Uma síntese das reformas trabalhistas na América Latina da última década

Autoras: Clécia Dantas, Natália Salan Maprica e Maria Luiza Nunes

02 abril. 2022

Laerte Coutinho, publicado em 11.07.2017 na Folha de SP   

As reformas trabalhistas são realizadas com intuito de mudanças na legislação que regulamenta as relações entre patrões e empregados, às vezes em benefício de um, às vezes em benefício do outro. Vários países da América Latina passaram por reformas significativas na última década. Com o discurso de “modernizar” as relações de trabalho, gerar mais empregos e facilitar a contratação de novos empregados, foram retirados direitos dos trabalhadores.  

Os países latino-americanos que impuseram tais reformas, na realidade entraram na onda neoliberal onde as leis são flexibilizadas, os direitos tornados negociáveis entre empregador e empregado, contribuindo assim para a institucionalização da precarização do trabalho e exploração do trabalhador. A Pandemia do coronavírus e a crise econômica do período foi usada também para retirar direitos dos trabalhadores, quando governos aproveitaram a situação emergencial para aprovar reformas impopulares.  

Honduras é um dos países da América Latina que, após o golpe de Estado de 2009, instituiu leis e programas que cortam direitos trabalhistas, no setor de serviços principalmente, onde a presença feminina é maior. Em 2013, no governo de Juan Orlando Hernandez, foi instituída a Lei do trabalho Horista, que permite o trabalho temporário, contratado por hora efetivamente trabalhada.  

Semelhantemente no Paraguai, em meio a pandemia do coronavírus (2020), o governo apresentou e sancionou um projeto de lei que estabelece um regime de exceção à contratação e extinção do vínculo empregatício estabelecido no Código do Trabalho

Esse tipo de contratação reforça a informalização e a intensificação do trabalho. Ao ser contratado por hora o trabalhador não possui nenhum vínculo empregatício definitivo com o empregador. Além disso, a quantidade de horas que serão trabalhadas não é regulamentada, ficando a critério de quem está empregando, podendo ser muito baixa - o que leva a uma baixa remuneração - ou muito alta - o que leva a jornadas extenuantes de trabalho. Sem contar na impossibilidade de descanso remunerado ou de faltas justificados por adoecimentos, por exemplo.   

No Equador, o ex-presidente Lenin Moreno, em 2020, se aproveitou da pandemia, para instituir a reforma trabalhista, a qual  flexibilizou as relações de trabalho, podendo o empregador modificar o contrato com o trabalhador reduzindo sua jornada e consequentemente seu salário.  

As reformas ocorridas no Brasil e em Porto Rico, ambas em 2017, foram muito similares, aderiram também a princípios neoliberais muito parecidos com outros países latinos. Especificamente no Brasil (governo Michel Temer), foi institucionalizada a terceirização total da produção e foi criada a modalidade de contrato de trabalho intermitente, por jornada ou hora de serviço - assim como em Honduras.  

Já em Porto Rico, durante a presidência de Trump e sob o governo do democrata Ricardo Rosselló, foi aprovada uma reforma para os trabalhadores do setor privado, na qual houve aumento da jornada de trabalho, do estágio probatório e do tempo de trabalho para para ter direito a férias e licença saúde. Mas no ano de 2021, senado e câmara estado-unidense aprovaram uma reforma para restituição de antigos direitos trabalhistas, ainda em tramitação. 

Também em 2017, El salvador, no mandato de Salvador Sánchez, passou por uma reforma na previdência, que aumentava o imposto previdenciário pago pelos trabalhadores. Nessa mesma época, no governo do ex-presidente Mauricio Macri, foi aprovada na Argentina uma reforma laboral que dificultou o acesso à justiça do trabalho e à de indenização em acidentes laborais. 

O Panamá, onde o atual presidente Laurentino Cortizo  promoveu uma reforma (2020) em que os vínculos empregatícios dos trabalhadores foram suspendidos devido à pandemia, o que levou à grandes manifestações dos trabalhadores. Em 2021, tal reforma foi revogada e as empresas tiveram que reestabelecer os contratos de trabalho.  

No ano de 2021, o presidente da Colômbia, Iván Duque, tentou implementar uma reforma tributária, a qual penalizaria os trabalhadores que aumentaria os impostos sobre produtos básicos do cotidiano. Essa tentativa fracassou e levou o país a beira do caos, com amplas manifestações e violentas repressão, que analisamos com maior detalhes aqui. Cabe lembrar que a Colombia já fez amplas reformas trabalhistas, com terceirização irrestrita e fim da estabilidade no setor público, por exemplo.  

No Uruguai, em 2020, o presidente de direita Lacalle Pau aprovou a toque de caixa uma ampla reforma neoliberal que, além de flexibilizar as relações de trabalho no setor privado e publico, limite o direito de greve, estabelece o corte de gastos públicos e chega a modificar aspectos da legislação penal, dando maior poder à polícia. Tal reforma foi levada à referendo popular em 2022, sendo aprovada por 49% dos eleitores, enquanto sua rejeição foi de 48%, mostrando a polarização no país.  

A presidente chilena, Michelle Bachelet, em 2014 assinou um projeto de lei proibindo a substituição de trabalhadores caso estes entrem em greve. Entretanto,  o Chile é o país modelo do neoliberalismo no mundo e a legislação que rege as relações de trabalho ainda são produto da ditadura de Pinochet nos anos 1990. 

Por outro lado, um dos países que foi em direção contrária da onda neoliberal e da redução de direitos, foi a Venezuela sob o governo de Hugo Chávez, que em 2012 aprovou uma reforma que proibiu a contratação terceirizada, diminuiu a jornada de trabalho dos venezuelanos, estendeu o período da licença maternidade e dobrou a indenização por demissão sem justa causa.  

No mesmo sentido, no mandato de AmLO no México (2019), a reforma fortaleceu os sindicatos e a justiça do trabalho, além de também criminalizar a subcontratação. Na Costa Rica (2015), que tinha como presidente Luis Guilhermo Solís e na Nicarágua (2012) sob o governo de Daniel Ortega – ambos presidentes de esquerda - as reformas trabalhistas aconteceram de maneira semelhante, em função de organizar e reforçar a justiça do trabalho.  

Durante o mandato de Evo Morales (2006-2018), na Bolívia, não houve reforma trabalhista, mas ocorreram mudanças no mundo do trabalho que tinham como objetivo combater a estrutura do trabalho herdada do neoliberalismo, sobretudo a flexibilidade nas relações e nos direitos trabalhistas. Entre as mudanças, está o aumento do salário minímo, o programa de apoio ao emprego para jovens de 18 anos, oferecendo capacitação técnica e pagamento de subsídio, entre outros investimentos do governo com o objetivo de gerar empregos

Assim, a orientação política dos governos acaba por ser determinante no sentido das políticas e reformas laborais, que podem tanto assumir caráter progressista e ampliar direitos dos trabalhadores quanto retornar a períodos em que o trabalho não tinha nenhuma proteção legal, como ironiza a charge da Laerte. 

Os discursos pelas reformas trabalhistas que flexibilizam os direitos justificam que estas seriam necessárias para atrais mais emprego, sob a lógica de que trabalhadores sem direitos são mais baratos, logo o país atrairia mais investimentos e empresas. Numa economia completamente estagnada, desde a crise de 2008, não adianta baratear mão de obra. Isso é simplesmente uma transferência para os trabalhadores dos efeitos da crise econômica criada pela burguesia financeira global.  

Os efeitos das reformas trabalhistas estão sendo sentidos pelos trabalhadores latino-americanos com muito mais intensidade nesses últimos anos de crise sanitária, que sem estabilidade empregatícia e a constante retirada de direitos trabalhistas, ocasionou em 41 milhões de desempregados em toda a região da América Latina (2020)