Como Noether salvou a Física?


No final da primavera de 1915, Einstein visitou a Universidade de Göttigen para uma série de palestras sobre a sua recém formulada teoria para a gravitação. Na plateia estava nada menos do que um dos matemáticos mais importantes da história, o alemão David Hilbert. Ele, que já há alguns anos defendia uma abordagem axiomática para física, ficou apaixonado pela elegância formal da teoria da Relatividade Geral, percebendo nela uma oportunidade ímpar para aplicar sua abordagem. Seus objetivos eram grandiosos, ele esperava com sua abordagem axiomática e o uso de métodos variacionais tornar a teoria de Einstein matematicamente precisa e, possivelmente, encontrar uma conexão com o eletromagnetismo. Não é de hoje que os sonhos de uma teoria unificada para física iludem as mentes mais brilhantes.


Contudo, um grande problema nesse programa tornou-se logo aparente. Sob certas circunstâncias, a teoria da Relatividade Geral parecia não respeitar um dos princípios mais fundamentais da física: a conservação da energia. De acordo com esse princípio, a energia pode se transformar, mas nunca ser destruída. De forma que, a energia total de um sistema deve permanecer constante para todo o sempre. Hilbert precisava da ajuda de algum especialista na teoria dos invariantes, um ramo da álgebra que estuda como as expressões algébricas se transformam sob mudanças de variáveis. Após discussões com seu colega e matemático Félix Klein, decidiram convidar uma das estrelas emergentes da matemática, Emmy Noether.


Se hoje ainda mulheres têm que lutar para conseguirem seu espaço na academia, imagina no começo do século 20. De fato, fisiologistas e historiadores da Universidade de Götttingen tentaram impedir a sua contratação. Em particular, um deles argumentou:


"O que nossos soldados pensarão ao retornarem para a universidade e se depararem com mulheres ministrando suas aulas?" 


Hilbert prontamente respondeu indignado:


"Não vejo como o gênero de uma candidata seja um argumento contra a sua admissão. Afinal, somos uma universidade e não uma casa de banhos."


Apesar de não ter uma posição oficial e nem ser remunerada em seus primeiros anos em Göttingen, ela logo demonstrou seu talento matemático resolvendo dois importantes problemas. O primeiro era o de como obter todas as formas convariantes diferenciais de um campo tensorial em um espaço Riemanniano. Já o segundo, resultou no teorema que leva o seu nome e revela uma profunda relação entre simetrias contínuas e leis de conservação. Em particular, para haver conservação da energia, é necessário que exista a simetria de translação temporal. Em outras palavras, o cenário no qual as partículas e forças evoluem, assim como as leis dinâmicas que governam seus movimentos, são constantes, ou seja, não mudam com a passagem do tempo.


Contudo, como bem sabemos, o tempo na Relatividade Geral não é uma quantidade absoluta como sua contraparte Newtoniana. Einstein nos ensinou que o tempo, assim como o espaço, muda, distorcendo-se conforme o espaçotempo se curva em resposta ao conteúdo do universo. Assim, a simetria de translação temporal só é válida na Relatividade Geral em circunstâncias muito particulares, a saber, no caso de um espoaçotempo plano, ou assintoticamente plano. Consequentemente, em geral, a energia não é conservada! 


Mas, não se preocupe, como já deixamos claro, esse é um fato já bem compreendido desde a década de 1920. Para entender o que está acontecendo precisamos apenas considerar um contexto um pouco mais geral do que aquele que você está, provavelmente, acostumade: a mecânica Newtoniana. Em primeiro lugar, precisamos olhar não apenas para a energia, mas sim, para o tensor de energia-momento, que evolui de uma maneira muito bem determinada em resposta ao comportamento do espaçotempo ao seu redor. Se o espaçotempo está completamente parado, a energia total é constante; caso contrário, se ele evolui, a energia muda de uma forma muito específica.


Para ilustrar esse tipo de situação, consideremos o que acontece com os fótons. Sabemos que eles sofrem um desvio para o vermelho, perdendo, pois, energia, conforme o universo expande. Consequentemente, se acompanharmos a evolução de um conjunto de fótons, perceberemos que o seu número permanece constante, mas a sua energia média diminui. Essa energia simplesmente é absorvida pelo espaçotempo, conforme ele expande. Trata-se de uma das ideias centrais que permitiram o nosso entendimento da nucleossíntese primordial.