Uma síntese da tensão social na Colômbia de Iván Duque 



Autora: Eliene Ferreira

08 setembro 2021

Um manifestante é atingido por um coquetel molotov jogado durante confrontos com policiais em um protesto contra a proposta de reforma fiscal do governo. Cali, Colômbia, 3 de maio de 2021.  Foto: LUIS ROBAYO/AFP via Getty Images.

Uma onda de protestos, que teve início no dia 28 de abril de 2021, movimentou o cenário político e social da Colômbia. A marcante mobilização popular levou milhares de colombianos às ruas para se manifestarem contra a proposta de reforma tributária de Iván Duque, atual presidente do país, e foi responsável por desencadear a maior greve geral que a Colômbia já vivenciou. 

O governo alegava que o projeto de reforma tributária iria “resgatar” a economia e subsidiar a implementação de programas sociais, mas o plano afetaria principalmente as classes menos privilegiadas. Pretendia-se aumentar para 19% o imposto sob serviços básicos e ampliar o número de contribuintes do imposto de renda, ao diminuir o valor da renda mínima necessária para a contribuição obrigatória, num contexto em que o desemprego atingia, a nível nacional, 15,1% da população ativa, enquanto desemprego urbano chegava à marca de 17,4%, e cerca de 47% dos trabalhadores se encontravam em empregos informais, ademais o país havia registrado mais de 72 mil mortes por covid-19. 

Renata Peixoto de Oliveira, doutora em Ciência Política pela Universidade Federal de Minas Gerais e docente da Universidade Federal da Integração Latino-Americana afirmou, em entrevista cedida para o portal de notícias R7, que: 

“A população mais carente seria afetada porque haveria a taxação de produtos que para elas são essenciais. Logo, taxar esses serviços e aumentar a proporção de contribuintes com ainda mais tributos afeta diretamente quem já não tem dinheiro para suas necessidades básicas”. 

A intensa pressão popular fez com que o presidente desistisse da reforma, nos moldes apresentados a princípio, e resultou na saída do então ministro da fazenda, que renunciou ao cargo no dia 04 de maio, Alberto Carrasquilla. As mudanças, entretanto, não foram capazes de cessar as manifestações. A crise econômica, a desigualdade social e a exacerbada repressão policial foram primordiais para impulsionar os atos. 

Não é de hoje que Iván Duque, líder conservador de direita que venceu as eleições presidenciais em 2018 para um mandato com duração de 4 anos, vem causando insatisfação. Em novembro de 2019, foi organizada uma paralisação nacional, assim como protestos, com o intuito de expor o descontentamento da população em relação às políticas econômicas neoliberais do governo, principalmente acerca da reforma trabalhista e da reforma previdenciária, além disso temáticas sociais, como a reivindicação de maiores recursos para educação, a violência policial, o assassinato de líderes sociais, indígenas e ex-integrantes das Forças armadas revolucionária colombiana (FARC), que haviam feito um acordo de paz com o Estado colombiano, também pautaram os protestos. Naquele ano a taxa de desaprovação do presidente colombiano era de 69%. Em 2020, após duas chacinas que deixaram 10 mortos nos departamentos de Cauca e Nariño, cidadãos voltaram a se organizar para protestar contra o governo. 

Os atos de 2021 chamaram a atenção pela sua diversidade, estudantes, professores, mulheres, indígenas, ativistas do movimento negro, membros sindicais e pessoas que não tinham nenhuma proximidade ou filiações com organizações sociais aderiram ao movimento, porém o que mais ganhou foco internacionalmente foi a brutal repressão policial que, segundo dados de organizações voltadas aos direitos humanos, resultou na morte de 83 pessoas, entre os dias 28 de abril e 28 de junho de 2021. Há também denúncias de desaparecimento, prisões arbitrárias, violência sexual e de gênero. O Esquadrão Móvel Antidistúrbios (Esmad), equivalente ao Batalhão de Operações Especiais (BOPE) no Brasil, foi o principal responsável por “conter” os manifestantes. 

As autoridades do país foram extremamente criticadas por suas abordagens e pelo uso de armas como o lançamento de projéteis “Venom”, arma capaz de disparar múltiplos projéteis ao mesmo tempo. Estima-se que ao menos 82 pessoas sofreram de lesões oculares durante os protestos, violência que se assemelha a casos noticiados em manifestações que ocorreram em outros países da região, como no Chile, entre 2019 e 2020, fato que impulsionou a criação da rede de apoio “Los ojos del Chile”, que tem como objetivo amparar aqueles que sofreram esse tipo de lesão em decorrência da violência estatal, e no Brasil, em maio de 2021, durante os atos que pediam, sobretudo, a saída do atual presidente, Jair Messias Bolsonaro, dois cidadãos que não participavam dos protestos, na cidade de Recife, foram atingidos por balas de borracha, atiradas pela PM, e perderam parte da visão. 

No dia 26 de agosto de 2021, a população da Colômbia voltou ocupar as ruas do país para protestar contra a nova reforma tributária que propõe congelar por 10 anos o salário de funcionários públicos e para exigir a aprovação de iniciativa popular.  

A crise que se alastrou na nação andina ainda não foi completamente superada. A difícil conjuntura foi responsável, inclusive, pela mudança do país que sediaria a Copa América, o evento seria realizado na Colômbia, mas foi transferido, sob muitas críticas, para o Brasil.  

As próximas eleições presidenciais e parlamentares do país irão ocorrer, respectivamente, em março e maio de 2022. Dados revelam que Iván Duque consta com uma desaprovação de 76%. O senador, de esquerda, Gustavo Petro, do partido Colômbia Humana, assume a liderança das intenções de voto com o cerca de 30,3%, mais que o dobro do segundo colocado, Sergio Fajardo, que detêm 14,2 % das intenções de voto.   

A liderança de Gustava Petro tem potencial para representar uma significante mudança nos aspectos políticos e sociais do país, que tem um longo histórico de assassinar lideranças sociais e candidatos mais à esquerda do espectro político. 

 



Para saber mais:  



Brasil de Fato - Dois meses de greve geral na Colômbia: veja o que mudou: https://www.brasildefato.com.br/2021/06/28/dois-meses-de-greve-geral-na-colombia-veja-o-que-mudou 


Canal Brasil de Fato - Greve geral e repressão policial seguem na Colômbia após queda de ministro da Fazenda: https://www.youtube.com/watch?v=a4pJwaqy3ek&ab_channel=BrasildeFato 


Capire - Colômbia: a mobilização não para de crescer: https://capiremov.org/entrevista/colombia-a-mobilizacao-nao-para-de-crescer/ 


Podcast Pulso Latino - #41 MINIPULSO/ O que está acontecendo na Colômbia?  https://open.spotify.com/episode/4tAijLbH5DH6a6r86OwgDB?si=9FkgGq1kSDmoId3X5ne7ug 


Revista Jacobin Brasil - O governo colombiano está em guerra contra os manifestantes: https://jacobin.com.br/2021/06/o-governo-colombiano-esta-em-guerra-contra-os-manifestantes/ 


Revista Jacobin Latino América - La rabia desborda Colombia: https://jacobinlat.com/2021/04/30/la-rabia-desborda-colombia/