grupo Delft University of Technology, lá estava trabalhando com nanoeletrônica, eu trabalhei bastante com programação e como simular transporte eletrônica em sistema. Nesse ano saiu o artigo que acabei de comentar, então estava lendo um pouco mais sobre.
Então normalmente, depois disso, eu tenho reunião com pessoa lá da Holanda, algumas tenho reunião com pessoal daqui, ainda estou trabalhando com Eduardo, que na graduação trabalhou com a gente, agora no estágio também, então estou trabalhando bastante com ele, tenho reunião com Gabi e Durval.
E o resto do meu dia eu passo basicamente ou sentado fazendo contas ou programando, ou seja, ou estou com papel e caneta na mão, porque algumas vezes não é fácil resolver uma conta de algum problema que está tentando resolver ou programando. Porque tem muitas contas que não faz nem sentido a gente resolver na mão, vai levar meses ou anos para fazer isso na mão, podemos em segundo resolver isso no computador, então vale a pena investir um tempo, escrever um código que vai resolver nosso problema, e rodar um monte de simulações para entender melhor.
Só para dar um idéia para as pessoas, a diferença entre fazer contas na mão e contas no computador, quando fazemos contas na mão a vantagem seria obter resultados analíticos que são realmente equação que vai descrever um problema ou uma expressão que nos dará um resultado do que a gente quer. Quando a gente resolve problema no computador, não estamos restritos obviamente, no meu caso, a maioria dos problemas que eu resolvo, são numéricos ou como o próprio nome já indica, cálculo numérico geralmente dá resultados numéricos, é um pouco diferente quando a gente faz análise de resultado numérico, porque a gente não tem um expressão que podemos considera vários parâmetros diferentes, então o comportamento do cálculo devemos rodar várias vezes, e ver por exemplo, como a função se comporta, como o sistema está se comportando, por exemplo vou na aplicação do campo magnético.
Então isso é mais ou menos meu dia, checar as literaturas, ler os artigos que acho interessante, depois participar da reuniões e o resto do dia eu passo programando.
5) Como faz para trabalhar com isso?
Chegamos então a um ponto em que espero que todes vocês estejam maravilhades com o grafeno e a física subjacente que queiram trabalhar nessa área tão fascinante. Então é natural que eu pergunte para você, Antonio, como faz para entrar para esse clubinho?
Antonio responde:
Bom, para trabalhar com pesquisa principalmente no Brasil, na verdade no mundo inteiro, a porta de entrada é a universidade. O primeiro lugar, obviamente, é você ter filiação com alguma universidade, seja como aluno, professor, pesquisador, e geralmente o primeiro contato dos alunos com ciência, pelo menos aqueles que já entendem que querem ciência quase que desde o começo da graduação, é por meio de iniciação científica. Uma iniciação científica é basicamente você desenvolvendo um projeto de pesquisa junto com algum professor sobre algum assunto que te interesse ou que interesse ao professor, e geralmente é fase que você vai mais aprender do que realmente fazer pesquisa de ponta. É óbvio que em alguns casos acontece de você estar aprendendo enquanto você resolve um problema que é realmente um problema em aberto, mas isso não é tão comum.
Depois disso, o normal é você fazer uma pós-graduação, que é quando você vai realmente começar a fazer pesquisa num nível mais avançado. Depois você pode ir pra um mestrado ou dependendo do caso você pode pular o mestrado e fazer um doutorado direto que eu e a Gabi fizemos por acaso, e durante essas duas fases você vai trabalhar com ciência. No mestrado você também não é completamente obrigado a fazer ciência de ponta, mas geralmente é bem recomendado, na verdade, que você já faça alguma coisa que seja inovadora, e daí no doutorado você não tem outra opção, tese de doutorado tem que ser alguma coisa inovadora em ciência, então você não tem pra onde fugir, você tem que fazer alguma coisa que seja original.
Depois disso, existem algumas possibilidades, você pode ir para centro de pesquisa, trabalhar com pesquisa, por exemplo, um lugar que meus colegas de curso foram trabalhar é o Centro Nacional de Pesquisa em Energia e Materiais, lá em Campinas, na verdade alguns desses centros de pesquisa contratam pessoas que não tem pós-graduação ainda, ás vezes eles contratam alunos que já saíram da graduação, mas ainda não fizeram a pós-graduação. Agora se você tiver pós-graduação, outro caminho possível é ir fazer um pós-doutorado ou inclusive também ir para algum desses centros de pesquisa, ou talvez ir para uma empresa, só que para falar a verdade não têm muitas empresas que fazem isso, a maioria das iniciativas são públicas, acabam se limitando a centros de pesquisa de universidades. Fora do país é muito mais comum você ver empresas que contratam pessoas para fazer pesquisa.
Espero que vocês tenham gostado do tema de hoje. Foi um prazer falar sobre física com você, Antonio!
Antonio se despede:
Eu que agradeço pelo convite! Na verdade, como a Gabi falou, eu estou começando a fazer divulgação científica no meu blog, então eu gostei muito desse convite. Foi legal porque me colocou bem fora da minha caixinha para tentar fazer divulgação científica sem nenhum gráfico, sem nenhuma figura, isso para mim foi bem desafiador. Espero que tenha dado para entender alguma coisa e espero que vocês tenham gostado.
Correlations in the elastic Landau level of spontaneously buckled graphene, https://arxiv.org/pdf/2003.05163.pdf
Introdução à Física do Estado Sólido - Ivan S. Oliveira e Vitor L. B. de Jesus - Livraria da Física
Materiais e dispositivos eletrônicos - Sergio M. Rezende - Livraria da Física.
The Bohr model, Landau quantization, and “truth” in science, https://gravityandlevity.wordpress.com/2013/10/26/the-bohr-model/
https://www.nobelprize.org/prizes/physics/1985/klitzing/lecture/
https://www.nobelprize.org/prizes/physics/2010/novoselov/lecture/
https://www.nobelprize.org/prizes/physics/2010/geim/lecture/
Tunable symmetry breaking and helical edge transport in a graphene quantum spin Hall state, https://arxiv.org/abs/1307.5104
Topology in Condensed Matter, https://topocondmat.org/w3_pump_QHE/Laughlinargument.html
Para aprender: o canal no youtube "Física e Afins" da maravilinda Bibi Bailas, o canal da Stephane Werner e o blog do Antonio cujo link está na descrição do episódio.
Para se divertir: Explicando (Netflix), Ônibus Espacial Challenger (Netflix) e Hawking (Prime Video)
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Música: Gabi
Pauta: Antonio e Gabi
Arte/edição: Produção