10 pontos para entender a situação na Nicarágua
Autora: Natália Salan Marpica
07 janeiro de 2022
Ao lado de Cuba e da Venezuela, a Nicarágua representa uma pedra sapato dos Estados Unidos.
A reeleição de Daniel Ortega, em 2021, sob intensos ataques imperialistas, deixou também a esquerda internacional confusa, com posicionamentos covardes e ambíguos.
Porém, por que este pequeno país é tão polêmico? Um país tão pequeno, mas que tenta escrever sua própria história.
Trouxemos 10 pontos para esclarecer o que acontece na Nicarágua.
1) A Nicarágua esteve sob a ditadura da família Somoza de 1934 a 1979, com o apoio dos Estados Unidos.
2) Em 1979, uma revolução popular - a Revolução Sandinista - derruba a ditadura dos Samoza e implementa uma série de transformações sociais, como a reforma agrária, comandada pela Frente Sandinista de Libertação Nacional (FSLN).
3) A FSLN, criada em 1961 com o impulso da revolução cubana, se inspira na luta do General Augusto Cesar Sandino. Este, travou batalhas contra a presença dos Estados Unidos na Nicarágua nos anos 1930. Em 1934 é executado por Samoza antes do golpe de Estado pelo qual sobe ao poder em 1936.
4) Em 1986 veio a tona o escândalo chamado de Iran-Contras, em que os Estados Unidos vendiam secretamente armas para o Iran, durante a guerra Iran-Iraque (em que os EUA apoiavam o Iraque!), para financiar grupos paramilitares contrários à revolução Sandinista na Nicarágua
5) O financiamento e apoio dos EUA aos paramilitares contrários aos sandinistas rendeu uma condenação dos EUA no tribunal de Haia, por ferir o direito internacional de não usar a força contra outro Estado. Os EUA não reconheceu o julgamento e bloqueou a execução da sentença no conselho de segurança da ONU e a Nicaragua nunca recebeu os valores determinados no julgamento.
6) Daniel Ortega, presidente reeleito, é um dos lideres da revolução sandinista e está em seu terceiro mandado consecutivo, governando desde 2006. Sua esposa, Rosario Murillo é a vice-presidenta. Ele foi presidente de 1984 a 1990, quando fez as principais politicas sociais. Atualmente é chamado pela imprensa imperialista de ‘ditador’. Nas eleições de 2021, obteve 75,87% de um total de 2.921.430 votos, com 65,26% de comparecimento às urnas.
7) Um dos elementos chave para entender a importância da Nicaragua atualmente é seu papel estratégico de aproximação com a China por meio da construção de um canal interoceânico, que irá romper a hegemonia do canal do Panamá, sob influencia dos EUA. O canal da Nicarágua, construído por uma empresa chinesa, irá favorecer a Nova Rota da Seda, permitindo o trânsito marítimo entre o Oceano Atlântico e o Oceano Pacífico. Os Estados Unidos financiaram, em 2013, manifestações contra a construção do canal, em uma de suas estratégias de desestabilização do regime sandinista. O projeto de construção do canal ainda não teve inicio. Recentemente, a Nicarágua declarou apoio total a existência de uma só China, opondo-se a tentativa separatista de Taiwan.
8) Em 2018, Donald Trump sancionou o NICA Act e em 2021 Joe Biden aprova a Renascer Act, unindo democratas e republicanos no ataque a Nicaragua. Estas duas leis impõe sanções à indivíduos e instituições nicaraguense, impede empréstimos ao pais, bloqueia os bens pessoais e estabelece vigilância sobre o que ocorre no país, com destaque para as relações militares da Nicaragua com a Russia e amplia a cooperação imperialista com Canadá e União Europeia, que também impuseram sanções a membros da FLSN .
"O Diretor Executivo dos Estados Unidos em cada instituição financeira internacional do Grupo Banco Mundial, o Diretor Executivo dos Estados Unidos no Banco Interamericano de Desenvolvimento e o Diretor Executivo dos Estados Unidos em cada outra instituição financeira internacional , incluindo o Fundo Monetário Internacional, deve tomar todas as medidas possíveis para aumentar o escrutínio de qualquer empréstimo ou assistência técnica ou financeira concedida a um projeto na Nicarágua, a fim de assegurar que o empréstimo ou assistência seja usado para os fins pretendidos.” (Renacer Act, 2021, seção D. Tradução nossa)
9) Na eleição de 2016 nos Estados Unidos, a herdeira da família de ditadores nicaraguenses Anastasia Somoza fez campanha para Hillary Clinton. Quando Ortega é reeleito, em 2021, Joe Biden lança uma nota oficial chamando sua eleição de pantomima. A OEA, por sua vez, afirma que as eleições foram fraudulentas, sem legitimidade democrática, seguindo os mesmos passos do apoio ao golpe boliviano em 2019. A Nicarágua abandonou a OEA após as eleições de 2021.
10) Apesar de toda a pressão imperialista sobre a Nicarágua, a esquerda latino-americana não foi capaz de se manifestar claramente contra a intervenção estrangeira no país. . No fim das contas, o caso das eleições nicaraguenses, assim como a Venezuela, pode ser considerado um norteador do posicionamento politico: a direita acompanha os EUA chamando Ortega de ditador. A esquerda por sua vez, se omite, mostrando sua falta de coragem, clareza e posicionamento. O mais jovem presidente chileno, Gustavo Boric, não deixou dúvidas de que lado está: "Nicaragua necesita democracia, no elecciones fraudulentas ni persecución a opositores". A Argentina reconheceu as eleições, mas afirmou que a Nicarágua precisa resgatar o diálogo e a convivência democrática. Pedro Castillo disse que as eleições na Nicarágua merecem rechaço internacional, enquanto Cuba e Venezuela apoiaram enfaticamente Ortega e denunciaram a intervenção internacional. No Brasil, o bafafá em torna da nota do PT em apoio a Ortega, que teve que ser retirada do ar após Gleisi Hofmann afirmar publicamente que tal nota não havia sido aprovada dentro do partido. Lula, que já havia feito criticas a Ortega, o defendeu numa entrevista ao imperialista El País, denunciando a hipocrisia de chamar Ortega de ditador por sua longa permanência no cargo: "Por que a Angela Merkel pode ficar 16 anos no poder e Daniel Ortega não? Por que Felipe González, aqui, pôde ficar 14 anos? Qual é a lógica?”. Essa afirmação rendeu intermináveis ataques a Lula, mostrando sua importância no cenário nacionalista latino-americano. PSOL, Juliano Medeiros e Guilherme Boulos ficaram quietinhos, sem sem manifestar, embora historicamente acusem Ortega de autoritário. PCB segue a mesma linha, sem se manifestar, e seu principal expoente nas redes sociais, Jones Manoel disse que não tem opinião sobre o assunto. PSTU, como esperado, ataca Ortega. PCO e PCdoB, acertadamente, manifestaram bonitas notas em apoio a Nicarágua:
"Temos confiança no governo nicaraguense e na direção da FSLN e apoiamos o chamado do comandante Daniel Ortega ao diálogo nacional" (PCdoB)
Para ser mais:
Entrevista com o Chanceler da Nicaragua Denis Moncada: https://thegrayzone.com/2021/11/24/nicaragua-anti-imperialista-denis-moncada/
Nota oficial do Departamento de Estado dos EUA sobre as sançoes a Nicarágua: https://www.state.gov/translations/spanish/el-departamento-del-tesoro-sanciona-al-ministerio-publico-de-nicaragua-y-a-nueve-funcionarios-del-gobierno-tras-la-farsa-electoral-de-noviembre/
Cover UP: Documentário sobre o caso do Iran-Contras. https://www.youtube.com/watch?v=ZDdItm-PDeM