Problemas de Gênero na Avaliação Discente


Que a academia sofre de severas disparidades de gênero, já é bem sabido. Fato que há anos vem sendo recorrentemente denunciado, por exemplo, pelo teste de desenhar ume cientista, que revelou que crianças tendem a representar a figura de cientista como uma mulher em apenas 28% dos casos. Não dá também para ignorar o fato de que uma das premiações mais relevantes da ciência, o Nobel, desde o seu estabelecimento em 1901, paulatinamente despreza as contribuições feitas por mulheres, que correspondem a apenas 7% des laureades. Isso quando elas não têm o seu trabalho erroneamente creditado a homens, como aconteceu com a Madame Wu, responsável pela descoberta da violação da paridade. O apagamento é inegável.


Não obstante, as mulheres têm conquistado arduamente o seu espaço. Hoje, no Brasil, são maioria no corpo discente das instituições federais de ensino superior, alcançando 54,6% des estudantes regularmente matriculados em 2018, e representam 45,5% dos docentes da educação superior. Não bastasse a dificuldade que enfrentam para atingirem suas posições, como sobreviver a um ambiente acadêmico bem mais hostil do que o experimentado por homens, estudos recentes revelam que uma das ferramentas mais empregadas pelas instituições de ensino superior nas decisões sobre contratações e promoções, as avaliações discentes, sofre de um terrível viés de gênero.


Avaliações discentes são questionários respondidos por alunes ao final das disciplinas para avaliar os métodos de ensino e de avaliação, o conhecimento e a didática des professories, bem como o seu relacionamento com es estudantes. Eles têm sido cada vez mais empregados como a principal métrica na avaliação da qualidade de ensino. Contudo, em 2016, Anne Boring e colaboradories publicaram um artigo demonstrando que as avaliações discentes não medem a efetividade do ensino, já que são fortemente influenciadas pelo gênero des estudantes e docentes envolvides, desfavorecendo as professoras, de uma forma que é impossível acomodar tais vieses. Consequentemente, tais ferramentas são, na melhor das hipóteses, um indicador não confiável da qualidade de ensino. 


Se as avaliações discentes não medem a qualidade do ensino, o que elas medem, então? 


Foi essa questão que Sophie Adams e colaboradories abordaram em seu trabalho de 2021, publicado no periódico Higher Education (Springer). Elus analisaram qualitativamente as respostas de cerca de 400.000 questionários de avaliação discente, coletados entre 2010 e 2016, em uma grande universidade pública na Austrália. Tal instituição possui mais de 50.000 alunes matriculades, oriundes de mais de 128 países ao redor do mundo. Um estudo anterior de 2019, analisando quantitativamente dados da mesma instituição, já havia identificado que professores tinham uma maior probabilidade de receber avaliações positivas do que professoras. Mas, faltava entender como esse efeito masculino se manifestava. De acordo com Sophie e colaboradories, ele está muito mais relacionado com a identidade de gênero des professories e as normas de gênero vigentes no ocidente do que com qualquer prática de ensino.


De fato, os tipos de comentários prevalentes nas avaliações discentes mostram diferenças distintas e de gênero, tanto em termos de avaliação da prática docente, quanto de expectativas sobre comportamento e afeto. Por exemplo, conhecimento e experiência foram dois temas predominantes nas avaliações positivas dos professores, ao passo que entusiasmo e paixão, nas avaliações das professoras. Quanto à autoridade em sala de aula, ela foi identificada como uma característica masculina que propicia a eficácia do ensino. Por outro lado, uma que as mulheres deveriam melhorar, deixando de misturar autoridade com opiniões pessoais. Estudantes avaliaram positivamente professories que eram prestativos e disponíveis. Contudo, o tipo de comportamento esperado de mulheres era por mais tempo e comprometimento emocional extraclasse, enquanto que para homens, de mais energia e profundidade durante as aulas. Finalmente, estudantes reclamaram de professores que faziam piadas ou comentários inapropriados, ao passo que de, professoras que eram muito tensas, agitadas e que não sorriam o suficiente.


Com isso, Sophie e colaboradories concluíram que as avaliações discentes, de fato, não medem a qualidade do ensino, mas sim, a conformidade des professories com as expectativas de gênero, levando a uma séria desvantagem para as mulheres, em particular, punindo ativamente aquelas que falham em fazer seu gênero corretamente. Mais um exemplo de como o gênero e as expectativas de gênero atuam tanto como um conjunto regulatório de normas na sociedade, quanto como uma forma de classificar as pessoas, tornando-as inteligíveis, ou não. O trabalho de Sophie e colaboradories mostra, então, que as avaliações discentes atuam em favor do aumento das discrepâncias de gênero na academia e, por isso, deveriam ser banidas.