Entre altos e baixos: relações de Brasil e Cuba 


Autora: Natália Salan Marpica 

03 agosto 2021

A inusitada homenagem dada por Jânio Quadros a Che Guevera, em 1961, não deixa dúvidas: as relações entre Brasil e Cuba tem intensos altos e baixos. 

Apesar da diferença de tamanho, temos muitas semelhanças. A presença  negra nos dois países, o histórico da plantação açúcar, a tardia abolição da escravidão, a miscigenação, assim como o clássico arroz com feijão como prato principal, nos aproximam em termos culturais, sociais e econômicos. 

No entanto, nossos caminhos se dividem, enquanto Cuba fazia sua revolução socialista, com apoio da União Soviética, nós tomávamos um golpe militar, com ajuda dos Estados Unidos. E de 1964 até 1986 as relações diplomáticas entre as duas nações foram interrompidas. 

O resgate das relações entre os países trouxe benefícios a ambos. Para o Brasil, Cuba se tornaria um aliado econômico na compra de produtos brasileiros, e o Brasil exerceria seu soft power, mostrando influencia sob a região, e a ilha ganharia um importante apoio internacional no contexto da crise que representava o fim da União Soviética. 

No início da década de 1990 os presidentes de ambos os países mantiveram uma boa relação, Fidel Castro veio ao Brasil prestigiar a posse de Fernando Collor de Mello, e depois demonstrou apoio a Collor quando o então presidente do país sul-americano passava pelo impeachment. No mesmo período, o Brasil, por sua vez, se colocou contra os EUA e a favor de Cuba em posições internacionais. Itamar Franco, deu seguimento a uma politica de apoio a Cuba, manifestando-se publicamente contra o embargo, e celebrando novos acordos comerciais, inclusive em termos de energia e potencial nuclear. 

FHC, entreguista, teve posições ambíguas em relação à Cuba, ora mais próxima aos EUA, ora em defesa do país caribenho. Seguiu a trajetória de rechaçar o embargo, embora não tenha se posicionado contra a lei Helms-Burton, assinada por Clinton, que estendia o bloqueio contra empresas estrangeiras que negociassem com Cuba. 

Foi durante os governos do Partido dos Trabalhadores (PT) que os laços entre os dois países ganharam uma nova dimensão. Diplomaticamente, Lula se aproximou de Fidel, e Dilma Rousseff  estreitou relações comerciais. O Brasil chegou a ser o segundo maior parceiro comercial de Cuba, tendo como auge desta amizade a construção do Porto de Muriel, a maior obra realizada em Cuba nos últimos anos,  que gerou ao Brasil 156 mil empregos, realizada pela Odebretch com financiamento do BNDES sob críticas da direita brasileira

O Mais Médicos, lançado em 2013, trouxe 12 mil médicos cubanos ao Brasil e representou uma importante fonte de ingressos para Cuba, como parte das relações bilaterais, do tipo em que os dois lados se beneficiam mutuamente.

Quando Dilma Rousseff foi tirada do cargo de presidente, em 2016, Cuba passou a sofrer com os impactos do golpe no Brasil. Em abril de 2016, o ministério de relações exteriores de Cuba denunciou, através de uma nota, o processo responsável pelo fim do mandato da então presidente do Brasil: "Setores de direita representantes da oligarquia, em convivência com a imprensa reacionária do Brasil, apoiados abertamente pelas transnacionais da comunicação e do imperialismo, consumaram, na Câmara dos Deputados desse país, a primeira passagem do que constitui um golpe de estado parlamentar".

A partir de 2015, o Brasil passa a restringir, devido à crise econômica, os investimentos em Cuba, e em 2016, com Michel Temer, as exportações brasileiras para Cuba caíram de US$ 513 milhões em 2015 para US$ 321 milhões em 2016, chegando ao valor de US$ 209 milhões em 2020. As importações de produtos cubanos pelo Brasil chegou a 96 milhões em 2013, mas em 2020 limitou-se a US$ 3 milhões.  

Com Bolsonaro, a inimizade chega a seu ápice. Pouco antes de sua posse, Cuba teve que encerrar a parceria do Mais Médicos com o Brasil. Em 2019, pela primeira vez na história, o Brasil, ao lado de Israel, votou a favor do embargo estadunidense, numa decisão que envergonhou os brasileiros e mostrou que, mais que nunca, estamos no papel de ‘lacaios do império’, para usar uma expressão dos revolucionários cubanos. 

Os gráficos ajudam a entender como a crise no Brasil afetou economicamente Cuba: 

Cuba, experiente, afirma que o movimento golpista retornou de forma sistemática para a  América Latina na última década, sob a égide da política externa dos Estados Unidos, como sintetizou Raul Castro, na comemoração dos incríveis 60 anos da revolução: 

"Luego de casi una década de poner en práctica los métodos de guerra no convencional para impedir la continuidad o frenar el regreso de gobiernos progresistas, los círculos del poder en Washington patrocinaron golpes de Estado, primero uno militar para derrocar en Honduras al presidente Zelaya y más adelante acudieron a los golpes parlamentario-judiciales contra Lugo en Paraguay y Dilma Rousseff en Brasil.”



Para saber mais:


Fidel e suas visitas ao Brasil, desde 1959, em imagens:  https://brasil.elpais.com/brasil/2016/11/26/album/1480160431_630742.html#foto_gal_3 

DE LIMA NUNES, Fernando. Política Externa Brasileira e Sua Relação Com Cuba: de Fernando Henrique a Lula (1995-2010). Revista Historiador, n. 12, 2019.

VASCONCELOS, Luiz L. Um repasse sobre as relações Brasil-Cuba. Contexto Internacional, v. 13, n. 2, p. 187, 1991.